quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A eterna desconhecida

Interpelou os companheiros:

— Sou ou não sou bonito?

Um deles, tomando um refrigerante na própria garrafa, com um canudinho, aventurou:

— Não acho homem bonito. Pra mim, qualquer homem é um bucho.

Acharam graça, riram. Mas Andrezinho, no seu paletó cintado, camisa de um cinza quase roxo — insistia:

— Sou, sim. Sou pintoso. Qualquer mulher gosta de mim.

— Qualquer uma?

Enfiou as duas mãos nos bolsos:

— Qualquer uma.

Então, o Peixoto, que tomava uma média num canto do boteco, ergueu-se de sua mesa. Aproximava-se segurando um pedaço de pão e ainda mastigando. A manteiga escorria-lhe do lábio como uma baba. Sentou-se perto do Andrezinho. De boca cheia, dizia:

— Vou te provar que és um mascarado. Queres ver?

Andrezinho recostou-se na cadeira:

— Duvi-d-o-dó.

E o outro:

— Ah, duvidas? Pois então escuta e vocês também: eu conheço uma pequena com quem tu não arranjarias tostão. Aposto os tubos!

Andrezinho piscou o olho para os demais. Inclinou-se, gaiato:

— E se eu conquistar?

— Se você conquistar, pode me cuspir na cara.

Andrezinho levantou-se. Anunciou:

— Está no papo!

O BONITÃO

Perguntava por toda a parte: “Sou ou não sou bonito?”. A princípio, fazia isso por brincadeira. Mas, pouco a pouco, pela repetição, aquilo tornou-se um hábito, um vício. E acontecia, não raro, uma coisa interessante: apresentado a uma pessoa, em vez de dizer “muito prazer”, perguntava:

— Sou ou não sou bonito?

Já o dominava um desses automatismos irresistíveis. Como fosse realmente bonito e, de resto, simpático, todos achavam graça. Sua sorte no amor era fantástica. Em casa, o telefone não parava. Eram pequenas, de todos os tipos e classes, que o perseguiam. Dizia-se que até senhoras casadas, muito mais velhas que ele, o adoravam. E o jeito, meio terno, meio infantil, meio volutuoso, com que ele exaltava a própria aparência física, era um atrativo a mais. De resto, com o orgulho de narciso confesso, Andrezinho implicava, na mesma vaidade, até peças de roupa. Mostrava meias de um amarelo extravagante, as gravatas ultracoloridas, os sapatos. E interpelava os conhecidos:

— Que tal? Viste a classe?

— Mais ou menos.

E ele, numa risada:

— Elas não me deixam!

MISTERIOSA

Até que, numa conversa de café, o Peixoto, que não gostava de Andrezinho, diz que conhecia uma fulana. Andrezinho saltou. Já com seu instinto de sedutor nato em polvorosa, pôs a mão no ombro do outro:

— Pra mim, não existe mulher inconquistável.

Peixoto, que tinha uma perna mais curta que a outra e era um sujeito taciturno e caladão, teimou: “Pra teu governo — essa cara é. Nem você, nem duzentos como você — arranja nada”. Andrezinho esfregou as mãos, na euforia da conquista que supunha próxima e inevitável.

— Dá nome, o endereço, o telefone e deixa o resto por minha conta.

Peixoto teve um meio riso sardônico:

— Pra quê? Dar nome pra quê? Nem adianta.

— Tens medo?

Ergueu-se o outro:

— Não interessa, não interessa. E te digo mais: não quero que um amigo meu banque o palhaço. Até logo.

Já ia saindo, com sua perna mais curta do que a outra. Então, o Andrezinho arremessou-se no seu encalço: “Mas como é essa fulana? Bonita?”. Peixoto parou na porta do boteco e rilhava os dentes:

— Se é bonita? Um espetáculo! Duzentas vezes melhor que a Heddy Lamarr! Mete a Lana Turner no chinelo!

ROMANCE

Nessa noite, Andrezinho custou a dormir. Estava acostumado a mulher bonita, à conquista fácil, mas o fato é que o Peixoto soubera criar uma sugestão diabólica. Quem seria? Como seria? Imaginava um nome, um rosto ou, por outra: imaginava vários nomes e um rosto múltiplo para a estranha. De manhã, escovando os dentes, ainda pensava nela com apaixonada obstinação. No ônibus, veio com um amigo. Primeiro perguntou: “Sou bonito?”. Em seguida, admitiu:

— Estou interessadíssimo por uma cara que nunca vi mais gorda. Não é gozado?

Do escritório, ligou para o Peixoto: “Deixa de ser sujo e diz logo — quem é a fulana?”.

O outro divertiu-se cruelmente: “Mas você já não está tão cheio de mulher? Entupido de mulheres?”. E Andrezinho:

— Solteira, casada ou viúva?

Peixoto foi irredutível:

— Sossega, Andrezinho, que eu não vou te dizer nada. Ou tu me achas com cara de arranjar mulher pra ti?

Espantou-se:

— Mas olha aqui, seu animal! Não foste tu que tiveste a idéia? Foi ou não foi?

Concordou que sim, aduzindo: “Foi, sim. Porém, mudei de opinião, ora bolas! O que é que eu ganho com isso? Ganho alguma coisa? Nada!”. Andrezinho desligou o telefone, assombrado. E fez o comentário para si mesmo:

— Que mágica besta!

IMAGINAÇÃO

De noite, encontraram-se no café. Andrezinho, com a imaginação em chamas, arrastou-o para um canto. Naquela noite, fez o monopólio do amigo, absorveu-o. Mandou vir cerveja, com a idéia de puxar por ele. E, de fato, à medida que ia bebendo, Peixoto abriu-se. Lambendo a espuma dos beiços, admitiu que a outra o conhecia. Andrezinho tomou um susto: “Ah, me conhece? E qual é a impressão dela a meu respeito?”. Semibêbado, Peixoto piscou o olho:

— Te considera um cretino de pai e mãe. Um idiota chapado!

Doeu-se:

— Mentira tua!

E Peixoto:

— Palavra de honra!

Continuaram a conversa, com um imenso consumo de cerveja. Querendo pôr água na boca do outro, Peixoto exagerava: “É boa até depois de amanhã. Dessas que derretem edifícios!”. E, por fim, iluminado pela cerveja, praguejava, como um possesso:

— Olha aqui, seu zebu! Eu sou aleijado, sei que sou! Mas a minha vingança, sabe qual é? — Parou, para tomar fôlego. — É que tu não vais conhecer essa pequena não, percebeste? — Na sua cólera de bêbado, investiu, querendo agredi-lo:

— Pelo menos essa, tu não vais conquistar, porque eu não deixo!

OBSESSÃO

Três ou quatro dias depois, o próprio Andrezinho reconhecia, em pânico, para os amigos mais íntimos: “Estou apaixonado e não sei por quem. Vê se pode?”. Mandou emissários ao Peixoto, com apelos desesperados. Mas o outro foi irredutível; fazia um gesto de quem usa fecho éclair: “Sou um boca-de-siri”.

E acrescentava: “Andrezinho pode ser bonito lá pra o raio que o parta. Pra mim, não”. O fato é que, depois do seu desabafo no boteco, Peixoto mudara com Andrezinho. Cruzava os braços e fechava a fisionomia, quando o amigo ou ex-amigo vinha pedir:

— Diz quem é. Dá o nome. Só quero saber o nome. Nada mais.

Peixoto calcava a brasa do cigarro no fundo do cinzeiro. Parecia hesitar. Inclinava-se:

— O nome não digo. Basta que você saiba o seguinte: é a melhor mulher do Rio de Janeiro. A melhor, percebeu?

Andrezinho partia desesperado. Os amigos, impressionados com sua obsessão, tentavam chamá-lo à ordem: “Quem sabe se não é gozo do Peixoto em cima de ti? Vai ver que é!”. Incapaz de atender a qualquer raciocínio, ele explodia: “Eu só quero saber o nome. Basta o nome. Ou, então, um retrato!”. Já não se dizia “bonito”, nem “pintoso”. Admitia: “Acabo maluco, se já não estou”.

No emprego, passava horas imerso numa ardente e inútil meditação. Até que um dia recebe a notícia: ao atravessar uma rua, Peixoto morrera imprensado entre um bonde e um ônibus. Andrezinho uivou: “Morto?”. E soluçava: “Não é possível! Não pode ser!”.

Uns quinze minutos depois, entrava no necrotério. Ao ver o outro, na mesa, definitivamente silencioso, sentiu-se condenado a amar uma mulher que jamais conheceria. Enfureceu-se. Atirou-se ao cadáver, sacudia-o, gritando:

— Diz o nome! Quero o nome! Fala!...

Foi agarrado, dominado. Então, caiu de joelhos, no ladrilho. Seu choro era grosso como um mugido.
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Arquimedes, o gênio de Siracusa

Matemático, físico, inventor e até estrategista militar, Arquimedes foi um dos grandes inovadores de seu tempo e desenvolveu trabalhos que revolucionaram o conhecimento científico. Nasceu e morreu em Siracusa, cidade grega ao sul da Sicília (hoje uma região da Itália). Em 75 anos de vida (287 A.C. a 212 A.C), contribuiu para um formidável avanço na compreensão dos fenômenos naturais.

É grande a quantidade de descobertas de Arquimedes na área da matemática. Dois de seus volumes dedicam-se ao estudo da esfera, do cone e do cilindro. Outro volume apresenta 28 proposições sobre as espirais, incluindo problemas de tangentes, raios vetores e área circunscrita.

Duas outras obras guardam aqueles que são considerados os primeiros trabalhos sobre mecânica teórica, nos quais são estudadas, por exemplo, as propriedades do centro de gravidade. Outros escritos tratam especificamente da geometria plana.

Como criador de engenhos de guerra, Arquimedes demonstrou perfeito conhecimento de importantes leis da física. São célebres suas máquinas que envolviam o uso de alavancas e roldanas. Destacam-se, entre essas, as gigantescas catapultas desenvolvidas para defender os gregos da armada romana.

Perscrutador por vocação, não perdia chances para desenvolver suas pesquisas e repassar seus conhecimentos aos mais jovens. Ao morrer, assassinado por um soldado romano, deixou um magnífico legado para as gerações futuras e para o desenvolvimento da ciência.

Educação exemplar na terra dos faraós

Filho do astrônomo Fídias, Arquimedes demonstrou desde cedo como virtudes a inteligência e a curiosidade. Seu pai era amigo íntimo do rei Hieron e, dessa forma, Arquimedes recebeu oportunidades de desenvolver em terras distantes suas habilidades. Ainda menino, viajou ao Egito como discípulo do matemático e astrônomo Conon.

Na terra dos faraós, Arquimedes dedicou-se a medir as pirâmides e a tentar desvendar o mistério sobre o processo de construção dos antigos monumentos. Tempos depois, continuou seus estudos em Alexandria, a cidade fundada por Alexandre O Grande, um dos centros de difusão cultural do mundo antigo.

Arquimedes foi um esforçado e inquieto aluno no "Museu", o conceituado colégio local que teve como professor o geômetra Euclides. Ainda no Egito, Arquimedes projetou um eficiente sistema de irrigação para as áreas de cultivo. Tratava-se de um cilindro dotado de uma espiral que permitia a elevação da água.

Introspectivo e solitário divertia-se testando teorias ou construindo pequenos brinquedos. Ao retornar a Siracusa, foi recebido como um sábio e tratou de manter a boa reputação. Tornou-se um cidadão exemplar, sempre disposto a utilizar seus conhecimentos para o bem comum.

Sem comer e sem dormir, o gênio pensa

Na antiga Siracusa, Arquimedes era tido como um excêntrico, embora prestativo cidadão. Poucos compreendiam a natureza de seus estudos abstratos, mas o admiravam e o respeitavam, especialmente os reis. Arquimedes passava dias sem dormir e esquecia-se das refeições enquanto elaborava suas idéias. Concentrava-se como um louco no trabalho de desenvolvimento e comprovação de suas teorias. Era comum vê-lo por horas e horas a desenhar figuras geométricas sobre cinzas de fogueiras ou sobre a areia.

Ao passar óleo perfumado sobre o corpo, depois do banho, freqüentemente ocorriam-lhe idéias formidáveis. Usava então a própria pele como tábua de experiências, empregando o dedo para desenhar figuras e reproduzir números. Sua capacidade inventiva era outro motivo de admiração de seus contemporâneos. Arquimedes criou desde brinquedos para crianças até magníficas máquinas de guerra para defender a cidade das tropas romanas.

À distração é atribuída a morte de Arquimedes. O sábio não percebeu a invasão dos romanos em Siracusa e continuou a desenvolver um exercício matemático na areia. Só tomou vaga ciência do que se passava quando um soldado inimigo pisou seu diagrama e ordenou que se apresentasse ao comandante romano. Indignado, Arquimedes gritou ao guerreiro que se afastasse e esperasse a conclusão do problema. Foi atravessado por uma espada.

Eureka!

Depois de rápido e bom banho, Arquimedes saiu pelado pelas ruas de Siracusa a comemorar uma descoberta. Enquanto corria para casa, ansioso para testar uma teoria, gritava: Eureka! Dias depois, seus amigos o inquiriram sobre o estranho episódio. Só então veio a explicação. Pouco tempo antes, o rei Hieron II havia confiado uma certa quantidade de ouro a um artesão local, ordenando-lhe que a usasse na produção de uma magnífica coroa. Assim foi feito.

Hieron, entretanto, desconfiava que a jóia tivesse sido produzida com uma liga de ouro e prata. Encarregou, então, Arquimedes de decifrar o enigma. Disse-lhe, no entanto, que não estragasse a coroa para realizar o teste. Arquimedes devotou-se a solucionar o problema. Certa manhã foi ao banho público para relaxar e cuidar da higiene pessoal. Logo notou que uma das banheiras estava cheia até a borda. Ao mergulhar, percebeu que um volume de água igual ao de seu corpo deslocava-se enquanto submergia.

A experiência sugeriu o método para resolver a charada proposta, e imposta, pelo rei. Bastaria colocar em um recipiente cheio de água uma quantidade de ouro com o peso exato da coroa. Em seguida, medir-se-ia a quantidade de água deslocada. Logo depois, colocaria-se a coroa em outro vaso cheio até a borda e também se verificaria, com minúcia, a quantidade de água derramada. Eureka!

Como o ouro é mais pesado do que a prata, o volume da coroa seria maior se tivesse ocorrido uma mistura. Dessa forma, a quantidade de água deslocada seria maior no vaso da coroa do que no vaso do pedaço de ouro puro. A prova mostrou, entretanto, que o ourives tinha realizado seu trabalho com a máxima honestidade. Arquimedes teve seu cérebro ainda mais valorizado, o rei tirou um "peso" da cabeça e o ourives manteve a sua.

A criação de um mundo de modernidades

O grande Arquimedes tudo fez para celebrar a riqueza de Siracusa. Sob as ordens do rei Hieron, construiu um gigantesco navio, o maior de sua época. Dispunha de salões para banquetes, galerias, salas de banho, um "Templo de Vênus" e outros luxuosos compartimentos. O piso foi decorado com cenas da "Ilíada", de Homero. A enorme galera foi carregada com milho e enviada como um presente ao rei Ptolomeu do Egito, que enfrentava um período de fome em suas terras.

Os egípcios ganharam ainda de Arquimedes um inteligente sistema de bombeamento de água. Um cilindro com uma espiral em seu interior servia para transportar a água para as terras altas (figura acima). O equipamento é usado até hoje. Arquimedes desenvolveu ainda uma esfera capaz de reproduzir com fidelidade os movimentos do Sol, da Lua e também dos planetas. O sistema era tão perfeito que podia até reproduzir os eclipses do Sol e da Lua.


A guerra dos engenhos

Arquimedes já era um ancião de 74 anos quando foi convocado a colocar em prática todo seu conhecimento nos ramos da matemática e da física. Naquele ano de 213 A.C., desenvolvia-se a Segunda Guerra Púnica e os romanos se esforçavam por dominar todo o Mediterrâneo, somando forças na guerra contra os cartagineses. Siracusa era um base importante na Sicília e o comandante Marcelo foi incumbido de tomar rapidamente a cidade.

Sua frota logo se postou à frente dos muros da cidade e descarregou uma chuva de pedras e flechas sobre os soldados da linha de defesa. Em seguida, ergueu-se um largo conjunto de escadas, destinado a permitir o desembarque rápido e massivo de soldados.

Naquele momento, no entanto, o exército local, dotado de engenhos desenvolvidos por Arquimedes, reagiu violentamente ao ataque. Grandes catapultas e arcos gigantes (desenho) arremessaram projéteis de até 250 quilos contra o inimigo. Dispararam também peças de betume em chamas que incendiaram vários barcos adversários.

De frestas nos muros, os romanos acabaram alvejados com facilidade pelos arqueiros da cidade e suas escadas foram despedaçadas. Um engenho, no entanto, foi fundamental para humilhar os atacantes. Semelhante a um moderno guindaste, a máquina dispunha de uma enorme garra de ferro que "abraçava" os navios romanos e os elevava de forma abrupta a até uma dezena de metros acima da linha da água.

Em seguida, a garra se afrouxava e os navios despencavam destroçados na base da muralha. Várias dessas máquinas de guerra foram espalhadas nas linhas de defesa. Algumas largavam grandes pedras sobres os barcos romanos. Com a retumbante vitória, Arquimedes fez valer sua máxima: "dêem-me um ponto de apoio e serei capaz de mover a terra".

O comandante Marcelo bateu em retirada e, em discurso direcionado aos soldados, comparou os engenhos de Arquimedes a um gigante de cem braços. O novo plano colocado em prática pelos romanos consistia em sitiar a cidade e vencer os gregos pela fome. Outras investidas infrutíferas se sucederam, até que os espiões romanos anunciaram uma rara oportunidade de ataque. Os defensores baixaram a guarda depois de uma festa em honra da deusa Artemisa. Embriagados e cansados, foram finalmente derrotados.


Espelhos assassinos e incendiários?

Corre pelos séculos a lenda de que Arquimedes conseguiu incendiar navios romanos usando simplesmente espelhos, ordenados de modo a concentrar a energia solar. Há quatro anos, no entanto, cientistas britânicos resolveram realizar testes práticos para verificar se tal artifício de defesa seria realmente possível. Descobriram que para botar fogo em apenas um barco romano Arquimedes necessitaria de um espelho de 420 metros quadrados, praticamente impossível de se construir na época.

Mesmo assim, Allan Mills e Robert Clift, da Universidade Leicester, conseguiram reunir 440 peças de espelho (cada uma com um metro quadrado) em uma encosta. O calor produzido foi capaz de incendiar uma tábua a cinqüenta metros de distância. Mesmo que Arquimedes tivesse conseguido a proeza, a chama poderia ser facilmente apagada com um balde de água jogado por um soldado romano.

A cidade do sábio

Siracusa foi fundada pelos gregos de Corintho, em 733 A.C. Era uma época em que os gregos se aventuravam além do Mar Egeu, em direção ao Oeste, procurando novas terras para colonizar. Nessa época, outras cidades são erguidas na Sicília pelos evoluídos e resolutos visitantes. No século 5 A.C. desenvolvem-se ferozes batalhas contra os cartagineses. Após esse período de guerras, tem início uma era de grande florescimento cultural, especialmente com o teatro. A tranqüilidade é interrompida com o embate contra os etruscos.

O período de paz novamente é quebrado com as ameaças dos gregos de Atenas, incomodados com o fortalecimento político e militar da cidade. Em 415 A.C., a frota ateniense chega às proximidades de Siracusa. Uma manobra na região do porto permitiu uma grande vitória do exército local. No século seguinte, são construídas grandes muralhas para proteger a cidade.

Com Hieron II (275-216 A.C.) a cidade encontra seu grande momento de prosperidade econômica e cultural. É a época em que vive Arquimedes. A cidade perde sua importância após a derrota para os romanos, quando é vítima de violentos saques. Em 878, a cidade é novamente destruída, desta vez pelos árabes, e daquele momento em diante Palermo torna-se a capital da Sicília.

Fonte: http://gatopeleque.blogspot.com

Justo pelo pecador

De repente, ela começou a se interessar pelos passarinhos que via nas árvores, em cima do muro e pousados nos fios telefônicos. Quando saíam os dois, marido e mulher, de braço, ela estacava de repente:

— Ah, que amor!

E ele:

— O quê?

Apontava:

— Aquela cambaxirra.

Às vezes, não era cambaxirra; era pardal ou coisa que o valha. Outras vezes, Lúcia não via, mas ouvia um bem-te-vi. Começava a procurar. E se, por acaso, descobria o pássaro, puxava o marido pela manga do paletó e fazia questão fechada que ele olhasse também:

— Ali, meu filho, ali!

— Onde?

— Em cima daquela árvore, assim, assim.

Malvino era míope e, além de ser míope, tinha um prosaico e irremediável desinteresse pelos pássaros, sem exceção de cor, feitio e nome. Para fazer a vontade da mulher, acabava admitindo:

— Agora estou vendo.

Ela, inflamada, continuava no mesmo lugar, interessadíssima, vendo o bichinho pulando de galho em galho. De repente, o bem-te-vi batia as asas, desaparecia, e Lúcia, ainda excitada, tinha pena de ir embora, na secreta esperança de que o pássaro voltasse. E, um dia, depois do jantar, mexendo o café, fez a comunicação:

— Sabe de uma coisa, meu filho?

— Que é?

— Vou comprar uma gaiola amanhã.

Malvino achou aquilo sem pé nem cabeça; e fez o natural espanto:

— Gaiola, sem passarinho?

A própria Lúcia, por um momento, ficou meio sem jeito, como que percebendo o absurdo da própria idéia. Afinal, explicou:

— O passarinho se arranja!

O CANÁRIO

Malvino não ligou muito. Estava em vésperas de um clássico do futebol carioca e ele não pensava senão no jogo que se aproximava. Botafogo fanático, esfregava as mãos, antegozando as alternativas do match:

— Vai ser uma barbada! Vamos papar o Flamengo direitinho!

E fazia o gesto respectivo, querendo significar que iam fazer a barba e o bigode do Flamengo. De noite, sonhava com os gols do Botafogo; uma vez por outra amargava pesadelos medonhos, no decorrer dos quais o juiz marcava pênaltis contra seu time. Ao acordar, batia na madeira:

— Isola!

Ora, um torcedor passional não tem discernimento para observar e interpretar umas tantas modificações da vida conjugal. Por exemplo: a mulher trouxera da casa dos pais uma gata, por quem nutria verdadeira paixão. Chamava-se Bonifácia, não sei por que cargas-d’água, e era o ai-jesus de Lúcia. Ela chegava ao exagero de querer dormir com o bicho. E, no princípio, Malvino tivera que achar ruim e fazer prevalecer sua autoridade de marido:

— Ah, não, tem paciência. Esse bicho não dorme na cama, não, que esperança!

E Lúcia:

— Que mal há, meu bem? Sempre dormiu comigo!

— Dormiu, enquanto você foi solteira! Agora a coisa mudou de figura! E tinha graça!

Pois bem. Passou-se o tempo, até que sobreveio, em Lúcia, a mania súbita, intempestiva e sem precedente, pelos pássaros. Malvino, se não andasse tão absorvido pelo campeonato, poderia, perfeitamente, estranhar e perguntar: “Que negócio é esse? Você nunca, na sua vida, se interessou por passarinho!”.

Mas achou, talvez, que aquilo era uma mania passageira; e não viu que Lúcia já não ligava para Bonifácia. Há quinze dias, com efeito que ela não levava, em mão, o pires de leite para a gata. Esta miava, de vez em quando, numa saudade justificada do antigo afeto e da antiga assistência.

Um dia, Malvino chegou do emprego e deu com a mulher na cozinha, muito entretida com uma gaiola. Ele caiu das nuvens:

— Que é isso?

E ela, radiante:

— Você não está vendo? A gaiola, meu filho!

Sim, comprara a gaiola, alpiste, o diabo. De martelo em punho, bateu um prego na parede. E, trepando num banquinho, pôs lá a gaiola. Então, Malvino fez o único comentário que a situação comportava:

— Você é maluca, é? Onde já se viu! Uma gaiola com alpiste e sem passarinho? Mulher é um bicho engraçado.

Lúcia insistiu em que o passarinho se arranjava e o assunto passou, porque era hora da resenha esportiva e Malvino ligou o rádio. No dia seguinte, encontrou Lúcia, na cozinha, em cima do banquinho, a cara quase dentro da gaiola, no interior da qual estava instaladíssimo um canário de papo de ouro. O espanto de Malvino não teve limites.

— Onde é que você arranjou esse bicho?

Ela, dependurada, ignorou-o.

Puxou outro banco, trepou e, por alguns momentos, ficou também entretido, namorando o canário. A mulher, para excitar o bichinho, assoviava. O canário, porém, conservava-se num mutismo intransigente. Malvino perguntou:

— Não canta?

— Canta, sim. Canta até muito.

E começou uma nova fase na vida do casal. De manhã, o pássaro inaugurava o dia com verdadeiras árias. De fato, cantava muito, cantava talvez demais. Lúcia, na obsessão do canário, acordava mais cedo, vinha vê-lo. Mudava a água, renovava o alpiste e trazia a gaiola que era um brinco. Alta madrugada, acordava e vinha espiar. Seu medo constante era de que a gata pudesse derrubar a gaiola e devorar o bichinho.

Certificava-se de que o canário estava intacto e, mais tranqüila, voltava para o quarto. O pior era quando o passarinho, por um motivo ou outro, emburrava, deixava de cantar e se metia num canto, triste, como se estivesse doente. O pânico de Lúcia era uma coisa de irritar pelo exagero:

— Ele tem alguma coisa! Ah, tem, sim!

— Tem o quê, mulher! Tem coisa nenhuma! Que mania!

No fim, já Malvino fazia blagues amargas:

— Minha mulher não me liga mais! Dá muito mais importância ao passarinho!

Não deixava de ter sua razão, porque o canário era a paixão, a mania, a doença da mulher. Não tinha outro assunto e já não queria sair, não ia mais ao cinema, com medo que, na sua ausência, a Bonifácia papasse o canário. Por conta dessa possibilidade vaga, enfurecia-se:

— Ah, eu matava essa gata!

A REVELAÇÃO

Até então, não ocorrera a Malvino interessar-se pela procedência do passarinho. De fato, que maldade pode haver na aquisição de uma avezinha? E existem, na cidade, casas que negociam com aves de todos os gêneros. Há também os vendedores a domicílio. Um dia, porém, apareceu em casa de Malvino uma vizinha, uma autêntica jararaca. Era uma senhora geralmente mal-quista e temida, em função de sua maledicência. Via maldade em tudo e dissimulava o seu veneno por detrás de uns modos melífluos, que irritavam. Nem Malvino, nem Lúcia gostavam dela, mas a respeitavam. D. Lourdes conversou sobre vários casos de infidelidade. De repente, disse, com o ar mais inocente do mundo:

— Dona Lúcia, sabe quem tinha um canário igualzinho ao seu? O doutor Linhares! Ah, ele também é louco por tudo que é passarinho! Tem um viveiro que é uma maravilha!

Lúcia não fez comentário nenhum. E, depois, d. Lourdes saiu, muito amável.

Ainda disse, no portão: “Apareça”. Já era tarde e o casal estava com sono. No quarto, antes de apagar a luz e num bocejo, Malvino perguntava:

— Eu conheço esse doutor Linhares? Conheço?

Ficou sabendo que ele morava no fim da rua e que, realmente, gostava muito de passarinho. No domingo seguinte, o Botafogo perdeu e Malvino, ao voltar do jogo, num mau humor execrando, viu uma senhora cumprimentar um cavalheiro; e dizia a senhora: “Como vai, doutor Linhares?”.

Malvino olhou e constatou que era, insofismavelmente, um belo tipo de homem. Imediatamente houve nele uma associação de idéias, pois lembrou-se da alusão que d. Lourdes fizera ao passarinho do dr. Linhares. Já estava furioso com a derrota e semelhante estado psicológico facilitou uma meditação sobre o canário, a mulher, d. Lourdes e o bonitão.

Entrou em casa e foi encontrar a mulher, trepada no banquinho, assoviando para o pássaro. Não disse nada ou, por outra, rosnou apenas:

— Esse passarinho já está me enchendo!

O INOCENTE

Até que, quinze dias mais tarde, recebeu no escritório uma carta sem assinatura: “O dr. Linhares está com tudo e não está prosa”. Ele virou, revirou o papel; leu aquilo muitas vezes. Ao sair do emprego mudou de itinerário e passou pela casa do dr. Linhares. Olhou o viveiro de pássaros. E tomou sua decisão.

Entrou em casa sem beijar a mulher. Foi à cozinha, enfiou a mão na gaiola e trouxe o pássaro vivo. A mulher, atônita, não esboçou um gesto, nem disse uma palavra. E ele, também em silêncio, fez apenas isto: torceu e arrancou o bico do canário. Então a mulher teve um verdadeiro ataque.

Gritava, como uma possessa, para que todos os vizinhos ouvissem:

— Pois é verdade, ouviu? É verdade, sim! Eu gosto é do Linhares!

Ele, então, saiu de casa. Durante muitas horas andou pelas ruas. De repente, sentiu uma coisa na mão: era, ainda, o passarinho sem bico.
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

História do calçado

Cobertura e proteção dos pés, os sapatos ou ‘calçados’, são contemporâneos da Idade do Bronze. Na antigüidade oriental, egípcios, sumérios e hindus andavam, de preferência, descalços.

Havia sandálias abertas, de uso mais ou menos geral. As dos egípcios eram feitas de palha, papiro ou folha de palmeira. Os hititas usavam um tamanco peculiar, cuja forma pode ainda ser vista na Anatólia.

Na Mesopotâmia, sapatos de couro cru, amarrados aos pés por tiras do mesmo material foram introduzidos no período Kassita: já eram usados pelos montanheses da fronteira com o Irã.

Os gregos não gostavam de sapatos, a não ser no inverno. Mulheres calçavam sandálias na rua e sapatos macios, de couro ou pano, dentro de casa. As tiras das sandálias eram longas e finas e enrolavam-se até cobrir dois terços da perna. O soco, um calçado com base de madeira, era um modelo corrente entre os atores: O coturno era um borzeguim de base elevada, que chegava até a panturrilha, como os coturnos modernos. Era símbolo de alta posição social.

Os romanos adotaram a carbatina etrusca, de sola alta, cordão e bico virado. Adotaram, depois, as modas gregas. Foram os primeiros a fazer sapatos diferentes para o pé esquerdo e o pé direito.

Em Roma, o sapato indicava a classe social do usuário: os cônsules, por exemplo, usavam sapatos brancos: os senadores tinham sapatos marrons presos às pernas por quatro fitas pretas de couro atadas com dois nós. As mulheres, como as de hoje, combinavam roupas com os sapatos. Os homens usavam o soco grego, uma variedade de sandália.

A cáliga, bota de cano curto, que descobria os dedos, era o calçado tradicional das legiões. Deu nome ao imperador Gaius Cesar, filho de Germânico que fora criado nos acampamentos e só usava esse tipo de calçado: ficou conhecido, na história, como ‘Calígula’.

O calceus, que originou o nome ‘calçado’, sapato fechado, do cidadão romano, não podia ser usado por escravos.

A invasão dos bárbaros foi também a invasão dos sapatos grosseiros de couro mal curtido. Mas no império do oriente perduraram as sandálias romanas, as botas de cor ; e introduziu-se a moda persa dos sapatos e botas macias, de couro fino e tecidos preciosos.

Na Idade Média, o povo calçava sapatos de couro cru, tosco, mas resistentes, e ornados de perfurações — moda que reapareceria, modernamente, nos sapatos ingleses ditos ‘brogue’. A numeração, também é de origem inglesa e data justamente da Idade Média, quando o rei Eduardo I uniformizou as medidas, decretando que uma polegada (1 inch) correspondia a três grãos de cevada postos um atrás do outro. Um sapato, que media 35 grãos, ficou sendo n.º 35.
     
Sob Eduardo III surgiu a moda dos bicos compridos, que em vão o rei limitou, por lei, a 2 polegadas (6 grãos). Sob Ricardo II, tinham 18 polegadas, ou seja, 54 grãos: 45 cm!!! Ao fim do século XV já a moda cedera lugar à dos sapatos de bico largo, ou bico-de-pato.

Variaram os modelos, apareceram as solas de couro, e os sapatos de veludo, seda e brocado. No século XVII, as botas de uso universal, de cano alto, folgado em cima e dobrado para baixo. Os sapatos de homem eram enfeitados com laços de fita e saltos altos (salto Luís XV). Os sapatos de mulher passaram a ser feitos com o mesmo estofo dos vestidos. Sob Luís XVI, voltou à moda dos saltos baixos e foi lançada a das fivelas, de Ouro e prata.
      
Do século XVIII data a fabricação em massa de sapatos. O artesanato cedeu lugar à produção industrial. Mas só com a invenção da máquina de costura, no século XIX, o calçado ficou mais barato e acessível a todas as classes.

As polainas cinza eram muito elegantes no início do século XX. Os sapatos de verniz apenas são conservados para acompanhar o smoking. Os calçados informais, inteiriços, de modelo italiano (mocassins), substituíram, na preferência geral, os sapatos ingleses, formais, de cordão. O advento da moda hippie trouxe de volta a sandália como calçado de uso diário. Foram introduzidos, na indústria a napa, a camurça e os materiais sintéticos.         

Fonte: Enciclopédia Barsa.