sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz Ano Novo

Vi na televisão que as lojas bacanas estavam vendendo adoidado roupas ricas para as madames vestirem no reveillon. Vi também que as casas de artigos finos para comer e beber tinham vendido todo o estoque.

Pereba, vou ter que esperar o dia raiar e apanhar cachaça, galinha morta e farofa dos macumbeiros.

Pereba entrou no banheiro e disse, que fedor.

Vai mijar noutro lugar, tô sem água.

Pereba saiu e foi mijar na escada.

Onde você afanou a TV, Pereba perguntou.

Afanei, porra nenhuma. Comprei. O recibo está bem em cima dela. Ô Pereba! você pensa que eu sou algum babaquara para ter coisa estarrada no meu cafofo?

Tô morrendo de fome, disse Pereba.

De manhã a gente enche a barriga com os despachos dos babalaôs, eu disse, só de sacanagem.

Não conte comigo, disse Pereba. Lembra-se do Crispim? Deu um bico numa macumba aqui na Borges de Medeiros, a perna ficou preta, cortaram no Miguel Couto e tá ele aí, fudidão, andando de muleta.

Pereba sempre foi supersticioso. Eu não. Tenho ginásio, sei ler, escrever e fazer raiz quadrada. Chuto a macumba que quiser.

Acendemos uns baseados e ficamos vendo a novela. Merda. Mudamos de canal, prum bang-bang, Outra bosta.

As madames granfas tão todas de roupa nova, vão entrar o ano novo dançando com os braços pro alto, já viu como as branquelas dançam? Levantam os braços pro alto, acho que é pra mostrar o sovaco, elas querem mesmo é mostrar a boceta mas não têm culhão e mostram o sovaco. Todas corneiam os maridos. Você sabia que a vida delas é dar a xoxota por aí?

Pena que não tão dando pra gente, disse Pereba. Ele falava devagar, gozador, cansado, doente.

Pereba, você não tem dentes, é vesgo, preto e pobre, você acha que as madames vão dar pra você? Ô Pereba, o máximo que você pode fazer é tocar uma punheta. Fecha os olhos e manda brasa.

Eu queria ser rico, sair da merda em que estava metido! Tanta gente rica e eu fudido.

Zequinha entrou na sala, viu Pereba tocando punheta e disse, que é isso Pereba?

Michou, michou, assim não é possível, disse Pereba.

Por que você não foi para o banheiro descascar sua bronha?, disse Zequinha.

No banheiro tá um fedor danado, disse Pereba. Tô sem água.

As mulheres aqui do conjunto não estão mais dando?, perguntou Zequinha.

Ele tava homenageando uma loura bacana, de vestido de baile e cheia de jóias.

Ela tava nua, disse Pereba.

Já vi que vocês tão na merda, disse Zequinha.

Ele tá querendo comer restos de Iemanjá, disse Pereba.

Brincadeira, eu disse. Afinal, eu e Zequinha tínhamos assaltado um supermercado no Leblon, não tinha dado muita grana, mas passamos um tempão em São Paulo na boca do lixo, bebendo e comendo as mulheres. A gente se respeitava.

Pra falar a verdade a maré também não tá boa pro meu lado, disse Zequinha. A barra tá pesada. Os homens não tão brincando, viu o que fizeram com o Bom Crioulo? Dezesseis tiros no quengo. Pegaram o Vevé e estrangularam. O Minhoca, porra! O Minhoca! crescemos juntos em Caxias, o cara era tão míope que não enxergava daqui até ali, e também era meio gago - pegaram ele e jogaram dentro do Guandu, todo arrebentado.

Pior foi com o Tripé. Tacaram fogo nele. Virou torresmo. Os homens não tão dando sopa, disse Pereba. E frango de macumba eu não como.

Depois de amanhã vocês vão ver. Vão ver o que?, perguntou Zequinha.

Só tô esperando o Lambreta chegar de São Paulo.

Porra, tu tá transando com o Lambreta?, disse Zequinha.

As ferramentas dele tão todas aqui.

Aqui!?, disse Zequinha. Você tá louco.

Eu ri.

Quais são os ferros que você tem?, perguntou Zequinha. Uma Thompson lata de goiabada, uma carabina doze, de cano serrado, e duas magnum.

Puta que pariu, disse Zequinha. E vocês montados nessa baba tão aqui tocando punheta?

Esperando o dia raiar para comer farofa de macumba, disse Pereba. Ele faria sucesso falando daquele jeito na TV, ia matar as pessoas de rir.

Fumamos. Esvaziamos uma pitu.

Posso ver o material?, disse Zequinha.

Descemos pelas escadas, o elevador não funcionava e fomos no apartamento de Dona Candinha. Batemos. A velha abriu a porta.

Dona Candinha, boa noite, vim apanhar aquele pacote.

O Lambreta já chegou?, disse a preta velha.

Já, eu disse, está lá em cima.

A velha trouxe o pacote, caminhando com esforço. O peso era demais para ela. Cuidado, meus filhos, ela disse.

Subimos pelas escadas e voltamos para o meu apartamento. Abri o pacote. Armei primeiro a lata de goiabada e dei pro Zequinha segurar. Me amarro nessa máquina, tarratátátátá!, disse Zequinha.

É antiga mas não falha, eu disse.

Zequinha pegou a magnum. Jóia, jóia, ele disse. Depois segurou a doze, colocou a culatra no ombro e disse: ainda dou um tiro com esta belezinha nos peitos de um tira, bem de perto, sabe como é, pra jogar o puto de costas na parede e deixar ele pregado lá.

Botamos tudo em cima da mesa e ficamos olhando. Fumamos mais um pouco.

Quando é que vocês vão usar o material?, disse Zequinha.

Dia 2. Vamos estourar um banco na Penha. O Lambreta quer fazer o primeiro gol do ano.

Ele é um cara vaidoso, disse Zequinha.

É vaidoso mas merece. Já trabalhou em São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Vitória, Niterói, pra não falar aqui no Rio. Mais de trinta bancos.

É, mas dizem que ele dá o bozó, disse Zequinha.

Não sei se dá, nem tenho peito de perguntar. Pra cima de mim nunca veio com frescuras.

Você já viu ele com mulher?, disse Zequinha.

Não, nunca vi. Sei lá, pode ser verdade, mas que importa?

Homem não deve dar o cu. Ainda mais um cara importante como o Lambreta, disse Zequinha.

Cara importante faz o que quer, eu disse.

É verdade, disse Zequinha.

Ficamos calados, fumando.

Os ferros na mão e a gente nada, disse Zequinha.

O material é do Lambreta. E aonde é que a gente ia usar ele numa hora destas?

Zequinha chupou ar fingindo que tinha coisas entre os dentes. Acho que ele também estava com fome.

Eu tava pensando a gente invadir uma casa bacana que tá dando festa. O mulherio tá cheio de jóia e eu tenho um cara que compra tudo que eu levar. E os barbados tão cheios de grana na carteira. Você sabe que tem anel que vale cinco milhas e colar de quinze, nesse intruja que eu conheço? Ele paga na hora.

O fumo acabou. A cachaça também. Começou a chover. Lá se foi a tua farofa, disse Pereba.

Que casa? Você tem alguma em vista?

Não, mas tá cheio de casa de rico por aí. A gente puxa um carro e sai procurando.

Coloquei a lata de goiabada numa saca ele feira, junto com a munição. Dei uma magnum pro Pereba, outra pro Zequinha. Prendi a carabina no cinto, o cano para baixo e vesti uma capa. Apanhei três meias de mulher e uma tesoura. Vamos, eu disse.

Puxamos um Opala. Seguimos para os lados de São Conrado. Passamos várias casas que não davam pé, ou tavam muito perto da rua ou tinham gente demais. Até que achamos o lugar perfeito. Tinha na frente um jardim grande e a casa ficava lá no fundo, isolada. A gente ouvia barulho de música de carnaval, mas poucas vozes cantando. Botamos as meias na cara. Cortei com a tesoura os buracos dos olhos. Entramos pela porta principal.

Eles estavam bebendo e dançando num salão quando viram a gente.

É um assalto, gritei bem alto, para abafar o som da vitrola. Se vocês ficarem quietos ninguém se machuca. Você aí, apaga essa porra dessa vitrola!

Pereba e Zequinha foram procurar os empregados e vieram com três garções e duas cozinheiras. Deita todo mundo, eu disse.

Contei. Eram vinte e cinco pessoas. Todos deitados em silêncio, quietos, como se não estivessem sendo vistos nem vendo nada.

Tem mais alguém em casa?, eu perguntei.

Minha mãe. Ela está lá em cima no quarto. É uma senhora doente, disse uma mulher toda enfeitada, de vestido longo vermelho. Devia ser a dona da casa.

Crianças?

Estão em Cabo Frio, com os tios.

Gonçalves, vai lá em cima com a gordinha e traz a mãe dela.

Gonçalves?, disse Pereba.

É você mesmo. Tu não sabe mais o teu nome, ô burro? Pereba pegou a mulher e subiu as escadas.

Inocêncio, amarra os barbados.

Zequinha amarrou os caras usando cintos, fios de cortinas, fios de telefones, tudo que encontrou.

Revistamos os sujeitos. Muito pouca grana. Os putos estavam cheios de cartões de crédito e talões de cheques. Os relógios eram bons, de ouro e platina. Arrancamos as jóias das mulheres. Um bocado de ouro e brilhante. Botamos tudo na saca.

Pereba desceu as escadas sozinho.

Cadê as mulheres?, eu disse.

Engrossaram e eu tive que botar respeito.

Subi. A gordinha estava na cama, as roupas rasgadas, a língua de fora. Mortinha. Pra que ficou de flozô e não deu logo? O Pereba tava atrasado. Além de fudida, mal paga. Limpei as jóias. A velha tava no corredor, caída no chão. Também tinha batido as botas. Toda penteada, aquele cabelão armado, pintado de louro, de roupa nova, rosto encarquilhado, esperando o ano novo, mas já tava mais pra lá do que pra cá. Acho que morreu de susto. Arranquei os colares, broches e anéis. Tinha um anel que não saía. Com nojo, molhei de saliva o dedo da velha, mas mesmo assim o anel não saía. Fiquei puto e dei uma dentada, arrancando o dedo dela. Enfiei tudo dentro de uma fronha. O quarto da gordinha tinha as paredes forradas de couro. A banheira era um buraco quadrado grande de mármore branco, enfiado no chão. A parede toda de espelhos. Tudo perfumado. Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha, brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um alívio, muito legal. Depois limpei o cu na colcha, botei as calças e desci.

Vamos comer, eu disse, botando a fronha dentro da saca. Os homens e mulheres no chão estavam todos quietos e encagaçados, como carneirinhos. Para assustar ainda mais eu disse, o puto que se mexer eu estouro os miolos.

Então, de repente, um deles disse, calmamente, não se irritem, levem o que quiserem não faremos nada.

Fiquei olhando para ele. Usava um lenço de seda colorida em volta do pescoço.

Podem também comer e beber à vontade, ele disse.

Filha da puta. As bebidas, as comidas, as jóias, o dinheiro, tudo aquilo para eles era migalha. Tinham muito mais no banco. Para eles, nós não passávamos de três moscas no açucareiro.

Como é seu nome?

Maurício, ele disse.

Seu Maurício, o senhor quer se levantar, por favor?

Ele se levantou. Desamarrei os braços dele.

Muito obrigado, ele disse. Vê-se que o senhor é um homem educado, instruído. Os senhores podem ir embora, que não daremos queixa à polícia. Ele disse isso olhando para os outros, que estavam quietos apavorados no chão, e fazendo um gesto com as mãos abertas, como quem diz, calma minha gente, já levei este bunda suja no papo.

Inocêncio, você já acabou de comer? Me traz uma perna de peru dessas aí. Em cima de uma mesa tinha comida que dava para alimentar o presídio inteiro. Comi a perna de peru. Apanhei a carabina doze e carreguei os dois canos.

Seu Maurício, quer fazer o favor de chegar perto da parede? Ele se encostou na parede. Encostado não, não, uns dois metros de distância. Mais um pouquinho para cá. Aí. Muito obrigado.

Atirei bem no meio do peito dele, esvaziando os dois canos, aquele tremendo trovão. O impacto jogou o cara com força contra a parede. Ele foi escorregando lentamente e ficou sentado no chão. No peito dele tinha um buraco que dava para colocar um panetone.

Viu, não grudou o cara na parede, porra nenhuma.

Tem que ser na madeira, numa porta. Parede não dá, Zequinha disse.

Os caras deitados no chão estavam de olhos fechados, nem se mexiam. Não se ouvia nada, a não ser os arrotos do Pereba.

Você aí, levante-se, disse Zequinha. O sacana tinha escolhido um cara magrinho, de cabelos compridos.

Por favor, o sujeito disse, bem baixinho. Fica de costas para a parede, disse Zequinha.

Carreguei os dois canos da doze. Atira você, o coice dela machucou o meu ombro. Apóia bem a culatra senão ela te quebra a clavícula.

Vê como esse vai grudar. Zequinha atirou. O cara voou, os pés saíram do chão, foi bonito, como se ele tivesse dado um salto para trás. Bateu com estrondo na porta e ficou ali grudado. Foi pouco tempo, mas o corpo do cara ficou preso pelo chumbo grosso na madeira.

Eu não disse? Zequinha esfregou ó ombro dolorido. Esse canhão é foda.

Não vais comer uma bacana destas?, perguntou Pereba.

Não estou a fim. Tenho nojo dessas mulheres. Tô cagando pra elas. Só como mulher que eu gosto.

E você... Inocêncio?

Acho que vou papar aquela moreninha.

A garota tentou atrapalhar, mas Zequinha deu uns murros nos cornos dela, ela sossegou e ficou quieta, de olhos abertos, olhando para o teto, enquanto era executada no sofá.

Vamos embora, eu disse. Enchemos toalhas e fronhas com comidas e objetos.

Muito obrigado pela cooperação de todos, eu disse. Ninguém respondeu.

Saímos. Entramos no Opala e voltamos para casa.

Disse para o Pereba, larga o rodante numa rua deserta de Botafogo, pega um táxi e volta. Eu e Zequinha saltamos.

Este edifício está mesmo fudido, disse Zequinha, enquanto subíamos, com o material, pelas escadas imundas e arrebentadas.

Fudido mas é Zona Sul, perto da praia. Tás querendo que eu vá morar em Vilópolis?

Chegamos lá em cima cansados. Botei as ferramentas no pacote, as jóias e o dinheiro na saca e levei para o apartamento da preta velha.

Dona Candinha, eu disse, mostrando a saca, é coisa quente.

Pode deixar, meus filhos. Os homens aqui não vêm.

Subimos. Coloquei as garrafas e as comidas em cima de uma toalha no chão. Zequinha quis beber e eu não deixei. Vamos esperar o Pereba.

Quando o Pereba chegou, eu enchi os copos e disse, que o próximo ano seja melhor. Feliz Ano Novo.

Fonte: Texto extraído do livro "Feliz Ano Novo", de Rubem Fonseca - Editora Artenova – Rio de Janeiro, 1975.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Conde e Drácula inovando música sertaneja



A música sertaneja de raiz é algo assim como "samba de raiz", preserva aquele jeitinho de se tocar e cantar com o coração, como se fazia no princípio, valorizando principalmente a originalidade de quem a interpreta.

Em 1976, na penumbra de um castelo lá na Transilvânia, a música sertaneja ganhou mais um segmento (in) feliz com a dupla "Conde e Drácula": a música sertaneja gótica ou MSG. Com mil morcegos alienados, dirão vós!: Como dormir com essa ameaça que vai consumir a raça humana com tanta breguice?

Mas pensando bem, com tanta música ridícula que a Rede Blobo dá chance, com suas chuchas e outras cabrochas sem graça, sem a originalidade ... sei lá... acho que vale a pena a gente pelo menos rir um pouco. 

Segundo um conhecedor da dupla e infeliz ouvinte da época: "o pior é a parte: 'o menino foi pra escola do Mobral'. Essa dupla era a coisa mais medonha da música sertaneja. Até digo que graças à Deus não fizeram sucesso, a música sertaneja não merecia essa coisa gótica. Mas que a música é tenebrosa é. Mas o negócio descambou de vez na parte que o menino foi pra escola do Mobral".

Testemunhas tentam defender a dupla vampírica do sertão: "Oi, sou testemunha ocular dessa dupla, aliás parente muito próximo dos mesmos. Drácula faleceu em dezembro de 1999 (infelizmente não emplacou o novo milênio). 

O Conde, que hoje é médico oftomologista, mora no interior da Bahia em Vitória da Conquista". Uuuiii....! (na verdade escrevi "uuuiii" porque ando com meu dente molar  me incomodando... nada contra essa adorável dupla gótica. Mas é assim que marco algo em alguma publicação) .

O primeiro playlist sertanejo gótico....kakakakaka...


domingo, 26 de dezembro de 2010

Diálogo de Reveillon

A madame também estava com a moringa cheia, mas — em comparação com o sujeito que a cumprimen­tou, podia até ser classificada de dama sóbria em festa de pileque. Quando ela passou, o cara levantou a cabeça e falou assim:

-Olá.

A dona não devia ser mulher de olá, porque olhou-o com certo desprezo e não respondeu. Já ia seguindo para atender ao chamado de um outro pilantra que lhe fez si­nal, mas o que dissera olá continuou falando e ela escu­tou:

- Feliz 66 pra você, tá?

A dona aceitou: - Para você também.

O cara deu um risinho de quem não está acreditando muito em 66. Depois pegou uma taça, botou champanhe dentro e ofereceu:

— Vira esta aí, em homenagem ao cabrito que mor­reu.

— Você já não bebeu demais? — ela quis saber.

— Que pergunta besta, minha senhora. Isso é per­gunta de mulher casada.

— Mas eu sou casada.

— Não me diga! Eu também sou. Eu sou casado às pampas — deu um soluço de bêbado e ficou balançando a cabeça, a considerar o quanto ele era casado. Em seguida esclareceu:

— Eu sou casado desde 1950, tá bem?

— Eu também — a dona disse.

— Que coincidência desgraçada, né? Ambos somos casados desde 1950. Você também casou naquele igrejão enorme que tem lá na cidade e que eles já tão achando pequena e estão construindo outra?

— A que estão construindo agora é a nova Catedral, a que eu me casei chama-se Candelária.

— Isto mesmo: Candelária. Foi lá que eu me casei.

— Eu também.

— Também??? Puxa. Casada como eu, em 1950 como eu, na Candelária como eu. Não vai me dizer que a sua lua-de-mel foi na Europa também.

— Muita gente passa lua-de-mel na Europa — a dona ponderou.

— É isso mesmo — o cara concordou: — Lua-de-mel na Europa. Até parece que isso adianta alguma coisa.

— A lua-de-mel não depende do lugar para ser me­lhor ou pior. Depende do casal.

O cara deu uma risadinha e explicou: — Minha mu­lher sempre diz isso que você está dizendo — e tratou de encher novamente a taça. Mas aí a dona mudou o tom da conversa:

— Escuta, Eduardo, você já bebeu demais. Vamos embora.

E agarrando o marido cambaleante, levou-o para casa.

Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

São Nicolau ou Papai Noel?

Cuidado! Ele está chegando e pode trazer
uma coca-cola com aspartame para você
Está chegando o Natal e junto com ele, a popular figura fofa que traz presentes para as crianças bem-comportadas na noite da véspera do evento. A lenda se baseia em parte em contos hagiográficos sobre São Nicolau.

Enquanto São Nicolau era originalmente retratado com trajes de bispo, atualmente Papai Noel ("Noël" é natal em francês) é retratado como um homem rechonchudo, alegre e de barba branca trajando um casaco vermelho com gola e punhos brancos, calças vermelhas de bainha branca, e cinto e botas de couro preto.

Essa imagem se tornou popular nos EUA e Canadá no século XIX devido à influência do caricaturista e cartunista político Thomas Nast. Essa imagem tem se mantido e reforçado por meio da mídia publicitária, como músicas, filmes e propagandas.

Conforme a lenda, Noel mora no Pólo Norte ou na Lapônia, Finlândia, onde ele faz uma lista de crianças ao redor do mundo, classificando-as de acordo com seu comportamento, e que entrega presentes a todos os garotos(as) bem-comportados no mundo na noite da véspera de Natal. Ele consegue esse feito anual com o auxílio de elfos, que fazem os brinquedos na oficina, e das renas que puxam o trenó.

O personagem foi inspirado em São Nicolau Taumaturgo, arcebispo de Mira na Turquia, no século IV. Nicolau costumava ajudar, anonimamente, quem estivesse em dificuldades financeiras. Colocava o saco com moedas de ouro a ser ofertado na chaminé das casas. Foi declarado santo depois que muitos milagres lhe foram atribuídos. Sua transformação em símbolo natalino aconteceu na Alemanha e daí correu o mundo inteiro.


Há bastante tempo existe certa oposição a que se ensinem crianças a acreditar em Papai Noel. Alguns cristãos dizem que essa tradição desvia das origens religiosas e do propósito verdadeiro do Natal ou que é uma mentira elaborada e que é eticamente incorreto que os pais ensinem os filhos a crer em sua existência. Outros se opõem como um símbolo da comercialização do Natal.

O mito da Coca-Cola

É amplamente divulgado pela internet e por outros meios que a Coca-Cola seria a responsável por criar o atual visual do Papai Noel (roupas vermelhas com detalhes em branco e cinto preto), mas é historicamente comprovado que o responsável por sua roupagem vermelha foi o cartunista alemão Thomas Nast, em 1886 na revista Harper’s Weeklys.

Papai Noel até então era representado com roupas de inverno, porém na cor verde, típico de lenhadores. O que ocorre é que em 1931 a Coca-Cola realizou uma grande campanha publicitária vestindo Papai Noel ao mesmo modo de Nast, com as cores vermelha e branca, o que foi bastante conveniente, já que estas são as cores de seu rótulo. Tal campanha destinada a promover o consumo de Coca-Cola no inverno, fez um enorme sucesso e a nova imagem de Noel espalhou-se rapidamente pelo mundo. Portanto, a Coca-Cola contribuiu para difundir e padronizar a imagem atual, mas não é responsável por tê-la criado.

Fontes: condensado de "Papai Noel" - Wikipédia.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O Natal vai aquecer a temporada?

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Decorações natalinas em Balneário Camboriú neste fim de tarde, 15/12/2010. Ano passado o Natal, aliás o Papai Noel,  aqui em BC, pegou fogo!...rs rs rs

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Por trás do biombo

O homem é atropelado na rua ou cai fulminado por um ataque cardíaco. Pode morrer de indigestão ou pode morrer de fome, não importa. Depois da morte to­dos são iguais e lá fica aquele corpo estirado no asfalto, logo cercado por duas velas acesas, que mãos piedosas e incógnitas providenciam com impressionante presteza.

O homem está morto e os curiosos o rodeiam, divi­dindo-se entre retardatários curiosos e prestativos infor­mantes.

— "Como é que foi, hem"?

— "Ele sentiu-se mal, coitado. Nós sentamos ele no meio-fio, mas ele acabou morrendo".

— "Pobrezinho!"

A nossa imperturbável e deficiente Polícia se incum­be de amainar o espírito do próximo; o seu sentimento de solidariedade. O falecido pode morrer à hora que for

que ficará estirado na calçada, exposto à curiosidade pú­blica, porque as autoridades policiais só vão aparecer de­pois que o caso já caminhou para o perigoso terreno da galhofa e o falecido já goza da intimidade dos que pas­sam.

Já não há mais aquele amontoado de gente à sua vol­ta; apenas um ou outro curioso se detém por um instan­te, espia e parte. Já queimaram as velas que iluminaram sua alma na subida aos céus; enfim, o defunto virou vaca. Um cara que tinha ido pra lá, pouco depois do momento fatal, e que estava voltando pra cá algumas horas mais tarde, vê o corpo espichado no chão e berra:

— "Puxa... Ainda não fizeram o carreto desse bone­co!"

Os que ouvem acham graça. A presença da morte já é da intimidade de todos e todos aceitam o desrespeito com o sorriso desanuviador.

No dia seguinte os jornais comentam o fato, e terminam a notícia com as palavras de sempre: "O corpo do extinto ficou durante horas ex­posto à curiosidade pública, porque a perícia demorou a chegar".

Agora aparece o projeto do Deputado Fioravante Fra­ga. Vejam que beleza! O projeto obriga as delegacias dis­tritais a contarem permanentemente com um biombo, para esconder os que morrem nas vias públicas. Como se isso adiantasse. Se a Polícia é que chega atrasada, tá na cara que se ela trouxer o biombo, este também chega atra­sado, pombas!

De qualquer maneira, o noticiário policial vai variar o final da notícia: "O corpo do extinto ficou durante horas exposto à curiosidade pública, porque a Polícia demorou a chegar com o biombo".

Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Educação Física 2010 UNIVALI

Solenidade de formatura do Curso de Educação Física da Universidade Vale do Itajaí - Colação de Grau - 11 de dezembro de 2010 - Teatro da UNIVALI - Rua Uruguai - Centro / Itajaí-SC - André Ricardo dos Santos (formando).

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E o garoto conseguiu! Formou-se em Educação Física - Itajaí (SC), 11/12/2010


sábado, 11 de dezembro de 2010

O filho do camelô

Passava gente pra lá e passava gente pra cá como, de resto, acontece em qualquer calçada. Mas quan­do o camelô chegou e armou ali a sua quitanda, muitos que iam pra lá e muitos que vinham pra cá pararam para ouvir o distinto.

Camelô, no Rio de Janeiro, onde há um monte de gente que acorda mais cedo para ficar mais tem­po sem fazer nada, tem sempre uma audiência de deixar muito conferencista com complexo de inferioridade.

Mas — eu dizia — o camelô, olhou pros lados, obser­vando o movimento e, certo de que não havia guarda ne­nhum para atrasar seu lado, foi armando a sua mesinha tosca, uma tábua de caixote com quatro pés mambem­bes, onde colocou a sua muamba.

Eram uns potes peque­nos, misteriosos, que foi ajeitando em fila indiana. Aqui o filho de Dona Dulce, que estava tomando o pior café do mundo (que é o café que se vende em balcão de boteco do Rio), continuou bicando a xicrinha, pra ver o bicho que ia dar.

Era bem em frente ao boteco o "escritório" do camelô. Armada a traquitanda ele olhou outra vez para a direita, para a subversiva, para a frente, para trás e, ratificada a ausência da lei, apanhou um dos potes e abriu.

Até aquele momento, seu único espectador, (afora eu, um admirador à distância) era um menino magrela, meio esmolambado que, pelo jeito, devia ser o seu auxili­ar. Ou seria seu filho? Sinceramente, naquele momento eu não podia dizer. Era um menino plantado ao lado do camelô — eis a verdade.

O camelô abriu o jogo:

— Senhoras, senhores... ao me verem aqui pensarão que sou um mágico arruinado, que a crise nos circos jo­gou na rua. Não é nada disso, meus senhores.

Parou um gordo, com uma pasta preta debaixo do braço, que vinha de lá. Quase que ao mesmo tempo, pa­rou também uma mulatinha feiosa, de carapinha assanha­da, que vinha em companhia de uma branquela sem den­tes na frente.

— Eu represento uma firma que não visa lucros — pros­seguiu o camelô —, visa apenas o bem da humanidade. Então vendo esta pomada?

O camelô exibiu a pomada, e pararam mais uns três ou quatro, entre os quais uma mocinha bem jeitozinha, a ponto de o gordo com a pasta abrir caminho para ela ficar na sua frente. Mas ela não quis. Olhou pro gordo, notou que ele estava com idéia de jerico e nem agradeceu a gentileza. Ficou parada onde estava, olhando a pomada dentro do pote que o vendedor apregoava.

— Esta pomada, meus amigos, é verdadeiramente mi­raculosa e fará com que todos sorriam com confiança.

"Que diabo de pomada era aquela?" — pensei eu. E comigo pensaram outras pessoas, que se aproximaram também curiosas. Uma velha abriu caminho e ficou bem do lado da mesinha, entre o camelô e o menino.

- É isto mesmo, senhores... ela representa um sorri­so de confiança, porque é o maior fixador de dentaduras que a ciência já produziu. Experimentem e verão. A cremilda ficará presa o dia inteiro, se a senhora passar um pouco desta pomada no céu da boca — e apontou para a velhinha ao lado. Todos riram, inclusive a branquela desdentada.

- Uma pomada que livrará qualquer um de um pos­sível vexame, numa churrascaria, num banquete de ceri­mônia. Mesmo que sua dentadura seja uma incorrigível bailarina, a pomada dará a fixação desejada, como já ficou provado nas bocas mais desanimadoras.

Um cara de óculos venceu a inibição e perguntou quanto era:

- Um pote apenas o senhor levará por 100 cruzei­ros. Dois potes 170 e mais um pente inquebrável, oferta da firma que represento. Um para o senhor, dois ali para o cavalheiro. Madame vai querer quantos?

E a venda tinha começado animada, quando parou a viatura policial sem que ninguém percebesse sua aproxi­mação. Os guardas pularam na calçada com aquela delica­deza peculiar ao policial. O guarda que vinha na frente deu um chute no tabuleiro da pomada miraculosa que foi pote pra todo lado. Dois outros agarraram o camelô, e o da direita lascou-lhe um cascudo.

Aí o povo começou a vaiar. Um senhor, cujos cabe­los grisalhos impunham o devido respeito, gritou:

- Apreendam a mercadoria mas não batam no rapaz, que é um trabalhador!

- Isto mesmo — berrou uma senhora possante como o próprio Brucutu.

O vozerio foi aumentando e os guardas começaram a medrar.

— Além disso o coitado tem um filho — disse a velha.

E, ao lembrar-se do filho, o camelô abraçou-se ao ga­roto, que ficou encolhido entre seus braços. Leva não leva. Um sujeito folgadão deu um murro na viatura que, em sendo policial, era velha como a necessidade, e quase desmontou. Os guardas se entreolharam. Eram quatro só, contra a turba ignara, sedenta de justiça.

— Deixa o homem, que ele tem filho! — era a velha de novo.

Os guardas limitaram-se a botar a muamba toda na viatura e deram no pé, sob uma bonita salva de vaia. O camelô, de cabeça baixa, foi andando com o garoto a ca­minhar ao seu lado, e o bolo se desfez. Era outra vez uma calçada comum, onde passava gente pra lá e passava gen­te pra cá.

Eu fui andando pra lá e dobrei na esquina. Não tinha dado nem três passos e vi o camelô de novo, conversan­do com o garoto.

— Que onda é essa de dizer que eu sou seu filho, meu chapa? Eu nem te conheço! — perguntava o menino, para o camelô.

— Cala a boca, rapaz. Toma 200 pratas, tá bem?

Eu parei junto a um carro, fingindo que ia abri-lo, só para ouvir o final da conversa.

— Eu tenho mais potes naquele café lá embaixo -disse o homem: — Queres ficar de meu filho na Cinelândia, eu vou pra lá vender. Quer?

— Vou por 300, tá?

O camelô pensou um pouco e topou. E lá foram "pai" e "filho" para a Cinelândia, vender a pomada "que dá con­fiança ao sorriso".

Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.

La bela polenta

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"Quando se planta la bela polenta, la bela polenta / Se planta cosi. Se planta cosi / Oh!, oh!, oh!, bela polenta cossi / Tcha - tcha - pum. / Tcha - tcha - pum / Tcha - tcha - pum -tcha- tcha- pum / Quando se cresce la bela polenta, la bela polenta, / Se cresce cosi, se planta cosi, se cresce cosi." Itá-SC, 29/09/2010.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Futebol com maconha

Tem cara que é tricolor, tem cara que é vascaíno; uns torcem pelo Flamengo, outros pelo Botafogo. Mas, Primo Altamirando tinha que ser diferente: o miserável me confessou noutro dia que é torcedor do "Puxa Firme F.C.", Sociedade Recreativa do Morro do Queimado. Aliás, essa história foi ele que me contou.

Diz que 22 jogadores, mais técnico, massagista, enfermeiro do "Puxa Firme", não tem um que não seja apreciador da erva maldita. O preparo físico do time se resume numa rápida concentração, para puxar maconha. Em véspera de jogo a janela da sede, que fica no sobrado de um botequim, parece até incêndio: como sai fumaça!

No sábado passado, o técnico do time — um tremendo crioulo que atende pelo vulgo de Macarrão, deu o grito: "Olha cambada, amanhã nós tem que jogar comportado. Nós vai enfrentar o time do Padre Evaldo e é em benefício da Igreja."

Como Macarrão é muito respeitado ninguém chiou e no dia seguinte, no telheiro do campo, que a turma apelidou de vestuário, o time uniformizado contava com: Dentinho; Macaxeira, Bom Cabelo, Pau Preto e Lamparina; Melodia e Fubecada; Chaminé, Praga de Mãe, Porém e Parecido (tudo apelido, inclusive Parecido, porque fazia um sorriso igual ao do Sr. Juraci Magalhães sempre que acertava um).

Macarrão deu as instruções e perguntou: "Argum poblema?" Lamparina levantou o dedo e perguntou:

— "Que tipo de marcação que a gente vai usar?"

Macarrão pegou um papel de embrulho e deu uma de técnico formado. Traçou uns riscos e disse: "Marquemo por zona. É mais melhor".

O time saiu pro campo e com cinco minutos a turma do padre já tava dando de goleada. Macarrão berrava as instruções cheio de ódio. "Não intrapaia os beque, crioulo nojento". "Óia a marcação, desinfeliz". "Pára de fumar, Dentinho". E o time do Padre fazendo gol.

Quando já tava uns cinco a zero, Porém fingiu que mancava, chegou perto do telheiro e quis saber de Macarrão se podia apelar.

— "Apela pra sua mãe, semvergonho. Tá levando come aí prá todo lado. Arrespeita o time do Padre, que é tudo gente dereita".

Diz Primo Altamirando que o "Puxa Firme F.C." quando joga respeitando o adversário perde metade de sua estrutura técnica. O jogo acabou 8 x 0 e o piedoso sacerdote estava todo satisfeito, tendo mesmo se dado ao trabalho de ir cumprimentar o crioulo Macarrão, pela lisura com que seus atletas se comportaram durante a refrega.

— "Parabéns, senhor Macarrão" — disse o Padre — "Certas derrotas têm o gosto da vitória. Seu time jogou com muita esportividade. Só não entendi porque jogaram com dez".

— "Com dez???" - estranhou Macarrão - "Como é que eu não arreparei?"

Foi aí que Melodia, que era o capitão do time, esclareceu: "Pois é, o Lamparina não jogou. O senhor foi falar aí em marcação por zona. Sabe como é o Lampa. Não pode ouvir falar em zona que ele vai prá lá".

Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Divisão

Você poderá ficar com a poltrona, se quiser. Mande forrar de novo, ajeitar as molas. É claro que sentirei falta. Não dela, mas das tardes em que aqui fiquei sentado, olhando as arvores. Estas sim, eu levaria de bom grado : as árvores, a vista do morro, até a algazarra das crianças lá embaixo, na praça. 0 resto dos moveis — são tão poucos! — podemos dividir de acordo com nossas futuras necessidades.

A vitrola esta, tão velha que o melhor é deixá-la ai mesmo, entregue aos cuidados ou ao desespero do futuro inquilino. Tanto você quanto eu haveremos de ter, mais cedo ou mais tarde, as nossas respectivas vitrolas, mais modernas, dotadas de todos os requisitos técnicos e mais aquilo que faltou ao nosso amor: alta-fidelidade.

Quanto aos discos, obedecerão às nossas preferências. Você fica com as valsas, as canções francesas, um ou outro "chopinzinho", o Mozart e Bing Crosby. Deixe para mim o canto pungente do negro Armstrong, os sambas antigos e estes chorinhos. Aqueles que compartilhavam do nosso gosto comum serão quebrados e jogados no lixo. É justo e honesto.

Os livros são todos seus, salvo um ou outro com dedicatória. Não, não estou querendo ser magnânimo. Pelo contrario: Ainda desta vez penso em mim. Será um prazer voltar a juntá-los, um por um, em tardes de folga, visitando livrarias. Aos poucos irei refazendo toda esta biblioteca, então com um caráter mais pessoal. Fique com os livros todos, portanto. E conseqüentemente com a estante também.

Os quadros também são seus, e mais esses vasinhos de plantas. Levarei comigo o cinzeirinho verde. Ele já era meu muito antes de nos conhecermos. Também os dois chinesinhos de marfim e esta espátula. Veja só o que está escrito nela: 12-1-48. Fique com toda essa quinquilharia acidentalmente juntada. Sempre detestei bibelôs e, mais do que eles, a chamada arte popular, principalmente quando ela se resume nesses bonequinhos de barro. Com exceção,o de pote de melado e moringa de água, nada que foi feito com barro presta. Nem o homem.

Rasgaremos todas as fotografias, todas as cartas, todas as lembranças passíveis de serem destruídas. Programas de teatros, álbuns de viagens, souvenirs. Que não reste nada daquilo que nos é absolutamente pessoal e que não possa ser entre nos dividido.

Fique com a poltrona, seus discos, todos os livros, os quadros, esta jarra. Eu ficarei com estes objetos, um ou outro móvel. Tudo está razoavelmente dividido. Leve a sua tristeza, eu guardarei a minha.

Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) — A casa demolida — Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1968, pág. 201.