sábado, 15 de outubro de 2011

Zizinho, o Mestre Ziza

Os torcedores que compareceram ao treino do Flamengo naquela tarde de 1939 estavam preocupados com Leônidas, que saiu de campo mancando. Nem haviam notado que em seu lugar entrou um rapaz magricela. Mas bastou que Thomaz Soares da Silva pegasse na bola para todos os olhos se voltarem para ele. Zizinho, era assim que o chamavam, driblou quatro, marcou um gol. Minutos depois, marcou outro. "Era tudo ou nada. Se pegasse a bola tinha que sair driblando sem parar senão o técnico nem ia me notar", recorda.

Considerado o jogador mais completo antes do surgimento de Pelé, Zizinho possuía uma técnica refinada, rica em dribles curtos, chutes venenosos e passes medidos. Chamado de Mestre Ziza, jogou no Bangu, Flamengo (tricampeão em 1942/43/44), São Paulo (campeão em 1957). Na Seleção foi titular absoluto durante toda a década de 40 e escolhido o melhor jogador da Copa de 1950. Cabe a ele a honra de ter sido o primeiro jogador de futebol que mereceu o tratamento de gênio. Como dizia o cronista Nelson Rodrigues: "Não há bola no mundo que seja indiferente a Zizinho".

Zizinho (Thomaz Soares da Silva), futebolista, nasceu em São Gonçalo, RJ, em 14/09/1921, e faleceu em Niterói, RJ, em 08/02/2002. Começou nas divisões de base do Byron, de Niterói, e foi revelado e jogou entre 1939 a 1950 no Flamengo sediado no Rio de Janeiro, e com ele o time ganhou o seu primeiro tricampeonato estadual em 1942, 1943 e 1944, além do Campeonato Carioca de 1939.

Selecionado brasileiro na final da Copa de 1950: Johnson e Mário Américo (massagistas); Barbosa (goleiro), Augusto, Danilo Alvim, Juvenal, Bauer, Ademir, Zizinho, Jair, Chico, Friaça e Bigode.

Antes da estréia na Copa do Mundo de 50, foi vendido para o Bangu Atlético Clube, clube que defendeu por 6 anos e do qual foi o 5º maior artilheiro, com 120 gols. Zizinho, sobre sua saída do Flamengo, comentou ter sido a maior mágoa de sua vida e dor maior até que perder a copa de 50, pois apaixonado de corpo e alma pela equipe rubra-negra a qual defendeu por tantos anos, teve seu passe vendido ao Bangu por uma fortuna (segundo registros 800 mil cruzeiros) sem sequer ser consultado. Um dirigente do Bangu, Guilherme da Silveira, confirmou a negociação e Zizinho assinou o contrato sem sequer ler. Segundo se conta ele só fez um comentário: "Se o Senhor pagou tanto pelo meu passe é porque reconhece o meu futebol". No livro "Nação Rubro-negra" de Edilberto Coutinho, Zizinho desabafou "Difícil dizer o que me magoou mais, se a perda da Copa de 50 ou a minha saída do Flamengo... acho que foi a saída do Flamengo, a maneira como os homens que dirigiam o Flamengo fizeram a transação me machucou muito... nunca aceitei" e na sua primeira partida contra o ex-clube deixou clara a sua mágoa com o Bangu goleando por 6x0 naquela que foi uma de suas melhores partidas.

Na Copa de 50 seu estilo de jogar maravilhou os torcedores e ajudou o Brasil a chegar até a final; e mesmo apesar da derrota surpreendente de 2 a 1 para o Uruguai, foi considerado o melhor jogador daquela copa. Zizinho é considerado por muitos o jogador mais completo depois de Pelé, tendo marcado 145 gols pelo Flamengo e 31 pela a seleção.

Craque da Copa de 50, Zizinho (centro) ao lado de Décio e Nívio. Atuou no Bangu de 1950 a 1957.

Em 1957 teve uma passagem pelo São Paulo, onde conquistou seu quinto título estadual, marcando 24 gols. Seu último clube foi o Audax Italiano, do Chile. Zizinho foi considerado por Pelé como o seu ídolo. Tudo porque quando o Rei estava começando a carreira de jogador no Santos Futebol Clube, ele viu Zizinho atuando pelo São Paulo Futebol Clube, em 1957 onde conquistou o Campeonato Paulista daquele ano. Suas atuações impressionaram tanto o futuro Rei do Futebol, que ele sempre o cita como ídolo e inspiração, ao lado de seu pai, Dondinho.

