No feriado de Finados, estivemos no Município de Penha e fotografamos algumas belezas típicas. Local ideal para momentos de lazer, diversão e descanso. Localizada no litoral norte de Santa Catarina, conta com 19 belíssimas praias – o maior número do Estado – e concentra o maior parque multitemático da América Latina – o Beto Carrero World, um mundo mágico de entretenimento.
Outro destaque fica por conta da gastronomia típica a base de frutos do mar. A cidade é uma das principais criadoras de mariscos do país e seus restaurantes apresentam pratos saborosos e diferenciados.
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Feriado na Penha
Teresinha e os três
Teresinha, quando veio do interior para trabalhar como copeira e arrumadeira, no solar de Tia Zulmira, quase não cooperou nada porque — principalmente —, antes de querer ser arrumadeira, pensou em se arruinar. Era muito jeitosinha a mulata. Tinha um riso branco como os votos do atual eleitorado, tinha um andar de quadris febris, tinha uma saúde dessas pra nego nenhum botar defeito. Enfim, Teresinha era o fino!
Tia Zulmira, velha e experiente, achou logo que Teresinha não ia demorar muito no serviço doméstico, tanto assim que evitou o que pôde mandar a empregada na rua.
Sempre que tinha uma compra qualquer para fazer, ela mandava a cozinheira, que já estava queimando óleo 40, sorria com todas as gengivas e claudicava da canhota. Mas teve um dia que a cozinheira acordou com defeito no carburador, e titia foi obrigada a ordenar a Teresinha:
— Vai ali na farmácia e compra este xarope que está aqui escrito!
Ah, Margarida... pra quê! Ela foi, voltou e, com cinco minutos do tempo regulamentar, já tinha juriti piando no galho.
Tia Zulmira, num dos raros momentos em que chegou à janela (titia não gosta de mulher na janela, acha que é uma atitude muito colonial), viu um cara indo e vindo em frente ao portão, com aquele olhar perdido de quem está pensando besteira.
Bem, eu vou encurtar. Mesmo com os conselhos da patroa, Teresinha de Jesus da Silva de uma queda foi ao chão. Só que não acudiram três cavalheiros. Não! Os três cavalheiros vieram justamente antes da queda. Mas vamos por partes.
Logo depois daquela ida à farmácia, começaram as paqueras, os telefonemas na base da voz grossa pedindo "se não fosse incomodar, poderia por obséquio falar com a Dona Teresa". O primeiro cavalheiro foi um garboso soldado do fogo. Um bombeiro cerimonioso, que sempre que vinha buscar Teresinha para sair, nas tardes de domingo, curvava-se, respeitoso, para Tia Zulmira.
O segundo não tinha garbo, mas tinha mais juventude. Era aviador, e isto, dito assim, parece que o rapaz era da Aeronáutica. Mas não: ele era aviador de receitas. Trabalhava na farmácia onde Teresinha fora, na sua primeira ida lá fora, lembram-se? Pois é. O aviador, como a farmácia fazia plantão aos domingos, costumava rebocar Teresinha para a rua às noitinhas de segunda-feira.
O terceiro não tinha dia. Vinha de vez em quando e era vigia de uma obra, num prédio que estavam construindo na outra esquina, do lado de lá. Pelo que ficou se sabendo depois, era o menos abonado dos três, mas isto ainda não está na hora de contar.
Foi assim: não demorou muito, Teresinha começou a ter enjôo. Enjoava que só vendo, e Tia Zulmira, sempre muito romântica, mas nem por isso menos realista, viu logo que teria de pagar carreto à cegonha. Chamou Teresinha e perguntou quem foi. A mulatinha, cheia de pudores, chorou muito, mas não quis dizer, obrigando a velha a iniciar suas diligências.
Conversou com os três suspeitos, e ficou sabendo que o bombeiro, que vinha aos domingos, era tarado pelo Flamengo e, nas vezes que levou Teresinha com ele para passear, foram ao Maracanã. O aviador (de receitas) costumava levar Teresinha ao cinema.
— Cinema, no duro? — insistiu Zulmira, que nunca foi de chupar picolé pelo lado do pauzinho.
— Cinema, sim senhora. A senhora compreende. Eu tenho folga às segundas, quando muda o programa dos cinemas. Me acostumei a ir aos cinemas nas segundas. Quando comecei com a Teresa, passei a ir com ela.
Tia Zulmira anotou, e passou para o terceiro. O tal vigia da obra num prédio que estavam construindo na outra esquina, do lado de lá. Instado a responder se tinha levado Teresinha ao Maracanã, respondeu que não, que quem sou eu, nunca iria levar a menina, que via-se logo ser moça de respeito, num lugar onde só vai homem. Cinema também não, porque é muito caro para quem vive de salário mínimo.
Na verdade, ele não levava Teresinha a lugar nenhum. Era um pobre coitado, compreende? Os dois, quando saíam juntos, ficavam batendo papo ali mesmo, na obra.
Tia Zulmira deu um jeito, conversou com a mulata direitinho, e o casamento com o vigia é sábado. Após a cerimônia, vatapá na Boca do Mato!
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
Ândrocles e a patroa
Morava bem em frente ao boteco, o Ândrocles! Todos os freqüentadores do canavial o conheciam. Sim, porque era um autêntico canavial aquele botequim, onde a cana escorregava firme e toda noite fornecia à boêmia local um pelotão de caneados. Alguns iam curtir o porre em casa, outros continuavam a sofrer a influência da cana e acabavam encanados.
Ândrocles estava mais no primeiro do que no segundo caso. De resto, era um porrista ameno. Tomava umas duas ou três e ficava de pressão, muito falante, contando casos. Em dado momento, a mulher aparecia na janela, em frente, e chamava:
— Ândrocles, vem pra casa!
Ele respondia: — Tô indo, nega! — olhava em volta e invariavelmente informava o que todos já sabiam: — É a minha patroa!
Uma chata, a patroa do Ândrocles. Dessas velhotas de bigode, verruga no rosto e gordona, que a gente tem a impressão de que não é bruxa porque excedeu em peso à categoria e, se montasse numa vassoura, quebrava o cabo. Ainda por cima mandona, com mentalidade de sargento de cavalaria reformado. Diziam, inclusive, que, de vez em quando, quando o Ândrocles se rebelava pouquinha coisa, sarrafeava o coitado.
A turma do boteco gostava dele. Era um velhote culto; pelo menos para aquela turma, era um Rui Barbosa. Contava história, explicava coisas, tirava dúvidas, tudo com modéstia, sem botar a menor banca. Uma vez explicou para os amigos quem fora Ândrocles:
— É uma lenda — esclareceu, logo fez-se silêncio no boteco, para que prosseguisse. Ele tomou mais um gole da que matou o guarda e prosseguiu: — Ândrocles era um escravo e um dia fugiu, isto é, eu não me lembro bem se fugiu. O que eu sei é que teve que se esconder numa gruta, e lá dentro tinha um leão. Era um big leão, feroz às pampas, e o xará ficou besta por não ter sido atacado. Aí, quando seu olhar se acostumou à escuridão da gruta, reparou que o leão estava com o maior espinho atravessado numa das patas... — tomou mais um gole e pediu ao português do balcão que botasse mais uma.
Servido, bicou, lambeu os beiços e continuou: — Ândrocles, de tanto sofrer, não podia ver ninguém sofrendo, nem mesmo um leão. Por isso se aproximou devagarinho e conseguiu arrancar o espinho da pata do leão, que desapareceu gruta a fora, todo contente. Os tempos passaram e, um dia, Ândrocles, por ser cristão, foi aprisionado e jogado na arena para os leões comerem — aí parou de novo, para respeitar uma técnica de suspense muito comum em novela de televisão.
Os olhares dos companheiros de marafa estavam todos postados nele:
— Eu sou como o Ândrocles da lenda. Agora mesmo, vendo vocês tão interessados, já estou com pena de ter interrompido a história. Segundo eu sei, os algozes de Ândrocles vibraram, quando viram aquele leãozão caminhar urrando para ele. Mas aí foi aquele pasmo: o leão era o mesmo da gruta e, reconhecendo seu benfeitor, começou a lambê-lo e a fazer festinha, que nem cachorrinho de francesa.
— Quem lhe contou esta história? — perguntou um outro cachaça.
— Bernard Shaw — respondeu Ândrocles, sabendo que ali ninguém conhecia o dramaturgo irlandês.
Houve um silêncio comovido entre os bêbados. Um silêncio muito comum em comunidade de bêbados, que são pessoas que se comovem com muita facilidade. Um velhote de nariz vermelho, muito mais vermelho de conhaque do que de gripe, chegou a puxar um bruto lenço de quadrados para se assoar.
E o silêncio ainda permanecia, quando se ouviu o grito medonho à porta: — Ândrocles, seu capadócio... bebendo sem permissão!?!?
Todos se viraram a um tempo: era a patroa do Ândrocles.
— Querida! — ele disse, mas a velhota estava possessa e esbravejou: — Aproveitando a minha ausência para vir beber sem ordem. Já para casa, rato imundo!
Ândrocles colocou o copo em cima do balcão e nem pensou em pagar a despesa; saiu passado, com a vergonha que a implacável "sargenta" aumentou ao dar um safanão em sua nuca, que o fez perder o equilíbrio e ajoelhar na calçada.
Ândrocles levantou-se e correu cambaleante para dentro de casa, com ela atrás e, na sua nobreza, os bêbados todos se voltaram para o balcão, para não verem mais nada daquele vexame. O velho de nariz vermelho murmurou constrangido:
— E pensar que ele fez tudo na vida por essa vaca!
Começaram a beber devagar, outra vez. Só quem estava de frente para os acontecimentos era o português do balcão. Esperou que a porta se fechasse atrás do casal, do lado de lá da rua, e falou com desprezo no sotaque:
— Até o leão foi mais humano que esta gaja!
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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