Eram quatro e estavam ali já ia pra algum tempo, entornando seu
uisquinho. Não cometeríamos a leviandade de dizer que era um uísque
honesto porque por uísque e mulher quem bota a mão no fogo está
arriscado a ser apelidado de maneta. E sabem como é, bebida batizada
sobe mais que carne, na COFAP. Os quatro, por conseguinte, estavam meio
triscados.
A conversa não era novidade. Aquela conversa mesmo, de bêbedo, de língua
grossa. Um cantarolava um samba, o outro soltava um palavrão dizendo
que o samba era ruim. Vinha uma discussão inconsequente os outros dois
separavam, e voltavam a encher os copos.
Aí a discussão ficava mais acalorada, até que entrasse uma mulher no
bar. Logo as quatro vozes, dos quatro bêbedos, arrefeciam. Não há nada
melhor para diminuir tom de voz, em conversa de bêbedo, do que entrada
de mulher no bar. Mas, mal a distinta se incorporava aos móveis e
utensílios do ambiente, tornavam à conversa em voz alta.
Foi ficando mais tarde, eles foram ficando mais bêbedos. Então veio o
enfermeiro (desculpem, mas garçom de bar "de bêbedo" é muito mais
enfermeiro do que garçom). Trouxe a nota, explicou direitinho por que
era quanto era etc. etc, e, depois de conservar nos lábios aquele
sorriso estático de todos os que ouvem espinafração de bêbedo e levam a
coisa por conta das alcalinas, agradeceu a gorjeta, abriu a porta e
deixou aquele cambaleante quarteto ganhar a rua.
Os quatro, ali no sereno, respiraram fundo, para limpar os pulmões da
fumaça do bar e foram seguindo calçada abaixo, rumo a suas residências.
Eram casados os quatro entornados que ali iam. Mas a bebida era muita
para que qualquer um deles se preocupasse com a possibilidade de futuras
espinafrações daquela que um dia — em plena clareza de seus atos —
inscreveram como esposa naquele livrão negro que tem em todo cartório
que se preze.
Afinal chegaram. Pararam em frente a uma casa e um deles, depois de
errar várias vezes, conseguiu apertar o botão da campainha. Uma senhora
sonolenta abriu a porta e foi logo entrando de sola.
— Bonito papel! Quase três da madrugada e os senhores completamente bêbedos, não é?
Foi aí que um dos bêbedos pediu:
— Sem bronca, minha senhora. Veja logo qual de nós quatro é o seu marido que os outros três querem ir para casa.
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Fonte: Tia Zulmira e Eu - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.