terça-feira, 11 de outubro de 2011

Fenícios e celtas na América

As primeiras navegações confirmadas à América foram às dos vikings - mas séculos antes, já circulavam no Velho Mundo lendas sobre grandes terras do outro lado do Atlântico. Contam historiadores antigos que o primeiro povo a procurar essas plagas foram os fenícios - os maiores navegadores da Antigüidade, antepassados dos libaneses.

Na obra Bibliotheca Historica, escrita no século I a.C., o romano Diodorus Siculus conta que o capitão fenício Himilcon singrou o "Oceano Ocidental" por volta de 500 a.C. e chegou a uma "grande terra, fértil e de clima delicioso". A descoberta foi mantida em segredo para evitar que outros povos explorassem o lugar - revelar sua localização era crime punido com a morte.

No início da Idade Média, começaram a circular rumores de que o misterioso país do ocidente era uma espécie de paraíso terreno, imagem do Éden descrito na Bíblia. Entre os celtas da Irlanda, a terra encantada ganhou o nome de Hy Brazil. A palavra céltica Brazil tem origens incertas, mas alguns acreditam que derive do termo fenício "barzil", que significava "ferro" - sabe-se que fenícios e celtas comerciaram na Antigüidade e podem ter trocado vocábulos além de mercadorias. Outros tradutores acham que Brazil vem do celta "bress", raiz da palavra inglesa "bless" - abençoar.

A história oficial, como se sabe, conta que nosso país foi batizado em homenagem ao "pau-brasil", a madeira "da cor da brasa" que abundava no litoral do Nordeste e cuja casca dava uma tintura vermelha, usada para tingir as vestes mais luxuosas de Lisboa. Essa versão esquece, claro, que a palavra Brasil é mais antiga que existência da própria língua portuguesa, cujos documentos mais antigos só surgiriam no século IX.

Um descobridor alternativo das Américas pode ter sido um religioso celta em busca do paraíso terrestre: A Navegação de São Brandão, obra escrita na Irlanda por volta do ano 900, conta a história de um monge irlandês que em 556 teria partido pelas águas do Atlântico em um currach - pequeno barco de madeira, coberto de peles e usado por pescadores. Reza a lenda que São Brandão, com uma pequena tripulação de monges-marinheiros, encontrou a fabulosa terra de Hy Brazil, "cheia de bosques e grandes rios recheados de peixes", e voltou à Irlanda para contar a história.

Nenhuma evidência arqueológica confirma que fenícios ou celtas tenham estado no Novo Mundo - mas a chance, segundo alguns pesquisadores, não é de desprezar. "Mesmo na falta de provas definitivas, é ingênuo negar a possibilidade de que povos antigos tenham navegado à América", diz Luiz Galdino, membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, que pesquisa as descobertas alternativas do Novo Mundo há mais de 30 anos.

Galdino aponta para a corrente Sul-Equatorial como o caminho mais provável para exploradores antigos. "Os fenícios tinham navios capazes de carregar mais mantimentos que as caravelas portuguesas. Sabemos que eles navegaram pela costa da África até o século IV a.C. - e, se um de seus barcos tivesse entrado por acaso na corrente Sul-Equatorial, iria diretamente para as praias de Pernambuco", diz Galdino, que planeja lançar um livro sobre "as descobertas do Brasil".

"O mesmo caminho pode ter sido seguido por celtas, romanos, árabes. O Brasil e as Américas foram descobertos várias vezes ao longo dos séculos".

Fonte: Os Descobridores do Novo Mundo - História - Passeioweb

Razões de ordem técnica

A moça viajou no ônibus em que viajava este que ora batuca, intimorato e altivo, as teclas macias de sua Remington semi-portátil, todas recentemente azeitadas para novas campanhas.

Não somos de viajar nesses incômodos coletivos. Stanislaw é uma vítima contumaz de táxi e não teria se rebaixado a freguês da Copanorte se não estivesse de caixa baixa. Estávamos mais por baixo do que calcinha de nylon.

Mas — dizíamos — a moça entrou e era o que se poderia desejar em matéria de mulher de qualidade superior. Tanto era, que houve como que um minuto de silêncio respeitoso, no coletivo. Aliás, minuto de silêncio respeitoso, não. Seria mais justo dizer minuto de silêncio para que todos os coleguinhas de viagem pensassem em besteira.

Depois — pouco a pouco — todos nos acostumaríamos à sua presença. Naquele momento, ela ainda fazia mais sucesso que Vicente Celestino em Barra do Piraí. Todos queriam lhe ceder o lugar. Um velhote, mais ou menos sem dignidade, levantou-se do banco e quis ser cavalheiro. Ela recusou com a altivez das que têm noivo.

O velhote desistiu e sentou. Havia um bonitão no ônibus. Como, minha senhora? Se o bonitão éramos nós? Não, senhora, era outro. A senhora desculpe. Havia dois bonitões; nós e o outro. Foi o outro que se levantou e disse, com voz de locutor da Rádio Nacional (programação matinal):

— Queira sentar, senhorinha.

O senhorinha soou falso como borderô de companhia de revistas musicais. Mas todos esperamos o êxito do bacano. Não foi bem sucedido, porém. Ela sorriu agradecida e respondeu:

— Não se incomode.

Era difícil a gente não se incomodar com aquele monumento ali na nossa frente, balançando no corredor do ônibus. Depois, foi saindo gente e os que estavam em pé iam sentando. Mas, antes, ofereciam a vez à bonitona. Ela sorria, agradecia e continuava em pé.

Chegou o momento, porém, em que o número de lugares era maior que o número de passageiros. Mesmo assim, ela ficou firme, viajando de pé.

Foi aí que, com aquela timidez que é o nosso maior sucesso com mulher, pigarreamos legal e perguntamos à distinta:

— Você não quer sentar? E ela respondeu:

— Não. E nós:

— Por quê?

E ela:

— Furúnculo.

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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora

O homem da pasta preta

Sobraçando uma enorme pasta preta o homem chegou-se para perto da nossa mesa e esperou que levantássemos a cabeça. Fingimos não dar pela sua presença, mas a situação foi ficando meio velhaca e fomos obrigados a perguntar se desejava alguma coisa. Ora se.

Bastou dar a deixa para ele explicar que era um emissário do saber, da cultura, da ilustração. Representante dos mais famosos editores, o homem de indisfarçável sotaque espanhol pôs-se a oferecer livros e mais livros, tudo a preços de ocasião, com descontos formidáveis, com facilidades de pagamento.

— O senhor precisa aproveitar el momento que es oportuno. Las livrarias fazem um desconto especial ahora.

Para ganhar tempo, perguntamos por que as livrarias estão fazendo desconto especial agora. Ele, muito naturalmente, explicou:

— Junho!

Não sabemos porque Balzac é mais barato em junho e jamais saberemos, pois o homem não é de dar tempo para pensar. Ali estava, sobre a mesa, toda a Comédia Humana, mais barata à vista, com um pequeno acréscimo para as tais suaves prestações mensais.

Ficou absolutamente bestificado quando soube que Balzac não interessava. E o Anatole France de bolso, também não? Mas isso era desconcertante! Um cavalheiro com a nossa cultura, com a nossa posição social... E perguntou:

— O amigo, naturalmente, tiene su posición dentro do café-society?

— Jogamos na defesa.

Ele achou a resposta de um fino humor. Grande espírito. E aproveitou para sapecar Eça de Queiroz inteiramente revisto pelo filho do próprio. Inclusive — garantiu — com notas muito oportunas. Explicamos que já tínhamos o Eça lá em casa. O Eça, o Ramalho, o Camilo, o Fialho, o Antero. Em matéria de literatura portuguesa, lá em casa vamos bem.

Subiu a Península Ibérica e abriu um folheto que demonstrava e provava que nunca, em nenhum país do mundo, se fez — numa só edição — um apanhado tão completo da obra de Cervantes. Já impacientes, declaramos:

— Cervantes dá azia!

Não sabemos se azia em espanhol é diferente. O fato é que não entendeu. Fechou o folheto e abriu outro. Este elucidava os interessados numa coleção enciclopédica. Eram vinte volumes que condensavam curiosidades matemáticas, as chamadas maravilhas da natureza e outros alicerces do saber. O homem que lesse com atenção a obra toda poderia fazer um figurão, respondendo perguntas nos programas de televisão.

Um a um, fomos recusando poetas e prosadores, biógrafos e historiadores, gramáticos, metafísicos, astrônomos e astrólogos. Da fina-flor da literatura, passou a meros catálogos. O senhor tem disco? É amante da pesca?

— Quem nos dera ter amante!

Nem sequer sorriu. Gosta de fotografias? Quer aprender a desenhar? Deseja ser mecânico de rádio em 20 lições? A arte da decoração.

O nosso corpo. O mar que nos cerca. A vida no subsolo. No mundo das bactérias. A culinária de todo o mundo.

Nesta última oferta apelamos para o ofendido. Imediatamente pediu desculpas. Realmente, um homem do nosso trato não iria cozinhar nunca. Por fim, esgotado o estoque, sentindo que não venderia coisa nenhuma, apelou pra ignorância. Olhou para os lados certificou-se de que estávamos a sós e segredou:

— Tengo aqui umas coisas mui lindas. Para leitura íntima.

E mostrou um livro com uma mulher nua na capa. Nem assim...

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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora

Um homem e seu complexo

Era um homem. Era um desses homens que não resistem à pergunta: "Você é um homem ou um rato?"

Dizemos que era dos que não resistem porque, sem dúvida, quando inquirido, não saberia o que responder. E isto é mais doloroso porque sua dúvida não era a de que não pudesse ser um homem, e sim a de que talvez não chegasse a ser um rato.

Sim, companheiros, o homem era um poço de complexos, figurinha capaz de dar dor de cabeça em aspirina, tipo que se considerava tão inferior que tinha vergonha de assinar o próprio nome.

E para isto também tinha uma explicação viável: chamava-se Eugênio e era incapaz — na sua infinita modéstia — de considerar o próprio "Eu", quanto mais ser simplesmente um "Gênio".

Vai daí, Eugênio ficou sendo Z. Não era Ze, com "Z" e "E", mais um acento (ou assento? Botamos os dois, Osvaldo, para que você escolha o certo). Eugênio assinava só a letra "Z" na certeza de que esta é que lhe servia, por ser a última do alfabeto.

Tantos eram os complexos de "Z" que, lá um dia, alguém lhe deu dinheiro para consultar um psicanalista. Morem no detalhe de alguém lhe dar dinheiro. Tudo porque "Z" não andava com cruzeiros no bolso, convencido de que, se assim o fizesse, desvalorizaria ainda mais a nossa moeda.

Mas — como ficou dito — pagaram a consulta e "Z" foi ao psicanalista. O médico mandou que ele deitasse naquele divã regulamentar e o paciente deu a primeira prova de seu estado de espírito ao responder que se consultaria de pé, pois não se sentia com direito de ficar deitado, enquanto o outro trabalhava.

O psicanalista achou aquilo muito estranho, percebeu que estava diante de um caso de complexo de inferioridade incurável e deu umas pílulas. Mas deu sem nenhuma esperança porque "Z" era tão sincero em seus complexos que chegou a confessar que só se sentia bem numa lata de lixo, ocasião em que pagou a consulta e se atirou pela lixeira do edifício, com um sorriso de superioridade.

Mas mesmo o lixo tem seu valor, embora a Limpeza Pública não saiba. "Z" foi piorando de tal forma que acabou achando que nem como lixo prestava. E — um dia — deu-se o trágico e amargo fim: seu complexo chegou ao máximo.

Ia sair de casa e, para colocar a gravata, foi até o espelho.

Qual não foi a sua surpresa? Chegou diante do espelho... olhou... e não viu mais ninguém.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora

O milagre

Naquela pequena cidade as romarias começaram quando correu o boato do milagre.

É sempre assim. Começa com um simples boato, mas logo o povo — sofredor, coitadinho, e pronto a acreditar em algo capaz de minorar sua perene chateação — passa a torcer para que o boato se transforme numa realidade, para poder fazer do milagre a sua esperança.

Dizia-se que ali vivera um vigário muito piedoso, homem bom, tranqüilo, amigo da gente simples, que fora em vida um misto de sacerdote, conselheiro, médico, financiador dos necessitados e até advogado dos pobres, nas suas eternas questões com os poderosos. Fora, enfim, um sacerdote na expressão do termo: fizera de sua vida um apostolado.

Um dia o vigário morreu. Ficou a saudade morando com a gente do lugar. E era em sinal de reconhecimento que conservavam o quarto onde ele vivera, tal e qual o deixara. Era um quartinho modesto, atrás da venda. Um catre (porque em histórias assim a cama do personagem chama-se catre), uma cadeira, um armário tosco, alguns livros. O quarto do vigário ficou sendo uma espécie de monumento à sua memória, já que a Prefeitura local não tinha verba para erguer sua estátua.

E foi quando um dia... ou melhor, uma noite, deu-se o milagre. No quarto dos fundos da venda, no quarto que fora do padre, na mesma hora em que o padre costumava acender uma vela para ler seu breviário, apareceu uma vela acesa.

— Milagre!!! — quiseram todos.

E milagre ficou sendo, porque uma senhora que tinha o filho doente, logo se ajoelhou do lado de fora do quarto, junto à janela, e pediu pela criança. Ao chegar em casa, depois do pedido — conta-se — a senhora encontrou o filho brincando, fagueiro.

— Milagre!!! — repetiram todos. E o grito de "Milagre!!!" reboou por sobre montes e rios, vales e florestas, indo soar no ouvi¬do de outras gentes, de outros povoados. E logo começaram as romarias.

Vinha gente de longe pedir! Chegava povo de tudo quanto é canto e ficava ali plantado, junto à janela, aguardando a luz da vela. Outros padres, coronéis, até deputados, para oficializar o milagre. E quando eram mais ou menos seis da tarde, hora em que o bondoso sacerdote costumava acender sua vela... a vela se acendia e começavam as orações. Ricos e pobres, doentes e saudáveis, homens e mulheres, civis e militares caíam de joelhos, pedindo.

Com o passar do tempo a coisa arrefeceu. Muitos foram os casos de doenças curadas, de heranças conseguidas, de triunfos os mais diversos. Mas, como tudo passa, depois de alguns anos passaram também as romarias. Foi diminuindo a fama do milagre e ficou, apenas, mais folclore na lembrança do povo.

O lugarejo não mudou nada. Continua igualzinho como era, e ainda existe, atrás da venda, o quarto que fora do padre. Passamos outro dia por lá. Entramos na venda e pedimos ao português, seu dono, que vive há muitos anos atrás do balcão, a roubar no peso, que nos servisse uma cerveja. O português, então, berrou para um pretinho, que arrumava latas de goiabada numa prateleira:

— Ó Milagre, sirva uma cerveja ao freguês!

Achamos o nome engraçado. Qual o padrinho que pusera o nome de Milagre naquele afilhado? E o português explicou que não, que o nome do pretinho era Sebastião. Milagre era apelido.

— E por quê? — perguntamos.
— Porque era ele quem acendia a vela, no quarto do padre.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora