Sonhou a noite inteira. Pesadelos tremendos, pesadelo com dragão, caída
em abismos profundos, estas bossas. Bem que a mulher avisou que não
devia comer salsicha no jantar. Se havia duas coisas que não combinavam
era salsicha e seu estômago.
Quando comia salsicha no almoço, sentia que a distinta passava o dia
inteiro no estômago, agora vocês façam uma ideia do que acontecia quando
comia e ia dormir. Os pesadelos vinham um atrás do outro. Acordava
suado, a tremer de medo. Era obrigado a levantar-se várias vezes durante
a noite, tomar antiácidos.
Desta vez a salsicha levou-o a um estranho sonho. Talvez ande muito
preocupado com a revolução, não sei. O fato é que, depois de uma das
muitas vezes em que se levantou agitado, tornou a deitar e dormiu para
sonhar que não havia mais emprego civil no país. Eram todos militares:
os chefes de serviço nas repartições, os presidentes de autarquia, os
ocupantes de cargos públicos.
Mas isto era o de menos: em seu pesadelo percebia que todos eram
militares: a orquestra da boate era uma banda militar, o porteiro do
restaurante era um general, o homem do elevador era um capitão e assim
por diante.
De repente, mesmo dormindo, deu uma gargalhada. A mulher sacudiu-o para
acordar, pensando que ele tinha ficado maluco. Acordou e contou o
estranho sonho à mulher:
— Todo mundo era militar — explicou ele, ainda estremunhado.
— Mas você riu de que? — quis saber a mulher.
— É que no sonho, eu passei em frente a uma boate e tinha um cartaz na
porta escrito: “Hoje sensacional “strip-tease”, com o Major Pereira”.
Fonte: Jornal "Última Hora", de 23/04/1964 — Coluna de Stanislaw Ponte Preta / Desenho: Jaguar.