terça-feira, 26 de março de 2013

Fakes do Facebook cobram dívidas

Todo mundo sabe que das centenas de amigos que acumulamos no Facebook, um ou outro mal conhecemos. Mas nos Estados Unidos, um tipo de “amizade” ainda mais indesejável surgiu na rede social. Isso porque empresas de cobrança americanas estão usando usuários falsos para chegarem até seus devedores.

Segundo o canal econômico Bloomberg, a prática tem se tornado comum no país enquanto o serviço de proteção ao consumidor não cria novas regulações às empresas.

“Um dia uma menina de biquíni te adiciona e você diz “sim”. Depois chega uma mensagem dizendo: ‘Vim cobrar sua dívida’”, explicou um advogado à reportagem.

Nos Estados Unidos, mais de 30 milhões de pessoas devem, em média, US$ 1.500, pouco mais de R$ 3 mil. É o caso de Kathryn Haralson, de 47 anos. Após ligarem para sua casa e até para o colégio de sua filha, a mulher um dia recebeu um “inbox” (mensagem do Facebook), pedindo para entrar em contado com Mr. Rice, uma agente de cobrança.

Com a nova prática, YouTube, Twitter e outras redes sociais, além do Facebook, terão suas atividades limitadas para empresas de cobrança de crédito. “Eles não precisavam ir ao Facebook me procurar. Eu estava em contato o tempo todo. Passaram dos limites”, reclama Kathryn.

Fontes: techtudo - Notícias, via Daily Dot

O pelado na arte plástica

O Papa João XXIII decidiu que serão (se já não foram) vestidos os anjos de mármore da basílica vaticana. Os jornais europeus — que vivem a citar Stanislaw — fazem muitos comentários a respeito e alguns deles estranham a medida, dando outros detalhes sobre como serão "vestidos" os anjos. Dizem que Sua Santidade ordenou que fossem "vestidos" com reboco.

Tia Zulmira — na sua infinita sapiência — garante-nos que não é a primeira vez que um Papa manda vestir os nus. Em 1555 (o Brasil, portanto, era um garoto) Paulo IV mandou pintar roupinhas no "Último Julgamento", de Miguel Ângelo, trabalho que foi feito pelo alfaiate-pintor Ricciarelli.

Em 1595, o Cardeal Farnèse mandou "disfarçar" a estátua da Justiça (uma Justiça nua como a verdade, é lógico) que existia (e ainda existe) no mausoléu do Papa Paulo III.

E Tia Zulmira garante que Pio IX, mais recentemente, se contentou em adornar com folhas de zinco os mármores "imodestos" do Vaticano. Conta ainda a prendada senhora que, depois que puseram folhinhas de parreira de zinco nos anjos do Palácio, em dias de vento, as folhinhas balançavam e os anjos faziam uma barulheira danada.

Eis, portanto, que o Papa João XXIII, na sua infinita bondade, não foi inédito, mas um seguidor. E isto quem diz não é aqui o bestalhão, mas a célebre Tia Zulmira. Aliás, Stanislaw lembra que não é de hoje que existe essa controvérsia a respeito de nus. A censura no mundo inteiro sempre implicou com os nus.

No teatro rebolado, por exemplo, o nu é permitido desde que a mulher fique estática no palco. Mexeu, multou! Agora, não nos perguntem por quê. Na verdade, mulher despida não é arte... é artimanha. Pelo menos num palco do teatro rebolado. Na moldura de uma cama — como costuma dizer o poeta, não é arte... é artifício. E na moldura de um quadro, mulher nua, ou mesmo homem (que nos perdoem a citação de mau-gosto), ou ainda anjo, só deixa de ser arte quando prevarica o artista.

A Igreja, no entanto, reconhecendo a arte e o artista, por mais artista que seja o distinto, não acredita em respeito ao belo.

A humanidade é cheia de truques e está sempre de olho. Quem vê anjo e pensa
maldades está muito mais pro lado da Colônia Juliano Moreira do que pro lado do Vaticano. O Papa, no entanto, não quis saber disso. E mandou castigar reboco em tudo que foi anjo da Basílica de São Pedro. Fez bem, uai!

Stanislaw sempre se lembra de um grã-fino novo-rico que comprou uma porção de quadros de mulher nua, porque ouviu dizer que "o nu" era chique. Comprou e espalhou pelas paredes de sua imensa sala de visitas. Mas — certa vez — quando estávamos só nós dois ali, tomando um penúltimo, confessou:

— Eu só comprei esses quadros porque minha mulher me chateou e todos esses calhordas que vêm aos nossos coquetéis vivem elogiando. Mas, para lhe dizer a verdade, desde que eles estão pendurados na parede, eu me sinto um pouco vivendo em pensão alegre. Era um dos poucos granfas que era sincero.

Tão sincero que jamais se referiu aos quadros para chamá-los de "nus". Sempre que se referia a eles, chamava-os de pelados.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.

A ira de Geraldo Vandré

Os que são velhos, como eu, conheceram os estertores das gerações românticas. Havia então uma permanente nostalgia do patético e do sublime. Morrer de amor, ou por amor, era uma honra; morrer simplesmente, sem amor, nem ódio, morrer de paratifo ou até de asma, era outra honra. E quando passava um enterro de virgem, com o caixão de arminho, as mocinhas dos sobrados invejavam a morta e gostariam de estar no imaculado caixão. Bom tempo, em que a morte era mais promocional do que a vida.

Mas quem conta episódios admiráveis da vida romântica é o Eça. Num dos seus livros, não sei se Os Maias, há uma cena deliciosa. Imaginem um rapaz vestido de negro e pálido como um santo. É uma festa. Ele está, na janela, maravilhosamente só. E ali, olhando a noite, que já vai para a madrugada, cheira uma flor, talvez camélia. Muito olhado pelas damas, exalava uma nobre e inconsolável melancolia. E, súbito, vem a dona da casa e pergunta:

— "Não dança?".

O rapaz ergue a fronte diáfana e responde:

— "Como posso eu dançar, se a Polônia sofre?".

Nesse rapaz que, junto à janela, beija uma camélia; e não pode sorrir porque a Polônia sofre, nesse rapaz está todo um Portugal, toda uma Europa. Outro que tem o mesmo valor social, humano, histórico, é o nosso Geraldo Vandré.

Quem não o conhece? Com o seu sucesso no Festival da Canção, o nosso Vandré tornou-se uma súbita figura nacional. Abram os jornais, as revistas, ouçam os rádios, vejam as TVs. A fulminante celebridade de Vandré é de uma evidência estarrecedora. E mais: — de domingo para cá, sempre que três brasileiros se juntam, o assunto obrigatório, fatal, é a vil injustiça que lhe fizeram.

Vandré concorria ao Festival com a sua "Pra não dizer que não falei de flores". Segundo se diz, ele devia tirar o primeiro lugar. Vai o júri e dá-lhe um mísero e franciscano segundo lugar. Antes, porém, de passar no Maracanãzinho, preciso dizer quem é e como é Vandré. Vamos lá.

Dias atrás, um amigo meu cruza com o compositor e diz-lhe:

— "Boa noite".

Ora, a um cumprimento responde-se com outro cumprimento. É o mínimo e o máximo que se pode fazer. O Vandré, porém, está bem acima de um automatismo tão crasso e tão ignaro. Assim saudado, ele se arremessa para o meu amigo, como se fosse agredi-lo. Agarra-o pelos dois braços, sacode-o; diz-lhe, embargado:

— "Como pode você me dar boa-noite se o mundo está em guerra?".

O outro tomou o maior susto:

— "Eu não tive intenção! Eu não tive intenção!".

E, realmente, o meu amigo não tivera nenhuma intenção, senão a de lhe dar boa-noite. E o Vandré, em arrancos:

— "Você não vê que estão morrendo no Vietnã?".

O autor do imprudente "boa-noite" quase correu, fisicamente, do Vandré.

Pode parecer talvez que eu esteja fazendo um exagero caricatural. Por sua vez, os idiotas da objetividade dirão que o Vietnã está lá e o compositor aqui. Mas saibam que, no caso do Vandré, a distância não influi nas leis da emoção ou da indignação. Ele reage como se o Vietnã fosse ali na esquina; e como se o chão que ele pisa estivesse juncado de vietcongs defuntos.

