Foi na esquina das Ruas Leopoldo Miguez e Barão de Ipanema. A flor dos Ponte Preta mora pertinho e sua janela dá para o lado da Igreja de São Paulo Apóstolo, que fica justamente num dos quatro cantos da mencionada esquina. Explicado o cenário, vamos à cena.
Passa muita mulher jeitosinha pelo local, vindo ou indo para a praia, banhar-se nas águas azuis do Atlântico Sul. Claro, passa também muito xaveco, muita gorda, muita magricela, mas quem for membro do SNP (Serviço Nacional de Paquera) e tiver um pouco de paciência vê passar cada certinha de fazer deputado largar Brasília.
Era assim a mocinha que vinha vindo. Ela caminhava pela Barão de Ipanema, no sentido contrário às outrora alvas areias de Copacabana. Tinha dado o seu mergulhinho, sem dúvida, e vinha com seus curtos cabelos pingando e a pele toda molhada e brilhante do óleo que pusera para se proteger do sol.
Eu disse que ela vinha caminhando? Besteira. Ela vinha era flutuando rente ao chão, balançando legal os seus pedaços mais encantadores. Uma sandalinha sumária, um pano colorido a que chamam "pareô" envolvendo-lhe a cintura, mas numa parte remota, a ponto de deixar-lhe o umbigo de fora e, daí pra cima, de atrapalhar a visão havia somente a parte superior do biquíni, um sutiã tão mixuruca que mais parecia uma gravatinha borboleta pregada ao busto. Trazia na mão direita uma cesta de palha com seus teréns de maquiagem e sob o braço esquerdo uma esteirinha enrolada.
E lá ia ela indiferente ao ronco dos homens que cruzavam o seu caminho, até que chegou na esquina e parou no meio-fio, observando o trânsito. Foi aí que apareceu o padre. Para falar a verdade eu não vi de que lado veio o padre e vocês vão me perdoar o detalhe, mas é que, com aquilo tudo de mulher atravessando a rua, como é que eu ia observar padre, não é mesmo?
O que eu sei é que, de repente, ficaram os dois lado a lado. O Padre e a Moça. Eu até que me lembrei do poema de Carlos Drummond de Andrade, sobre esse tema; poema que vem de ser transformado num belo filme com a Helena Inês. Só que, no poema, o padre fica encantado pela moça e, ali na esquina, o padre era velhusco e gordo e estava era indignado com a exposição dos encantos da moça. Seu olhar de censura envolveu a bonitinha de alto a baixo, parando nos olhos, no pescoço, nos ombros, no busto, no umbigo, enfim, parando por ali tudo. E não se limitou à inspeção o piedoso sacerdote. Da minha janela eu ouvi quando ele chamou a certinha de sem-vergonha:
— Isto é uma falta de pudor. Suas carnes serão queimadas pelas chamas eternas do Inferno — ele gritou.
Ela reagiu. Encolheu-se um pouco, mas reagiu:
— O senhor não tem nada com isso.
— Engana-se — retrucou o padre. — Tenho sim. Todos nós temos — e olhou em volta, buscando parceirada, mas — pelo jeito — estava todo mundo contra. O padre resolveu dar-se ao trabalho da catequese. Já tinha gente às pampas. Ele pigarreou e lascou: — São moças sem pudor, rapazes sem os freios da educação, que estão botando o mundo a perder.
E tome de blablablá. A moça, irritada com o ataque, titubeou um pouco no meio-fio e procurou abrir caminho para se mandar dali. Uma mulher mulata e barriguda tentou impedir, mas a mocinha tinha as suas mumunhas. Deu um empurrão na mulata e foi saindo. E o padre lá:
— É por isso que a mocidade de hoje conhece melhor o busto de Gina Lolobrigida ou Sofia Loren (o padre era um bocado cinematográfico) do que os bons princípios. Deve ter achado a imagem boa, porque repetiu:
— A mocidade conhece melhor o busto das atrizes do que os bons princípios.
A mocinha já ia lá longe, mas ainda assim tinha um advogado de defesa que, virando-se para o padre, ponderou:
— Seu padre, os bons princípios não têm decote e o busto das atrizes tem. Vai ver que é por isso.
Risada da turba ignara. O padre queimou-se. Saiu pisando duro, a turba foi se diluindo, em pouco tempo na esquina estavam a carrocinha de sorvete, a banca de jornaleiro, um ou outro passante.
De dentro da igreja vinha o som do órgão, suave, suave!
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Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.