Os dois estavam na esquina, paquerando as mulheres que passavam. Era uma esquina de Copacabana e passava mulher às pampas. E os dois ali, numa abstenção dolorosa. Em se tratando de mulher, estavam mais atrasados que o interior de Mato Grosso. Quando passava uma mais bonitinha pouquinha coisa, um catucava o outro com o cotovelo e dizia, quase babando: — Olha que coisinha!
O catucado concordava e iam ambos virando a cabeça devagarinho, à medida que a boa ia passando. Daquele jeito não iam apanhar ninguém: no máximo, um torcicolo. Também, eu vou te contar, eram ambos tesos de fazer pena. Duros que só nádega de estátua.
Fizeram-se amigos casualmente. Os dois tinham vindo do interior para "fazer" o Rio. Um de um Estado do Sul, outro de um Estado do Norte. Copacabana era uma fascinação; por isso moravam em vaga de apartamento.
Uma dessas velhotas, que lutam com as maiores dificuldades e alugam quarto para rapaz respeitador e de boa família, alugou a cama da esquerda para um deles, o que veio do Norte e trabalhava num banco, agência de Copacabana, é lógico. Um mês depois chegou o do Sul, leu o anúncio no jornal: "...para rapaz de respeito. Alugo quarto com café da manhã".
— Ao menos o café da manhã eu garanto - pensou, e ficou com a vaga, cama da direita. A solidariedade da pobreza os fez amigos.
Um tinha 27 anos e o outro eu não sei, mas era mais ou menos da mesma idade. A necessidade do amor, da ternura feminina, de um carinho enternecedor, fazia do quarto um ambiente irrespirável. Por isso, de noite saíam, comiam uma besteirinha ali mesmo, debaixo do prédio, num restaurante anônimo, mas que poderia perfeitamente chamar-se "As Mil e Uma Moscas", e depois ficavam numa esquina de movimento, vendo passar mulher.
A intenção não era apenas ver passar. Havia sempre a esperança de que uma olhasse e desse bola. Neste caso o contemplado saía atrás e atropelava a caça, metia uma conversa. Mas bola mesmo só recebiam das profissionais. No começo chegaram a confundir, e um deles entrou na maior gelada. Pensou que estivesse agradando, foi em fren¬te, e depois, na hora de pagar, teve que deixar o relógio na cabeceira da piranha.
Isto não acontecia mais. Estavam com muita prática; só que não conseguiam atropelar bulhufas. Era desesperador; há meses que estavam invictos e um deles estava pensando justamente nesse recorde, quando passou um carro conversível com uma loura bacanérrima. A loura sorriu para o cara gordinho que dirigia, passou o braço pelo seu pescoço e sapecou-lhe um beijo na bochecha.
Os dois se entreolharam, enquanto o carro sumia: — Viste que covardia? — perguntou um.
- Vi — gemeu o outro.
- E viste o cara que estava com ela?
- Parecia uma foca. E nós dois aqui. Dois boas-pintas.
— ...boas-pintas mas tesos — lembrou o que achara covardia um sujeito tão feio com uma mulher tão legal.
Voltaram para o quarto numa fossa de fazer inveja a Franz Kafka. No dia seguinte, o que trabalhava num banco (o outro era comerciário e descontava para o IAPC, coitadinho) estava em sua cama, fazendo hora para o jantar no "As Mil e Uma Moscas", quando o companheiro chegou. Entrou no quarto, deu um boa noite alegre e começou a cantarolar, enquanto desembrulhava umas compras. Mostrou:
— Olha só. Comprei uma calça que é o fino, uma camisa italiana bárbara e este mocassim aqui que só falta falar.
— Quem te deu a dica? — perguntou o amigo, deslumbrado.
— Que dica?
— De que o mundo vai acabar?
— Não é nada disso, velhinho. Hoje, no trabalho, eu estive pensando. Só quem apanha mulher é dinheiro. As minhas economias que vão para o diabo. Você não viu ontem? Mulher, quando vê homem gastando, a gente nem precisa atropelar. Elas é que atropelam a gente, morou? O papai aqui vai mudar de tática. Vou mandar brasa. O Frank Sinatra, por exemplo...
— Que qui tem o Sinatra?
— As mulheres vivem atropelando ele. É claro: elas sabem que o homem ganha os tubos.
— Mas você não ganha.
— Mas vou fingir, ora essa! — meteu as roupas novas, penteou-se no caprichado e se mandou. Antes de sair, ainda disse pro outro: — To com um palpite, meu camarada. Hoje elas é que vão me atropelar.
O que trabalhava no banco não teve ânimo de acompanhar o amigo. Ficou onde estava, deitado na cama da esquerda. Foi aí que ouviu a freada. Correu para a janela.
O outro estava estatelado no asfalto. Um carro se afastava rápido do local, com uma loura na direção. Como era do Norte, pensou assim:
— Virge! Num é que os pensamento dele deu certo, esse menino?
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Por:
Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.