Zizinho foi o responsável pelo surgimento de outro craque: Gérson. Zizinho era amigo do pai de Gérson, e quando ele iniciou a carreira de jogador, sempre ouvia atentamente os conselhos do "Mestre Ziza" (apelido carinhoso de Zizinho), no tocante à marcação, visão de jogo, distribuição de passes, e partindo em velocidade com a bola dominada. Em agradecimento, o "Canhotinha de Ouro" sempre que entrevistado, cita carinhosamente Zizinho como seu mentor e incentivador na carreira de jogador.

Após encerrar a carreira, Zizinho tornou-se fiscal de rendas do Estado do Rio de Janeiro, função que exerceu até a aposentadoria.

Morreu em 8 de fevereiro de 2002 vítima de problemas do coração.

Fontes: Wikipedia; Revista Placar; e-biografias.

Maria Della Costa

Maria Della Costa (Gentile Maria Marchioro Della Costa Poloni), atriz, modelo, produtora e empresária, nasceu em Flores da Cunha, RS, em 1/1/1926. Filha de agricultores originários da cidade italiana de Veneza, aos 14 anos, é lançada como modelo pelo empresário Justino Martins, da revista Globo de Porto Alegre.

Já no Rio de Janeiro estréia como show-girl no Cassino Copacabana. Em 1944, estréia no teatro em A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo. Em seguida vai para Portugal estudar arte dramática com a atriz Palmira Bastos, no Conservatório de Lisboa.

De volta ao Brasil, passa a fazer parte do grupo Os Comediantes e participa de espetáculos como: Rainha Morta, de Henry de Montherlant (1946); em 1947, Terras do Sem Fim, de Jorge Amado; Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues; e Não Sou Eu, de Edgard da Rocha Miranda.

Funda em 1948, junto com seu marido, o ator Sandro Polloni, o Teatro Popular de Arte, e estréia a peça Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, no Teatro Fênix, Rio de Janeiro.

Em 1954 inaugura sua própria casa de espetáculos, o Teatro Maria Della Costa, em São Paulo, projetado por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Sandro Polloni, à frente da casa, cria um repertório considerado um dos melhores do teatro brasileiro. Montagens como Tobacco Road, de Erskine Caldwell e Jack Kirkland (1948), A Prostituta Respeitosa, de Sartre (1948), Com a Pulga Atrás da Orelha, de Feydeau (1955), A Moratória, de Jorge Andrade (1955), Rosa Tatuada, de Tennessee Williams (1956), e A Alma Boa de Setsuan, de Brecht (1958), marcam essa fase.

A Companhia segue por uma excursão pela Europa e em 1963 lotam por 45 dias casas de espetáculos em Buenos Aires. Ao visitar Nova York conhece o autor Arthur Miller e dele traz, para comemorar os dez anos de seu teatro (1964), a famosa peça Depois da Queda, dirigida por Flávio Rangel. Com esse mesmo diretor faz também os espetáculos Homens de Papel, de Plínio Marcos (1967), Tudo no Jardim, de Edward Albee (1968), entre outros.

No cinema atuou em diversos filmes: O Cavalo 13 (1946) e O Malandro e a Grã-fina (1947), ambos sob a direção de Luiz de Barros; Inocência (1949); Caminhos do Sul (1949); e Moral em Concordata (1959). É dirigida pelo italiano Camillo Mastrocinque no premiado Areião (1952), produção da Maristela Filmes. Já na televisão teve pouca participação: fez a novela Beto Rockfeller, na TV Tupi, em 1968, e na TV Globo atuou em Estúpido Cupido (1976) e Te contei? (1978).

Em São Paulo, no bairro da Bela Vista, foi fundado em 1954 um teatro que leva seu nome. Nos palcos do Teatro Maria Della Costa passaram os melhores atores e atrizes do teatro brasileiro, bem como importantes cenógrafos, como Gianni Ratto e Franco Zampari.

A atriz foi imortalizada em obras de alguns dos mais representativos nomes das artes plásticas do Brasil. Além de duas esculturas de Vitor Brecheret, foi retratada por Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho, Djanira, Guanabarino e Noêmia Cavalcanti.

Em 1992, deixou os palcos para administrar seu hotel, o Coxixo, na cidade histórica de Paraty (RJ).

Fontes: Wikipedia; UOL Biografia - Maria Della Costa.

Margarida Max

Margarida Max
No fastígio do Teatro de Revista do Rio de Janeiro, uma linda mulher de sua voz e de sua beleza, para prestigiar a Música Popular Brasileira, nos espetáculos em que estrelava. Era no palco que se tornava rainha.

A partir de 1920, até meados dos anos 40, uma moreninha paulista, de olhos tentadores, que a lenda garantia ter nascido em Roma e se apaixonado pelo Brasil, foi uma das figuras femininas mais importantes do teatro de revista nacional.

Filha de italianos, nascida em São Paulo e criada em Franca, onde era conhecida como a Margarida do Max, nome de um eterno noivo, rompeu com a cidade e o noivado ao se tornar atriz de uma companhia itinerante que por lá passou.

Margarida Max em 1927
No Rio de Janeiro, adere ao teatro de revista, no qual se torna uma de suas principais vedetes, estrela de grandes montagens, cercada de nomes que ficariam célebres. Sílvio Caldas, Joraci Camargo, Luiz Iglésias, Luiz Peixoto, Olegário Mariano, Vicente Celestino, Otília Amorim, Viriato Correia, Mesquitinha, OduvaldoViana, Palmeirim e tantos outros.

Como as demais prima-donas do teatro de revista, Margarida Max lançava músicas, ficando famosa sua interpretação do samba Braço de Cera, de Nestor Brandão. Mas seu grande êxito foi na revista Brasil do Amor, de 1931, quando lança a versão definitiva de No Rancho Fundo, de Ary Barroso e Lamartine Babo. Um sucesso nacional, que saltou do palco da revista para ser cantado pelo Brasil inteiro.

Margarida não teve carreira longa, morreu aos 54 anos, já retirada. Mas antes viveu anos de glória, como uma das mulheres mais cobiçadas da época.

Fonte: História do Samba - Editora Globo

O mistério da casa mal-assombrada

"À noite, o espectro vagava pela solidão" — isto dito assim, parece Shakespeare, mas não é. Trata-se do trecho de um dos contos de assombração que Tia Zulmira escreveu recentemente.

Aliás, a sábia macróbia da Boca do Mato tem um talento que às vezes se confunde um pouco com o do autor de "Hamlet". Não é o caso, porém, quando se trata dos referidos contos mal-assombrados que a velha deu para fazer agora. Para que vocês tenham uma idéia, este seu sobrinho e difusor transcreve abaixo um deles:

"O casal mudara-se para aquela casa velha havia dois meses e nunca soubera antes que a casa tivesse fama de mal-assombrada. Se soubesse, talvez não tivesse alugado o imóvel, mesmo porque o casal não era inglês, que é tarado por fantasma. Na Inglaterra, um castelo mal-assombrado é sempre alugado mais caro, porque lá é "bem" o chamado contato social com espectros.

A casa de que falo, no entanto, era em Brás de Pina, onde fantasma tem menos cartaz que o time do Canto do Rio.

Mas — dizia — talvez os novos inquilinos não tivessem alugado o imóvel. Não que o casal acreditasse nessa besteira de assombração; tanto o distinto como a esposa (que ele, no mau gosto inerente à plebe ignara, chamava de "minha patroa") eram pessoas de certa idade. Sabem como é: depois de várias baianadas da vida, algumas pessoas já não acreditam em azar e chutam despacho com farofa amarela, galo preto e charuto barato com a mesma displicência de um jogador de futebol batendo bola antes do treino.

Mas havia a filha, mocinha de 20 anos, muito nervosa e que, quando soube que a casa tinha fama de abrigar figurinhas fantasmais, ficou mais nervosa ainda. Os pais não sabiam que havia fantasma em Brás de Pina, porque quem já morou em Brás de Pina nunca mais quer voltar e, muito menos, depois que já morreu. Vai daí, foram morar na casa.

Já viviam ali há uns dois meses quando, uma tarde, a mocinha voltava da fila do leite, onde aguardara, durante quatro deliciosas horas, a sua vez de comprar um litro, e — no caminho — encontrou a vizinha. A vizinha era mais fofoqueira que mãe-de-vedete-argentina-do-teatro-rebolado. Mal começou a conversar com a mocinha nervosa, perguntou se os fantasmas apareciam muito ultimamente

— Que fantasmas???!!! — perguntou a mocinha, já apavorada.

Aí a vizinha explicou a fama da casa, explicou que ali costumavam aparecer almas penadas pelos corredores, depois de meia-noite, e havia mesmo uma assombração que era famosa, pois aparecia com uma regularidade de cobrador da Light (mesmo em época de racionamento).

Está na cara que a mocinha nervosa entrou em casa tremendo às pampas. Inclusive, diga-se, a mocinha era dessas nada desprezíveis. Pelo contrário, era assim o número que a gente calça; tamanho universal, muito mais pra boa do que pra intelectual. Por isso que as pernas que tremiam eram até muito bem torneadas. Quando ela entrou foi aquele escarcéu. Choradeira, tomada de calmante, os pais dizendo que aquilo era bobagem, etc.

O fato é que, daquele dia em diante, toda noite os moradores ouviam estranhos ruídos e até o velho, que era cético de doer, começou a acreditar mesmo que a casa era visitada por uma assombração.

A mocinha, no entanto, embora reclamasse muito da onda noturna, estava cada vez mais viçosa. Deixou de ser nervosa e havia em seus reclamos uma certa falta de convicção.

Um dia, o velho, pela manhã, encontrou uma ponta de cigarro no corredor; como ele não fumasse (nem fantasma fuma), desconfiou de que ali havia lingüiça por debaixo do feijão.

De noite ficou na sala, escondido atrás de uma cortina, espiando. Pouco depois entrava na casa a assombração. Era um sargento da aeronáutica.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.

Bronca de esquina

Tia Zulmira, cheia de experiência e transbordante de saber, não se cansa de repetir: "Bronca é a arma do otário." E é isso mesmo. Dar a bronca, até hoje não adiantou o lado de ninguém.

Mas a senhora que blasfemava, na esquina, ainda não morou nesse detalhe e espinafrava o marido, para gáudio dos circunstantes, que torciam ao derredor.

Era uma senhora assim dos seus 50 carnavais. Um pouco castigada pelas intempéries da vida, mas ainda bastante sacudida. Pelo menos, disposta a botar os rapazes da Radiopatrulha pra trabalhar. Ciumenta aos potes, era o que se podia deduzir ou o que deduziu aqui o batucador datilográfico que, incorporado à turba ignara, esperava o fim da cena pra ver o bicho que ia dar.

Foi — para sermos mais precisos — na esquina da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a Rua Santa Clara, quer dizer, duas artérias do tráfego com nomes de santas, mas que nem assim a dona respeitava. Pelo que ficou exposto, o senhor grisalho que ouvia a espinafração com visível mal-estar era o marido e vinha pela calçada, em sentido contrário à senhora que berrava (sua esposa), de braço dado com uma mariposa do luxo e do prazer — como tão bem classificou um certo tipo de moçoilas desajustadas o poeta urbanista Orestes Barbosa. Apanhado no flagra, soltou a mariposa e estava ali, ouvindo aquilo tudo, com platéia das mais seletas.

Para ver o porquê do ajuntamento, chegou um Cosme. Ou talvez fosse um Damião; não temos certeza. Esses guardas quando policiam sozinhos a gente nunca sabe se é um Cosme ou um Damião. O importante é que ele chegou, pigarreou e lascou em dialeto carioca:

— Qual é o "causo"?

O senhor explicou que não era nenhum, que sua mulher estava nervosa, que iria levá-la dali, etc., etc. Foi pior. Ela gritou que com ele não ia nem pro inferno. Tinha 25 anos de casada e já estava cheia das suas perfídias. Vejam vocês, casada há 25 anos e ainda tinha um ciúme daquele tamanho. Já era tempo para acostumar-se com o marido que tinha.

Aí o senhor grisalho não agüentou mais. Ia passando um lotação. Ele abriu caminho entre os curiosos e entrou na terrível condução, sem ao menos ver se era via Túnel Novo ou via Túnel Velho, o que nos deixa com a leve desconfiança de que ele queria era cair fora dali. Foi chato porque o lotação não foi em frente logo. Ainda ficaram entrando outros passageiros, do que se aproveitou a bronqueadora para também abrir caminho entre os presentes e ficar apontando pra janelinha, a dizer: "Vai... mas vai mesmo, desalmado. Não é a primeira vez que você me abandona."

O lotação meteu uma segunda e foi embora, mas ela não desistiu. Ficou procurando testemunhas para o seu infortúnio de ter um marido sempre disposto a amarrar a cabrita do lado de lá do cercado. Foi então que o rapaz ao seu lado ficou identificado como filho do casal. Até então era um rapaz consternado, assistindo à cena. Agora, ela o segurava pelo braço e espumava:

— Está vendo o cretino que você tem como pai?

Todos olharam pro rapaz. O Cosme (ou seria um Damião?) segurava o braço direito, o rapaz o braço esquerdo da mulher, mas ela não queria sair. Queria era mostrar a todos o infortúnio que a perseguia há 25 anos. Dava conselhos às moças em volta para não casarem, que os homens não prestam, que isso, que aquilo. Estava na bica para se tornar ridícula.

O filho, cansado de tentar livrá-la da curiosidade pública, deu um puxão mais forte no braço que estava sob sua responsabilidade. Isto foi o bastante para lembrá-la de que ele estava ali. Voltou-se de novo contra ele:

— Tá vendo que pai você tem? E não adianta querer me levar. Ele é que tinha de ir comigo e fugiu. Seu pai é um cretino.

O filho não agüentou mais:

— Que é que eu tenho com isso, mamãe? Quem escolheu meu pai foi você.

Gargalhada geral. Até o Cosme (ou talvez Damião) riu.

A velha calou a boca e foi andando. O filho, atrás, aliviado.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.

Levantadores de copo

Eram quatro e estavam ali já ia pra algum tempo, entornando seu uisquinho. Não cometeríamos a leviandade de dizer que era um uísque honesto porque por uísque e mulher quem bota a mão no fogo está arriscado a ser apelidado de maneta. E sabem como é, bebida batizada sobe mais que carne, na COFAP. Os quatro, por conseguinte, estavam meio triscados.

A conversa não era novidade. Aquela conversa mesmo, de bêbedo, de língua grossa. Um cantarolava um samba, o outro soltava um palavrão dizendo que o samba era ruim. Vinha uma discussão inconseqüente, os outros dois separavam, e voltavam a encher os copos.

Aí a discussão ficava mais acalorada, até que entrasse uma mulher no bar. Logo as quatro vozes, dos quatro bêbedos, arrefeciam. Não há nada melhor para diminuir tom de voz, em conversa de bêbedo, do que entrada de mulher no bar. Mas, mal a distinta se incorporava aos móveis e utensílios do ambiente, tornavam à conversa em voz alta.

Foi ficando mais tarde, eles foram ficando mais bêbedos. Então veio o enfermeiro (desculpem, mas garçom de bar de bêbedo é muito mais enfermeiro do que garçom).

Trouxe a nota, explicou direitinho por que era quanto era etc. etc., e, depois de conservar nos lábios aquele sorriso estático de todos os que ouvem espinafração de bêbedo e levam a coisa por conta das alcalinas, agradeceu a gorjeta, abriu a porta e deixou aquele cambaleante quarteto ganhar a rua.

Os quatro, ali no sereno, respiraram fundo, para limpar os pulmões da fumaça do bar e foram seguindo calçada abaixo, rumo a suas residências. Eram casados os quatro entornados que ali iam. Mas a bebida era muita para que qualquer um deles se preocupasse com a possibilidade de futuras espinafrações daquela que um dia — em plena clareza de seus atos — inscreveram como esposa naquele livrão negro que tem em todo cartório que se preze.

Afinal chegaram. Pararam em frente a uma casa e um deles, depois de errar várias vezes, conseguiu apertar o botão da campainha. Uma senhora sonolenta abriu a porta e foi logo entrando de sola.

— Bonito papel! Quase três da madrugada e os senhores completamente bêbedos, não é?

Foi aí que um dos bêbedos pediu:

— Sem bronca, minha senhora. Veja logo qual de nós quatro é o seu marido que os outros três querem ir para casa.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.