Aconteceu em Jundiaí. Orozimbo Nunes estava passando mal e foi internado pela família no Hospital São Vicente de Paulo, para tratamento. Orozimbo tem muitos parentes, é muito querido e tem uma filha que cuida dele. Foi a filha, aliás, que internou Orozimbo.
Anteontem telefonaram para a filha de Orozimbo Nunes. Era do hospital e a notícia dada foi lamentável. Orozimbo tinha abotoado o paletó — como dizem os irreverentes. Isto é, tinha posto o bloco na rua, como dizem os super-irreverentes, comparando enterro a bloco carnavalesco. Enfim, Orozimbo tinha morrido. A filha de Orozimbo que fizesse o favor de aguardar, porque lá do hospital iam fazer o carreto, ou seja, iam mandar o defunto a domicílio.
A filha do extinto caiu em prantos e convocou os parentes. Conforme ficou dito acima, Orozimbo era muito querido. Veio parente da capital, veio parente de Minas, parente do Rio, enfim, Jundiaí ficou assim de parente de Orozimbo. As providências para o velório foram logo tomadas, gastou-se dinheiro, compraram-se flores. Estava um velório legal se não faltasse um detalhe: não havia defunto.
O corpo de Orozimbo não tinha chegado. A família ligou para o hospital e reclamou. Tinha saído no expresso-rabecão das seis — informaram. E, de fato, pouco depois Orozimbo (à sua revelia) chegava.
Puseram o embrulho lá dentro, houve aquela choradeira regulamentar e, na hora de desembrulhar para preparar o cadáver, alguém notou que a barba de Orozimbo crescera.
— Ele estava tão doente que nem podia fazer a barba — comentou um dos que ajudavam, com a filha de Orozimbo, que esperava lá fora.
A filha estranhou a coisa. Entregara Orozimbo doente, é verdade, mas Orozimbo chegara ao hospital perfeitamente escanhoado e não dava tempo de a barba ter crescido assim tão depressa.
— A barba tá muito grande? — perguntou a filha de Orozimbo.
Estava. Estava que parecia barba de músico da Bossa-Nova. Aí a moça desconfiou e foi conferir. Simplesmente não era Orozimbo. Tinham trocado as encomendas, e talvez naquele momento, outra família, noutro local, estivesse chorando o Orozimbo errado.
Mais que depressa ligaram para o Hospital São Vicente de Paulo e reclamaram contra a ineficácia do serviço de entregas rápidas.
Nova verificação para se saber qual era o embaraço, e a direção do eficiente nosocômio descobriu que Orozimbo nem sequer morrera. Não houvera uma troca de cadáveres, mas uma troca de fichas. O que morrera não era Orozimbo, era um barbadinho anônimo. Orozimbo estava lá, vivinho e, por sinal, passando muito melhor. Podia até ter alta, assim que desejasse.
Claro, parou a bronca e a raiva contra o desleixo transformou-se em pungente alegria.
A família foi buscar Orozimbo (depois de devolver o barbicha, naturalmente) e o contentamento foi geral, em receber de volta aquele que já fora pranteado por antecipação e para o qual já tinham feito aquela vasta despesa para o enterro.
Não sei se é verdade, mas dizem que a família, em sinal de regozijo pela volta de Orozimbo e também para aproveitar o que sobrara das despesas, ofereceu aos amigos um velório-dançante.
______________________________________________________________________
Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora