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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Marcos Konder

Marcos Konder descreve o Itajahy de 1900

"Pede-me Silveira Júnior alguns aspectos do Itajaí de 1900. Eu havia deixado a Escola Complementar de Blumenau e ensaiava-me na vida comercial para a qual não sentia nenhuma vocação. Mas não quero recusar o pedido e aí estão os fatos conforme pude retê-los na minha lembrança" (Marcos Konder, "Anuário de Itajaí" de 1949, pág. 159).

"Diga-se a verdade, sem querer ofender os brios da nossa terrinha, que o Itajaí daquele tempo não era senão um porto atrasado - o atraso de uma época em que o principal negócio girava em torno da madeira ...

As pilhas começavam no alto da rua Pedro Ferreira, no porto do coronel Antonio Pereira Liberato - conhecido por Tio Antonico - e iam rio abaixo até o trapiche Konder, tendo de permeio os trapiches de João Bauer, Nicolau Malburg Júnior e Guilherme Asseburg.

Essa madeira era toda mandada em consignação para as praças do Rio de Janeiro e Santos. Venda de tabuado a preço fixo não se conhecia ainda. E para tal fim cada firma possuía os seus barcos à vela desde o lugre "Almirante", de Antônio Liberato, do patacho "Tigre", de Reis e Bauer, da barca "Ramona" e outras de Malburg, do iate "Gertrudes" (célebre pelas suas viagens-relâmpago entre Itajaí e Santos) e da escuna "Félix", de Asseburg e do lugre "Vieira", de Konder. O mestre Pedro Júlio, comandante do "Gertrudes", era tido como o melhor navegador da costa.

A velha matriz era muito menor que a de hoje (Marcos Konder se refere à matriz velha), porque somente mais tarde se lhe adicionaram as duas naves laterais. Para os lados da praia existia um largo mal arborizado que escondia um quiosque, arrendado pela Câmara ao velho Maneca Lopes, que ali vendia roscas e doces e especialmente uma laranjinha muito apreciada. "Laranjinha" era uma aguardente misturada com essência de laranja, que os barcos traziam do rio.

Antes da meia-noite Maneca Lopes fechava a sua tasca e ia com a velha companheira rumo à sua casa. O Maneca Lopes nos lembrou um grande atraso no nosso Itajaí como porto de mar: não tínhamos cafés em parte nenhuma. Mas o maior atraso, além da falta dos cafés, era a carencia de luz elétrica; porque iluminação a querosene todos possuíam em candeias de folhas, em lampiões vistosos ou mais ricos.

Para reduzir um pouco a escuridão, a municipalidade mandara fincar uns postes com grandes intervalos junto aos passeios, ou melhor, nos lados das ruas com uma cúpula de folha e vidro para abrigar as lâmpadas de querosene e o problema estava resolvido. A luz do "profeta" assim chamada acendia-se à boca da noite e apagava-se de madrugada.

Outra grande falta daquele tempo era o gelo. Sim. Em Itajaí não havia gelo. Todos os hotéis e pessoas graúdas mandavam construir em suas casas adegas para refrigerar um pouco as suas bebidas, quer a gasosa de bolinha quer a cerveja marca barbante, como era chamada a cerveja de alta fermentação que se fabricava em Itajaí nas cervejarias do Fernando Treder e na de Otto Hosang.

Na rua Lauro Müller, no atual Itajaí Hotel, funcionava o Hotel Brasil. de propriedade do sr. Alexius Reiser. A senhora Reiser era a parteira das damas da melhor sociedade. Na rua Hercílio Luz, ao lado esquerdo de quem sobe, era o Hotel Scheeffer, dirigido por Frau Scheeffer e pelo seu filho mais velho Paulo, pai do sr.Erico Scheeffer. Ali se hospedava o "mundo oficial" e celebravam-se os banquetes da terra. O terceiro hotel era o do Comércio, na rua Felipe Schmidt, onde hoje funciona o Grande Hotel. Era de propriedade do Sr. Gabriel Heil, pai do Sr. Ricardo Heil.

O único vapor de passageiro que passava em Itajaí era um do Lóide, da Linha Laguna - Florianópolis - Itajaí - S. Franctsco - Paranaguá - Santos e Rio. Os cargueiros, embora sem linhas regulares, começaram a aparecer e faziam uma grande concorrência aos navios a vela.

Para nós, uma meia dúzia de moços, que aspiravam a uma vida mais interessante e mais inteligente, o destino ainda não chegara. No entanto, quando menos esperávamos, ele chegou.

Foi quando desembarcou do navio que vinha de Laguna um jovem moreno, carregando uma pequena maleta, que demonstrava poucos haveres e abrigou-se num hotel da cidade. Chamava-se Luís Tibúrcio de Freitas...

Percebeu o moço imediatamente que para ganhar a vida só havia um meio: abrir um colégio. Era uma casa à rua Lauro Müller pertencente ao capitão da Marinha Mercante, sr. Maneca Pereira, sogro do sr. Bonifácio Schmidt. Ali abriu a sua escola: de manhã para as crianças maiores e de noite um curso para adultos. Formamos logo uma turma composta do meu irmão Arno, de Antônio Tavares d'Amaral, de João e José Pinto d'Amaral, de Artur da Silva Valle e do autor desta crônica e outros. Também meus irmãos Adolfo e Vítor freqüentavam esse curso quando estavam em férias.

Tibúrcio era um excelente explicador e um intelectual que cativava à primeira vista. E nós que andávamos à cata de um guia, sem demora fomos ao seu encontro e ele nos recebeu de braços abertos. Revelou-nos com franqueza a sua vida: Nascera e se educara no Ceará, donde viera para o Rio. No Rio conhecera o grande vate catarinense Cruz e Souza, de quem se tornara discípulo dileto.

Assistira à tragédia do poeta, lutando para viver num meio hostil ao negro, apesar da Abolição. Morto Cruz e Souza em 1898, Tibúrcio de Freitas viera para Santa Catarina conhecer a terra do seu grande Mestre. Desembarcou em Florianópolis, mas sentiu que ali não conseguiria meios para ganhar a vida. Por isso, prosseguiu viagem até Laguna, de onde terminou a sua peregrinação vindo para Itajaí.

O seu rosto largo e moreno começou a adquirir as feições vivas de um sonhador triunfante. Sua cabeça grande ornada de uma cabeleira de cabelos pretos e corredios de caboclo. seus olhos escuros de árabe, seu pescoço taurino, seu tórax desenvolvido e largo denunciavam o homem forte do Ceará.

As mulheres que amavam os pelintras da época viam nele um indivíduo exótico e estranho; talvez fizessem galhofa secretamente daquele colarinho duro e alto à Santos Dumont, da sua gravata ampla de borboleta; do seu paletó de alpaca preto e suas calças listradas, do seu modo de andar balançando na mão uma bengalinha de junco. Os homens o tachavam de um professor esquisito e meio maluco. Somente os seus discípulos o entendiam e amavam.

Com Tibúrcio de Freitas, os Pachecos, os Conselheiros Acácios, os Padres Amaros, os Primos Basílios... Mas a lição não ficou apenas em Eça. Com ele conhecemos Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Antero de Quental. Com ele conhecemos Maria Amália Vaz de Carvalho, Gonçalves Crespo, Antonio Cândido e Antonio Nobre. Com ele nos familiarizamos com a sátira de Fialho de Almeida, lemos Camões, Herculano, Castelo Branco, Teófilo Braga e João Barreira, este último um dos ídolos de Tibúrcio.

Mas Tibúrcio era também u mestre na literatura francesa e nos conduziu a Vitor Hugo, a Balzac, a Saint Beuve, a Maupassant, a Zola, a Daudet, a Dumas, a Stendhal e a Pierre Loti. Com ele nos abeberamos da literatura inglesa, russa, alemã, espanhola, americana, sem falar na brasileira com Machado de Assis, Castro Alves, Luís Delfino e Cruz e Souza. Tibúrcio foi o nosso amado mestre. Tibúrcio trouxe um pouco de cultura aos jovens itajaienses do seu tempo!

Mas não se pense que a nossa vivência com Tibúrcio fosse apenas em torno de livros e literatura. Nas noites de luar, Tibúrcio nos convidava para um passeio para os lados da Fazenda, onde recitava Cruz e Souza; mas Álvaro Rodrigues da Costa - o Álvaro Cigarreiro - tocava um instrumento hoje pouco conhecido: o machete.

Outras vezes íamos comer uma bacalhoada na venda do Domingos Marquesi, que armara a sua tasca numa casinha perto do atual prédio Malburg, na rua Pedro Ferreira. Ali na tasca do Domingos, quando a cerveja lourejava no copo grosseiro, Tibúrcio recitava Castro Alves: "Escravo, enche essa taça/quero espancar a nuvem da desgraça/que além dos ares lentamente passa".

Como era natural, todos tínhamos os nossos namoros, menos Tibúrcio. Ele quis casar com duas itajaienses: a uma delas dedicou uma trova em versos, mas ambas o recusaram. Confirma-se assim o fato de que a não ser o grande Goethe, nenhum artista do pensamento e valor conseguiu ser amado pelas mulheres.

Com os anos o grupo foi se desfazendo, mas nós continuamos ligados, embora não tão intimamente, a Tibúrcio de Freitas, cujos triunfos nós acompanhávamos com viva satisfação: a abertura de um grande colégio e depois a fundação de um jornal semanal moderno - "O Novidades" - que teve fama em todo o Estado e fora dele. E nós não desfalecemos na veneração ao grande Mestre e amigo, pois não podíamos esquecer que Tibúrcio de Freitas fora o nosso inesquecível. guia espiritual".

Marcos Konder - (Itajaí 1882 - 1962) Industrial, financista, político e intelectual, foi prefeito de Itajaí no período de 1915 a 1930. Revelou-se administrador extraordinário. Como escritor cabe destaque para a sua obra "A PEQUENA PÁTRIA", crônica histórica sobre Itajaí.

Fontes: ITAJAÍ, de Norberto Cândido da Silveira Jr. e Pequena História de Itajaí, do Prof. Edson d'Ávila. Foto: Marcos Konder - Arquivo Fundação Genésio Miranda Lins.

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