A moça viajou no ônibus em que viajava este que ora batuca, intimorato e altivo, as teclas macias de sua Remington semi-portátil, todas recentemente azeitadas para novas campanhas.
Não somos de viajar nesses incômodos coletivos. Stanislaw é uma vítima contumaz de táxi e não teria se rebaixado a freguês da Copanorte se não estivesse de caixa baixa. Estávamos mais por baixo do que calcinha de nylon.
Mas — dizíamos — a moça entrou e era o que se poderia desejar em matéria de mulher de qualidade superior. Tanto era, que houve como que um minuto de silêncio respeitoso, no coletivo. Aliás, minuto de silêncio respeitoso, não. Seria mais justo dizer minuto de silêncio para que todos os coleguinhas de viagem pensassem em besteira.
Depois — pouco a pouco — todos nos acostumaríamos à sua presença. Naquele momento, ela ainda fazia mais sucesso que Vicente Celestino em Barra do Piraí. Todos queriam lhe ceder o lugar. Um velhote, mais ou menos sem dignidade, levantou-se do banco e quis ser cavalheiro. Ela recusou com a altivez das que têm noivo.
O velhote desistiu e sentou. Havia um bonitão no ônibus. Como, minha senhora? Se o bonitão éramos nós? Não, senhora, era outro. A senhora desculpe. Havia dois bonitões; nós e o outro. Foi o outro que se levantou e disse, com voz de locutor da Rádio Nacional (programação matinal):
— Queira sentar, senhorinha.
O senhorinha soou falso como borderô de companhia de revistas musicais. Mas todos esperamos o êxito do bacano. Não foi bem sucedido, porém. Ela sorriu agradecida e respondeu:
— Não se incomode.
Era difícil a gente não se incomodar com aquele monumento ali na nossa frente, balançando no corredor do ônibus. Depois, foi saindo gente e os que estavam em pé iam sentando. Mas, antes, ofereciam a vez à bonitona. Ela sorria, agradecia e continuava em pé.
Chegou o momento, porém, em que o número de lugares era maior que o número de passageiros. Mesmo assim, ela ficou firme, viajando de pé.
Foi aí que, com aquela timidez que é o nosso maior sucesso com mulher, pigarreamos legal e perguntamos à distinta:
— Você não quer sentar? E ela respondeu:
— Não. E nós:
— Por quê?
E ela:
— Furúnculo.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte:
O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização
de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio -
1979 - Livraria José Olympio Editora
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