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domingo, 13 de julho de 2014

Ouro maldito


“Chegara eu a Pirapora, nas margens do caudaloso São Francisco, em noite quente, mas de chuva forte, que me não permitiu sair do hotel. Após o jantar, servido o café, levantei-me da mesa juntamente com outro hóspede, que ali morava e que comigo havia palestrado durante a refeição. Parecia ele homem viajado e experimentado nas coisas do sertão mineiro.

Para mim, que ali ia pela primeira vez, a palestra era instrutiva e convinha mantê-la. Indagando o nome, disse-me ele que se chamava João José de Freitas, mas que era conhecido em todo o sertão como Januário, por ter nascido na cidade de Januária, que, rio abaixo, dista de Pirapora cerca de 40 léguas.

Dando-lhe também o meu nome, convidei-o a passarmos a uma larga varanda que dava para o lado do rio. Mas Januário preferiu uma sacada que dava para a mata, justamente em sentido oposto ao rio.

Acompanhei-o sem protestar, mas estranhando intimamente aquela preferência. O arguto olhar do sertanejo, não escapou, porém, a minha estranheza íntima.

Logo que nos sentamos em cômodas cadeiras com fundo tecido em cordas de palha de milho, ofereceu-me um cigarro da mesma palha, e, em preâmbulos, foi dizendo:

— Seu doutor está estranhando eu não querer ficar do lado do rio ... Mas é que o rio me entristece muito, principalmente à noitinha.

— Mas por que lhe acontece isto, seu Januário?! ... ao senhor, que parece homem habituado ao sertão e aos caudalosos rios deste grande vale!

— É por isto mesmo, seu doutor. Quem vê essas águas não sabe quanta coisa triste elas escondem. Vou lhe contar um fato que se passou comigo e que mostra a razão por que me entristeço quando estou à beira dum rio.

Há dez anos, éramos três amigos: eu, o Raimundo e o Celestino; todos três muito unidos pela luta constante na vida que levávamos como faiscadores e garimpeiros. A busca ao ouro e ao diamante, nas cabeceiras deste grande rio e nos seus afluentes, era nossa única ambição. Onde havia notícias dessas coisas preciosas, lá estávamos nós trabalhando, algumas vezes em vão; outras, porém, ganhando muito, mas sempre gastando muito, também. O que vem fácil, fácil vai.

Um dia soubemos que neste rio São Francisco, um pouco abaixo daqui, entre as bocas das Velhas e do Jequitahy, havia naufragado uma embarcação que vinha de longe, lá do Paraúna, e ia para Juazeiro, na Bahia, levando pesada carga de ouro e de diamantes.

Um parente do Raimundo tinha assistido ao naufrágio e marcou o lugar certo em que afundou o barco. Era junto a um grande penedo a pique, que forçava o rio a fazer uma volta ligeira e perigosa, em garganta apertada com muita correnteza.

Nós três vimos logo ocasião de fazer fortuna. E resolvemos empreitar o salvamento do tesouro, com a vantagem de metade do que pudéssemos arrancar do fundo do rio.

No momento, porém, era impossível. O rio estava de enchente e as chuvas turvavam muito as águas. Tivemos que esperar mais de mês pela vazante.

Já sabíamos, porém, que o lugar era fundo e dava muita piranha, de modo que o trabalho só podia ser feito com escafandro. Por isso, enquanto esperávamos a vazante, o Celestino foi ao Juazeiro buscar um escafandro de um amigo dele, que o havia comprado a um embarcadiço em São Salvador.

Mas o escafandro tinha os tubos de borracha vermelha, cor que atrai a piranha, porque ela pensa que tudo que é vermelho é carne. Resolvemos, entretanto, o caso, cobrindo os tubos com tiras de metim preto.

E quando as águas baixaram e clarearam, lá fomos nós rio abaixo, com o nosso barco bem equipado para trabalhar o escafandro.

A princípio, custamos a encontrar sinais do barco naufragado. Mas, descendo um pouco, a uns trezentos metros abaixo do lugar marcado pelo cunhado do Raimundo, conseguimos ver a proa de um barco atolado no fundo. Não podia ser outro.

Como prevíamos, o lugar era muito fundo. Só mesmo com escafandro se podia chegar lá.

Amarramos o barco com espias em terra, porque a poita não tinha firmeza para aquela corrente e precisávamos fixar bem o barco, porque o trabalho era demorado.

Feito isso, tiramos a sorte qual de nós três tinha que descer no escafandro. Caiu para o Raimundo, que não fez cara-feia. Era assim que nós trabalhávamos.

A princípio, tudo ia muito bem. Mas, quando o Raimundo fez o sinal de que tinha tocado o fundo, dando dois puxões no cabo, depois de o afrouxar duas vezes, o metim preto, devido ao roçar do cabo, soltou-se num pedaço, descobrindo o tubo vermelho. E logo apareceu uma piranha assanhada. Bati na água com o remo para espantar o peixe. Mas o Celestino achou melhor mergulhar na água para tornar a cobrir o tubo. Não achei bom: disse a ele que as piranhas podiam vir em maior número.

Celestino espiou bem, e, vendo que era uma só, perigosa para o tubo e não para ele, resolveu mergulhar, com o que acabei concordando.

Mas, tão logo ele caiu n’água e pegou o tubo, o rio empreteceu... Saia piranha de todo lado. . . Não se via mais nada. . . Bati com os remos n’água, sem resultado. . . Em vez de subir o Celestino só subia sangue.

Experimentei o tubo: já estava cortado. . . Puxei o cabo: estava partido.

Larguei a bomba de ar ... larguei tudo, para pegar nos dois remos, ... e entrei bater na água como um possesso.

Bati muito, bati até não poder mais, não sei por quanto tempo. . . Em um ponto que a luz era mais forte, vi, no meio do bando de piranhas esfaimadas, os ossos do Celestino, já quase esqueleto só! ... os pelos me arrepiaram em todo o corpo e eu não vi mais nada!

Quando voltei a mim, estava deitado no fundo do barco, que, tendo quebrado as amarras, vogava rio abaixo, volteando em um remanso.

Tinha perdido um remo ... estava escurecendo ... fiquei apavorado!

Com o remo que ficou, remei febrilmente para terra, e conseguindo encostar o barco na praia do remanso, saltei horrorizado, fugindo a todo fôlego daquelas águas tenebrosas.

Andei algumas léguas, sem rumo, até que, perdendo as forças cai sem sentidos. Só acordei ao amanhecer, como quem acorda de terrível pesadelo. Não queria acreditar no que tinha acontecido.

Procurei, mais calmo um pouco, tomar alturas, para saber onde estava. Fiquei satisfeito quando vi que estava na estrada que vai da Barra do Jequitahy a Guaicuhy, cidade em que morava um amigo nosso, o Zé Vicente. Para lá fui, mais morto do que vivo.

Em duas palavras, contei o caso ao Zé, bebi um trago, comi um pouco, sem saber o que ... e só fui descansar no barco do Zé, com quem desci o rio novamente, até o lugar sinistro.

Mas não podíamos ver mais nada. Por ter chovido nas cabeceiras dos rios, a água, que na véspera era clara, estava agora barrenta. Deitamos garateias a tarrafa, para ver se agarrávamos qualquer coisa: o Raimundo no escafandro ou os ossos do Celestino. Nada conseguimos.

Todos os dois ficaram lá, e o tesouro também. Ninguém tentou tirar do fundo aquele ouro maldito!

Depois dessa luta em vão, seu doutor, me veio um febrão, que durou mais de 15 dias. E a toda hora eu via o Celestino e o Raimundo lutando com as piranhas, ao mesmo tempo que uma voz me dizia que aquilo era o prêmio da ambição.

Que horror! seu doutor! Nunca mais peguei na bateia, nunca mais entrei num vau ...

— Mudou de vida, então, seu Januário? — perguntei eu para mudar a conversa.

— Mudei, sim, senhor. Agora só compro e vendo ouro e pedras, com pequeno lucro ... E vou bem, graças a Deus. Só quando me lembro dessas coisas é que ainda me arrepio todo, como o senhor está vendo.

— Mas, seu Januário, para que recorda essas coisas tristes?

— É a sina, seu doutor! ...

— Mas vamos esquecer ‘— concluí eu. — Vamos tomar um trago e jogar um pouco ...

— Ah! o senhor gosta do trago ?!. Então vai beber produto da minha terra.,. Oh! Quincas! (Grita o Januário para o copeiro). Traz aí uma “Januária” ... daquela que a tia Zeferina mandou no Natal! ...

Servida a bebida, pura de cana, fomos jogar, tendo eu desviado a conversa do caso macabro.  Mas, quando acabamos e nos demos o “boa-noite”, o Januário falou:

— Seu doutor, quero um favorzinho seu.

— !?! ...

— Reze um Pai-nosso pro Raimundo mais o Celestino ... Eles merecem.”

(Original de Felix Sampaio)


Fonte: revista semanal "Carioca", de 12/09/1936.
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domingo, 10 de novembro de 2013

O morto vivo

Naquela noite, enquanto os tropeiros do Brejo se acocoravam ao redor da fogueira, contando histórias, o Zé Piaba fez com que todos se calassem e principiou:

— Nem conto... Quando a “coisa” me deu, eu fiquei imóvel como pedra dormindo em fundo de açude. Por mais vontade que tivesse de me levantar não podia...

Puxou um pequeno tição, acendeu o cigarro de palha e prosseguiu, após algumas baforadas:

— Minha mulher, a Raimunda, quando deu pela “bicha”, achou que eu tinha esticado a canela. Abriu a boca no mundo, a chorar e foi logo chamar o compadre Bernardino para tratar do enterro. O mais interessante é que eu não acreditava na minha morte, pois via e ouvia tudo.

Até não pude esquecer nunca a ocasião que a minha costela se lamentava, dizendo ficar sozinha neste mundão de Nosso Senhor. Eis que o compadre, sem cerimônia, a apertou nos braços, e disse que ela não se incomodasse tanto, que se casaria com ela. Como ele era viúvo, seria um casamento igual, de dois viúvos. Ela ficou mais consolada e tudo ficou combinadinho, ali mesmo nas minhas barbas.

Quando foi noite fechada, começaram a chegar os conhecidos. A Raimunda, a todos que lhe davam os pêsames, ia oferecendo boia de carimã com café.

Mais tarde, coisa dumas 10 horas, enfiaram um pau nos punhos da rede. Lá fora a lua era uma beleza, tomando banho no rio que parecia uma lâmina cortando os campos.

Saíram com o “defunto” e foram pela estrada, cantando umas cantigas horríveis, de arrepiar couro e cabelo. Se eu pudesse teria tremido como queixo de impaludado dos Amazonas. Mais porém eu estava caipora mesmo. Nem para tremer prestava. Nem um sinalzinho de vida. Inda hoje parece que ouço a bruta:

Repouso eterno 
Dai-lhe, Senhor, 
Dá luz perpétua 
O resplandor. 

Quando acabaram essas “ladainhas” já os galos abriam o bico a cocoricar. Eu voltei para o ponto de partida, isto é, para o mesmo lugar em casa, pois o enterro seria no dia seguinte.

De manhã, foi que eu vi o negócio espritar-se mesmo. Iam enterrar-me vivinho da Silva, sem mais nem menos. Mentalmente fiz uma oração à Nossa Senhora das Candeias para que iluminasse o espírito daquela gente e não fizesse comigo aquela judiação. Vocês nem calculam como sofri.

Depois que o Padre rebolou uma porção d'água benta em riba de mim, o enterro foi marchando subindo a ladeira para o cemitério. Eu sentia um terror mortal. Acho que minha garganta estava toda cheia por um nó bem grande que não me deixava gritar. Seria nó mesmo ou apenas suposição? Não sei. O que sei é que, quase na hora H, vi que já podia fazer algum movimento.

Estendi a mão e peguei um dos gajos que iam me levando pelo paletó. Ele se virou e quando deu fé daquilo, nem digo nada: soltou a rede no chão. O outro fez o mesmo. E todos, julgando que eu era alma do outro mundo, deram de gâmbias e catrâmbias. Desandaram a correr que nem um estouro de garrotes bravios.

O compadre Bernardino, o apalavrado futuro marido de minha mulher, pensou que aquilo eram artes do Não-sei-que-diga. Quis meter-me uma carga de chumbo nos couros. Mas felizmente a garrucha negou fogo. E todos corriam com medo de mim como um bando de satanás...

A minha cara-metade só foi para casa depois que o doutor foi ver-me e disse que eu tive um ataque de “calapsia”. Ele disse uma coisa mais ou menos assim. Um nomão feio, arrevesado, que só o tal doutor sabe dizer direito.

E assim eu escapei das garras da morte. Quando à noite apareci de repente num samba, todo lampeiro, o povo quis correr, pensando que era assombração.

O compadre Bernardino é que parece que não gostou nadinha. Pouco tempo depois morreu. Penso que de tristura ou paixão recolhida.

Jayme Sisnando
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Fonte: Revista O Malho, de maio/1944
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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O homem que pôs um ovo

Um marido tinha uma mulher muito gabola de saber guardar segredo. Vivia dizendo que as outras eram saco rasgado e ninguém podia confiar no juízo dela. Tanto se gabou e se gabou que o marido pensou em fazer uma experiência para ver se a mulher era mesmo segura de língua.

Uma noite, voltando tarde para casa, o homem trouxe um grande ovo de pata, que é muito maior do que os da galinha e deitou-se na cama. Lá para as tantas da madrugada, acordou a mulher, todo assustado e pedindo que ela guardasse todo segredo, contou que acabara de pôr um ovo! A mulher só faltou morrer de admiração mas o marido mostrou o ovo e ela acreditou, jurando que nem ao padre confessor havia de dizer o que soubera.

Ora muito bem. Pela manhã, assim que o marido saiu para o trabalho a mulher correu para a vizinha e, pedindo segredo de amiga, contou que o marido pusera um ovo na cama e estava todo aborrecido com essa desgraça. A vizinha prometeu que ninguém saberia mas passou o dia contando o caso, ao marido, aos vizinhos, aos conhecidos, sempre pedindo segredo.

E como quem conta um conto aumenta um ponto, toda vez que a história passava adiante o ovo ia mudando de número. Primeiro era um, depois dois, depois três. Ao anoitecer já o homem pusera meio cento de ovos. Voltando para casa, o marido encontrou-se com um amigo e este lhe disse que havia novidade naquela rua.

- Qual é a novidade?

- Não soube? Uma cousa esquisita! Imagine que um morador nesta rua pôs, penso eu, quase um cento de ovos, seu mano! Diz que está muito doente e que cada ovo tem duas gemas. É o fim do mundo.

O marido não quis saber quem estava de vigia. Entrou em casa, chamou a mulher, agarrou uma bengala e passou-lhe a lenha com vontade, dando uma surra de preceito, que a deixou de cama, toda doída e com panos de água e sal.

Depois o homem saiu contando como o caso começara e a mulher ficou desmoralizada. Por isso é que os antigos diziam que:

Quem tiver o seu segredo
Não conte a mulher casada
Ela conta ao seu marido
O marido aos camaradas...
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(CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil)
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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Enganai-me sempre assim

No mundo há poucos seres tão libertinos quanto o cardeal de… do qual, considerando-se que ainda seja homem saudável e vigoroso, permiti-me guardar o nome em segredo.

Sua eminência tem um acordo feito em Roma com uma dessas mulheres cuja profissão oficiosa é fornecer aos devassos objetos necessários ao alimento de suas paixões; todas as manhãs ela leva até ele uma jovem de no máximo treze a catorze anos, a qual monsenhor só usufrui da maneira inconveniente com que os italianos não raro se deliciam, de modo que a vestal, saindo das mãos de Sua Grandeza tão virgem quanto antes, possa, uma segunda vez, ser vendida como nova a algum libertino mais decente.

A matrona, totalmente a par das máximas do cardeal, não encontrando, certo dia, a seu alcance, o objeto cotidiano o qual era obrigação sua fornecer, imaginou travestir como uma menina um belíssimo menino do coro da igreja do chefe dos apóstolos; colocaram-lhe uma peruca, uma touca, saiotes, e todo o aparato falso que se devia impor ao santo homem de Deus. Todavia, não se lhe pôde conferir o que realmente ter-lhe-ia assegurado semelhança total com o sexo que ele imitava; mas essa circunstância muito pouco embaraçava a alcoviteira…

– Ele não pôs as mãos lá nestes dias, – dizia àquela dentre suas companheiras que a ajudava na trapaça ele só visitará, com toda a certeza, o que assemelha essa criança a todas as meninas do universo; assim, nada devemos temer…

A mãezinha se equivocara; decerto ignorava que um cardeal italiano era homem de tato muito delicado, e gosto apurado o bastante para se enganar em semelhantes coisas; chega a vítima, o grande padre a imola, mas ao estremecer pela terceira vez:

- Per Dio santo, - exclama o homem de Deus – sono ingannato, questo bambino è ragazzo, mai non fu putana!

E ele verifica… Contudo, nada acontecendo de muito embaraçoso para um habitante da santa cidade nesse lance aventuroso, sua eminência prossegue, dizendo, talvez, como esse camponês a quem se serviu trufas como batatas: Enganai-me sempre assim. Mas quando a operação terminou:

- Senhora, – diz ele à aia – não vos censuro por vossa confusão.

- Monsenhor, desculpai-me.

- Como vos disse, não vos censuro, mas quando isso acontecer-vos de novo, não deixai de advertir-me, porque… O que eu não vir no primeiro momento, verei neste aqui.
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SADE, Marquês de - Contos Libertinos
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sábado, 12 de janeiro de 2013

O marido padre

Conto provençal

Entre a cidade de Menerbe, no condado de Avinhão, e a de Apt, em Provença, há um pequeno convento de carmelitas isolado, denominado Saint-Hilaire, assentado no cimo de uma montanha onde até mesmo às cabras é difícil o pasto; esse pequeno sítio é aproximadamente como a cloaca de todas as comunidades vizinhas aos carmelitas; ali, cada uma delas relega o que a desonra, de onde não é difícil inferir quão puro deve ser o grupo de pessoas que freqüenta essa casa. Bêbados, devassos, sodomitas, jogadores; são esses, mais ou menos, os nobres integrantes desse grupo, reclusos que, nesse asilo escandaloso, o quanto podem ofertam a Deus almas que o mundo rejeita.

Perto dali, um ou dois castelos e o burgo de Menerbe, o qual se acha apenas a uma légua de Saint-Hilaire - eis todo o mundo desses bons religiosos que, malgrado sua batina e condição, estão, entretanto, longe de encontrar abertas todas as portas de quantos estão à sua volta.

Havia muito o padre Gabriel, um dos santos desse eremitério, cobiçava certa mulher de Menerbe, cujo marido, um rematado corno, chamava-se Rodin. A mulher dele era uma moreninha, de vinte e oito anos, olhar leviano e nádegas roliças, a qual parecia constituir em todos os aspectos lauto banquete para um monge.

No que tange ao Sr. Rodin, este era homem bom, aumentando o seu patrimônio sem dizer nada a ninguém: havia sido negociante de panos, magistrado, e era, pois, o que se poderia chamar um burguês honesto; contudo, não muito seguro das virtudes de sua cara-metade, era ele sagaz o bastante para saber que o verdadeiro modo de se opor às enormes protuberâncias que ornam a cabeça de um marido é dar mostras de não desconfiar de os estar usando; estudara para tornar-se padre, falava latim como Cícero, e jogava bem amiúde o jogo de damas com o padre Gabriel que, cortejador astuto e amável, sabia que é preciso adular um pouco o marido de cuja mulher se deseja possuir.

Era um verdadeiro modelo dos filhos de Elias, esse padre Gabriel: dir-se-ia que toda a raça humana podia tranqüilamente contar com ele para multiplicar-se; um legítimo fazedor de filhos, espadaúdo, cintura de uma alna (1), rosto perverso e trigueiro, sobrancelhas como as de Júpiter, tendo seis pés de altura e aquilo que é a característica principal de um carmelita, feito, conforme se diz, segundo os moldes dos mais belos jumentos da província. A que mulher um libertino assim não haveria de agradar soberbamente?

Desse modo, esse homem se prestava de maneira extraordinária aos propósitos da Sra. Rodin, que estava muito longe de encontrar tão sublimes qualidades no bom senhor que os pais lhe haviam dado por esposo. Conforme já dissemos, o Sr. Rodin parecia fazer vistas grossas a tudo, sem ser, por isso, menos ciumento, nada dizendo, mas ficando por ali, e fazendo isso nas diversas vezes em que o queriam bem longe.

Entretanto, a ocasião era boa. A ingênua Rodin simplesmente havia dito a seu amante que apenas aguardava o momento para corresponder aos desejos que lhe pareciam fortes demais para que continuasse a opor-lhes resistência, e padre Gabriel, por seu turno, fizera com que a Sra. Rodin percebesse que ele estava pronto a satisfazê-la...Além disso, num breve momento em que Rodin fora obrigado a sair, Gabriel mostrara à sua encantadora amante uma dessas coisas que fazem com que uma mulher se decida, por mais que hesite... Só faltava, portanto, a ocasião.

Num dia em que Rodin saiu para almoçar com seu amigo de Saint-Hilaire, com a idéia de o convidar para uma caçada, e depois de ter esvaziado algumas garrafas de vinho de Lanerte, Gabriel imaginou encontrar na circunstância o instante propício à realização dos seus desejos.

- Oh, por Deus, senhor magistrado, - diz o monge ao amigo - como estou contente de vos ver hoje! Não poderíeis ter vindo num momento mais oportuno do que este; ando às voltas comum caso da maior importância, no qual haveríeis de ser a mim de serventia sem par.

- Do que se trata padre?

- Conheceis Renoult, de nossa cidade.

- Renoult, o chapeleiro.

- Precisamente.

- E então?

- Pois bem, esse patife me deve cem écus(2), e acabo de saber que ele se acha às portas da falência; talvez agora, enquanto vos falo, ele já tenha abandonado o Condado... Preciso muitíssimo correr até lá, mas não posso fazê-lo.

- O que vos impede?

- Minha missa, por Deus! A missa que devo celebrar; antes a missa fosse para o diabo, e os cem écus voltassem para o meu bolso.

- Não compreendo: não vos podem fazer um favor?

- Oh, na verdade sim, um favor! Somos três aqui; se não celebrarmos todos os dias três missas, o superior, que nunca as celebra, nos denunciaria à Roma; mas existe um meio de me ajudardes, meu caro; vede se podeis fazê-lo; só depende de vós.

- Por Deus! De bom grado! Do que se trata?

- Estou sozinho aqui com o sacristão; as duas primeiras missas foram celebradas, nossos monges já saíram, ninguém suspeitará do ardil; os fiéis serão poucos, alguns camponeses, e quando muito, talvez, essa senhorazinha tão devota que mora no castelo de... A meia légua daqui; criatura angelical que, à força da austeridade, julga poder reparar todas as estroinices do marido; creio que me dissestes que estudastes para ser padre.

- Certamente.

- Pois bem, deveis ter aprendido a rezar a missa.

- Faço-o como um arcebispo.

- Ó meu caro e bom amigo! - prossegue Gabriel lançando-se ao pescoço de Rodin - são dez horas agora; por Deus, vesti meu hábito, esperai soar a décima primeira hora; então celebrai a missa, suplico-vos; nosso irmão sacristão é um bom diabo, e nunca nos trairá; àqueles que julgarem não me reconhecer, dir-lhes-emos que é um novo monge, quanto aos outros, os deixaremos em erro; correrei ao encontro de Renoult, esse velhaco, darei cabo dele ou recuperarei meu dinheiro, estando de volta em duas horas. O senhor me aguardará, ordenará que grelhem os linguados, preparem os ovos e busquem o vinho; na volta, almoçaremos, e a caça... Sim, meu amigo, a caça, creio que há de ser boa dessa vez: segundo se disse, viu-se pelas redondezas um animal de chifres, por Deus! Quero que o agarremos, ainda que tenhamos de nos defender de vinte processos do senhor da região!

- Vosso plano é bom - diz Rodin - e, para vos fazer um favor, não há, decerto, nada que eu não faça; contudo, não haveria pecado nisso?

- Quanto a pecados, meu amigo, nada direi; haveria algum, talvez, em executar-se mal a coisa; porém, ao fazer isso sem que se esteja investido de poderes para tanto, tudo o que dissentes e nada são a mesma coisa. Acreditai em mim; sou casuísta, não há em tal conduta o que se possa chamar pecado venial.

- Mas seria preciso repetir a liturgia?

- E como não? Essas palavras são virtuosas apenas em nossa boca, mas também esta é virtuosa em nós... Reparai, meu amigo, que se eu pronunciasse tais palavras deitado em cima de vossa mulher, ainda assim eu havia de metamorfosear em deus o templo onde sacrificais... Não, não, meu caro; só nós possuímos a virtude da transubstanciação; pronunciaríeis vinte mil vezes as palavras, e nunca faríeis descer algo dos céus; ademais, bem amiúde conosco a cerimônia fracassa por completo; e, aqui, é a fé que faz tudo; com um pouco de fé transportaríamos montanhas, vós sabeis, Jesus Cristo o disse, mas quem não tem fé nada faz... eu, por exemplo, se nas vezes em que realizo a cerimônia penso mais nas moças ou nas mulheres da assembléia do que no diabo dessa folha de pão que revolvo em meus dedos, acreditais que faço algo acontecer? Seria mais fácil eu crer no Alcorão que enfiar isso na minha cabeça. Vossa missa será, portanto, quase tão boa quanto a minha; assim, meu caro, agi sem escrúpulo, e, sobretudo, tende coragem.

- Pelos céus, - diz Rodin - é que tenho uma fome devoradora! Ainda faltam duas horas para o almoço!

- E o que vos impede de comer um pouco? Aqui tendes alguma coisa.

- E a tal missa que é preciso celebrar?

- Por Deus! O que há de mal nisso? Acreditais que Deus se há de macular mais caindo numa barriga cheia em vez de numa vazia? O diabo me carregue se não é a mesma coisa a comida estar em cima ou embaixo! Meu caro, se eu dissesse em Roma todas as vezes que almoço antes de celebrar minha missa, passaria minha vida na estrada. Além disso, não sois padre, nossas regras não vos podem constranger; ireis tão-somente dar certa imagem da missa, não ireis celebrá-la; conseqüentemente, podereis fazer tudo o que quiserdes antes ou depois, inclusive beijar vossa mulher, caso ela aqui estivesse; não se trata de agir como eu; não é celebrar, nem consumar o sacrifício.

- Prossigamos - diz Rodin - hei de fazê-lo, Podeis ficar tranqüilo.

- Bem - diz Gabriel, dando uma escapadela, depois de fazer boas recomendações do amigo ao sacristão... - contai comigo, meu caro; antes de duas horas estarei aqui - e, satisfeito, o monge vai embora.

Não é difícil imaginar que ele chega apressado à casa da mulher do magistrado; que ela se admira de vê-lo, julgando-o em companhia de seu marido; que ela lhe pergunta a razão de visita tão imprevista.

- Apressemo-nos, minha cara - diz o monge, esbaforido - apressemo-nos! Temos para nós apenas um instante... Um copo de vinho, e mãos à obra!

- Mas, e quanto a meu marido?

- Ele celebra a missa.

- Celebra a missa?

- Pelo sangue de Cristo, sim, mimosa - responde o carmelita, atirando a Sra. Rodin ao leito - sim, alma pura, fiz de seu marido um padre, e, enquanto o farsante celebra um mistério divino, apressemo-nos em levar a cabo um profano...

O monge era vigoroso; a uma mulher, era difícil opor-se-lhe quando ele a agarrava: suas razões, por sinal, eram tão convincentes...

Ele se põe a persuadir a Sra. Rodin, e, não se cansando de fazê-lo a uma jovem lasciva de vinte e oito anos, com um temperamento típico da gente de Provença, repete algumas vezes suas demonstrações.

- Mas, meu anjo - diz, enfim, a beldade, perfeitamente persuadida - sabeis que se esgota o tempo... Devemos nos separar: se nossos prazeres devem durar apenas o tempo de uma missa, talvez ele já esteja há muito no ite missa est.

 - Não, não, minha querida - diz o carmelita, apresentando outro argumento a Sra. Rodin -, deixai estar, meu coração, temos todo o tempo do mundo! Uma vez mais, minha cara amiga, uma vez mais! Esses noviços não vão tão rápido quanto nós... Uma vez mais, vos peço! Apostaria que o corno ainda não ergueu a hóstia consagrada.

Todavia, mister foi que se despedissem, não sem promessas de se reverem; tracejaram novos ardis, e Gabriel foi encontrar-se com Rodin; este havia celebrado a missa tão bem quanto um bispo.

- Apenas o quod aures - diz ele - embaraçou-me um pouco; eu queria comer em vez de beber, mas o sacristão fez com que eu me recompusesse; e quanto aos cem écus , padre?

- Recuperei-os, meu filho; o patife quis resistir, peguei de um forcado, dei-lhe umas pauladas, juro-vos, na cabeça e noutras partes.

Entretanto, a diversão termina; nossos dois amigos vão à caça e, ao regressar, Rodin conta à sua mulher o favor que prestou a Gabriel.

- Celebrei a missa - dizia o grande tolo, rindo com todas as forças - sim, pelo corpo de Cristo! Eu celebrava a missa como um verdadeiro vigário, enquanto nosso amigo media as espáduas de Renoult com um forcado... Ele dava com a vara; que dizeis disso, minha vida? Colocava galhos na fronte; ah! Boa e querida mãezinha! Como essa história é engraçada, e como os cornos me fazem rir! E vós, minha amiga, o que fazíeis enquanto eu celebrava a missa?

- Ah! Meu amigo - responde a mulher - parecia inspiração dos céus! Observai de que modo nos ocupavam de todo, a um e a outro, as coisas do céu, sem que disso suspeitássemos; enquanto celebráveis a missa, eu entoava essa bela oração que a Virgem dirige a Gabriel quando este fora anunciar-lhe que ela ficaria grávida pela intervenção do Espírito Santo. Assim seja, meu amigo! Seremos salvos, com toda certeza, enquanto ações tão boas nos ocuparem a ambos ao mesmo tempo.
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SADE, Marquês de - Contos Libertinos

(1) Antiga medida de comprimento de três palmos; (2) Antiga moeda francesa.
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domingo, 23 de dezembro de 2012

Encontro em Samarcanda

Reza a lenda que um rico mercador árabe, percorrendo o buliçoso mercado de Bagdá, encontra a Morte e esta o informa que dentro de três dias lhe vai levar o mais querido dos seus servos.

Aflito, o mercador chama o servo, dá-lhe um saco de moedas e ordena-lhe que viaje para Samarcanda, cidade longínqua e cosmopolita, situada na movimentada Rota da Seda, enganando assim os desígnios da Morte.

Dois dias depois, deambulando pela cidade, o mercador encontra de novo a Morte, e esta, surpreendida pergunta-lhe:

- Que estranho! Que fazes aqui?

Atrapalhado, o mercador respondeu:

- Exerço o meu mister. Porque perguntas isso? Ao que a Morte responde:

- Por nada de especial. Apenas fiquei espantada, pois tenho amanhã um encontro com o teu servo em Samarcanda e não te esperava encontrar aqui na cidade.

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Então é isso: ninguém foge ao seu destino. Um dia vai chegar a minha hora, a do caro leitor, de todo mundo: a morte é a única inevitabilidade que conhecemos a partir do dia em que nascemos.
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sexta-feira, 18 de maio de 2012

Homem no mar

De minha varanda vejo, entre árvores e telhados, o mar. Não há ninguém na praia, que resplende ao sol. O vento é nordeste, e vai tangendo, aqui e ali, no belo azul das águas, pequenas espumas que marcham alguns segundos e morrem, como bichos alegres e humildes; perto da terra a onda é verde.

Mas percebo um movimento em um ponto do mar; é um homem nadando. Ele nada a uma certa distância da praia, em braçadas pausadas e fortes; nada a favor das águas e do vento, e as pequenas espumas que nascem e somem parecem ir mais depressa do que ele.

Justo: espumas são leves, não são feitas de nada, toda sua substância é água e vento e luz, e o homem tem sua carne, seus ossos, seu coração, todo seu corpo a transportar na água.

Ele usa os músculos com uma calma energia; avança. Certamente não suspeita de que um desconhecido o vê e o admira porque ele está nadando na praia deserta. Não sei de onde vem essa admiração, mas encontro nesse homem uma nobreza calma, sinto-me solidário com ele, acompanho o seu esforço solitário como se ele estivesse cumprindo uma bela missão. Já nadou em minha presença uns trezentos metros; antes, não sei; duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás das árvores, mas esperei com toda confiança que reaparecesse sua cabeça, e o movimento alternado de seus braços. Mais uns cinqüenta metros, e o perderei de vista, pois um telhado a esconderá.

Que ele nade bem esses cinqüenta ou sessenta metros; isto me parece importante; é preciso que conserve a mesma batida de sua braçada, e que eu o veja desaparecer assim como o vi aparecer, no mesmo rumo, no mesmo ritmo, forte, lento, sereno. Será perfeito; a imagem desse homem me faz bem.

É apenas a imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem sua cor, nem os traços de sua cara. Estou solidário com ele, e espero que ele esteja comigo. Que ele atinja o telhado vermelho, e então eu poderei sair da varanda tranqüilo, pensando — "vi um homem sozinho, nadando no mar; quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com firmeza e correção; esperei que ele atingisse um telhado vermelho, e ele o atingiu".

Agora não sou mais responsável por ele; cumpri o meu dever, e ele cumpriu o seu. Admiro-o. Não consigo saber em que reside, para mim, a grandeza de sua tarefa; ele não estava fazendo nenhum gesto a favor de alguém, nem construindo algo de útil; mas certamente fazia uma coisa bela, e a fazia de um modo puro e viril.

Não desço para ir esperá-lo na praia e lhe apertar a mão; mas dou meu silencioso apoio, minha atenção e minha estima a esse desconhecido, a esse nobre animal, a esse homem, a esse correto irmão.

Janeiro, 1953.
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Extraído do livro "A Cidade e a Roça" - Rubem Braga - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 11.
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terça-feira, 27 de março de 2012

A porta do Paraíso

Um orgulhoso guerreiro chamado Nobushige foi até Hakuin, e perguntou-lhe:

- “Se existe um paraíso e um inferno, onde estão?”

- “Quem é você?” perguntou Hakuin.

- “Eu sou um samurai!”, exclamou o guerreiro.

- “Você, um guerreiro!” riu-se Hakuin.

- “Que espécie de governante teria semelhante guarda? Você parece um pedinte.

Nobushige ficou tão raivoso que começou a desembainhar a espada, mas Hakuin continuou:

- “Então tem uma espada! Ela provavelmente está tão cega que não cortará a minha cabeça…”

O samurai retirou a espada num gesto rápido e avançou pronto para matar, gritanto de ódio.

Nesse momento Hakuin gritou:

- “Acabaram de se abrir as Portas do Inferno!”

Ao ouvir estas palavras, e percebendo a sabedoria do mestre, o samurai guardou a sua espada e fez-lhe uma profunda reverência.

- “Acabaram de se abrir as Portas do Paraíso,” disse suavemente Hakuin.

Fonte: Guia da Família e do Lar. Jan/11
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segunda-feira, 26 de março de 2012

O frio que vem de dentro

Quatro homens ficaram bloqueados numa caverna por uma avalanche de neve. Teriam que esperar até o amanhecer para poderem receber socorro. Cada um deles trazia um pouco de lenha e havia uma pequena fogueira ao redor da qual eles se aqueciam. Se o fogo apagasse, todos morreriam de frio antes que odia clareasse.

Chegou a hora de cada um colocar sua lenha na fogueira. Era a única maneira de sobreviver. O primeiro homem era um rico avarento. Ele estava ali porque esperava receber os juros de uma dívida.

Olhou ao redor e viu um círculo em torno no fogo bruxuleante, um homem da montanha, que trazia sua pobreza no aspecto rude e nas roupas remendadas. Ele fez as contas do valor da sua lenha e enquanto mentalmente sonhava com seu lucro, pensou:

- Eu, dar minha lenha para aquecer um preguiçoso?

O segundo homem era negro. Seus olhos faiscavam de ira e ressentimento. Não havia qualquer sinal de perdão ou mesmo aquela superioridade moral que o sofrimento ensinava. Seu pensamento era muito prático.

- É bem provável que eu precise desta lenha para me defender. Além disso, eu jamais daria minha lenha para salvar aqueles que me oprimem. E guardou suas lenhas.

O terceiro homem era o pobre da montanha. Ele conhecia mais do que os outros os caminhos, os perigos e os segredos da neve. Ele pensou:

- Esta nevasca pode durar vários dias. Vou guardar minha lenha.

O último homem trazia no rosto e nas mãos sinais de uma vida de trabalho. Seu raciocínio era curto e rápido.

- Esta lenha é minha. Custou o meu trabalho. Não darei a ninguém nem mesmo o menor dos meus gravetos.

Com estes pensamentos, os homens permaneceram imóveis. A última brasa da fogueira se cobriu de cinzas e finalmente apagou.

Ao alvorecer, quando os homens do socorro chegaram na caverna encontraram os cadáveres congelados, cada qual segurando um feixe de lenha. Vendo aquele triste quadro, o chefe da equipe disse:

- O frio que os matou não foi o frio de fora, mas o frio de dentro.

Fonte: S.O.S. Dona de Casa / Out/10.
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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O batizado

Entre as várias anedotas de caráter regionalista, que correm pelo sertão, ouvi, quando menino, centenas de vezes a seguinte:

Um vaqueiro foi à cidade de Quixeramobim, batizar uma filha de meses. Quando o padre lhe perguntou, junto à pia, qual o nome da menina, respondeu sem pestanejar, diante do espanto da assistência:

- Onça!

O sacerdote sacudiu a cabeça, pôs-lhe carinhosamente a mão no ombro, e disse-lhe que aquele nome era de um bicho feroz e não quadrava bem numa criança, que, quando ficasse moça, seria alvo de risotas e chalaças, por causa do seu apelido.

- Mas eu quero! insistiu o vaqueiro.

O religioso fez outras considerações, a fim de demovê-lo, e terminou perguntando:

- Já viu alguém com nome de fera?

O matuto retorquiu, embatucando-o:

- E o Santo Padre não se chama Leão? Por que minha filha não se pode chamar Onça?

Esta historieta, que parece autóctone, é simplesmente a variante de um raconto peninsular europeu. Pode-se encontrá-la em outras regiões da América e em outra língua. Eu a li no curioso livro do grande escritor peruano Ricardo Palma - Mis últimas tradiciones:

"Trataba-se de cristianar a un niño, y antes de llevarlo al bautisterio, el cura apuntaba, en la sacristia, los datos que consignaria más tarde en el libro parroquial.

- Que nombre le ponemos al chico?

- Por mi - contestó el padrno, - póngale usted Tigre.

- No puede ser - arguijó el párroco.

- Pues entonces, póngale usted Búfalo ó Rinoceronte.

- Tampoco puede ser! Esos son nombres de animales y no de cristianos.

- No moje, padre! Como el Papa se llama León?"

Esse pequeno conto, europeu de nascença, deu, entretanto, origem a um que é a expressão mais perfeita do espírito sertanejo do Nordeste. Vejamo-lo:

Ao perguntar-lhe o padre que nome queria pôr ao filho, já nos braços da madrinha, ao pé da pia, um vaqueiro lhe respondeu:

- Não sei bem, não, senhor; mas desejava um nome grande e bonito, um nome de encher a boca.

- Alexandre? lembrou o vigário.

- Não, senhor.

- Napoleão?

- Não serve, não, senhor.

- Heliodoro?

- Também não serve, seu padre.

- Então que nome há de ser?

O vaqueiro hesitou instantes e, depois, torturando nas mãos a aba do chapéu:

- Seu vigário, eu quero um nome que encha a boca da gente, um nome, assim como este, que ouvi outro dia: Amancebado!
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Fonte: BARROSO, Gustavo. O sertão e o mundo.
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Aventuras de um jabuti

Dom jabuti seguia uma vez, distraído, preocupado com os seus negócios, filosofando nas coisas desta vida, por um caminho no meio do mato, quando esbarrou com uma velha e enorme anta, enforcada num laço, que caçadores haviam amarrado. Mais que depressa principiou a roer a corda que prendia o pescoço do bicho, e depois de esconder a corda num buraco, começou a gritar:

— Acode, gente!... acode depressa!...

Dona onça, que passeava na ocasião, foi ver por que motivo tanto gritava o jabuti.

— Que é isso? interrogou.

— Estou chamando gente para vir comer a anta que acabei de caçar agora mesmo.

— Queres que eu parta a anta? Propôs a comadre onça

— Quero sim. Dividirás a metade para mim e a outra para ti, disse ele.

— Então, vai apanhar lenha, para assarmos a carne da anta.

Quando o jabuti voltou, apenas encontrou o couro da anta, e disse:

— Deixa estar, onça velhaca, hás de me pagar algum dia esse desaforo que me fizeste.

Saído dali, andou por muitos dias seguidos. Ia pelo caminho pensando como se vingar da onça, quando se encontrou com um bando de macacos, em cima de uma bananeira, comendo bananas.

— Olá, compadre macaco, atira uma banana para mim, disse o jabuti.

— Por que não sobes? Não és tão prosa, jabuti?

— Vim de muito longe, estou cansado.

— Pois o que posso fazer é ir buscar-te daí de baixo cá para cima, disse um dos micos.

— Pois então, vem.

O macaco desceu, pôs em cima o jabuti, que ali ficou dois dias, por não poder descer.

No terceiro, apareceu uma onça, a mesma que se tinha encontrado com ele perto da anta.

— Olá, jabuti, como subiste nesta babaneira?

— Muito bem, onça.

A onça, que estava com fome, disse:

— Ó, jabuti, desce cá para baixo.

— Só se me aparares na boca, onça. Não quero me machucar, pulando daqui no chão.

A onça abriu a boca e o jabuti deu um pulo, mesmo na goela do bicho, que morreu imediatamente.

Então o jabuti saiu gritando:

— Matei uma onça, meus parentes, vão ver debaixo das bananeiras!...

Uma outra onça que passava, ouviu-o e perguntou:

— Jabuti, que estás dizendo?

— Não é nada, onça, é cá uma cantiga que sei.

E foi procurando um buraco para se esconder.

Assim que encontrou uma furna, parou e disse:

— Onça, sabes o que estava cantando? É isto: matei uma onça. Vá ver em baixo das bananeiras.

A onça correu para pegá-lo, mas o jabuti meteu-se pelo buraco, onde a onça também introduziu a pata, segurando-o por uma das pernas.

— Onça, pensas que apanhaste a minha perna, mas enganaste, apenas seguraste uma raiz.

A onça largou a perna do jabuti que tinha nas garras, e retirou o braço do buraco.

— Ó sua tola, foi a minha perna que seguraste mesmo. Agora vai ver a tua parenta embaixo das bananeiras.

A onça ainda cavou um bocado, para ver se apanhava o jabuti, mas este já estava longe, porque a furna onde entrara era muito funda.

Desde esse dia, a onça anda à procura do jabuti para se vingar, mas até hoje ainda não o encontrou.
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- Pimentel, Figueiredo. Histórias da avozinha. Rio de Janeiro; Belo Horizonte, Livraria Garnier, 1994, p.179-181 (Biblioteca de autores célebres da literatura infantil, 3).
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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Água virtuosa...

Nhô Thomé está bem disposto. Hoje deu para bulir com os pretos, agradando os piazinhos que rodeiam o fogo em suas tripeças.

- Dito! – perguntou ele a um dos crioulinhos de seus doze anos – ocê sabe porque é que os home e as muié não tem a mesma cor?

- Nha- não.

- Puis eu vô contá; botem bem o sentido...

No escuro, deitado na rede, descanço, a ver as sombras bailando nas paredes, ao labaredear do fogo aos estalos, escutando a "história".

- Puis é. Nosso Sinhô, despois de criá tudas as coisa, garrô num pelote de barro e garrô damninhá, por não ter o que fazê. Damninhô, damninhô, e feis um home chamado Adão; deu um assopro e ele virô gente.

Despois Adão garrô a ficar esquisito: hora tava triste, ora tava assanhado, cantadô divirtido e contente. Deus pensô: "Tudas as coisa tem muié... Chamô Adão:

- Venha aqui!

Grudô e rancô u’a costela dele e feis Eva p’ra casá co’ele. Ante de Adão e Eva já tinha gente, mais não erum fios de Deus, porque eles não forum assoprado co Esprito Santo e quem soprô eles foi o Cuzarruim – e é purisso que hai gente rúim na terra; são os tar que não recebero o Esprito-Bão. – Mais isso ocês num intende.

Adão casô cum Eva e nascero os fio e crescero e acharo muié e casaro e o mundo umentô in quistan de pocos anno. Moravum tudo no mesmo sítio, um lugá como num hai de havê otro iguá; só no céo. O sítio chamava Paraízo. Naquele tempo tudos os home e muié erum preto...

Neste ponto Nhô Thomé descreveu a vida de então. Adão, depois do casamento, perdeu a alegria: tornou-se ajuizado, pois entendia que ser alegre e brincalhão como em solteiro não era próprio de homem casado... É um descrédito ser divertido e alegre.

A vida era fácil: frutas por toda a parte sazonavam o ano inteiro, ora esta, ora aquela, sem ser preciso plantar e tudo era "reiuno", não pertencendo a ninguém e a todos pertencendo.

- Ocês num vê que ninguém prantô fruitêra no mato? E ótras fruita? Ponhema, guabiroba, pitanga, jaracatiá, arixicú, vapacary, amora, cambucy, joá, jovéva, cabeça-de-negro, castanha-de-ioçá, figo-manso, caju, banana, coquinho...

- Mandioca tamém é fruita ? – interroga um dos pequenos.

- É... – responde bonachão e sossegado o velho.

- I batata-doce? – perguntou outro.

- Tamêm...

- I batata-roxa?

- Tamem... tamêm... Mais iscuitem!...

Despois o Cuzarruim botô veneno nu’a proção de culidade de fruita, p’ra judiá de nóis; mas Deus, que é muito bão, deferençô u’a das ôtra e criô os passarinho p’ra insiná nóis a quar que não fais mar. O Cuzarruim intãoce inxeu a cabeça de uns home e de u’as muiá, insinô p’re’eles os venenoso e eles viraro fiticêro, esses praga que custumum a botá as coisa-feita nos ôtro.

Eu, na rede, espero ansioso a explicação sobre as diversidades de cores nos homens, mas Nhô Thomé, como todos os contadores de histórias para crianças, parece "não ter fim".

- Mais, cumo ia dizeno, Nosso Sinhô garrô a repará: puis sa as fror, as arve, os alimar, os passarinho, a terra, o céo, tudo tinha cor deferente um dos ôtro, mórde o quê que os home e as muié só havéra de sê preto, tudo preto, sem graça, iguá, pareio, que inté injuava a vista?

Intãoce Deus mandô pubricá p’ro mundo intero, que era o Sítio, que quem fosse se lavá nu’a lagoa, ficava branco. Aquilo foi um corre-corre que Deus nos acuda!

Animou-se o pé-do-fogo! Curiosos os pretos arregalam os olhos e os mulatinhos ficam de "olhos compridos" no velho.

- Os mais ligêro, mais vivo, mais ladino, avuaro p’ra lá. Um bando de homes e muié, na correria, da desparada, p’ra chegá premêro, machucava e matava os que ascançava:

- Os premêro chegado ficaro arvo – são os alamão.

- Os seguinte acharo aua meio sujo – são os branco.

- Os ôtro acharo aua turva – são os moreno.

- Ôtros acharo aua escura, a lagoa tava secano – são os triguêro.

- Ôtros acharo um fiapico d’aua vermeia misturada cum táuá – são os cabocro.

- E os turco? – interrompeu o Dito.

- Isso mêmo... Isso... Eles garraro a brigá e gritá tudo no mermo tempo e é purisso que eles faum tudo trapaiado.

Não me seguro... Solto uma gargalhada gostosa!

- Uéi! Pensei que mecê tava drumino... Tô contano aqui u’as patacuada p’ros crioulinho...

- Continue, Nhô Thomé: estou gostando.

- Intãoce os turco sujaro demais o restico d’aua e levantô um tijuco mais escuro e a aua garrô minguá tanto, que os ôtro que chegaro naquele mingau, sahiro mulato, cumo ocês tão sahino.

- E os ôtro?

- Os ôtro, os priguiçoso, os bobo, os durminhoco que vivia cuchilano no pé-do-fogo e no sór e arguns que num tivero jeito de chegá mórde os da frente, esses quano chegaro acharo sú um tiquinho de umidade, que mar deu p’ra moiarem as sola dos pé e as parma da mão... Arreparem nas mão de Tia Pulicena e de suas mãe...

E os pequenos, de boca aberta, assustados, exclamam uns em seguida aos outros, olhando para as mãos de Tia Polycena que, bondosa e sorridente, as mostra.

- É meeeeemo!!!

- Os que ficaro preto num desanimaro e é purisso que preto num póde vê biquinha d’aua nem tornera, nem reberão, que não vá ligêro lavá as mão, a cara, o pescoço e os pé, que dão sempre na vista.

Depois, Nhô Thomé, chegando o "isqueiro" ao cigarro, tosse e termina, malicioso:

- Ocêis sabe mórde o que que ocês tão sahino tudo mulatinho? É que Chica, Zabé e Chistina custumum lavá rôpa lá no reberão craco do Manéco Portuguêis...

P’ra mim aquela aua é virtuosa...

- Aá... Maria credo! Sinhô tem cada lembrança! – bradou Tia Polycena, rindo, enquanto a Chica, a Zabé e a Christina correm para a cozinha. E, daqui da rede, depois de esplêndidas gargalhadas, ouço-as comentando:

- Sinhô tem cada uma! O moço tá lá na rede que num pode mais de tanto sirri...
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Fonte: Jangada Brasil - (Pires, Cornélio. Conversas ao pé do fogo).
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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O advogado do sacristão

Um sacristão estava distribuindo círios para quem quisesse acompanhar a procissão do Senhor Morto, em certa sexta-feira da Paixão, e sobrou um. Procurou com os olhos, estavam todos servidos. Entrou na igreja, colocou o círio atrás da porta e falou:

- Este aqui fica para o diabo.

Passado algum tempo, durante um naufrágio, o sacristão foi aprisionado pelos piratas e levado para a ilha dos Mouros. Andava desesperado, quando uma voz falou perto dele:

- Quando sentir bater no seu rosto uma ramada, agarre-se nela.

Ele assim fez. Sentindo o contato dos galhos, agarrou-se aos ramos invisíveis. No mesmo instante deu um vento forte, e quando ele viu estava descendo diante da sua porta.

Porém, não ficou sabendo quem foi o seu benfeitor. Como gostava de viajar, saiu novamente correndo mundo, e, desta vez a pé, por uma região desolada e pobre. Acabou-se o dinheiro, nâo encontrava trabalho e parou diante de uma granja. Vendo tantas galinhas, pediu que a mulher lhe fritasse meia dúzia de ovos, pelo amor de Deus. Não tinha dinheiro para pagar; mas iria correr mundo; quando voltasse, assim o ajudasse Deus, pagaria a dívida.

- E desta vez acho que ficarei curado da mania de viajar. Vou ficar quieto na sacristia da igreja da minha terra, que é um lugar santo.

A mulher fritou os seis ovos, ele os comeu, deliciadamente, e partiu.

Muitas aventuras o esperavam, andou ainda bastante, porém sorriu-lhe a sorte, progrediu, fez bons negócios, enriqueceu. Quis fazer duas coisas imediatamente: pagar aqueles seis ovos comidos há tanto tempo, dez anos ou mais, e voltar para a quietude da sua igreja.

Uma tarde, estava a granjeira diante da porta, viu apear de um cavalo baio, com arreios de couro macio e prata, um homem bem-vestido. Não o reconheceu senão quando ele contou que era o devedor dos seis ovos.

- Vim pagar-lhe, boa mulher, que me atendeu na hora da fome e da necessidade. Quero pagar tudo e deixar-lhe ainda uma boa quantia de presente.

A ganância mordeu o coração da mulher, vendo-o tão generoso, parecendo endinheirado.

- Vou fazer as contas - respondeu de cara fechada.

- Contas? Que contas? - estranhou o homem. - Pois então lá é preciso estar fazendo contas para saber o preço de seis ovos? Que lhe deu, boa mulher?

E ela lhe apresentou uma conta fantástica, uma lista imensa com o preço de milhares de galinhas.

- Que é isso? - perguntou o homem.

- Se eu tivesse posto aqueles seis ovos para chocar, teriam saído cinco franguinhas e um frango. As frangas botariam e tornariam a chocar. Em dez anos, eu teria tudo isto que está aqui nesta lista.

Como o homem se recusasse a pagar aquele absurdo, foram todos ao juiz mais próximo, e o julgamento do caso ficou marcado para daí a uns dias.

Muito desgostoso, foi o antigo sacristão andar um pouco, para espairecer. Andava e pensava, de cara amarrada, cenho franzido, temendo já tornar a ficar pobre, por causa da ambição da granjeira. Numa de suas voltas, encontrou-se com um homem, todo vestido de preto, de colarinho duro, sapatos de verniz, muito bem penteado.

- Que mal o aflige, amigo, que o vejo tão transtornado?

Contou-lhe tudo o homem, e o outro, sorrindo, falou:

- Ora, não é caso para tristezas. Acontece que sou advogado. O senhor ainda nem pensou em contratar os serviços de um profissional?

- Ainda não.

- Pois então, eu me considero contratado. Vá tranqüilo. No dia do julgamento, estarei lá para defendê-lo.

Parecia tão seguro de si que o homem se animou.

Chegou o dia do julgamento. Começou a sessão. Alguns casos foram julgados. E foi a vez do sacristão. E nada de aparecer o advogado. O juiz esperou. Nada. Começou a ficar impaciente, fulminando com o olhar o pobre homem, que ainda estava mais agoniado. E o advogado não aparecia. Ele estava vendo que, por falta de defesa, ia ser obrigado a entregar todo o seu dinheiro, ia ser preso, iam matá-lo. Suava frio e maldizia a hora em que aceitara o serviço de qualquer desconhecido. Nisso, o advogado entrou. O homem se animou, mas olhando para ele, viu-lhe a barbicha em ponta, os pés de pato e tremeu.

"Com quem me meti, neste embaraço! E agora mais esta. Acabo perdendo taimbém a alma"

Porém o temível advogado tranqüilizou-o:

- Se lembra do círio que deixou para mim, atrás da porta da igreja? Em agradecimento, já o livrei da prisão na ilha dos Mouros e aqui estou novamente para tornar a salvá-lo. Tranqüilize-se que não quero a sua alma.

E dirigindo-se ao juiz, que não sabia da sua condição satânica, falou, cortesmente:

- Queira desculpar o meu atraso, estava cozinhando um pouco de feijão, para plantar.

- Estava fazendo o quê!?

- Estava cozinhando feijão para plantar - repetiu o advogado, insensível às risadas que estalavam de todos os lados, ao ouvir o povo declaração tão esquisita.

O juiz recostou-se na sua alta cadeira e riu também.

- Amigo - disse ele -, trabalho completamente perdido, pois feijão cozido não nasce.

- Então, por que estamos aqui debatendo se de ovos fritos nascem pintos?

E foi assim que o sacristão pôde voltar em paz à sua igreja.
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Fonte: Jangada Brasil - (Guimarães, Ruth. Lendas e fábulas do Brasil, p.55)
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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O segredo da abelha

A abelha, a aranha e a cigarra eram irmãs.

As duas mais velhas viviam ativas, sempre a trabalhar; uma colhendo o pó das flores para fazer o mel, a outra a tecer noite e dia, uma fiandeira. A mais moça, a cigarra, anunciava o verão, cantando e alegrando a todos, com suas toadas e seus psius ritmados.

Uma tarde, chegou um mensageiro avisando as três irmãs que sua mãe, muito doente, as mandava chamar, para abençoá-las antes de morrer. E a aranha falou assim:

— Diga à minha mãe que estou fazendo uns pontos difíceis; assim que terminar, lá chegarei.

E a cigarra falou assim:

— Diga à minha mãe que estou dando o terceiro psiu; assim que terminar, lá chegarei.

E a abelha, no meio da grande faina, no trabalho da colméia falou assim:

— Filhos meus, parai e deixai tudo aí, até que eu volte; pois vou já ver minha mãe.

E lá no seu leito, a moribunda sentenciou:

— Aranha, filha ingrata, nunca poderás terminar teu trabalho. Será ele sempre desfeito por alguém, principalmente pelas empregadas arrumadeiras.

E é o que sempre acontece.

— Cigarra, filha ingrata, cantarás, cantarás, até rebentar pelas costas.

E é o que sempre acontece.

— Abelha, filha boa, que tudo deixou por mim, os homens nunca saberão o segredo do fabrico do mel...

E ainda hoje, mesmo colocada em caixa de vidro, a abelha tapa tudo com cera e não deixa ver fazer o mel...
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Fonte: Jangada Brasil - (Caldas, Terezinha. "O segredo da abelha". Folha da Manhã. Recife, 12 de novembro de 1952).
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domingo, 4 de dezembro de 2011

O avarento João de Velós

Para não gastar dinheiro, um avarento chamado João de Velós comia somente uma bolacha pela manhã e outra à noite. Assim, reuniu grande fortuna, conseguindo encher duas caixas com moedas de ouro. Tendo-lhe sido proposto um negócio em que devia ganhar muito, foi a uma das caixas e abriu-a, dizendo:

— Caixa, empresta-me três contos de réis.

Deixando-o muito espantado, a caixa respondeu:

— Este dinheiro não é teu, é de João de Velós.

O avarento desconfiou da história. Aquela mágica da caixa pôs-lhe sal na moleira. Resolveu, por segurança, mudar de terra. Passou o dinheiro das caixas para duas barricas e embarcou para fora do país. Na primeira noite da viagem, quando dormia, o mar se encapelou e quase afunda a embarcação. Diante do perigo de naufrágio, para aliviá-la, o capitão mandou lançar às ondas aquelas duas pesadas barricas, cujo conteúdo julgava sem grande valor, pois o dono declarara estarem cheias de chumbo.

As correntes submarinas rolaram-nas até a costa, levando-as a um curral de pesca dum sujeito que, por coincidência, também se chamava João de Velós, o qual as abriu e, sendo muito caridoso e sem ambição, deu todo o ouro de esmola.

O primeiro João de Velós, na manhã seguinte, quando soube o que o capitão fizera, ficou desapontado e furioso. Tomou um escaler e desembarcou no litoral fronteiro ao lugar onde as barricas tinham sido afundadas, procurando-as como louco.

Foi ter, enfim, faminto e esfarrapado, à casa do seu homônimo. Contou-lhe a perda de suas preciosas barricas e o outro não lhe disse que as tinha achado e distribuído o que continham com os pobres. Ouviu-o em silêncio e, penalizado, mandou rechear um pão com moedas de ouro, dando-o ao primeiro João de Velós, quando este se foi embora.

O avarento encontrou no caminho uma comadre do segundo João de Velós que o ia visitar. Ela achou o pão que ele trazia muito fresco e bonito, gabou-o muito e propôs comprá-lo por cinco patacas, pois não queria chegar em casa de seu compadre com as mãos vazias. Levaria, assim, um presentinho. À vista das patacas, o sovina não resistiu e vendeu o pão, ignorando o precioso recheio.

Desta sorte, o João de Velós generoso recebeu de volta suas moedas e o avaro foi, por castigo de Deus, reduzido à miséria.

Este conto é uma como variante bárbara da velha canção portuguesa do sapateiro, que recebeu do rei um bolo com recheio de moedas e dele se não aproveitou, dando razão ao estribilho que repetia:

Ribeiros correm pros rios
E os rios correm pro mar
Quem nasceu para ser pobre
Não lhe vale o trabalhar

No fundo, o conto sertanejo também é parente daquela interessantíssima história de Saad e Saadi, nas Mil e uma noites, com certeza avó da cantiga portuguesa.
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 - Barroso, Gustavo. Ao som da viola (folclore); nova edição correta e aumentada. Rio de Janeiro, 1949, p.511-512.
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terça-feira, 29 de novembro de 2011

História de João Grilo

Era uma vez um moço muito preguiçoso, por nome João Grilo, casado de novo, mas não queria trabalhar. A mulher apertou com ele, que precisava ganhar mais, pois eles viviam de alugar o pasto para os tropeiros, naquele tempo, a vintém por cabeça, ché! o que dava?

João Grilo pensou, pensou e falou:

— Vou ser adivinhador!

Pegou três cavalos, dos melhores, que estavam de pouso, levou para o meio do matão e escondeu bem.

Os tropeiros, no outro dia, procuraram que procuraram, nada de encontrarem os cavalos. João Grilo propôs a eles adivinhar onde estavam os cavalos. Aceitaram. Arranjou um pouco de cinza e traçou, traçou no terreiro, fez umas historiadas e disse:

— Estão em tal e tal lugar, uma picada às direitas da estrada larga, no matão. Os tropeiros voltaram contentes com os cavalos e deram uma boa gratificação a João Grilo.

Ele foi se mostrar à mulher:

— Eu não disse que arranjava o dinheiro?

Depois mandou escrever um letreiro em cima da porta de sua casa: João Grilo, adivinhador.

Foram contar pro rei. O rei mandou buscar  tal para o palácio e fazer a ele umas perguntas.

Se não respondesse, a cabeça dele voava pelos ares.

Fechou uma porca num quarto e mandou que ele adivinhasse. João Grilo se viu perdido, coçou a cabeça e falou:

— Agora é que a porca torce o rabo.

O rei gostou muito, pegou um grilo e fechou a mão.

— Me diga, então, o que é que eu tenho na mão?

O nosso homem lida que lida, viu que não podia adivinhar e respondeu:

— João Grilo está perdido!

O rei gostou.

Depois, sua majestade mandou encher de fezes uma tigela (com perdão da palavra!) e pôr na mesa no meio de outros pratos. Perguntou o que era.

João Grilo nada de adivinhar. Só pôde mesmo dizer:

— Bem, minha mãe me dizia que as minhas adivinhações iam dar em fezes!

Foi perdoado e saiu muito contente.
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Em Brandão, Téo. Seis contos populares do Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Folclore; Maceió, Universidade Federal de Alagoas, 1982, p.59. - Fonte: Jangada Brasil.
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História da grande carneirada

Era uma vez um moço muito bonito, bonito mesmo. Olhos azuis, cabelos louros, rosto de anjo, corpo gracioso, rico e que tinha carneiros que era um despropósito.

Um dia estava ele nos altos, bem nos altos de um grande morro, maior do que ali o nosso morro da Cruz, quando, olhando pra longe, viu que vinha uma nuvem grande e preta feito tinta.

— Virge Nossa Senhora!... — gritou ele. — Lá evem uma tempestade dos diabos!

Desceu, correndo, do morro, assoviou os cães de guarda, tocou a carneirada pela estrada larga e chegou numa ponte que tinha de atravessar. A ponte era comprida como daqui até lá na venda de sô Zé Havera. Mas no diabo da tal ponte os carneiros só podiam passar numa só fila: um atrás do outro, de tão estreita que ela era. Pois bem. O moço botô um cão na frente e, atrás dele, um carneirão guia e foi tangendo e gritando da entrada da ponte:

— Cá... cá... cá... anda, Brinquinho!... anda, Rola!... Eh! Eh! Vamo, carneirada!...

Mas não é que o diabo do cachorro que ia na frente, parou no meio da ponte, assentou-se e começou a se coçar feito um danado? E a carneirada nada de poder passar...

O moço, aí, gritou para o cachorro:

— Anda, Valente... cachorro dos diabo!

Mas qual o quê? O cachorro não ouviu nada com o barulho do rio...

Neste momento, o contador calou-se, tirou um toco de cigarro de palha que estava entre a orelha e a cabeça, bateu a binga e ficou fumando bem quieto de seu.

— Continua, seu Moreira. — pediu um dos meninos.

— Lá vai, gente. Agora é que o cachorro de levantou. Lá vai ele, o carneirão e aquela fila comprida de carneiro... tudo branquinho... bonito mesmo!

Nova e longa pausa do contador.

— Seu Moreira!... Seu Moreira!... — arriscou timidamente outro dos pequenos ouvintes — faz de conta que já passou tudo. Os carneiros estão todos do outro lado. E agora?

— Não, — diz o Moreira, — assim não serve. História é história. Deixa os carneiros passar devagar... E, olha, vocês não ficam falando muito não que agora mesmo vocês espantam eles e eles caem na água, se espalham e vai ser um Deus nos acuda para ajuntar tudo outra vez.
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- Extraída do artigo de Levi Braga, "Contos de burla". Província de São Pedro, nº 11, março-junho de 1945 - Fonte: Jangada Brasil.
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Adivinha, adivinhão

Era uma vez um homem muito sabido mas infeliz nos negócios. Já estava ficando velho e continuava pobre como Jó. Pensou muito em melhorar sua vida e resolveu sair pelo mundo dizendo-se adivinhão. Dito e feito. Arranjou uma trouxa com a roupa e largou-se.

Depois de muito andar chegou ao palácio de um rei e pediu licença para dormir. Quando estava ceando o rei lhe disse que o palácio estava cheio de ladrões astuciosos. Vai o homem e se oferece para descobrir tudo, ficando um mês naquela beleza. O rei aceitou.

No outro dia, o homem passou do bom e do melhor e não descobriu coisa alguma. Na hora de cear, quando o criado trazia o café, o adivinho exclamou, referindo-se ao dia que passara:

— Um está visto!

O criado ficou branco de medo porque era justamente um dos larápios. No dia seguinte veio outro criado ao anoitecer e o adivinhão repetiu:

— O segundo está aqui!

O criado, também gatuno, empalideceu e atirou-se de joelhos, confessando tudo e dando o nome do terceiro cúmplice. Foram presos e o rei ficou satisfeito com as habilidades do adivinho.

Dias depois roubaram a coroa do rei e este prometeu uma riqueza a quem adivinhasse o ladrão. O adivinho reuniu todos os criados numa sala e cobriu um galo com uma toalha. Depois explicou que todos deviam passar a mão nas costas do galo. O adivinho, cada vez que alguém ia meter o braço debaixo da toalha, fazia piruetas e dizia alto:

— Adivinha, adivinhão. A mão do ladrão!

Todos acabaram de fazer o serviço e o adivinho mandou que mostrassem a palma da mão. Dois homens estavam com as mãos limpas e os demais sujos de fuligem.

— Prendam estes dois que são os ladrões da coroa!

Os homens foram presos e eram eles mesmos. A coroa foi achada. O adivinho explicou a manobra. O galo estava coberto de tisna de panela, emporcalhando a mão de quem lhe tocasse nas costas. Os dois ladrões não quiseram arriscar a sorte e por isso fingiram apenas que o faziam, ficando com as mãos limpas.

O rei deu muito dinheiro ao adivinhão e este voltou rico para sua terra.

(Versão registrada por Luís da Câmara Cascudo, informada por Benvenuta de Araújo, em Natal, RN).
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Fonte: Brandão, Téo. Seis contos populares do Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Folclore; Maceió, Universidade Federal de Alagoas, 1982, p.46-47.
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Amansando a mulher

Um rapaz enamorou-se de uma menina muito bonita e prendada, mas foi avisado pelos amigos de que ela possuía um grave defeito: teimava sem que ninguém a convencesse.

O rapaz, que estava gostando muito da moça, decidiu-se a pedir-lhe a mão em casamento, apesar das informações.

O futuro sogro chamou-o para uma conversa reservada e disse-lhe a mesma coisa. A filha era boa dona de casa, honesta, econômica e séria, mas teimava como jumento.

— Não se preocupe com isso — respondeu o noivo — deixe por minha conta!

Casaram-se. Foram levados para a residência preparada e todos foram embora. Os recém-casados conversaram muito e, pela meia-noite, um galo começou a cantar. O marido resmungou:

— Eu pedi ao galo que deixasse a cantiga para mais tarde.

Continuaram conversando e, de novo, o galo os interrompeu.

— Galo teimoso! Merece um castigo. Se ele cantar novamente...

O galo voltou a cantar. O rapaz segurou a espada, desembainhou-a e saiu. Voltou com o galo atravessado na lâmina da arma. Espetou-a num canto do quarto e disse para sua assombrada esposa:

— Para quem é teimoso, tenho ponta de espada!

A mulher encolheu-se toda, tremendo de medo. Nunca se atreveu a teimar. Viveram como Deus com os anjos.

O velho sogro é que ficou espantado com a obediência da filha e tanto perguntou ao genro o segredo que este lho confiou. Deliberou o velho empregar o mesmo processo e, durante a noite, assim que o galo cantou, ele deixou a cama e voltou com o pobre bicho espetado numa faca. E disse, muito sério:

— Para quem é teimoso, tenho ponta de faca!

A velha, sem se alterar, respondeu:

— Perdeu seu tempo! Mata-se o galo na primeira noite, seu bobo.
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Fonte: Jangada Brasil (Em Cascudo, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 3ª ed. Belo Horizonte / São Paulo, Editora Itatiaia / Editora da Universidade de São Paulo, 1984. Reconquista do Brasil - nova série, v. 84, p.307-308).
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Discussão por acenos

Era uma vez um sábio muito arrogante de sua inteligência e cultura e que estava convencido do sol nascer todas as manhãs exclusivamente para o seu serviço intelectual.

Foi a uma cidade próxima e desafiou todos os literatos do lugar para uma discussão pública. Queria mostrar que somente ele sabia o que todos ignoravam.

Num colégio de padres os professores ficaram atarantados com o desafio e tristes com a impossibilidade de aceitá-lo. Demais a mais, o sábio declarara disputar sem palavras, por mímica, apenas agitando as mãos e pondo posições aos dedos. Quem ia enfrentar uma maravilha destas?

Pois, senhores, um criado dos padres, labrego finório, analfabeto e ladino, foi-se oferecer para discutir com o sábio. Os padres tentaram dissuadi-lo mas como teimasse, vestiram-no decentemente, esperando apenas a desgraça do atrevido.

Multidão, autoridades, jornalistas, devotos de novidades, basbaques, gente com o foguete na mão para gloriar o intruso mal educado. Frente a frente, em duas tribunas de mogno, os antagonistas. O sábio e o criado dos padres.

O sábio olha o adversário e, lentamente, estende o dedo indicador, como se admoestasse. Vai o labrego e estira os dois dedos. Pasmo do sábio. Balança a cabeça aprobativamente. Estira três dedos, em garfo, no ar. O criado, de cara feia, cerra o punho e exibe-o como se fosse lutar. O sábio saúda-o. Mete a mão na túnica de veludo e mostra uma maçã. O criado retira do bolso um pão e agita-o, como respondendo. O sábio cumprimenta, desce da tribuna e declara que seu antagonista respondera muitíssimo bem às questões apresentadas.

— Quais foram essas questões, mestre? — perguntam todos.

— Mostrei um dedo! Deus é uno. Respondeu-me com os dois que tinha duas pessoas distintas. Retruquei serem três, fechou o punho mostrando-me a unidade da divindade trina. Mostrei-lhe a maçã com que Eva se perdeu. Mostrou-me o pão com que Cristo salvou a todo nós...

No colégio, cercado de agrados e festas, o criado explicava ao seu modo, a polêmica.

— Imaginem que aquele doido ameaçou-me furar um olho com o dedo. Mostrei que tinha dois dedos para vazar-lhe os dois olhos. Botou os três para riscar-me a cara. Faço com a mão para dar-lhe um bom murro. Aí o homem amansou e ofereceu-me uma maçã. Mostrei-lhe o pão para provar que não precisava do presente. Não fez mais nada, desceu e veio abraçar-me. É doido varrido!...

É uma história bem antiga. Já estava escrita há seiscentos anos quase. Vem da Idade Média espanhola, de um dos mais vivos, sugestivos e pitorescos espíritos da época. João Ruís, Arcipresta de Hita, arcebispado de Toledo, nasceu em 1283 e faleceu em 1350. Há dele apenas um volume de versos, histórias e exemplos, Libro de buen amor, muito reeditado. A minha edição argentina da Espasa Caipe, Buenos Aires, 1945. Ouviu ao povo ou há gente impressa?

Esta disputa do sábio com o rústico está às páginas 20-21.

Os gregos, conta o Arcipreste de Hita, disseram aos romanos que ensinariam suas leis depois de uma discussão por sinais. Mandassem uma delegação para o desafio. Vestiram um malandro de Roma e mandaram-no para a Grécia.

O grego mostrou ao romano o polegar. O romano mostrou três dedos, o polegar sobre o indicador e o médio. O grego mostrou a mão aberta. O romano, o punho fechado. Nada mais. Tradução do grego: Deus é uno. Mas em três distintas pessoas. Tem tudo à sua vontade divina. Porque tinha poder para criar e castigar (punho fechado). Tradução do romano: Um dedo para um olho, dois dedos para os dois olhos e o polegar para machucar-lhe os dentes. Daria uma palmada. Responderia com um murro.

Falta, como se vê, a exibição dos alimentos. Mas em resumo, a história era popular em Espanha quase dois séculos antes do Brasil ser encontrado...
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Luís da Câmara Cascudo
Cascudo, Luís da Câmara. "Discussão por acenos". Tribuna de Petrópolis. 31 de dezembro de 1949.
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