quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Caminho das praias - III

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Pela segunda vez neste ano, nesta tarde, demos uma bela caminhada até o tradicional Balneário de Cabeçudas. Porém não paramos neste balneário: seguimos pela praia até a igrejinha, depois até o Iate Clube, onde acessamos uma trilha de lama por causa das intensas chuvas deste mês. Fomos penando com aclives e declives enlamaçados até o pequeno farol de Cabeçudas. Mas valeu a pena! Tiramos ótimas fotos do morro e da praia do Morcego durante o trajeto.

Na volta, depois da entrada dos Molhes/Farol da Barra, topamos com uma família de capivaras. Mas só vimos os filhotes, bem pertinho da calçada, ali no meio da capoeira, do lado do rio. Foi um ótimo achado para quem tinha uma câmera. Mas os bichinhos estão muito perto da estrada e temo pela sorte deles... (Itajaí-SC, 31/08/2011)

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Quem não te conhece, que te compre

Um tradicional conto espanhol explica a origem do ditado “Quem não te conhece que te compre”. O tio Cândido morava na cidade de Carmona e era a pessoa mais inocente e simplória do de toda a Andaluzia. Além disso, tinha ótima índole: generoso, caridoso e afável com todos.

Ele tinha um belo burro, mas, como era bondoso ao extremo, não gostava de cansar o animal. Assim, acostumara-se a andar puxando-o pelo cabresto.

Um dia, uns estudantes arruaceiros o viram passar deste modo e decidiram roubar o burro. Enquanto alguns levavam o animal sem que tio Cândido visse, o mais travesso dos estudantes ficou no lugar do burro, com a mão atada ao cabresto.

Quando tio Cândido viu o rapaz, ficou pasmado achando que o burro tinha se transformado em gente. O estudante mentiu que, no passado, tinha sido brigão, jogador, afeiçoado às mulheres e muito vadio. Por isso, seu pai o amaldiçoara dizendo: “És um asno, e em asno te deverias mudar.” Dito e feito. A maldição fez com que virasse um burro e, por quatro anos, vivera daquela forma. Agora, arrependido de seus pecados, tinha voltado ao normal.

Tio Cândido ficou maravilhado com a história. Teve pena do estudante, não se importou com o dinheiro que estava perdendo sem o burro. Aconselhou-o a ir depressa se apresentar ao pai e reconciliar-se com ele. O estudante, com falsas lágrimas de gratidão nos olhos, foi embora.

Tempos depois, passeando numa feira, tio Cândido ficou assombrado ao ver à venda um burro idêntico ao que tivera. Naturalmente, era o mesmo, mas, ingenuamente, ele concluiu que o estudante tinha voltado à vida de travessuras e que o pai o amaldiçoara de novo.

Aproximando-se do burro, tio Cândido falou-lhe ao ouvido: “Quem não te conhece, que te compre!”

Fonte: http://pt.shvoong.com/books/mythology-ancient-literature/1655914

Cascaes e o imaginário popular

Franklin Cascaes nasceu a 16 de outubro de 1908 em Itaguaçu, município de São José (SC). Faleceu a 15 de março de 1983, em Florianópolis. No decorrer de sua vida expressou em forma de arte os estudos que realizou sobre a cultura açoriana na Ilha de Santa Catarina, seus aspetos folclóricos, culturais, suas lendas e superstições como se fora um ritual abstrato que atingisse a estrutura vital do mito.

E fê-lo soberbamente, já que da pesca da tainha a cerâmica,dos cantos aos engenhos de farinha e açúcar, aprofundou sobretudo o estudo que trata das lendas através de um desenho fantástico, cujo sentido mítico dimensiona uma criatividade genuína e profunda.

Para Cascaes mito é a possibilidade de primordial, a realidade inteligível que estabelece de modo único, numa pré-figuração do mistério que antecede a revelação. A força criativa de Cascaes encontra-se, ainda, na capacidade de sua imaginação, a ponto de acrescentar elementos atuais às lendas da Ilha de Santa Catarina.

Tinha uma personalidade muito forte e curiosa e isto pode ser percebido no seguinte agradecimento: "aos que me contaram estórias e histórias; aos que me acolheram com o valor cultural do calor humano; aos que me hostilizaram, a todos enfim o meu obrigado".

Retratos do imaginário popular

Cascaes retratou por meio da escrita, desenho, escultura e artesanato a Ilha do Desterro, com uma percepção apaixonada e sensível, capaz de captar, absorver e interpretar o que estava diante dos olhos e o que lhe chegava aos ouvidos. A vida do folclorista se confunde com a própria cultura das comunidades litorâneas catarinenses.

Desde criança circulava nos engenhos de farinha, ouvia histórias dos pescadores e confeccionava utilitários, como balaios e louças de barro. Foi descoberto pelo professor Cid Rocha Amaral, diretor da Escola de Aprendizes e Artífices de SC, aos 21 anos, esculpindo na praia de Itaguaçu. Os primeiros registros artísticos de Cascaes são de 1946, quando tinha 38 anos.

O saber fazer, procissões, pesca , lavoura, causos, folguedo, cantorias noturnas, religiosidade, brincadeiras, lendas, literatura oral, enfim, todo o fabulário popular da ilha fez parte do seu dia-a-dia e tornou-se objeto de pesquisa e estudo para o artista. Seus cadernos de anotação eram diários de campo, onde coletava desde receitas até crenças e rezas populares, subvertendo os modelos acadêmicos de pesquisa.

Diferentes aspectos da vida cotidiana do imigrante e seus descendentes, suas formas de organização social, subsistência, natureza e imaginário foram registrados. Cascaes queria divulgar a cultura açoriana para as próximas gerações e principalmente, para seus próprios protagonistas, chamados de "colonos anfíbios", por lidar com terra e mar.

O calendário cultural da cidade e o caráter religioso das manifestações populares criava um universo de sincretismo onde sagrado e profano conviviam. Tanto as festas de padroeiros quanto as rezas bravas pra afastar bruxas interessavam o folclorista. As histórias dos seres fantásticos presentes no folclore catarinense, como bruxas, lobisomem, vampiros e assombração, resultaram no realismo fantástico ilhéu. Logo, Florianópolis passou a ser conhecida como ilha de Cascaes, da magia ou das bruxas.

"Seu Francolino", como era carinhosamente chamado, passava temporadas imerso em comunidades de pescadores e pequenos agricultores ouvindo estórias, com um o interesse quase antropológico em desvendar a identidade daquela cultura. Depois de muitas anotações e desenhos em nanquim, organizava uma exposição com o que havia produzido sobre o cotidiano da comunidade, devolvendo para aquele espaço o que foi com ele compartilhado.

— Franklin Cascaes é um fenômeno , até hoje imcompreendido. Ele registrou o folclore vivaz e a alma da nossa gente. Tinha uma fala muito intensa com os trabalhadores e conhecia o calendário cultural das comunidades, onde tudo era feito com muita fé e alegria, cantorias e comilança. Foi criado nesse meio, era também um portador dessa cultura — comenta Gelci José Coelho, o Peninha, ex-diretor do Museu Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina(Ufsc) e maior pesquisador da vida e obra do artista.

Personagens do cenário insular, do manezinho às figuras políticas, foram moldados em argila. Pequenas esculturas de bruxas, reproduziam as descrições dos antigos moradores do interior. Essas histórias, causos e conhecimentos, que eram repassados de boca à boca, transformavam-se em arte.

O olhar atento de Franklin Cascaes teve uma importância política fundamental. O artista dedicou toda a vida para registrar as lendas, histórias e costumes, pressentindo angustiado a perda dos traços culturais das comunidades litorâneas, com os ventos da modernidade.

Um ambientalista precoce, na contramão da história

Quando ninguém falava de ecologia, Franklin Cascaes já tinha um discurso crítico, alertando para as consequências da modernização.

A partir de 1950, época em que a sociedade florianopolitana almejava a modernidade do Rio de Janeiro e São Paulo, Cascaes agiu na contramão da história. Além de resgatar as tradições seculares, estava atento às questões ambientais, que começavam a ser suplantadas com o "desmonte" da cidade.

— Enquanto as elites locais se deslumbravam com as mudanças que estavam chegando porque eram sinônimos de progresso, Cascaes as pensava de modo crítico, antecipando uma leitura de cunho ecológico, pois observava o impacto da especulação imobiliária não apenas na vida cultural local, mas também no meio ambiente— comenta a professora Aglair Maria Bernardo, na palestra proferida no Museu do Mar em comemoração ao centenário do artista.

Em um dos seu manuscritos ele afirma: "O progresso, senhor mui poderoso e soberano terráqueo, mandará tudo destruir sem técnica, dó, nem piedade, como já o fizeram os homens lá das outras bandas da Terra, das Oropas. Infelizmente não fui mau profeta como teria desejado sê-lo".

Cascaes denunciava as agressões ao meio ambiente em suas poesias, esculturas, desenhos e manuscritos, na ânsia pela preservação do patrimônio histórico e natural da cidade. Foi um visionário, por isso seu discurso permanece tão atual.

— A obra de Cascaes é uma referência fundamental para todos que reconhecem a singularidade do nosso lugar. Não é possível fazer uma ponte com o local sem beber na fonte do Franklin, o maior pesquisador da cultura popular do litoral de Santa Catarina — afirmou a produtora cultural e jornalista Bebel Orofino, que preside a Associação dos Amigos do Museu Universitário.

Qualquer leitura sobre as comunidades litorânea passam necessariamente pela produção de Cascaes, que cantou a sua aldeia e foi universal, fundindo o passado da cultura ilhoa com reflexões sobre o presente.


Edith Wharton

A escritora americana Edith Wharton ganhou fama por seus romances e contos que descrevem os costumes de uma elite hipócrita e convencional, na qual ela nasceu e viveu.

Edith Newbold Jones nasceu em 24 de janeiro de 1862 na cidade de Nova York. Educada em casa e na Europa, em 1885 casou com Edward Wharton, banqueiro de Boston.

Suas primeiras obras de ficção foram contos, aos quais se seguiu o sucesso do primeiro romance, The Valley of Decision (1902; O vale da decisão). Consolidou sua fama com a publicação do romance seguinte, The House of Mirth (1905; A casa da alegria).

Nas décadas de 1920 e 1930 publicou outros romances, além de livros de contos e estética literária.

As melhores obras de Edith Wharton são Madame de Treymes (1907), que mostra a influência de Henry James; o popular Ethan Frome  (1911), único sobre a classe média, atualmente exaltado pela crítica; The Reef (1912; O recife) e The Custom of the Country (1913; O costume do país), em que trata da falsidade dos ricos; e Age of Innocence (1920; Era da inocência), que lhe garantiu o Prêmio Pulitzer e foi duas vezes adaptado para o cinema, em 1924 e 1994.

Das coletâneas de contos, a melhor é Xingu and Other Stories (1916; Xingu e outros contos).

Edith Wharton faleceu em Saint-Brice-sous-Forêt, França, em 11 de agosto de 1937.

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A origem do tabaco

O berço no qual se disseminou a nicotina conduzida pelo tabaco foi a América. É de tempos imemoráveis o costume dos aborígenes americanos de fumar tabaco nas cerimônias religiosas.

É um enigma que tantas culturas indígenas espalhadas neste continente, as quais dificilmente podiam contatar-se, partilhassem um ritual semelhante mágico, religioso, sagrado, no qual o sacerdote, cacique ou pajé e seus circunstantes entravam em transe aspirando o fumo do tabaco.

Quando Colombo aportou nestas paragens, plantava-se tabaco (nome comum dado às plantas do gênero Nicotiana L. - Solanaceae -, em particular a N. tabacum) em todo o continente. O primeiro contato do mundo civilizado com a nicotina ocorreu no início do século XVI, quando foi trazido para a Europa pelos espanhóis.

O corsário Sir Francis Drake foi o responsável pela introdução do tabaco na Inglaterra em 1585, mas o uso de cachimbo só se generalizou graças a outro navegador, Sir Walter Raleigh.

Um diplomata francês, de nome Jean Nicot (de onde deriva o nome da nicotina) aspirava-o moído rapé e percebeu que aliviava suas enxaquecas. Desta forma, enviou certa quantidade para que a então rainha da França, Catarina de Médicis, o experimentasse no combate às suas enxaquecas. Com o sucesso deste tratamento, o uso do rapé começou a se popularizar.

Jean Nicot apresentando a planta do tabaco à Rainha Catarina de Médicis - Ilustr. do séc. XVIII.

Cinqüenta anos após sua chegada, fumava-se cachimbo praticamente em todo o continente europeu: nobres, plebeus, soldados e marinheiros. Para os ricos, criaram-se as “Tabages”, onde homens e mulheres se reuniam em tertúlias, fumando longos cachimbos.

Rapidamente o tabaco integrou-se em todas as populações do mundo civilizado. Na Prússia, o tabagismo difundiu-se impulsionado por Frederico Guilherme, que no início do século XVIII, na sua corte, fundou o “Tabak Collegium”, no qual, diariamente, ministros, generais, políticos e literatos discutiam, propunham e assinavam decretos, sentados em torno de uma imensa mesa chupando cachimbos com hastes de meio metro ou mais.

A partir do século XVIII, espalhou-se a mania de aspirar rapé, que reinou por uns 200 anos. Os nobres usavam tabaqueiras até de ouro cravejadas de diamantes. Prosperou a indústria da ourivesaria miniaturizada, executada por artistas notórios. Havia os que usavam uma tabaqueira por dia, possuindo centenas de tipos diferentes. O povo, sem posses, usava o rapé deposto no dorso do polegar da mão, que flexionado forma uma fosseta triangular. Nos livros de anatomia é chamada “tabaqueira anatômica”.

O charuto teve seu reinado no século XIX. Sua popularidade entre os abastados simbolizava elevado status econômico-social. Nos Estados Unidos, havia a figura do “Tio Sam” de cartola e com um enorme charuto na boca.

O cigarro surgiu em meados do século XIX. Na Espanha, porém, muito antes já se fumava tabaco enrolado em papel, denominado “papeleta”. Existe uma tapeçaria, desenhada por Goya em 1747, figurando jovens com cigarros entre os dedos. Parece que o termo “cigarillos” em espanhol deriva de cigarral, nome dado a hortas e plantações invadidas por cigarras.

O nome generalizou-se: cigarette em francês, inglês e algumas outras línguas; zigarette em alemão; sigaretta em italiano e cigarro em português. Em várias línguas, cigarro ou cigar referem-se a charuto. Paris foi invadida pelo cigarro em 1860. Nos Estados Unidos, houve verdadeira explosão do cigarro na década de 1880, quando se inventou uma máquina que produzia duzentas unidades por minuto. Logo, surgiram máquinas produzindo centenas de milhões por dia.

O cigarro teve sua expansão por ser mais econômico mais cômodo de carregar e usar do que o charuto ou o cachimbo. A primeira grande expansão mundial foi após a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918. Entretanto, sua difusão foi praticamente no sexo masculino. A difusão entre as mulheres cresce após a Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945.

Em linhas gerais, traçamos o panorama da difusão da nicotina no mundo. Essa droga é a mola mestra da universalização do tabaco. Como o uso dos derivados do tabaco inicia-se, em 99% dos casos, na adolescência, aos 19 anos de idade, mais de 90% já estão dependentes da nicotina. Por isso, o tabagismo é considerado doença pediátrica provocada pela nicotina.

Fontes: Nicotina - Droga Universal - Dr. José Rosemberg; Wikipédia.

Quando e como surgiu a camisinha

Homens e mulheres, durante séculos, têm procurado métodos contraceptivos. Vários foram testados, mas a maioria se mostrou apenas dolorosa e ineficaz. Na tentativa de evitar uma gravidez indesejada ou doenças sexualmente transmissíveis a humanidade inventou fórmulas tão estranhas quanto gengibre e suco do fumo ou excrementos de crocodilo, que possui pH alcalino, assim como os espermicidas modernos.

O nascimento da camisinha não foi muito mais nobre do que isto. Na Ásia usava-se um envoltório de papel de seda untado com óleo. No Antigo Egito os egípcios já usavam ancestrais de camisinhas não como anticoncepcionais, mas como proteção contra picadas de insetos (durante as caçadas, não no sexo). Elas eram feitas de tecido ou outros materiais porosos pouco eficazes como métodos anticoncepcionais.

Mas, durante a Idade Média, com a disseminação de doenças venéreas na Europa se fazia necessário a invenção de um método mais eficaz. Em 1564, o anatomista e cirurgião Gabrielle Fallopio confeccionou um forro de linho do tamanho do pênis e embebido em ervas. Mais adiante, estes preservativos passaram a ser embebidos em soluções químicas (pretensamente espermicidas) e depois secados.

Foi só no século XVII, que a camisinha ganhou um "toque de classe". O Dr. Quondam, alarmado com o número de filhos ilegítimos do rei Carlos II da Inglaterra (1630-1685), criou um protetor feito com tripa de animais. O ajuste da extremidade aberta era feito com um laço, o que, obviamente, não era muito cômodo, mas o dispositivo fez tanto sucesso que há quem diga que o nome em inglês (condom) seria uma homenagem ao médico. Outros registros indicam que o nome parece vir mesmo do latim "condus" (receptáculo).

A "camisinha-tripa" seguiu sendo usada, até 1839, quando Charles Goodyear descobriu o processo de vulcanização da borracha, fazendo-a flexível a temperatura ambiente. Mas não se anime que a higiene absoluta ainda não nasceu. Nesta época, os preservativos de borracha eram grossos e caros e por isto lavados e reutilizados diversas vezes.

As camisinhas de látex só surgiram em 1880 e daí evoluíram à medida que novos materiais foram desenvolvidos, adicionando novas formas, melhorando a confiabilidade e durabilidade.

Fonte:  http://www.juraemprosaeverso.com.br/Curiosidades/Quandoecomosurgiuacam.htm

Tempestades de rãs e sapos

A "chuva" de rãs, sapos e outros pequenos animais como peixes e lagartixas, apesar de um fenômeno raríssimo, já foi registrada em vários lugares do mundo. Mas não comece a pensar em pragas bíblicas porque a queda do céu destes bichinhos desafortunados pode ser facilmente explicada cientificamente.

A causa na verdade é bem singela. As fortes correntes ascendentes de ar que encontramos nos tornados ou nas tempestades de alta intensidade podem absorver ou empurrar para cima qualquer objeto ou animal que não tenha sido suficientemente precavido para procurar um refúgio. Por isto ninguém ouve falar em chuva de toupeiras ou coelhos, que procuram abrigo rapidamente em caso de tempestade.

Uma vez empurrados para o núcleo da tempestade ou tornado, as correntes ascendentes os mantêm dentro das nuvens, sendo fustigados por fortes correntes de ar até que a tempestade perca intensidade. Aí então, tudo o que tinha sido absorvido pela tempestade cede ante a lei da gravidade e cai, criando uma verdadeira "chuva".

Quando estudamos as correntes de ar que se encontram dentro das tempestades vemos que não é tão estranho que isto aconteça, já que os ventos ascendentes podem chegar a 200 km/h, capazes de lançar para o alto qualquer objeto que tenha sido absorvido. Este fenômeno já matou vários praticantes de asa-delta que, por um excesso de confiança, voaram perto demais de um tornado e acabaram sendo empurrados até seu "cume", a mais de 11 mil metros de altura.

A esta altura as temperaturas são tão baixas que qualquer ser vivo morre congelado. Alguns pilotos chegaram mesmo a tentar desprender-se da asa-delta para lançar-se em queda livre, mas os ventos eram tão intensos que eles foram empurrados para cima da mesma forma.
 
Fonte: Don Quixote de la Mancha - Há mesmo chuva de rãs e sapos.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Edgar Allan Poe

"... Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte! Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais! Não deixes pena que ateste a mentira que disseste! Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!» Disse o corvo, «Nunca mais».

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais. Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que  sonha, E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais, E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais, Libertar-se-á... nunca mais! " (O Corvo).

Este famoso escritor americano se celebrizou, no século XIX, por suas histórias mórbidas e fantásticas. Edgar Allan Poe nasceu em Boston, em 19 de janeiro de 1809, filho de pais atores, mas o destino reservou um duro golpe para o menino e seus irmãos, matando seus pais de tuberculose. As crianças foram recolhidas por pessoas da família e Edgar acabou encontrando abrigo na casa de um tio rico. No entanto, as dificuldades do início da vida provocaram um permanente pessimismo e um espírito macabro que o acompanharam até sua morte.

Poe estudou na Inglaterra durante sua juventude, mas logo voltou aos Estados Unidos, onde frequentou as Universidades de Charlotteville e Virginia. Porém, não conseguiu se enquadrar nos rígidos padrões da época e acabou expulso da Universidade de Virginia.

Por ter um espírito aventureiro e rebelde, foi para a Grécia lutar contra os turcos. Na volta, alistou-se no Batalhão de Artilharia e acabou conseguindo uma indicação para a Academia Militar de West Point. No entanto, nessa época, sua cabeça estava voltada para a poesia e após publicar o seu primeiro livro de poemas , Tamerlane and other poems, by a Bostonian decidiu abandonar a carreira militar.

Em 1833, ganha o prêmio do jornal Philadelphia Saturday Visitor com o seu conto Manuscript found in a bottle. O diretor do jornal, com pena da miséria e da depressão em que o escritor vivia, consegue-lhe um emprego no Southern Literacy , onde ele fica pouco tempo pois se tornara num alcoólatra.

O casamento com sua prima Virgínia, de apenas13 anos, faz Edgar ficar mais confiante. Ele começa a trabalhar em diversos jornais em Nova Iorque e Filadélfia. Em 1840, publica sua primeira coleção de contos, Tales of grotesque and arabesque e Os crimes da rua Morgue, apresentando a figura do detective Dupin, antecessor de Sherlock Holmes.

Mas o destino outra vez surpreende o escritor. Sua mulher é atacada pela tuberculose, doença que matou seus pais. Edgar volta ao alcoolismo e se relaciona com Frances Osgood, para tentar esquecer sua dor familiar. Em 1847, com a morte de sua mulher, Poe se afunda num estado de profundo desespero e passa a viver em constante embriaguez e abuso de ópio. Aos 40 anos, numa taberna, em Baltimore, Edgar Allan Poe passa mal sofrendo de delirium tremens em virtude do consumo exagerado de ópio. Acaba assim falecendo três dias depois num hospital. Era sete de outubro de 1849.

Poe escreveu novelas, contos e poemas, exercendo larga influência em autores fundamentais como Baudelaire, Maupassant e Dostoievski. Admite-se hoje que a culminância de seu talento dá-se no gênero conto. Suas histórias curtas podem ser classificadas tematicamente em dois grupos principais:

a) contos de horror ou “góticos”; b) contos analíticos, de raciocínio ou policiais. Escreveu também contos de humor e contos que anteciparam o que hoje se chama “ficção científica”.

Os contos de horror ou “góticos” apresentam invariavelmente personagens doentias, obsessivas, fascinadas pela morte, vocacionadas para o crime, dominadas por maldições hereditárias, seres que oscilam entre a lucidez e a loucura, vivendo numa espécie de transe, como espectros assustadores de um terrível pesadelo. Muitos destes relatos ainda causam calafrios nos leitores modernos.

Entre eles destacam-se O Gato Preto, Ligéia, A Máscara da Morte Escarlate, O coração delator, A queda da Casa de Usher, O Poço e o Pêndulo, Berenice e O Barril de Amontillado, O Retrato Ovalado, Leonor .

Os contos analíticos, de raciocínio ou policiais entre os quais figuram os antológicos Assassinato de Maria Roget, Os crimes da Rua Morgue e A carta roubada, ao contrário dos contos de horror, primam pela lógica rigorosa e pela dedução intelectual que permitem o desvendamento de crimes misteriosos. É o início do que se convencionou chamar de literatura policial.

Poe não foi apenas um notável contista. Foi também o primeiro grande teórico do gênero, ressaltando no conto três elementos básicos: a estrutura centrada num efeito único, o valor dominante do clímax (o desfecho do conto) e o despojamento da expressão. Aliás, a linguagem das histórias curtas de Poe é elevada, porém direta, apresentando diálogos de grande força dramática que conduzem o leitor por um mundo labiríntico e asfixiante.

Enquanto os demais autores se concentravam no terror externo, no terror visual se valendo apenas de aspectos ambientais, Poe se concentrava no terror psicológico, vindo do interior de seus personagens.

Estes sofriam de um terror avassalador, fruto de suas próprias fobias e pesadelos, que quase sempre eram um retrato do próprio Poe que sempre teve sua vida regida por um cruel e terrível destino. Não há conto algum de Poe narrado em terceira pessoa e é sempre "ele" que vê, que sente, que ouve e que vive o mais profundo e escandente terror. São relatos em que o delírio do personagem se mistura de tal maneira à realidade que não se consegue mais diferenciar se o perigo é concreto ou se trata apenas de ilusões produzidas por uma mente atormentada.

Numa época em que começava a se desenvolver o espiritismo na América do Norte, Poe se valhe desses argumentos e povoa suas obras com novas sensações e angústias onde reencarnação, hipnotismo ou mesmerismo eram quase sempre presentes. Mas em todos os contos, ou em quase todos, sempre há um mergulho, em certas profundezas da alma humana, em certos estados mórbidos da mente, em recônditos desvãos do subconciente.

Por isso mesmo a psicanálise lança-se com afã ao estudo da obra de Poe, porque nela encontram exemplos em grande quantidade para ilustrar suas demonstrações. Independentemente, porém, desses aspectos, o que há nela é um talento narrativo impressionante e impressivo, uma força criadora monumental e uma realização artística invejável, que explicam o ascendente enorme que até os nossos dias exercem os contos de terror de Edgar Allan Poe.

O insepulto

Terêncio Espinheira passava em frente à capela de São Raimundo quando sentiu travar o coração. Tombou, arrastou-se e morreu babando no último banco da igreja.

O sacristão comunicou ao padre Otávio e foi avisar à família: duas filhas que com Espinheira moravam lá pras bandas do motor do arroz. As duas receberam com alegria, a notícia, e não foram à casa santa, ver o corpo do pai. Pe. Otávio pediu um caixão ao Major Apolônio que, como prefeito, enterrava os mortos da cidadezinha por conta dos dinheiros municipais.

Mas não havia caixão para Espinheira, destratador de políticos e destruidor do patrimônio público. A saída foi o velho sacerdote providenciar uma rede para conduzir o morto, e o fez constrangido porque muitas vezes, Terêncio, embriagado, invadira a igreja durante a santa missa, montado no seu cavalo cardão.

As filhas não compareceram pois festejavam a morte do pai com muitas rodadas de cerveja quente num reservado do Bar da Bia. Nunca mais apanhariam no meio da rua, do pai feito fera, apesar das suas idades, com mais de trinta anos cada uma.

À tarde Pe. Otávio utilizou o serviço de som da igreja e pediu ajuda aos cidadãos de Sipaúbas para o transporte do defunto até o cemitério, ninguém apareceu. Nem adiantava, pois Gervásio, o coveiro, já se havia negado a cavar a cova, depois de tanto sofrer nas mãos de Espinheira.

O vigário teve a idéia de pagar com o pouco dinheiro da coleta da missa a um carroceiro para carregar o morto. O carroceiro veio mas o burro puxador da carroça assombrou-se ao ver o morto e disparou de rua afora de carroça seca.

Espinheira anoiteceu insepulto. Já exalando mau cheiro, era alta noite, quando Pe. Otávio teve a idéia de colocar o cadáver num carro de mão e empurrá-lo até os fundos da igreja onde um riacho caudaloso transbordava em cheias de abril. Jogou o corpo na correnteza e veio desinfetar a capela.

No dia seguinte por mais de uma légua de riacho abaixo apareceram centenas de piranhas mortas, e nos invernos dos anos seguintes nunca mais correu água no riacho das Guaribas.
Conto de Batista de Lima


BATISTA DE LIMA, nascido em Lavras da Mangabeira (1949), embora pertença ao "grupo" da revista O Saco, pois seu primeiro livro, de poemas, é de 1977, passou a divulgar seus contos mais recentemente: O Pescador da Tabocal saiu em 1997 e Janeiro é Um Mês Que Não Sossega, em 2002. Seminarista no Crato, formou-se em Letras e Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especializou-se em Teoria da Linguagem na Universidade de Fortaleza, onde exerceu a chefia do Departamento de Letras e a diretoria do Centro de Ciências Humanas. Cursou o mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará. Iniciou-se como professor de Português em colégios de Fortaleza. Na vida  literária deu os primeiros passos no Clube dos Poetas Cearenses. Mais tarde participou ativamente dos grupos Siriará, Arsenal, Catolé e Plural. De poesia publicou os livros Miranças (1977), Os Viventes da Serra Negra (1981), Engenho (1984) e Janeiro da Encarnação (1995). Na área do ensaio literário deu a lume, em 1993, Os Vazios Repletos e Moreira Campos: A Escritura da Ordem e da Desordem, e, em 2000, O Fio e a Meada - Ensaios de Literatura Cearense. Membro da Academia Cearense de Letras.

domingo, 28 de agosto de 2011

O inferno

Quando ela disse que tinha um filho, um garoto, já de doze anos, Romualdo caiu das nuvens:

— Filho?

— Você não sabia?

Foi enfático:

— Nem desconfiava.

E ela:

— Pois tenho. Fez doze anos, está no colégio.

— Engraçado!

— Por quê?

Ele foi, então, gentilíssimo. Disse que ela não parecia mãe de ninguém e muito menos de um garoto, quase rapaz. E, na verdade, a idade do menino o espantara. Lucília, com seu tipo frágil e pequeno, o ar de menina, um quê de infantil nos olhos, no sorriso, nas maneiras, parecia uma garota solteirinha. E não foi somente de espanto a sua reação. Experimentou também um certo alarme. Aquele filho, aquele marmanjo, inesperado e taludo, assustava. Foi, porém, bastante hábil e educado para dissimular o desconforto e bastante cínico para a seguinte promessa:

— Vou ser para ele um segundo pai!

— Deus me livre!

— Como?

Lucília suspirou:

— Eu te explico. Vamos entrar ali, um momentinho.

O FILHO

Entraram numa sorveteria. Depois de sentados e servidos, ela foi tomando sorvete e explicando.

— O Odésio não pode saber, nem desconfiar.

Esta era uma condição que ela impunha. Ou ele aceitava ou, então, nada feito. Romualdo ainda ponderou:

— Acho que você exagera!

— Ora, Romualdo, tem dó! Você se esquece que é casado, que vive com outra, que tem filhos, esquece?

— Realmente.

— Pois é, meu filho, pois é!

Eram seis horas quando Romualdo a largou, num ônibus apinhadíssimo. Ela fez a viagem em pé. A promiscuidade, ali, era uma coisa abjeta. Espremida, imprensada, triturada em meio dos passageiros, teve uma sensação de ultraje, de profanação, de aviltamento. Um cavalheiro que ia saltar no poste seguinte foi varando a massa humana; ao passar por ela quase a derruba. A sensação do ultraje recrudesceu em Lucília. Resmungou:

— Animal!

Mas ia bastante atribulada com seus problemas. E não ligou mais para os contatos indesejados e brutais que, nos ônibus cheios, são inevitáveis. O drama de Lucília era, em suma, o seguinte: o medo, o pavor, de que o filho enfim soubesse... A opinião, o julgamento do garoto era a coisa que mais a impressionava no mundo. Temia-o mais do que o Juízo Final. Ao mesmo tempo, tinha loucura por Romualdo e a vida sem ele seria de uma monotonia medonha. Pendurada no ônibus, gemeu interiormente:

— Oh! meu Deus do céu!

HISTÓRIA DE AMOR

Então, começou a mais doce, a mais sofrida história de amor. Voltava dos seus encontros com Romualdo em sobressalto. O filho estava sempre na rua, jogando bola ou em brincadeiras turbulentas com amigos de sua idade. Uma vez, deu um chute, e com tanta infelicidade, que a unha do dedo grande do pé saltou longe. O negócio inflamou; e Lucília, quando chegou de uma entrevista amorosa, tomou-se de vergonha e de remorso. Pensou, lavando o pé machucado: enquanto ela se divertia com um homem, além do mais casado, o filho, sozinho, estava precisando de seus cuidados. Vamos que fosse uma coisa pior que um simples esfolamento de dedo. Que remorsos não sentiria? O menino, corajoso, quase não se queixava. E era ela quem tinha de perguntar:

— Está doendo?

— Mais ou menos.

E Lucília:

— Quando estiver doendo, diga!

No dia seguinte, Lucília apareceu triste. Suspirava:

— Que vida!

Romualdo acabou se enfezando:

— Que vida, por quê?

Ela, então, pôs as cartas na mesa:

— Reconheço que a culpada sou eu, porque você, sendo casado, eu não devia... Romualdo, não está direito.

Fez uma pausa, antes de completar:

— Se, ao menos, você vivesse só pra mim!

Foi brutal:

— Ora, Lucília, ora! No mínimo, você está querendo que eu deixe minha mulher! Sou capaz de apostar!

Despediram-se sem carinho. E ele, ressentido, mal se deixou beijar. Disse, apenas:

— Vai com Deus, vai!

Nessa noite, ele fez confidências a um amigo. Quando este soube que havia um filho no meio, um marmanjão de doze anos, foi categórico:

— Abacaxi autêntico!

E Romualdo insistiu:

— Você não acha um desaforo que ela queira, imagine, que eu deixe minha mulher?

— Evidente!

No primeiro encontro, Romualdo rompeu fogo:

— Das duas uma: ou você muda de cara, faz uma cara alegre, ou, então, minha filha, vamos acabar com esse negócio. Já não estou gostando, nada, nada!

Já o termo negócio pareceu a Lucília de uma abominável grosseria, de um prosaísmo ultrajante. Além disso, a agressividade, como se ela fosse uma qualquer!
Exaltou-se, também:

— Não grite! Está pensando que eu sou o quê?

— Grito, pronto, grito! Não topo chiquê! Comigo, não!

Ela não disse uma, nem duas. Apanhou a bolsa, que estava em cima da mesa: olhou-se, instintivamente, no pequeno espelho; e, num passo lento, encaminhou-se para a porta. Parou um segundo, uma fração de segundo. Esperava talvez que Romualdo a chamasse. Teria, então, voltado e tudo terminaria numa reconciliação feroz. Mas ele esbravejou:

— Mulheres é que não faltam, inclusive a minha! Podia haver pontapé mais claro, mais insofismável, mais absoluto? Saiu para nunca mais.

O ABANDONO

Ela tinha do próprio casamento e do marido morto uma lembrança penosa. O marido era uma nobre alma, que vivia para a esposa e para o filho. Mas tudo que ele fizesse, de bom, de heróico, de sublime, esbarrava diante de sua falta de amor. E isso, essa falta de amor, era pior do que o ódio. Crispava-se quando o pobre-diabo vinha fazer-lhe festa. Houve uma vez em que não pôde, não agüentou, explodindo:

— Não me beija! Não quero seu beijo! Que coisa aborrecida!

Ele já estava doente, na ocasião. Foi talvez este episódio que antecipou o fim.

Seis meses depois, ela, sem nenhum luto interior, tinha a sua primeira experiência amorosa, na pessoa do casado Romualdo. Viu, então, que o marido a interessava menos que o mata-mosquito anônimo que vinha pôr creolina no ralo. Foi uma paixão feroz que acabou, como vimos, da maneira mais estúpida do mundo.

Durante dias, Lucília, numa tristeza obtusa, esperou um telefonema, um bilhete, um recado. Nada, absolutamente nada. Depois soube, por terceiros, que ele andava com uma datilógrafa extranumerária numa autarquia; tinham sido vistos no Passeio Público, onde tiravam retratos no lambe-lambe. Lucília, fora de si, encerrava-se no quarto, ficava horas de bruços, na cama, chorando. Já o julgamento do filho não a interessava mais. O garoto, diante do seu pranto, perguntava:

— Que é que a senhora tem, mamãe?

— Não aborrece! Não amola! Sai daqui, anda!

Na presença do filho, ligava para o escritório do bem-amado. De lá, queriam saber quem era.

Lucília se identificava. Então, a resposta infalível era: “Não está”. Uma vez, porém, coincidiu que o próprio atendesse. Mas, quando percebeu que era ela, explodiu:

— Me deixa em paz, sim? Quero sossego! Vê se não me chateia.

O filho não fazia comentário. Era uma testemunha muda de tudo. Guardara, porém, o nome e o repetia: “Romualdo, Romualdo”. Conhecia-o, de vista. Pensava nele dia e noite, com essa obstinação de amor ou de ódio. E já não saía mais de casa, não jogava mais bola; passava as horas ao lado de Lucília, de olhos muito abertos, como se esse desespero o fascinasse, apesar de tudo. Ouviu quando a mãe, numa crise maior, amaldiçoou o homem que a abandonara:

— Tomara que ele morra, meu Deus! Fique debaixo de um automóvel! Tomara, meu Deus!

Por fim, ela já não queria mais nada; ou, por outra, queria morrer. Não comia e seu desmazelo, de atitudes, de roupas, de higiene, era aterrador. Passava dias com uma mesma combinação. Outras vezes, do fundo do seu desespero, fazia a reflexão: “Há três dias que não escovo os dentes”. O filho se abraçava a ela. Chorava:

— Não fique assim, mamãe! Não chore mais!

Certa vez, na rua, o garoto ouviu dizer que não se nega nada a quem está morrendo, a quem vai morrer. O “último” pedido de alguém, justamente por ser o “último”, é alguma coisa de terrível e sagrado, que cumpre obedecer, sob pena de maldições tremendas.

Então, afirmou:

— Ele volta, mamãe! Volta, sim! Juro por Deus!

A VOLTA

Romualdo estava, no poste, esperando o ônibus. O garoto desconhecido aproximou-se e disse que era filho de d. Lucília e falou mais:

— Volta para minha mãe. É meu “último” pedido.

Romualdo não entendeu. Ou só entendeu quando o menino se atirou debaixo de um ônibus que passava a toda a velocidade. A morte foi instantânea.

Alta madrugada apareceu mais alguém para fazer quarto ao menino: era o assombrado, o enlouquecido Romualdo. Voltava, sim. E continuou voltando, escravo do “último pedido” de uma criança. Quando, finalmente, ela se cansou dele e quis deixá-lo, Romualdo lembrou, apenas, o desejo do menino. Então Lucília compreendeu que estavam unidos, e para sempre, dentro de um inferno.
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Deus os protege

O cara chega em casa bêbado como uma cabaça na água. E a sua mulher furiosa grita:

- Foi bebê né ?

E ele num porre, só responde também gritando:

- Fui sim! Eu fui bebê, fui adolescente, fui jovem e hoje sou um véio cansado de você, muié!!

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O bêbado entra em um velório, cantando parabéns:

-Parabéns pra você, nesta data queridaaa!

Mas logo é reprendido na entrada da casa:

-Moço, que isso? Isso não é aniversario, isso aqui é um velório!

-Por isso que desconfiei! Nunca tinha visto um bolo tao grande!

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O bêbado passou a noite toda ligando pra casa do dono do bar:

- Que hora você vai abrir o bar?

O dono:

- Mas rapaz, você já ligou mais de 100 vezes! Só vou abrir as 9 horas.

O bêbado respondeu:

- É porque você me deixou preso no bar e não tem mais nenhuma pinga pra mim tomar.

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No mesmo bar, o bêbado se aproxima de uma mesa onde se encontravam dois rapazes muito parecidos:

- Viiige! Acho que estou vendo demais!!

Ao que um dos rapazes, apressou-se em esclarecer:

- Não tem nada de errado contigo, não! É que nós somos gêmeos!

- Todos os quatro?

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O camarada saiu do bar, completamente bêbado.

Cambaleou de um lado a outro, escorando nas paredes. Caminhou mais um pouco e parou em frente a uma freira, que lhe sorriu com profunda piedade. Ele olhou para ela, bem nos olhos, e deu-lhe um soco no meio da testa. A mulher saiu rolando pelo chão e caiu, desmaiada. O bêbado ficou parado, olhando aquele monte de pano atirado na calçada. Balançou mais um pouco, pra frente e pra trás, e reclamou, revoltado:

- Que decepção! Esperava mais de você Batman!

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Um bêbado chato entra num bar e pede pro balconista:

- Ô amigo, coloca duas aí. Uma pra mim e outra pra você.

O balconista que era o dono do bar responde:

- Só para o senhor. Eu não bebo.

- Vai fazer essa desfeita comigo amigo? Eu não bebo sozinho! Bota duas aí e bebe comigo!

O cara pra se ver livre do bêbado, coloca as duas doses. Eles tomam e o bêbado fala:

- Ó amigo, amanhã eu venho aqui, bebo mais uma e pago as duas.

O pau d`água foi embora e voltou no dia seguinte com a mesma conversa. Novamente o dono do bar colocou duas doses e os dois tomaram. O bêbado prometeu voltar no dia seguinte e pagar as três. Fez isso umas três vezes. Por fim o dono do bar que já tava puto, chamou os seguranças do bar e falou com eles:

- Amanhã, quando esse bêbado chato vier aqui, vocês peguem ele, levem ele lá pra fora e mete a porrada, quero ver esse cara desmaiado de tanto apanhar. Vamo vê se ele volta aqui pra beber fiado outra vez.

E assim fizeram. O Bêbado chegou, eles levaram o chato pra fora e desceram o cacete nele.

No dia seguinte o bebum apareceu novamente na maior cara de pau, todo arrebentado e pediu pro dono do bar:

- Bota uma branquinha aí pra mim.

Admirado o dono perguntou:

- Você não vai mandar eu colocar uma dose pra mim não?

- Não, quando ocê bebe, cê fica muito nervoso.

Fontes: OraPois; Portal do Humor.

sábado, 27 de agosto de 2011

Banho de Cléopatra

Era muito relaxado. Quase todas as manhãs, Ritinha fazia a mesma pergunta:

— Não vai tomar banho?

Mentia:

— Estou gripado.

E ela:

— Não mente, Hildegardo, não mente! Gripado onde?

O rapaz acabava perdendo a paciência.

— Ritinha, escuta! Te mete com a tua vida! Mania de dar palpite!

Mas a esposa era teimosa:

— Ao menos, passa álcool no pescoço e nas orelhas. Passa, Hildegardo! É tão feio homem de orelha suja.

Hildegardo acabava passando uma lição de moral:

— Escuta, mulher, escuta! — E foi enfático: — O que importa é lavar debaixo do braço. E basta! Vê se não enche! Você já está enchendo!

Ritinha suspira:

— Olha, meu filho! Eu não tenho nada com isso. É pra teu bem.

No dia seguinte, a mesma cena. O marido esbravejava: “Ih, você é chata!”.

O CASAL

Entre parênteses, era louca pelo marido. Ia dizer às amigas: — “Gosto tanto do Hildegardo, mas tanto, que olha: — se ele morresse, eu acho que não me casava outra vez”.

Protestavam:

— Mulher precisa de casamento, o que é que há? Ou você é fria?

Batia na madeira, mais do que depressa:

— Isola!

Havia, porém, na sua felicidade, um defeito: — o banho semanal do marido. Como nas anedotas, Hildegardo só tomava banho aos domingos. Menina de um asseio mórbido, que tomava, às vezes, três banhos por dia, Ritinha não entendia aquilo. Repetia, na maior boa-fé: — “É feio, meu filho, é feio!”. E o seu pavor era que a criada notasse e fosse contar na vizinhança. Toda vez que o marido entrava no banheiro, ela ia abrir o chuveiro. Explicava:

— Deixa o chuveiro aberto pra criada pensar que estás tomando banho.

Ele achou o expediente genial. Fora esse detalhe, eram felicíssimos. Até que, um dia, Hildegardo acorda antes da mulher e a sacode:

— Mulher, escuta! Vai botar o meu banho!

Vesga de sono, não entende:

— Banho?

E Hildegardo, feliz, o olho rútilo:

— Exato. Olha: — hoje, quero um banho de banheira. Caprichado.

Sentada na cama, olhava o marido:

— Que piada é essa?

Esfregando as mãos, ele fazia um risonho escândalo:

— Piada como? Você não me chama até de porco? Pois é. Resolvi ser limpo, pronto. Prepara o banho, mulher. Anda, capricha!

Tocada pela alegria do marido, enfiou os pés nas sandálias e pôs o quimono em cima da camisola:

— Até que enfim, puxa vida!

ASSEIO

Enquanto a mulher abria as torneiras, ele, diante do espelho, escovava os dentes. Disse:

— Banho morno!

O dentifrício escorria-lhe da boca como uma efervescente baba. Continuou:

— Mulher, quero sair daqui como o sujeito mais limpo do Rio de Janeiro! E olha: — vou te incumbir de uma missão especialíssima. É a seguinte: — quando eu acabar de tomar banho, você vai me limpar as orelhas com álcool. As orelhas e pescoço.

Escovou os dentes, fez a barba. A banheira já estava pela metade. Em calça de pijama, nu da cintura para cima, estufava o peito, com uma sensação de plenitude. De vez em quando, Ritinha experimentava a temperatura da água. No seu quimono rosa, esgarçado nos cotovelos, suspira:

— Sabe que eu estou te estranhando!

O marido acha graça:

— Vocês, mulheres, são engraçadíssimas! Escuta, escuta! Você sempre não reclamou? Pois bem. No dia em que resolvo ser limpo, você estranha?

Olhava aquele marido que era um garotão forte e bonito:

— Estou brincando! Você não vê que eu estou brincando, seu bobo?

Hildegardo veio beijá-la na testa:

— Minha mulher, você é a maior. Vem cá, vem cá. Põe água-de-colônia na banheira.

Era demais: — “Água-de-colônia?”. Teimou:

— Sim, senhora! Água-de-colônia! Quero um banho de Nero, um banho de Cleópatra!

Sem uma palavra, foi apanhar o litro de água-de-colônia. Faz o comentário:

— Você está exagerando!

LIMPEZA

Guarda o litro no pequeno armário e vai saindo:

— Toma teu banho, que eu vou fazer um negócio.

O fato é que Hildegardo demorou-se, na banheira, como uma noiva. Pensava, esfregando-se com ferocidade: — “Banho de casamento!”. Quando saiu, sentia-se mais leve. Gritou:

— Mulher, vem esfregar as orelhas! O pescoço!

Ela respondeu do quarto:

— Agora não posso.

Então ele molha a extremidade da toalha no álcool e passa no pescoço, nas orelhas. Em seguida, põe perfume no cabelo, debaixo do braço, no peito. Imagina: — “Devo estar cheiroso como um bebê”. E já ia saindo quando teve uma lembrança: — “Os pés!”. Inunda os pés de talco. E, então, enrolado na toalha, passa do banheiro para o quarto. Mas estaca na porta. Pergunta, estupefato:

— Que piada é essa?

Via Ritinha, muito entretida, passando a gilete nos seus ternos, um por um. A mulher acabava de abrir, em dois, o último paletó. O marido se arremessa:

— Está doida? Bebeu?

Ela ergue o rosto em desafio:

— O senhor não vai sair, não, senhor. Vai ficar aqui, comigo. Marido limpo eu quero pra mim!

Na sua raiva, segura-a pelos dois braços e a sacode. Ritinha, porém, não teve medo:

— Você arranjou uma cara e vai se encontrar com ela. Por isso tomou banho. Mas vai ficar, ouviu? Vai ficar. Quero a tua limpeza pra mim.

Larga a mulher. Com um esgar de choro, olha aquelas tiras de fazenda. Súbito, dá um repente na mulher. Puxa-o pelo braço:

— Deixa de ser burro! Eu tenho mais classe do que a gaja que você arranjou. Vem cá, vem! Burro!

Puxou-o para si. Deu-lhe um violento beijo na boca.

Meia hora depois, ele, respirando fundo, dizia:

— Você é a maior! A maior!
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O espírito

O caso que vou contar passou-se há um bom par de anos, quando no Rio de Janeiro o espiritismo não tinha ainda o caráter de seriedade nem os ilustres prosélitos que hoje tem, mas começava a ocupar a atenção e a roubar o tempo a algumas pessoas de boa fé.

Entre essas figurava o Garcia, bom homem, cujo único defeito era ser fraco de inteligência, defeito que todos lhe perdoavam por não ser culpa dele.

O nosso herói não se empregava absolutamente noutra coisa que não fosse comer, beber, dormir e trocar as pernas pela cidade. Tinha herdado dos pais o suficiente para levar essa vida folgada e milagrosa, e só gastava o rendimento do seu patrimônio.

Casara-se com d. Laura que, não sendo formosa que o inquietasse, nem feia que lhe repugnasse, era mais inteligente e instruída que ele. Esta superioridade dava-lhe certo ascendente, de que ela usava e abusava no lar doméstico, onde só a sua vontade e a sua opinião prevaleciam sempre.

O Garcia não se revoltava contra a passividade a que era submetido pela mulher: reconhecia que d. Laura tinha sobre ele grandes vantagens intelectuais e, se era honesta e fiel aos seus deveres conjugais, que lhe importava a ele o resto?

Sim, que d. Laura já não lembrava do Frederico...

Quem era esse Frederico? Um elegante guarda-livros, que a namorava quando o Garcia apareceu iluminado pela sua auréola de capitalista, pondo-o imediatamente fora de combate.

Ou fosse para melhorar de situação ou porque realmente o magoasse a vitória fácil do dinheiroso rival, o guarda-livros, ainda d. Laura não se tinha casado, mudara-se para São Paulo, e nunca mais souberam dele, nem ela, nem o Garcia.

Num dia em que este, ano e meio depois de casado, perguntou, a gracejar, pelo primeiro namorado de sua mulher, d. Laura, no generoso intuito de o tranqüilizar, respondeu, simulando indiferença:

— Não sei... Parece que morreu...

— Morreu?...

— Pelo menos disseram-me que sim... em São Paulo... Não sei ao certo, nem isso me interessa.

Por esse tempo já o Garcia tinha sido iniciado, por algum amigo, nos mistérios do espiritismo, e fazia parte de um grupo, um dos primeiros que organizaram nesta cidade, para estudar os fenômenos revelados nos livros de Allan-Kardec.

Os associados reuniam-se todos os sábados para consultar a mesa giratória, evocar espíritos e conversar com defuntos célebres. Produziam-se, realmente, alguns fenômenos, que impressionaram profundamente o espírito débil de Garcia, a ponto de fazer com que ele não pensasse mais noutra coisa a não ser em almas de outro mundo.

Tinha o nosso espírita grande curiosidade de evocar por meio de tal mesa giratória o espírito de Frederico, apenas para verificar se estava morto o seu antigo rival; abstinha-se, porém, de o fazer pelo receio de que os colegas do grupo, sabendo do namoro da sua mulher, o tomassem por ciumento e ridículo.

Mas uma noite, em que a sessão ainda não começara, e estavam presentes apenas dois companheiros, que mal o conheciam, o Garcia pediu-lhes que o ajudassem a evocar o espírito de um amigo.

Os outros aquiesceram. Sentaram-se os três e espalmaram as mãos sobre uma pequena mesa de três pés, que em poucos minutos começou a mexer-se como um ser animado.

— Está presente o espírito que evoquei? - perguntou o Garcia em voz sinistra e cavernosa. - Se está presente, dê duas pancadas!

A mesa inclinou-se duas vezes, e obedeceu.

— Faça o favor de dizer o seu nome por letras do alfabeto! - continuou o Garcia no mesmo tom.

A mesa deu seis pancadas.

— F - disseram os dois companheiros.

— Adiante!

A mesa deu dezoito pancadas.

— R - repetiram os espíritas.

— Adiante!

A mesa deu cinco pancadas.

— E - explicou um dos três.

— F, R, E - disse o outro.

E em tom de comando, acrescentou:

— Se é Frederico, dê uma pancada forte!

A mesa deu uma pancada tão violenta, que partiu a perna.

O Garcia ergueu-se lívido e assombrado, gaguejando:

— Estou satisfeito.

— Mesmo porque é preciso consertar a mesa - concluiu um dos companheiros.

— Com duas pernas é impossível fazê-la trabalhar.

O que preocupava o grupo já não eram os espíritos invisíveis nem os fenômenos da mesa, que se poderiam atribuir a simples efeitos do magnetismo animal; o que todos ali desejavam era ver um espírito materializado, e para isso tinham empregado grandes esforços, mas sempre vãos.

Nessa ocasião estavam presentes no Rio de Janeiro não só o espírito como o corpo, em carne e osso, do Frederico, vindo de São Paulo para tratar de um negócio urgente, de três a quatro dias.

Apesar da pressa que trazia, o guarda-livros achou um momento disponível para passar pela casa do Garcia, na esperança de ver - apenas ver - d. Laura. Poupem-me os leitores explicar-lhes como não só a viu, como lhe falou; e até entrou para a sala..

O caso é que, naquela noite, a mesma da evocação, voltando o Garcia para os seus penates mais cedo que de costume, pois que a sessão não se realizara por falta de número, encontrou o Frederico no corredor, saindo para a rua, e ficou tão estupefato que o deixou sair sem lhe dirigir a palavra.

O pobre-diabo foi direto ao quarto de sua mulher, que, ouvindo-lhe os passos apressados, se sentara mais que depressa numa cadeira de balanço, a ler um livro, fingindo a maior tranqüilidade.

— Que quer isto dizer?

— Isto quê?

— Esse homem que acaba de sair daqui?

— Um homem?! Daqui?! Tu estas doido!...

— Oh, senhora! Pois não esteve aqui um homem?

— Estás doido, repito.

— Eu vi-o!

— Não podias ter visto.

— Vi-o, e era o Frederico!

D. Laura soltou uma risada.

— Ora o Frederico! Um morto! Olha, sabes que mais? O tal espiritismo transtorna-te o miolo! O melhor é deixares-te disso!

O Garcia pensou:

— Um morto... Sim, ele está' morto... e ele então materializou-se para aparecer-me... Não foi outra coisa!

No sábado seguinte, o Garcia apareceu radiante ao grupo:

— Meus amigos, tenho que lhes fazer uma comunicação muito importante: sou médium vidente!

— Deveras? - exclamaram todos em coro.

— É o que lhes digo! Sábado passado, ao entrar em casa, encontrei no corredor uma pessoa que morreu em são Paulo.

— Conte-nos isso - ordenou o presidente do grupo - Você não teve medo?

— Eu? Nenhum! O espírito, sim, o espírito é que, pelos modos, teve medo de mim, porque assim que me viu deitou a fugir...


por Artur Azevedo

Pensamentos e visões de um decapitado

Tríptico: Primeiro minuto, segundo minuto, terceiro minuto

Há pouco ainda rolaram algumas cabeças do cadafalso. Nessa oportunidade ocorreu ao artista a idéia de pesquisar o problema: a cabeça teria a capacidade de pensar por alguns segundos depois de separada do tronco?

Eis o relato dessa pesquisa. Em companhia do Sr. ... e do Sr. D., magnetopata especializado, tive acesso ao cadafalso; lá solicitei ao Sr. D. estabelecer contato entre mim e a cabeça cortada, por intermédio de novos procedimentos que lhe pareciam adequados. O Sr. D. concordou. Fez alguns preparativos e então esperamos, não sem emoção, a queda de uma cabeça humana.

Assim que chegou o momento fatal, caiu a terrível lâmina, fazendo estremecer toda a armação e rolar a cabeça do julgado pelo horrível saco vermelho.

Ficamos com o cabelo em pé, mas não tivemos mais tempo para nos afastar. O Sr. D. me segurou pela mão (eu estava sob a sua influência magnética) levou-me até à cabeça em convulsões e me perguntou: O que está sentindo? O que está vendo? A emoção me impedia de responder na hora. Mas logo depois gritei, com extremo pavor: Horrível! A cabeça pensa! Agora estava querendo me livrar do que inevitavelmente iria acontecer, mas era como se um pesadelo me segurasse. A cabeça do executado enxergava, pensava, e sofria. Quanto tempo durou? Três minutos, como me disseram. O executado deve ter pensado: trezentos anos.

O que sofre quem é executado assim não pode ser reproduzido pela linguagem humana. Aqui me limito a relatar as respostas que dei a todas as perguntas, enquanto eu, por assim dizer, estava me identificando com a cabeça cortada.

Primeiro minuto: sobre o cadafalso

Eis as respostas: Um ruído inconcebível rugia em sua cabeça. O ruído do machado que se abaixa. – O delinqüente acredita que foi atingido pelo raio, não pelo machado. – Estranho, aqui debaixo do cadafalso está a cabeça no chão, pensando que ainda está em cima; acredita que ainda faz parte do corpo, e ainda está esperando o golpe que a deve separar.

Um sufoco horrível. – Respiração, impossível. – É uma mão não-humana, sobrenatural, desabando como uma montanha sobre a cabeça e o pescoço. De onde vem essa mão horrenda e inumana? A vítima, resignada, a identifica nesse momento: púrpura e armelino roçam os dedos.

Sofrimentos mais atrozes estão por suceder.

Segundo minuto: debaixo do cadafalso

A pressão transformou-se em corte. Somente agora o executado toma conhecimento de sua situação. – Com os olhos mede a distância que separa a cabeça do corpo, e reflete: a minha cabeça está cortada.

O delírio aumenta freneticamente. Parece ao executado que sua cabeça está pegando fogo e girando em torno de si mesma... E nesse frenesi, um pensamento inconcebível, tresvariado, indizível, apodera-se do cérebro moribundo: Será possível? O homem decapitado ainda tem esperança. Todo o sangue que lhe ficou pulsa mais rapidamente pelas veias e agarra-se à esperança.

Chega o momento em que o executado pensa que está estendendo as mãos crispadas, trêmulas, em direção à cabeça. É o instinto que nos faz tapar com a mão a ferida aberta. Isso se dá com o intuito, o horroroso intuito de recolocar a cabeça em cima do tronco, para guardar mais um pouco de sangue, mais um pouco de vida... Os olhos do torturado reviram-se nas órbitas sangrentas... o corpo torna-se rijo como granito...

É a morte...

Não, ainda não.

Terceiro minuto: na eternidade

Ainda não é a morte. A cabeça continua pensando, e sofrendo. Sofre o fogo que queima, sofre o punhal que estraçalha, sofre o veneno que convulsiona, sofre nos membros que são serrados, sofre nas entranhas que são arrancadas, sofre na carne que é cortada e moída, sofre nos ossos que são fervidos devagar em óleo quente. Todos esses sofrimentos juntos não chegam a dar uma idéia do que se passa com o executado.

Nesse momento, um pensamento o faz estarrecer:

Já está morto e deverá continuar a sofrer assim? Talvez por toda a eternidade?...

Porém, a existência humana lhe escapa; aos poucos lhe parece confundir-se com a noite; de leve ainda passa uma névoa, mas ela também enfraquece e se esvanece; escuridão total... O decapitado está morto.

por Antoine Wiertz (Pintor belga 1806 - 1865)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Óleo de cão

Chamo-me Boffer Bings. Nasci de pais honestos, malgrado muito pobres. Meu pai era fabricante de óleo de cão, e minha mãe tinha, ao pé da igreja da vila, um pequeno gabinete, onde eliminava bebês indesejados. Já na minha infância aprendi os processos da indústria.

Não apenas ajudava o meu pai procurando os cães para seu caldeirão, como também minha mãe me encarregava freqüentemente da missão de me desfazer dos despojos de seu trabalho no gabinete.

Para me desincumbir desse mister, às vezes precisei de toda minha natural inteligência, posto que todos os agentes da lei da vizinhança se opunham aos negócios de minha mãe. O assunto não tinha injunções políticas, já que os agentes não haviam sido eleitos pela oposição: simplesmente faziam-no por fazer.

Naturalmente, o trabalho de meu pai era menos impopular, embora os proprietários dos cães desaparecidos o olhassem às vezes com desconfiança, o que, por extensão, se refletia em mim. Como sócios, à escondida, tinha meu pai os farmacêuticos da cidade, que quase nunca aviavam uma receita sem que nela constasse ao que eles designavam “Ol. can.”, o remédio mais valioso que já se houvera descoberto. Mas a maioria das pessoas não está disposta a fazer sacrifícios pessoais pelos afligidos, e era evidente que muitos dos cachorros mais gordos da cidade eram proibidos de brincar comigo. Isto feriu a minha sensibilidade juvenil e certa feita dirigiram-se a mim para fazer-me de pirata.

Lembrando-me daqueles dias, não posso, às vezes, evitar o arrependimento, pois, levando indiretamente os meus pais à morte, fui o autor dos infortúnios que profundamente afetaram o meu futuro.

Certa noite, quando vinha do gabinete de minha mãe com um exposto, vi passar, à frente da fábrica de azeite de meu pai, um guarda que parecia observar atentamente os meus movimentos. Embora bastante jovem, eu já aprendera que os guardas só acorriam aos fatos mais repreensíveis, de molde que dele me esquivei, enfiado-me na fábrica de azeite por uma porta lateral, que calhou de estar aberta. Travei a porta de uma vez e fiquei só com o meu morto. O meu pai já se recolhera. A única luz daquele lugar provinha do forno, que ardia intensamente sob um dos caldeirões, espalhando uma profunda luz e lançando reflexos rubros nas paredes. No caldeirão, o óleo estava em indolente ebulição, e, por conta de seu movimento, às vezes exibia pedaços de cachorro na superfície. Fiquei a esperar que o guarda se retirasse.

Mantive no meu colo o corpo nu da criancinha e lhe acariciei ternamente o cabelo curto e sedoso. Ah, como era bela! Já naquela tenra idade eu gostava muitíssimo das criancinhas e, ao contemplar aquele anjinho, quase desejei que a pequena ferida vermelha de seu peito, obra de minha querida mãe, não fosse mortal.

O que eu pretendia era jogar a criança ao rio, que a natureza sabiamente nos legara para tal fim, mas, naquela noite, com medo do guarda, não me atrevi a sair da fábrica de azeite. “Afinal – disse com os meus botões- , não acho que teria importância se eu vier a entorná-la no caldeirão. O meu pai nunca irá distinguir os seus ossos dos ossos de um cachorro. E as poucas mortes que poderão advir da administração de outro tipo de azeite no lugar do incomparável 'Ol. can.' não serão percebidas em uma população que cresce tão rapidamente".

Em suma, dei o meu primeiro passo para o crime e entornei a criança no caldeirão com indescritível tristeza.

No dia seguinte, para minha surpresa, meu pai, a esfregar as mãos de satisfação, informou a mim e à minha mãe que obtivera o óleo de qualidade nunca vista, e que este era o parecer dos médicos aos quais levara amostras. Argüiu que não tinha idéia de como lograra tal resultado, pois tratara os cães como sempre o fizera, em todos os aspectos, e eram eles da raça habitual. Considerei que era o meu dever lhes ofertar uma explicação e, notem bem, teria certamente contido o ímpeto de minha língua se pudesse prever as conseqüências.

Os meus pais, lamentando olvidar as vantagens de combinar os seus afazeres, adotaram medidas para reparar o equívoco. Minha mãe mudou o seu gabinete para uma ala do edifício da fábrica e as minhas tarefas com relação ao ofício cessaram. Já não mais precisavam de mim para que me desfizesse dos pequenos supérfluos e não remanescia a necessidade de atrair os cães à condenação, pois o meu pai renunciou completamente a eles, embora ainda ocupassem o honroso nome no azeite.

Assim, subitamente ocioso, poder-se-ia esperar que eu me tornasse uma pessoa viciosa e dissoluta, mas não foi isso o que aconteceu. A influência benéfica de minha mãe seguiu protegendo-me das tentações que assediam a juventude, e, além disso, meu pai era diácono de uma igreja. Mas, por culpa minha, estas estimáveis pessoas iam ter um fim tão funesto!

Ao experimentar um proveito duplo com os seus negócios, minha mãe se entregou ao mister com uma assiduidade nunca dantes vista. Não apenas se desfazia dos indesejados que lhe eram entregues, como acorria às ruas e becos à procura de criancinhas maiores e mesmo adultos que lograva atrair à fábrica. Também meu pai, amante daquele óleo de melhor qualidade, fornia os seu caldeirões com zelo e diligência. Em síntese: a conversão de meus vizinhos em óleo de cão tornou-se a única paixão de suas vidas. Uma avidez absorvente e portentosa invadiu suas almas e ocupou o lugar da esperança que tinham de alcançar o paraíso, que, por outra parte, também os inspirava.

E se atiraram tão vivamente à empresa que os cidadãos reuniram uma assembléia pública, na qual adotaram resoluções que os censuravam severamente. O presidente deu a entender que os ataques sucessivos contra a população eram recebidos com hostilidade. Meus pobres pais abandonaram a assembléia com o coração partido, desesperados e com as mentes perturbadas. Considerei prudente, de toda forma, não entrar com eles na fábrica de óleo naquela noite e fui dormir lá fora, num estábulo.

À meia-noite, um misterioso impulso ordenou que eu me levantasse e espreitasse por uma fresta do quarto do forno, onde eu sabia que meu pai dormia. O lume ardia vivamente, como se esperasse por uma colheita abundante no dia seguinte. Um dos enormes caldeirões fervia devagar, dotado de um misterioso aspecto de contenção, como se aguardasse o momento de envidar toda as suas energias.

Mas meu pai não estava na cama. Levantara-se e estava de roupas de dormir. Fazia um nó corrediço numa corda vigorosa. Pelos olhares que dirigia à porta do quarto de minha mãe, deduzi perfeitamente o propósito que lhe ia na mente. Imobilizado e mudo pelo terror, nada pude fazer para contê-lo. Subitamente, a porta do quarto de minha mãe se abriu sem fazer ruído e eles se defrontaram, ambos surpreendidos com a presença do outro. Ela também estava de camisola, e levava, na mão direita, a sua ferramenta de trabalho: uma longa adaga de folha estreita.

Minha mãe foi, igualmente, incapaz de abdicar à única escolha que a minha ausência e a atitude hostil dos cidadãos a deixaram. Por instantes, eles contemplaram mutuamente os olhos acesos e, então, lançaram-se com indescritível fúria um contra o outro. Como demônios, lutaram pelo cômodo todo. Meu pai maldizia. Minha mãe gritava. Ela tentava cravar-lhe a adaga. Ele forçava por estrangulá-la com as grandes mãos nuas. Não sei por quanto tempo tive a desgraça de observar este desagradável momento de infelicidade doméstica, mas, enfim, depois de um esforço mais vigoroso que o ordinário, os adversários subitamente se separaram.

O peito de meu pai e a arma de minha mãe exibiam sinais de contato. Por instantes, olharam-se da forma mais hostil. Então meu pobre e ferido pai, sentido sobre si a mão da morte, saltou à frente e, fazendo pouco da resistência que a minha mãe oferecia, tomou-a nos braços, conduzindo-a ao caldeirão fervente. E, reunindo as suas últimas forças, fê-la nele mergulhar. Em um momento, ambos tinham desaparecido e adicionavam seu óleo àquele do comitê dos cidadãos que os haviam convocado, no dia anterior, à reunião pública.

Convencido que estes funestos acontecimento obstruíam todos os caminhos para uma honrável carreira naquela cidade, abandonei a famosa vila de Otumwee, onde escrevi estas memórias com o coração repleto de remorsos por um ato tão imprudente e que envolve um deveras catastrófico desastre comercial.


Ambrose Bierce (Ohio, EUA, 24/6/1842 - 1914?) trabalhou para revistas humorísticas como a «Figaro» e a «Fun», na Inglaterra, a partir de 1872. Regressou aos Estados Unidos em 1875, colaborando com vários jornais, tornando-se um dos jornalistas e escritores mais conhecidos do seu tempo, não deixando ninguém indiferente ao seu sentido acutilantemente crítico e satírico da humanidade. Com humor insolente, atacou todos os quadrantes da sociedade: as religiões, a política, a economia, o sentimentalismo. Em 1913, aos setenta e um anos, Bierce partiu ao encontro da Revolução Mexicana, sem deixar rastro. A sua morte permanece um mistério, mas acredita-se que possa ter acontecido durante a Batalha de Ojinaga, em Janeiro de 1914.

Eça de Queiroz

Artesão exímio, iniciador do realismo na literatura de língua portuguesa, capaz de domínio inigualável da palavra escrita, Eça de Queiroz (ou Queirós) dissecou a burguesia do Portugal de seu tempo em romances de fascínio permanente.

José Maria de Eça de Queiroz nasceu em Póvoa de Varzim, em 25 de novembro de 1845. Filho ilegítimo de um magistrado, passou a infância longe dos pais, no Aveiro, e formou-se em direito pela Universidade de Coimbra (1866).

Nessa época tomou parte na Questão Coimbra, ao lado de Antero de Quental e Teófilo Braga, em defesa do realismo na literatura. Estreou então como escritor, na Gazeta de Portugal, com o folhetim de Notas marginais, mais tarde parte das Prosas bárbaras (1905). Em 1867 lançou o Distrito de Évora, jornal que dirigiu.

Admitido por concurso na carreira diplomática em 1870, foi cônsul em Cuba, no Reino Unido e finalmente em Paris, onde permaneceu até a morte. Com Ramalho Ortigão, lançou em 1871 As Farpas, publicação mensal para a qual escreveu artigos de crítica político-social demolidora, mais tarde reunidos em Uma campanha alegre (1890): em estilo irônico e contundente, o livro é uma mostra de jornalismo participante e pioneiramente moderno.

Com Ramalho também escrevera uma novela policial, O mistério da estrada de Sintra (1870). Seu conto Singularidades de uma rapariga loira (1874), além de uma obra-prima, é o primeiro de cunho realista em português. Essa atitude seria elevada a alta eficiência expressiva nos romances que publicou em seguida.

Eça se casou (1886) com Emília de Castro Pamplona, irmã de um amigo e companheiro de viagens, o conde de Resende. De 1889 em diante o consulado de Paris, que muito ambicionara, não lhe alterou a produtividade; fundou a Revista de Portugal (1889-1892) e continuou a colaborar em jornais portugueses e brasileiros, enviando cartas, ecos, "bilhetes" lidos e relidos com avidez.

Romancista

Eça de Queirós é um dos maiores ficcionistas da literatura de língua portuguesa. Dotado de senso estético invulgar, desde o início impressiona pela riqueza e flexibilidade estilística. Escreve o português mais vivo de seu tempo, sem pruridos puristas e impregnado de verdade concreta, capaz de recriar e criticar todos os seres e coisas com originalidade e volúpia.

Humorista irreverente, no romance O crime do padre Amaro (1875) essa característica se alia a um realismo severo, feroz e espirituoso ao mesmo tempo, que satiriza a corrupção do clero e reconstitui seus costumes com extrema vivacidade. Mais densa é a escrita de O primo Basílio (1878), primorosamente construído, com as personagens como que aprisionadas, em seus impulsos e alternativas, pela circunstância social que as limita e condiciona.

Mais voltado para a dinâmica das relações do que para a psicologia dita profunda, Eça tempera o psicólogo social com o amante da natureza, que a registra com frescor e embevecimento. Na sociedade inquieta, entre fútil e amarga às portas da revolução republicana, a usura e a beatice pequeno-burguesa encontram um caricaturista minucioso e às vezes cruel em A relíquia (1887), em que a aventura do humor não se esquiva às máscaras do grotesco.

"Porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes, em desilusão e poeira." Antes da obra-prima que é o romance Os Maias (1888), e de suas implicações, o autor talvez não fizesse essa anotação. Obra maior da maturidade, esse vasto panorama de uma família burguesa, de seu prazer e sua dor, sua sensualidade e seu cerco de convenções, realiza até o mais alto grau o gênio de Eça de Queirós. A captação de cada passo, cada ranhura ou eco da paixão incestuosa leva o escritor a beirar a noção do inconsciente e a dar um sentido existencial às marcas do desengano.

Outro livro admirável é A ilustre casa de Ramires (1900), em que a observação e a fina ironia focalizam a pequena nobreza decadente, entre seus últimos bens e os males que a corroem. Sobressaem neste caso, junto às outras saborosas peculiaridades do mestre, a ampla visão sociológica, em que avulta o amor pela terra portuguesa, e o empenho metaliterário que faz do protagonista autor de um árduo romance.

Essa agudeza não se acha menos presente em A cidade e as serras (1901), deliciosa sátira dos progressos ainda canhestros dos tempos modernos e reencontro do romancista com a paisagem de sua meninice. Vê-se também aí, no jogo dos contrastes, o apego nostálgico à essencialidade honesta da vida ainda natural e limpa do interior.

Perfeccionista obsessivo, Eça estigmatiza a escravidão ao ouro ou a qualquer acúmulo improdutivo, mesmo que de requintes, de livros. Uma sábia alegoria do problema suscitou na novela O mandarim (1880) algumas de suas páginas mais fecundas. O tema, no fundo, se depura ainda no esplendor austero das vidas de três santos, reunidas em últimas páginas (1912).

Eça foi escritor de uma auto-exigência quase impiedosa. Além de deixar inacabados e inéditos vários trabalhos que não o satisfizeram, desprezou a primeira versão de Os Maias, publicada em 1980 com o título de A tragédia da rua das Flores.

Outras faces

De realismo menos estrito e quase mágico nos Contos (1902), Eça deixou sua crítica dispersa em periódicos e cartas que se publicaram aos poucos -- a autobiográfica Correspondência de Fradique Mendes (1900), as Cartas de Inglaterra (1903), os Ecos de Paris (1905) e as Cartas familiares e bilhetes de Paris (1907).

Em Notas contemporâneas (1909) o crítico se envolve com os principais temas e debates de seu tempo e se faz presente também em O Egito (1926), sobre a viagem ao Oriente. Na ficção que ficara inédita, há ainda seduções, e fortes, em A capital, O conde de Abranhos, Alves & Cia., os três impressos em 1925. Por fim, a encantadora tradução de As minas do rei Salomão (1891), de Riger Haggard, é um divertimento inesquecível.

Criador de tipos que ficaram proverbiais, como o conselheiro Acácio ou Jacinto de Tormes, nem sempre os fez, como estes, algo esquemáticos e caricaturais. Maria Eduarda, entre outras criaturas, é de verdade profunda e de presença inefável.

É questão de sentir e entender ao mesmo tempo. Como lembrou Moniz Barreto, "a paixão e a fantasia ocupam um lugar importante em sua obra, ao lado da observação e da análise". Eça de Queirós morreu em Paris em 16 de agosto de 1900.

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O correr dos anos

Quem ficou contente foi Bonifácio Ponte Preta (o Patriota), com a inauguração da tal adutora do Guandu, que resolve o problema da água no Rio de Janeiro até o ano 2000. Tudo que é noticiário da imprensa sobre o assunto o Boni recorta e cola num álbum confeccionado por ele mesmo e que tem uma bonita fita verde-amarela, badalando na capa.

Por exemplo aquele artigo do David Nasser, que saiu no "O Cruzeiro', sob o título de “As águas da ingratidão", no qual o repórter começa assim: "As águas da ingratidão municipal começaram a rolar" e depois diz que "a obra do século", que quebrou o galho da falta de água até o ano 2000, foi inaugurada e se esquece, deliberada, criminosa e vergonhosamente do nome de Carlos Lacerda, que foi — segundo Nasser — o homem que botou o cano lá no rio, pois esse ai ligo — eu dizia - o Bonifácio achou tão bacana que comprou dez "O Cruzeiro" e colou tudo no álbum.

Estou contando o detalhe para mostrar que o patriótico Boni está exagerando às pampas, no seu fervor cívico pela obra. Ele não fala noutra coisa e ficou uma fera com o distraído Rosamundo, quando soube que o coitado nem tinha sabido dessa inauguração:

— Perfile-se! — berrou o Boni, assustando o Rosa: — Fique sabendo que estou lhe prestando uma informação que orgulha qualquer patrício, ouviu? Saiba, o senhor, que inauguraram o Guandu. Teremos água até o ano 2000.

Rosamundo ficou besta com que o outro lhe contou. Que coisa, não é mesmo? Água até o ano 2000!

Mas Rosamundo mora na zona do Centro, pois ainda não percebeu que aquilo não é zona residencial. Ontem ele passou os olhos pelos jornais e — como sempre — nem notou o que estava lendo, passando-lhe despercebida a notícia de que caiu uma ponte de Lajes, o que acarretou total falta de água no lugar onde ele mora.

E quando Rosamundo chegou em casa, ainda impressionado com o que lhe contara o patriótico Bonifácio sobre essa coisa de que não vai faltar água até o ano 2000, e abriu o chuveiro para um banho reparador, só caiu uma gotinha na cabeça dele e olhe lá.

Na sua proverbial vaguidão, ele comentou, apenas: — Puxa! Como os anos passaram depressa!
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).


Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.