Narrei o episódio para caracterizar o artista: — será nosso contemporâneo apenas nos ternos, gravatas e sapatos; mas por dentro tem a estrutura das gerações românticas. Já os familiares e conhecidos evitam cumprimentá-lo, porque o Vietnã sofre. Dito isto, passo ao Maracanãzinho.

Domingo, ia ser escolhida a música brasileira para o Festival Internacional da Canção. Não sei por que, meteu-se na cabeça de muitos, inclusive do próprio Vandré, que sua letra e sua música iam ser as ganhadoras fatais.

Vocês entendem a minha perplexidade? Informa o senso comum que qualquer competição, seja o prêmio Nobel ou de cuspe à distância, tem os seus imponderáveis. A começar pelos juizes. São quinze sujeitos e temos de admitir a "verdade de cada um", verdade que foi, como se sabe, o ganha-pão de Pirandello. Todavia, Vandré e seus partidários, que eram numerosos e ululantes,
estavam maravilhosamente certos da vitória.

Daí a crudelíssima desilusão. Os jurados preferiram "Sabiá", de Chico e Tom. Ao nosso Vandré coube o segundo lugar. Outro qualquer estaria soltando os foguetes da vaidade, e telefonando para casa:

— "Tirei o segundo lugar! Tirei o segundo lugar!".

Seria uma glória para a família, para a namorada etc. etc. Mas Vandré não tem as reações de qualquer um. Assim como não admite que o cumprimentem, também não aceita um reles segundo lugar. O resultado doeu-lhe, fisicamente, como uma nevralgia. Estava falsamente derrotado. Na verdade, merecera uma colocação nobilíssima. Não tinha que sofrer como se o segundo lugar fosse a mais hedionda das lanternas.

Os que estavam lá, no Maracanãzinho, viram muito pouco. Havia entre a platéia e o palco uma deplorável distância visual. Ao passo que o vídeo amplia a cara, o gesto, o espanto. Eu, em casa, com a televisão ligada, vi tudo e com prodigiosa nitidez. E, sobretudo, vi a bela, forte, crispada e jovem cara de Vandré. Ele acabara de saber que era, apenas e miseravelmente, o segundo colocado. Os presentes não puderam sentir o seu patético, mas o telespectador, sim.

Para nós, de casa, a cara de Vandré tomou a expressão cruel, vingativa, de certas máscaras cesarianas. Lia-se tudo na jovem cara. Houve um momento em que, instigado pelos seus fiéis, Vandré perguntou, de si para si:

— "Abro ou não o verbo?".

Seria o comício. Nas velhas gerações, o brasileiro tinha sempre um soneto no bolso. Mas os tempos parnasianos já passaram. Hoje, ferozmente politizado, ele tem sempre, à mão, um comício. Outrora soneto, hoje comício. Eis a perplexidade que o telespectador percebia, com perfeita visibilidade: — por um lado, o comício fascinava Vandré como um abismo; por outro
lado, era amigo do Chico e do Tom.

Mas eis o que eu queria dizer: — um concorrente frustrado só devia aparecer de máscara, como nos vel hos carnavais. Apenas o primeiro colocado teria o direito de fotografar-se de rosto nu. Então o Vandré cometeu o erro de saudar os concorrentes vitoriosos. Só ele e Deus sabem o esforço braçal que lhe custou essa concessão às boas maneiras.

Mas um artista não pode ser convencional. Sei que, por um instante, quase partiu para o comício. Foi quando começou:

— "Nem tudo é festival!".

Disse isso e não foi além. Assim traiu a própria ira, traiu o próprio ressentimento. Ninguém pôs uma máscara compassiva no ódio tão forte, ingênuo e impotente.

Outro momento inesquecível: — a cara de Tom Jobim.

Ao saber-se premiado teve espasmos triunfais de víbora moribunda. Somos uma pátria de cavas depressões; e a cara de Tom Jobim, na vitória, devia ser exibida por todo o Brasil.

Como é trágica a euforia do subdesenvolvido premiado. O nosso Tom foi aos Estados Unidos, fez músicas para Sinatra, é uma glória internacional. Só faltou atirar beijos como uma menina de préstito carnavalesco. Um americano embolsa um prêmio com um tédio sarcástico. O francês recebe um favor como se estivesse fazendo um favor ao favor.

E o nosso Tom, ao impacto do triunfo, quase foi para a tenda de oxigênio.

[1/10/1968]
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: