Estudos
constataram que o uso do limão estimula a produção do carbonato de
potássio no organismo, promovendo a neutralização da acidez do meio
humoral, pois o ácido cítrico presente no limão é transformado durante a
digestão e comporta-se como um alcalinizante, ou seja, um neutralizante
da acidez interna. Além disso, os diversos sais do limão se convertem
em carbonatos e bicarbonatos de cálcio, potássio, entre outros, que
aumentam a alcalinidade do sangue.
Quando tomado pela manhã em jejum, descongestiona e desintoxica o
organismo. É útil no combate às diversas patologias reumáticas e
artríticas, além de aumentar a excreção de ácido úrico, uréia e ácido
fosfórico. Regenera os tecidos inflamados das mucosas, estimulando o
funcionamento normal de todos os órgãos do aparelho digestivo.
Nas afecções gastrintestinais, os ácidos do limão destroem os germes e
as bactérias nocivas que se libertam e contribuem para gerar ulcerações.
Ainda combate as fermentações e os gases. É amigo do pâncreas, expurga e
tonifica o fígado e a vesícula.
Relativamente ao aparelho geniturinário, bem como ao sistema
cardiovascular, é igualmente um poderosíssimo eliminador de toxinas e um
tônico privilegiado. Tem, assim, ação que impede e neutraliza a
proliferação das tão temidas afecções arterioscleróticas.
Gargarejos do seu suco fresco são benéficos para todos os tipos de
afecções do trato nasofaríngeo, bem como para laringites e gengivites.
Inalado (puro ou diluído), é um bom desinfetante nas rinites e
sinusites.
Indicações de uso interno
Asma, enfisema (paralelamente com a terapia do limão, deve-se reduzir o consumo de proteínas).
Infecções pulmonares, tuberculose pulmonar e óssea, bronquite crônica, constipação e gripe.
Afecções cardiovasculares, varizes e flebites.
Fragilidade capilar, dermatites, prurido, eczema e despigmentação.
Doenças infecciosas (coadjuvante no tratamento de mononucleoses, leucocitoses, blenorragias, sífilis, etc.).
Febre (infusão de folhas de limoeiro e/ou cascas do fruto, podendo juntar-se o suco).
Gastrite, dispepsias e aerofagias (também se podem mastigar finas lascas da casca).
Úlceras de estômago e do duodeno, esofagite de refluxo.
Insuficiência hepática e pancreática, icterícia e congestão hepática (utilização e quantidade adaptadas a cada caso).
Disenteria, diarréia, febre tifóide e hemorróidas.
Colite, meteorismo e parasitas intestinais (ralar a casca do limão e fervê-la em água, com ou sem açúcar).
Fortalecimento da visão, glaucoma e hipertensão ocular.
Hemorragias, hemofilia e escorbuto.
Astenia, anemias e desmineralização (aumenta a capacidade imunológica).
Amamentação, obesidade e disfunções metabólicas (reequilibrante).
Hipertensão arterial, hipotensão arterial (regulador da pressão).
Afecções do sistema nervoso (fortalece e equilibra. As flores do limoeiro são também muito benéficas).
Diabetes, leucemia (preventivo), cancro (preventivo), enfarte (preventivo), trombose, embolia (preventivo).
Esclerose, arteriosclerose, doenças reumáticas e artrite.
Descalcificação, linfatismo e ascites.
Retenções urinárias e litíase urinária e biliar.
Indicações de uso externo
Cefaléias (colocar compressas embebidas em sumo na fronte e nas têmporas).
Febre do feno, sinusites e anginas.
Hemorragias nasais e otite.
Estomatite, glossite, afta e sifílides bucais.
Blefarites, terçóis e herpes.
Dermatoses (erupções, furúnculos, etc.), feridas infectadas e picadas de inseto.
Verrugas, seborréia facial.
Unhas quebradiças e pés sensíveis (friccionar com sumo ou polpa).
Queda do cabelo (fazer lavagens e fricções do couro cabeludo com o sumo puro).
Tonificante corporal (juntar suco de limão espremido à água do banho).
Fontes: http://www.ahau.org/curalimao.0.html; http://curapelanatureza.blogspot.com/2008/02/o-poder-de-cura-do-limo.html
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
O poder de cura do limão
O vinho e o sedentarismo
O
exercício pode ser servido em uma garrafa... de vinho. Um antioxidante
presente em altas quantidades nas uvas e no vinho tinto, o resveratrol,
evita os efeitos negativos de uma vida sedentária no organismo, segundo
uma pesquisa americanae publicada pela revista FASEB Journal.
Os cientistas realizaram os estudos submetendo um grupo de ratos a um
ambiente sedentário, que limitasse o movimento. A um grupo forneceram
resveratrol.
Os roedores, de maneira natural, começaram a sofrer diminuição de massa e
força muscular e geraram resistência à insulina. Também apresentaram
uma baixa de minerais e debilidade nos ossos. No entanto, os roedores
que tomaram resveratrol, apesar do pouco movimento físico, não
desenvolveram consequências negativas.
- "Existem dados e informações de como o corpo humano precisa de
atividade física, mas, para alguns de nós, ter essa atividade não é tão
simples assim", explica Gerald Weissmann, editor chefe da revista,
fazendo referência aos astronautas submetidos a falta de gravidade, ou a
pessoas doentes obrigadas a não se moverem na cama durante sua
convalescença e inclusive a trabalhadores que passam muitas mais horas
que o recomendado sentados no escritório.
- "O resveratrol não é um substituto do exercício, mas pode diminuir o
processo de deterioração até que o indivíduo possa voltar a se
movimentar", acrescenta Weissmann.
Fonte: Eureka Alert/NDIG
História da caneta esferográfica
O
jornalista húngaro Laszlo Biro conhecia bem os problemas das canetas
normais e, enquanto visitava a redação de um jornal, ele teve a idéia de
criar uma caneta que utiliza uma tinta de secagem rápida, em vez da
tinta da Índia.
Observando que a tinta do jornal saía imediatamente seca e quase nunca
borrava, Biro se dedicou a criar um novo tipo de instrumento de escrita
que utilizasse uma tinta semelhante.
Para evitar que sua caneta entupisse com uma tinta espessa, propôs o uso
de uma pequena esfera de metal que rolava em uma extremidade do tubo
onde estava esta tinta de secagem rápida. A esfera então teria duas
funções: agir como um protetor para impedir que a tinta secasse e
permitir que a tinta fluísse para fora da caneta a uma velocidade
controlada.
Em 1938, Biro e seu irmão Georg, que era químico, entraram com um pedido
de patente junto ao Departamento Europeu de Patentes. Laszlo Biro teve
que deixar a Hungria e recebeu a patente em Paris. Começou então a
produzir os primeiros modelos comerciais, as canetas Biro.
Posteriormente, o governo britânico comprou os direitos da caneta
patenteada para que pudessem ser utilizadas pela tripulação da Força
Aérea Real. Além de serem mais resistentes que as convencionais, as
canetas esferográficas funcionam em grandes altitudes onde há menos
pressão (canetas tinteiro convencionais vazavam nessas circunstâncias).
Seu desempenho de sucesso para a Força Aérea Real colocou a caneta Biro
sob os holofotes, e durante a Segunda Guerra Mundial, a caneta
esferográfica foi amplamente utilizada pelos militares.
Nos Estados Unidos, a primeira caneta esferográfica de sucesso a ser
produzida comercialmente, que viria a substituir a caneta tinteiro
comum, foi apresentada por Milton Reynolds, em 1945. Vinha com uma
pequena esfera que liberava uma tinta pesada e gelatinosa sobre o papel.
As Canetas Reynolds foram divulgadas como “a primeira caneta que
escreve debaixo d’água”. Reynolds vendeu 10 mil das canetas que criou
logo que foram lançadas. Essas primeiras canetas eram caras (cerca de
US$ 10 cada), principalmente por causa da nova tecnologia.
Em 1945, as primeiras canetas esferográficas acessíveis foram fabricadas
quando o francês Marcel Bich desenvolveu um processo industrial de
fabricação de canetas que reduzia significativamente o custo por
unidade. Em 1949, Bich lançou suas canetas na Europa. Deu a elas o nome
“BIC”, uma versão abreviada do seu nome que seria fácil de lembrar. Dez
anos depois, a BIC vendeu suas primeiras canetas no mercado
norte-americano.
No início, os consumidores relutavam em comprar uma caneta BIC, já que
tantas outras canetas haviam sido lançadas sem sucesso no mercado dos
EUA por outros fabricantes. Para acabar com essa relutância, a empresa
BIC criou uma campanha em rede nacional de televisão para contar aos
consumidores que esta caneta esferográfica “escreve logo de cara,
sempre!” e que seu preço era de apenas US$ 0,29. A BIC também lançou
anúncios de TV que mostravam as canetas sendo atiradas de rifles,
amarradas a patins de gelo e até montadas sobre britadeiras. Após um
ano, a concorrência forçou a queda de preços para US$ 0,10 por caneta.
Hoje, a empresa BIC fabrica milhões de canetas esferográficas por dia.
Fonte: casa.hsw.uol.com.br
Assombrações de Agosto
Chegamos
a Arezzo pouco antes do meio-dia, e perdemos mais de duas horas
buscando o castelo renascentista que o escritor venezuelano Miguel Otero
Silva havia comprado naquele rincão idílico da planície toscana.
Era um domingo de princípios de agosto, ardente e buliçoso, e não era
fácil encontrar alguém que soubesse alguma coisa nas ruas abarrotadas de
turistas.
Após muitas tentativas inúteis voltamos ao automóvel, abandonamos a
cidade por uma trilha de ciprestes sem indicações viárias, e uma velha
pastora de gansos indicou-nos com precisão onde estava o castelo. Antes
de se despedir, perguntou-nos se pensávamos dormir por lá, e
respondemos, pois era o que tínhamos planejado, que só íamos almoçar.
- Ainda bem - disse ela -, porque a casa é assombrada.
Minha esposa e eu, que não acreditamos em aparições de meio-dia,
debochamos de sua credulidade. Mas nossos dois filhos, de nove e sete
anos, ficaram alvoroçados com a idéia de conhecer um fantasma em pessoa.
Miguel Otero Silva, que além de bom escritor era um anfitrião esplêndido
e um comilão refinado, nos esperava com um almoço de nunca esquecer.
Como havia ficado tarde não tivemos tempo de conhecer o interior do
castelo antes de sentarmos à mesa, mas seu aspecto visto de fora não
tinha nada de pavoroso, e qualquer inquietação se dissipava com a visão
completa da cidade vista do terraço florido onde almoçávamos.
Era difícil acreditar que naquela colina de casas empoleiradas, onde mal
cabiam noventa mil pessoas, houvessem nascido tantos homens de gênio
perdurável. Ainda assim, Miguel Otero Silva nos disse com seu humor
caribenho que nenhum de tantos era o mais insigne de Arezzo.
- O maior - sentenciou - foi Ludovico.
Assim, sem sobrenome: Ludovico, o grande senhor das artes e da guerra,
que havia construído aquele castelo de sua desgraça, e de quem Miguel
Otero nos falou durante o almoço inteiro. Falou-nos de seu poder imenso,
de seu amor contrariado e de sua morte espantosa. Contou-nos como foi
que num instante de loucura do coração havia apunhalado sua dama no
leito onde tinham acabado de se amar, e depois atiçou contra si mesmo
seus ferozes cães de guerra que o despedaçaram a dentadas.
Garantiu-nos, muito a sério, que a partir da meia-noite o espectro de
Ludovico perambulava pela casa em trevas tentando conseguir sossego em
seu purgatório de amor.
O castelo, na realidade, era imenso e sombrio. Mas em pleno dia, com o
estômago cheio e o coração contente, o relato de Miguel só podia parecer
outra de suas tantas brincadeiras para entreter seus convidados. Os 82
quartos que percorremos sem assombro depois da sesta tinham padecido
de todo tipo de mudanças graças aos seus donos sucessivos.
Miguel havia restaurado por completo o primeiro andar e tinha construído
para si um dormitório moderno com piso de mármore e instalações para
sauna e cultura física, e o terraço de flores imensas onde havíamos
almoçado. O segundo andar, que tinha sido o mais usado no curso dos
séculos, era uma sucessão de quartos sem nenhuma personalidade, com
móveis de diferentes épocas abandonados à própria sorte. Mas no último
andar era conservado um quarto intacto por onde o tempo tinha esquecido
de passar. Era o dormitório de Ludovico. Foi um instante mágico. Lá
estava a cama de cortinas bordadas com fios de ouro, e o cobre-leito de
prodígios de passamanarias ainda enrugado pelo sangue seco da amante
sacrificada.
Estava a lareira com as cinzas geladas e o último tronco de lenha
convertido em pedra, o armário com suas armas bem escovadas, e o retrato
a óleo do cavalheiro pensativo numa moldura de ouro, pintado por algum
dos mestres florentinos que não teve a sorte de sobreviver ao seu
tempo. No entanto, o que mais me impressionou foi o perfume de morangos
recentes que permanecia estancado sem explicação possível no ambiente
do dormitório.
Os dias de verão são longos e parcimoniosos na Toscana, e o horizonte se
mantém em seu lugar até as nove da noite. Quando terminamos de
conhecer o castelo eram mais de cinco da tarde, mas Miguel insistiu em
levar-nos para ver os afrescos de Piero della Francesca na Igreja de
São Francisco, depois tomamos um café com muita conversa debaixo das
pérgulas da praça, e quando regressamos para buscar as maletas
encontramos a mesa posta. Portanto, ficamos para jantar.
Enquanto jantávamos, debaixo de um céu de malva com uma única estrela,
as crianças acenderam algumas tochas na cozinha e foram explorar as
trevas nos andares altos. Da mesa ouvíamos seus galopes de cavalos
errantes pelas escadarias, os lamentos das portas, os gritos felizes
chamando Ludovico nos quartos tenebrosos.
Foi deles a má idéia de ficarmos para dormir. Miguel Otero Silva
apoiou-os encantado, e nós não tivemos a coragem civil de dizer que não.
Ao contrário do que eu temia, dormimos muito bem, minha esposa e eu
num dormitório do andar térreo e meus filhos no quarto contíguo. Ambos
haviam sido modernizados e não tinham nada de tenebrosos.
Enquanto tentava conseguir sono contei os doze toques insones do relógio
de pêndulo da sala e recordei a advertência pavorosa da pastora de
gansos. Mas estávamos tão cansados que dormimos logo, num sono denso e
contínuo, e despertei depois das sete com um sol esplêndido entre as
trepadeiras da janela. Ao meu lado, minha esposa navegava no mar
aprazível dos inocentes.
“Que bobagem”, disse a mim mesmo, “alguém continuar acreditando em
fantasmas nestes tempos.” Só então estremeci com o perfume de morangos
recém-cortados, e vi a lareira com as cinzas frias e a última lenha
convertida em pedra, e o retrato do cavalheiro triste que nos olhava há
três séculos por trás na moldura de ouro.
Pois não estávamos na alcova do térreo onde havíamos deitado na noite
anterior, e sim no dormitório de Ludovico, debaixo do dossel e das
cortinas empoeirentas e dos lençóis empapados de sangue ainda quente de
sua cama maldita.
Outubro de 1980.
Um história horripilante
O
capitão Miguel tinha apenas um braço, que lhe servia para ajeitar seu
cachimbo. Era um velho lobo do mar, que conheci em Toulon, junto com
outros marujos inveterados, numa tarde, tomando um aperitivo no terraço
de um café do Dique Velho.
Adquirimos o costume de nos reunir, próximos das taças, das águas
alvoroçadas e das lanchas dançarinas, à hora em que o sol se põe na
baía de Tamaris.
O capitão Miguel era o único que nunca contava coisa alguma e, como o que ouvia não lhe causava nenhum assombro, acabou por exasperar os outros:
- Sim - respondeu o capitão olhando para mim, que pela primeira vez o via tirar o cachimbo da boca - sim, me aconteceu uma vez!
- Então conte!
- Não!
- Por quê?
- Porque é demasiadamente horrorosa. Vocês não poderiam me escutar; já por algumas vezes tentei contá-la, mas todos se afastavam antes que chegasse ao fim.
Os quatro velhos lobos do mar riram às gargalhadas e concordaram que sem dúvida o capitão Miguel procurava dar muita importância ao fato assustando as pessoas para que não contasse coisa nenhuma porque, talvez, nada de tão horroroso lhe tivesse acontecido.
O capitão fitou-os por alguns instantes, depois, numa atitude insólita de largar o seu cachimbo na mesa, olhou uma a um com os olhos faiscando:
- Senhores - anunciou solenemente - vou lhes contar como perdi o meu braço!
E começou a contar:
- Naquela época, isto há uns vinte e cinco anos, eu tinha em Mourillon uma casinha herdada da minha família, que vivera muito tempo naquele povoado, onde eu nasci. Gostava de descansar, entre as longas viagens, naquele recanto. Me afeiçoei ao local onde a vizinhança, formada de marinheiros e empregados das colônias, era tranqüila e os moradores só se deixavam ver nos finais da tarde. Divertiam-se aos seus modos, fumando ópio com suas amigas e outras atividades que lhe agradavam, mas que não me interessavam. Cada um tem lá seus hábitos, não é mesmo?
"Numa noite precisei alterar meus hábitos de dormir. Um tumulto estranho, cuja natureza eu não conseguia identificar, me fez despertar sobressaltado. Como sempre, minha janela ficava aberta e assombrado eu escutava aquele ruído estranho, que parecia uma mistura de tambor com o ribombar do trovão... Mas que tambor! Mais de duzentas baquetas pareciam martelar, não a pele esticada no tambor, mas a madeira diretamente...
"Este estrépito saía da vivenda em frente, que estava abandonada há cinco anos, onde tinha visto na véspera uma placa: "Vende-se".
"Da janela do meu quarto, minha vista, passando por cima da cerca do jardim que rodeava aquela casa, enxergava todas as portas e janelas, mesmo as do pavimento térreo. Ainda estavam fechadas, como as tinha visto naquele dia. Mas vi luz nos vãos das madeiras do térreo. Quem poderia ter entrado naquela casa abandonada nos arredores de Mourillon? Que bando poderia entrar ali e que malandragem estariam planejando?
"Aquele ruído infernal continuava, sem cessar. Durou até a madrugada, quando no umbral da porta surgiu, com a cabeça descoberta, a criatura mais linda que já vi na minha vida. Graciosa e vestida com trajes de baile, ela carregava uma lanterna, que me permitia ver seus ombros de deusa. Sorria docemente e pude ouvi-la claramente ao se despedir, pois então tudo silenciara:
- "Adeus, querido; até o ano que vem..."
"Mas com quem ela falava? Não me foi possível descobrir porque não vi ninguém perto dela. Esperara, com a lanterna na mão, que a porta do jardim se abrisse e então não vi mais nada. A porta da vivenda se fechou e a escuridão não permitiu que eu visse qualquer coisa.
"Estranhei e admiti que talvez tivesse sonhado, pois tinha a certeza de que era impossível uma pessoa atravessar o jardim sem que eu a visse.
"Fiquei parado junto à janela, sem entender o que tinha acontecido, quando a porta da vivenda se abriu novamente e apareceu a mesma belíssima criatura, ainda sozinha e com a lanterna na mão.
- "Shiuuu!" - disse - "Fiquem calados!... Não vamos acordar o vizinho... eu os acompanho."
"Silenciosa e só, ela atravessou o jardim até a porta, onde batia em cheio a luz da lanterna, tanto que vi perfeitamente o trinco da porta girar, sem que alguém a tocasse. A porta se abriu sozinha, diante da mulher que não demonstrou surpresa. Posso garantir que eu estava colocado de maneira a ver, ao mesmo tempo, o que se passava dos dois lados da porta.
"A 'celestial aparição' acenou com um movimento da cabeça, como se agradecesse à escuridão da noite e depois disse sorrindo:
- "Vá! Adeus! Até o ano que vem!... Meu marido está muito satisfeito. Ninguém faltou à reunião... Adeus, senhores!... "
"Logo várias vozes responderam as saudações, repetindo:
- "Adeus, senhora!... Adeus, senhora!... Até o ano que vem!...
"E como se a misteriosa dama se dispusesse a fechar a porta, ouvi:
- "Por favor, não se incomode!...
"E a porta se fechou sozinha...
"O espaço encheu-se, por um instante, de pios dum bando de passarinhos... cuí... cuí... cuí... e foi como se aquela bela mulher tivesse aberto uma gaiola cheia de pardais.
"Ela então caminhou calmamente para a sua casa, olhando o jardim à sua volta. Ao chegar à vivenda, ela perguntou:
- "Já subiste, Geraldo?
"Não ouvi a resposta, mas a porta da vivenda fechou-se novamente... e poucos minutos depois as luzes se apagaram completamente.
"Às oito da manhã eu ainda permanecia na minha janela contemplando como um bobo o jardim e a vivenda nas quais tinha visto coisas tão singulares naquela noite e que, ante a luz do sol, me parecia uma velha vivenda abandonada.
"Quando falei, com a minha empregada da época, das estranhas cenas que havia presenciado, me acusou de ter fumado algumas cachimbadas a mais. Então aproveitei a oportunidade, pois nunca fumo ópio e já estava cansado daquela mulher que vinha sujar a minha casa durante duas horas por dia, e a despedi. Ainda mais porque no dia seguinte retornaria ao mar.
"Mal tive tempo de arrumar minhas malas, fazer algumas compras, despedir-me dos amigos e tomar o trem para o Havre, onde um novo contrato com a Transatlântica me manteria longe de Toulon por cerca de onze a doze meses.
"Regressei à Mourillon sem ter falado com ninguém a respeito do que havia acontecido, mas não deixei de pensar naquela mulher por um instante. Sua imagem carregando aquela lanterna me perseguia e as palavras de despedida dos amigos ressoavam nos meus ouvidos constantemente:
-"Vá! Adeus!... Até o ano que vem!"
"Pensei naquele encontro todos os dias. Resolvi por minha conta que iria descobrir a chave daquele mistério, custasse o que custasse, que podia levar à loucura um homem como eu que não acredita em aparições ou fantasmas de qualquer tipo.
"Ah! Depressa havia de me convencer de que nem no céu, nem no inferno, tinham qualquer coisa a ver com aquela espantosa aventura..."
O capitão Miguel parou para dar um gole e viu que ouvintes estavam atentos. E continuou:
- Às seis horas da tarde cheguei na minha casa de Mourillon. Era a antevéspera do aniversário da famosa noite. A primeira coisa que fiz ao entrar em casa foi correr à janela do andar superior e abri-la. Então vi uma mulher, de estonteante beleza, passeando calmamente pelo jardim, bem à minha frente, colhendo flores. Com o ruído que fiz, ergueu a cabeça. Era a dama da lanterna! Estava tão linda de dia como na noite em que a vi. Tinha a pele branca como os dentes de um negro do Congo, os olhos tão azuis como o mar de Tamaris e os cabelos loiros tão macios como nenhuma roca já afiou. Por que não confessar? Ao ver aquela mulher, na qual não havia deixado de pensar durante um ano, meu coração acelerou. Ah, não era uma ilusão de uma mente enferma! Estava de fato ali, diante de mim! Pelos seus cuidados, todas as janelas da casa estavam abertas, enfeitadas com flores.
"Então me viu e se mostrou contrariada. Continuou pela alameda principal do seu pequeno jardim e, dando de ombros, conformada, ouvi dizer:
- "Vamos para casa, Geraldo! O tempo está esfriando..."
"Olhei para todos os lados e não vi ninguém. Com que ela falava? Com ninguém... Estaria louca? Não parecia. Vi que ela se dirigiu diretamente para a casa. Fechou a porta atrás de si e, em seguida, todas as janelas.
"Naquela noite não vi nem ouvi mais nada. No dia seguinte, lá pelas dez horas, vi quando ela saiu em traje de passeio, atravessou o jardim, fechou o portão, com a chave, e seguiu o caminho para Toulon. Desci também e, ao primeiro que encontrei, apontei-lhe a elegante silhueta perguntando se sabia o nome daquela mulher.
- "Claro que sim! É a sua vizinha, que mora com o marido na vivenda Makoko. Mudaram-se para ela há um ano, quando o senhor foi embora. São muito esquisitos. Nunca dirigem a palavra a ninguém e não falam senão o necessário. Mas o senhor bem sabe que em Mourillon cada qual vive à sua maneira, sem causar espanto. De modo que o capitão..."
- "Capitão?"
- "Sim, o capitão Geraldo, o marido... Segundo parece, o marido é um capitão aposentado da infantaria da marinha... Bem, ninguém nunca o viu... À vezes, quando tive que levar alguma compra à casa deles e não está a senhora, ouço ele gritar, lá de dentro, mandando deixar as coisas na porta. E para vir buscar as compras, espera que a gente se afaste."
"Como vocês podem compreender, minha curiosidade ia aumentando. Fui a Toulon para interrogar o engenheiro que havia alugado a vivenda ao casal. Também nunca havia visto o marido, mas sabia que se chamava Geraldo Beauvisage. Ao ouvir esse nome quase deixei escapar um grito, pois eu o conhecia muito bem! Era um velho amigo, oficial da infantaria da marinha, e não o via há vinte e cinco anos, desde que saíra de Toulon. Certamente era ele! Agora eu tinha um pretexto para me apresentar em sua casa e cumprimentá-lo, especialmente na data do seu aniversário, quando esperava os amigos.
"Ao regressar a Mourillon vi bem à minha frente o perfil da minha vizinha. Apressei-me para o passo e a cumprimentei.
- "Senhora, tenho a honra de falar com a esposa do capitão Geraldo Beauvisage?"
"Ela continuou como se não tivesse me escutado."
- "Sou seu vizinho, sou o capitão Miguel Albano,"- insisti.
-"Ah!" - exclamou ela. -"Desculpe-me cavalheiro. Capitão Miguel Albano? Meu marido falou muitas vezes do senhor."
"Ela estava perturbada, o que a fazia ainda mais encantadora. Mas eu continuei, a despeito da vontade de se afastar que ela demonstrava.
- "Senhora, como pôde o capitão Beauvisage regressar à França, sem participar ao seu velho amigo? Eu lhe agradeceria se dissesse ao capitão que irei abraçá-lo nesta noite mesmo!"
"Ela não parou nem um instante e agitou-se ainda mais após as minhas palavras. Era uma atitude bastante incomum.
- "Impossível!" - exclamou. - "Impossível Esta noite... Eu prometo que vou dizer ao Geraldo que o vi hoje, mas é a única coisa que posso fazer hoje... O Geraldo não quer ver ninguém... Ninguém mesmo. Vivemos isolados. Alugamos esta casa porque nos disseram que a de frente, a sua, só era ocupada uma ou duas vezes ao ano, durante poucos dias, e que mal se via..."
"E acrescentou, implorando:
- "É importante que perdoe o Geraldo, e por favor, não insista. Nunca vemos ninguém!"
- "Mas senhora," - insisti, contrariado. - "O capitão Geraldo costuma receber alguns amigos e nesta noite esperam os mesmos convivas do ano passado..."
"Ela não conteve um grito:
- "Ah! Isso não é o normal! São amigos excepcionais!"
"Após essas palavras ela se afastou rapidamente, mas parou logo adiante.
- "Pelo amor de Deus! - suplicou. - Pelo amor de Deus não venha nesta noite!"
"Em seguida desapareceu atrás da cerca. Eu entrei na minha casa com o cuidado de não olhar pela janela que dava para o jardim. Mas, escondido, vigiei-os o dia todo, constatando que não saíram de lá o dia todo. Bem antes do amanhecer vi que as janelas foram fechadas e pelas frestas notei aquela mesma luminosidade, tudo o que tinha vislumbrado um ano antes. Faltava apenas o barulho dos trovões e do tambor de madeira.
"Às oito horas me vesti, as últimas palavras da sra. Beauvisage vieram reforçar a minha ansiedade e a decisão de comparecer à festa, certo de que ele não se atreveria me por na rua. Vesti o meu fraque e fiquei na dúvida se levava ou não o meu revólver. Acabei achando tolice carregá-lo e acabei deixando-o em casa.
"A tolice foi não levá-lo.
"Na entrada da vivenda Makoko girei a aldrava, que no ano anterior tinha visto girar sozinha, e surpreendentemente ela se abriu. Estavam, então, esperando alguém...
"Atravessei o pequeno jardim entre os canteiros floridos. Chegando à porta, bati.
- "Entre" - gritou alguém.
"Reconheci a voz de Geraldo e entrei. Cheguei num vestíbulo e avistei o salão iluminado mas sem ninguém. Então chamei-o:
- "Geraldo! Sou eu! Miguel Albano, teu velho caramada!"
- "Ah! Ah Ah! Então se decidiste a vir, meu caro! Neste instante estava dizendo à minha mulher que teria um grande prazer em vê-lo. Mas só a ele e aos nossos amigos excepcionais... Sabe que você não mudou quase nada?"
"Difícil é descrever o meu espanto. Ouvia-o perfeitamente, mas não o via! Sua voz parecia estar ao meu lado, mas junto de mim não havia ninguém! O salão estava completamente vazio!
"A voz continuou:
- "Sente-se! Minha mulher deve vir aí, porque esqueceu de mim em cima da lareira..."
"Então vi, lá em cima do topo da lareira, um busto. Era aquele busto que falava, e parecia o Geraldo. Era um busto como os escultores costumam fazer, sem os braços. Ele continuou a falar:
- "Infelizmente não vou poder te abraçar, meu caro Miguel, porque, como pode ver, não tenho braços, mas você, pode me ajudar e me colocar em cima da mesa. Minha mulher me deixou aqui num momento de mau humor, porque a atrapalhava para limpar a sala. Segundo ela... Ah! Minha mulher é uma maravilha..."
"E o busto riu para valer.
"Tive a impressão de que havia ali, como nos circos, um jogo de espelho que nos fazia crer que homens perfeitos parecessem anões e lindas mulheres se transformassem em verdadeiros monstros. Mas depois de carregá-lo colocando-o sobre a mesa, me convenci que aquele tronco sem braços e pernas era realmente o que restava daquele oficial arrogante que em outros tempos conhecera.
"Dos ombros saíam uns ganchos que permitiam que ele se movimentasse, e até conseguia saltar da mesa para a cadeira e depois para o chão. Saltou durante um tempo, pulando sobre a cadeira e retornou para a mesa, com surpreendente agilidade e alegria. Depois da exibição parou na minha frente, rindo às gargalhadas.
"Consternado, eu não sabia o que fazer e ficava apenas surpreso com aquele malabarismo insólito. Parou na minha frente com um sorriso inquietante:
- "Estou mudado, não é verdade? Não me reconhece, meu caro... Mas fez bem em vir aqui esta noite, vamos nos divertir... Vamos receber nossos amigos excepcionais, porque além desses amigos não quero ver ninguém, nunca mais! Questão de amor-próprio! Pois nem temos empregados... Bom, espere-me aqui, vou vestir um smoking.
"Saiu e a esposa apareceu em seguida. Vestia o mesmo traje de gala do ano passado. Ao me ver empalideceu e me disse a meia voz:
- "Meu Deus, o senhor veio! Fez muito mal, capitão... Passei ao meu marido o recado que me pediu... Mas o senhor veio, apesar do meu pedido! Quando ele soube que o senhor morava aqui em frente me mandou convidá-lo... Mas não fiz isso e tinha bons motivos para não fazer!
"Ela estava bastante confusa e me parecia esconder alguma coisa, quando continuou:
- "Esta noite vamos receber nossos amigos excepcionais, que às vezes são muito impróprios... Fazem muito barulho, discutem... Deve ter ouvido no ano passado! Pois bem, me prometa que sairá bem cedo...
- "Prometo sim, senhora - prometi, com a sensação de que algo de terrível pairava no ar. - Mas poderia me informar por que encontro o capitão nesse estado? Que tragédia lhe ocorreu?
- "Nenhuma , cavalheiro, nenhuma...
- "Como? Nenhuma? A senhora não sabe o que aconteceu com ele para perder suas pernas e braços? Sem dúvida aconteceu depois do seu casamento.
- "Não, senhor! Casei com o capitão como está agora. Mas, por favor me desculpe, tenho que ajudar o meu marido a se vestir, os convidados não devem demorar...
"Deixou-me sozinho, aniquilado por um pensamento: o capitão havia se casado naquele estado! Logo ouvi um ruído, aquele mesmo curioso cuí... cuí... cuí... que me intrigara no ano anterior e que seguia os passos da dama da lanterna até a porta do jardim. O ruído se avolumou até entrar na sala, na forma de quatro carrinhos, cada um trazendo um aleijado, todos eles sem braços e pernas, vestidos em traje de gala, com bordados dourados. Olhavam para mim, dois deles através de seus óculos de ouro, outro, de monóculos, e, o que parecia ter melhor visão, me dirigia um olhar de surpresa e contrariedade. Mas os quatro me saudaram os seus ganchos, perguntando pelo capitão Geraldo e informei que estava se vestindo, acompanhado pela Sra. Beauvisage. Percebi que se surpreenderam ao me referir à senhora com tanta familiaridade; seus olhos se cruzaram carregados de ironia e escarninho.
- "Hum! Hum!" - fez o aleijado de monóculo. - "Pelo visto o senhor é amigo do capitão!
"Todos riram, com boa dose de deboche, e iniciaram a falar quase todos ao mesmo tempo:
- "Queira desculpar, por favor! Oh! É natural que nos surpreenda ao vê-lo na casa deste bizarro capitão que, no dia do seu casamento, jurou retirar-se para o campo e não ver mais ninguém... Ninguém, a não ser os seus "amigos excepcionais". Entende? Quando um homem está todo deformado, como o capitão, é normal que pretenda ficar a sós com a mulher, ainda mais tão linda! É muito natural... muito natural... Mas afinal, se encontrou um amigo decente, mesmo que não seja aleijado, tanto melhor...
"Oh! Meu Deus, como eram estranhos aqueles gnomos!... Eu os fitava, sem dizer uma palavra... E foram chegando outros, de dois em dois, de três em três. Apenas um chegou sozinho. Todos me encaravam com surpresa, insegurança ou ironia.
"Diante de tantos aleijados, eu pensei que fosse enlouquecer. Mas se por um lado eu entendia o fenômeno de união dos aleijados, não conseguia explicação para o relacionamento deles com aquela formosa criatura que chegou a se casar com aquele farrapo humano.
"Parte das minhas dúvidas primárias estavam resolvidas, como por exemplo, que seria impossível alguém passar na estreita alameda do jardim, abrir e fechar o portão sem que pudesse vê-lo da minha janela. E mesmo o trinco da porta não teria mistério se eu soubesse que era acionado por aqueles ganchos invisíveis, como também aquele cuí... cuí... que tanto me intrigara. E, finalmente, aquele ribombo de trovão e o rufar de tambores de madeira que nada mais eram do que o barulho dos carrinhos e daqueles ganchos ao bater no chão, quando se punham a dançar depois do lauto jantar.
"Pois bem, tudo se explicava. Mas este pobre coitado aqui ia se surpreender ainda mais...
"Quando apareceram a sra. Beauvisage e seu marido, a recepção foi uma gritaria ensurdecedora acompanhada de um rufar dos ganchos sobre os carrinhos e o piso. Havia aleijados por todos os cantos, nas cadeiras, nas mesas... Um deles permanecia como um Buda, encarapitado numa prateleira; outro dava saltos incríveis. A maior parte me tratava cortesmente e pareciam pessoas distintas, portando títulos e medalhas. Soube depois que muitos dos nomes eram falsos, o que, para mim, era perfeitamente aceitável. Lord Wilmore era o que melhor se exibia, com sua barba dourada e o belo bigode que alisava com o seu gancho; tinha uma postura nobre e não ficava pulando de um móvel para outro, como os demais, nem dava rasantes como um morcego gigante.
- "Só esperamos o doutor - anunciou a dona da casa, que, de vez em quando me olhava com indisfarçável preocupação, voltando logo a sorrir para os seus convidados.
"Aí chegou o doutor.
"Também era aleijado, mas ainda tinha os dois braços, e ofereceu um deles para acompanhá-la à sala de jantar. Devo explicar que a dona da casa alcançou apenas a ponta dos seus dedos.
"A comida já estava servida, mas as janelas hermeticamente fechadas. Grandes candelabros iluminavam a mesa, cheia de flores e de enfeites. Ruidosamente, os aleijados saltaram para suas cadeiras e começaram a fincar seus ganchos nas travessas. Não era um espetáculo agradável e me deu enjôo ver a voracidade com que aqueles homens-troncos comiam.
"De repente se acalmaram, e com seus ganchos suspensos, se voltaram para a Sra. Beauvisage, que estava ao lado do marido. Ela se inclinava sobre o prato e percebi seu olhar assustado, enquanto ele voltava a bater seus ganchos, agitado, como a pedir silêncio:
- "Bem, meus amigos, tenham paciência... Nem sempre se tem a sorte que tivemos no ano passado! Mas não se preocupem, porque, com um pouco de imaginação, vamos nos divertir ainda mais...
"E olhando nos meus olhos, ergueu seu copo:
- "Saúde! A você, Miguel, e a todos os presentes...
"Todos repetiram seu gesto, agarrando seus copos com seus ganchos, formando uma estranha coreografia. Geraldo ergueu-se o quanto pôde e novamente se dirigiu à mim:
- "Você não está muito a vontade, meu caro! Nos conhecemos quando você era mais alegre e falante. Será que é porque nos vê neste estado? Mas o que esperava? Cada um tem que seguir a vida como pode. Nos reunimos aqui com os amigos para que possamos rir, se lembrando dos tempos felizes, mesmo que tendo nos deixado assim... Não é verdade tripulantes do Dafne? - acrescentou ele voltando-se para o grupo.
O capitão Miguel soltou um suspiro profundo:
- Então o meu antigo companheiro explicou que, viajando no Dafne, um navio a vapor, naufragou nos mares do Extremo Oriente, e, como todos os presentes, se tornou um náufrago. Como toda a tripulação se salvou tomando os botes salva-vidas, todos eles ficaram abandonados numa balsa improvisada.
- Recolheram ainda uma bela jovem, a srta. Madje, depois sra. completando treze pessoas perdidas no mar, sem água doce e alimento. Em oito dias estavam para morrer. Foi então, como na lenda da Nau Catarineta, que resolveram jogar na sorte para ver quem seria sacrificado.
Austero, acrescentou:
- Senhores! Coisas como essas certamente acontecem mais vezes do que se pensa, e o mar deve ter assistido muitas vezes essas antropofagias...
"Então, assim se preparavam para jogar na sorte quando o doutor se manifestou e anunciou que havia conservado o seu estojo de cirurgia e propôs: "Será inútil que um de nós se exponha a ser comido por inteiro. Vamos sortear inicialmente os braços ou as pernas, à escolha, e depois veremos como se apresenta o dia. Talvez surja uma vela no horizonte...
Quando chegou nesse ponto os quatro velhos lobos do mar, que até então não o haviam interrompido, começaram a se manifestar:
- Bravo! Muito bom... Bravo! - falou alto Chaulieu.
- Como? Bravo? - estranhou o capitão.
- Sim! Bravo! É muito boa a sua história. Agora vão ser cortados aos poucos, as pernas, os braços... É realmente uma história boa, mas é que nada tem de horripilante...
- Falando sério? Parece engraçada? - perguntou o capitão, enraivecido. - Pois bem... mas estou certo de que se algum de vocês tivesse ouvido o relato do que aconteceu por aqueles aleijados, cujos olhos brilhavam como vulcões, certamente teriam achado menos engraçado! E se tivessem visto como se agitavam nas suas cadeiras... entrechocando seus ganchos como se estivessem numa festa, alegres e brincalhões! Não vejo coisa mais espantosa e horripilante!
- Espera, - interrompeu Chaulieu. - Não! O teu relato nada tem de horripilante! É simplesmente engraçado porque é lógico. Deixe-me contar o final... Me diga se não é assim... Os da balsa tiraram sorte, que caiu para a mais linda, ou seja, a perna da srta. Madje. Teu amigo, o capitão, que é um homem corajoso e galante, ofereceu a dele e fez cortar os quatro membros para que a jovem permanecesse inteira! Certo?
- Sim, meu amigo, foi isso mesmo... Assim mesmo! - exclamou o capitão Miguel com ganas de arrebentar a cara daqueles que achavam graça naquela história. - Sim... e falta acrescentar que, quando a sorte designou o capitão Geraldo, e se pensou em cortar os da Srta. Madje, porque já não se tinha na balsa outros membros senão os seus, ele deixou-se cortar, rente ao tronco, os cotos que lhe tinham ficado na primeira operação.
- E a srta. Madje nada podia fazer senão lhe oferecer aquela mão que ele tão heroicamente lhe havia conservado - declarou Zinzin.
- Realmente! - rugiu o capitão. - E isso lhes parece engraçado...
- E comeram tudo cru? - perguntou o imbecil do Bagatela.
O capitão deu um soco tão forte na mesa que jogou os copos pela chão.
- Basta! - gritou. - Calem-se! O que contei é só o começo! Agora é que vem o terrível!
Os quatro, que se entreolharam sorrindo, mas ao perceberem, no entanto, que outros se interessavam pelo fim da história, silenciaram.
- Sim, o terrível meus senhores - continuou o capitão Miguel, pausadamente, com um ar sombrio. - O horripilante é que aqueles homens, que foram salvos um mês depois por uma traineira chinesa, conservaram a afeição à carne humana...
Ninguém sorriu dessa vez, ante o olhar tétrico do capitão, que continuou:
- Ao voltarem à Europa, decidiram reunir-se uma vez por ano para renovar o abominável festim! Ah! Meus senhores, logo pude compreender... Percebi a acolhida pouco entusiasta dos pratos que a sra. Beauvisage servia... Apenas as fatias grelhadas de atum foram aceitas com algum prazer, pois como disse o médico, estavam bem cortadas e pelo menos o visual enganava.
"Quando o um dos aleijados comentou que aquela comida não podia se comparar com o 'pedreiro', senti me congelar, porque me lembrei que no ano anterior, naquela época, um pedreiro que caíra dum telhado, fora encontrado sem um dos braços.
"Assim, pude imaginar qual era o papel da minha bela vizinha naqueles banquetes... Me inclinei para observá-la e vi que vestia luvas, que lhe cobriam os braços completamente, e uma capa, que escondia seus ombros. O médico, meu vizinho, que era o único entre todos que possuía braços, também vestiu luvas.
"Reconheço que, ao invés de procurar as razões daquela extravagância, deveria ter seguido os conselhos da sra. Beauvisage. Mas não consegui interpretar seus olhares que pareciam às vezes de carinho, às vezes de compaixão.
"Aqueles homenzinhos agitados faziam uma barulheira com seus ganchos batendo nos copos, vaidosos pelo prazer que usufruíam, ao mesmo tempo em que se recriminavam mutuamente pelos fatos acontecidos. Lord Wilmore chegou a se atracar com o aleijado de monóculo. A dona da casa tentou acalmá-los na medida do possível, esclarecendo que nem sempre se poderia conseguir um banquete como desejavam.
- Oba! - interrompeu Dorat, o velho lobo do mar. - Oba! Isso também é engraçado...
Temi que o capitão se atirasse sobre ele, ainda mais porque os outros três se puseram a cacarejar, numa demonstração de que não estavam acreditando naquela história.
Bufando, o capitão se controlou e dirigiu-se a Dorat:
- Meu caro, ainda tens seus dois braços e não quero que perca um deles, como perdi o meu, só para mostrar que essa história não tem graça nenhuma...
Os amigos se calaram e o capitão continuou:
- Os aleijados tinham bebido muito e alguns deles subiram na mesa e me rodeavam olhando meus braços, o que imediatamente me levou a escondê-los. Na mesma medida, a ferocidade do comportamento deles se acirrou e procurei me afastar da mesa, onde poderia ser alcançado por eles. Bastou esse movimento de recuar a cadeira, se descobrindo sob os punhos da minha camisa a brancura da minha pele, para que dois ganchos afiados se cravassem no meu punho, rasgando a minha carne! Eu apenas lancei um grito lancinante...
- Nossa! Chega capitão! - exclamei, interrompendo-o. - É uma história horripilante mesmo, mas já vou indo porque isso vai me virar o estômago...
- Não senhor! - bradou o capitão. - Agora fique, porque vou terminar a história horripilante que fez rir quatro imbecis...
Olhou para cada um dos quatro velhos lobos do mar, que se asfixiavam com os esforços que faziam para não rir, e continuou:
- Quando se tem sangue de grego nas veias, é para toda a vida... e o que nasceu em Marselha nunca irá acreditar em coisa nenhuma! Assim, estou falando só com você, meu jovem! Não tenha medo que serei brando nos assuntos mais chocantes... afinal, tenho-o como um cavalheiro!
O capitão voltou-se para mim, quase dando as costas para os outros quatro:
- O meu martírio foi tão rápido que só me recordo que todos me cercavam, gritando como selvagens, alguns estimulando e outros reclamando. Tentei escapar, mas fui derrubado... Então senti que aqueles ganchos horríveis rasgavam a minha pele e extraíam a minha carne... como num açougue!
Devo ter feito um gesto de repulsa porque ele imediatamente se desculpou:
- Sim... Sim... vou suprimir detalhes... Como prometi...
Esboçou um sorriso e continuou:
- Aliás, mais detalhes não lhe poderia mesmo dar porque não assisti a operação, pois o médico me aplicou uma mordaça com algodão cloroformizado. Quando voltei à mim, estava na cozinha com um braço a menos... Os aleijados estavam lá, à minha volta e entre eles reinava plena harmonia, sonolentos. Foi horrível constatar que eles estavam me digerindo... Amarrado, largado no piso da cozinha, não podia me mover; ouvia-os apenas. Geraldo, antigo camarada, satisfizera-se e agradeceu-me, sem saber se eu podia ouvi-lo: "Ah! Meu caro Miguel, jamais imaginei que nos daria esse prazer..."
"Não vi a sra. Beauvisage, mas participara do festim, porque a ouvi perguntar a Geraldo:
- "Que tal a sua parte?"
- "Muito boa... Boa mesmo. Já acabei...
"Satisfeitas as suas paixões, aqueles monstros caíram na realidade e compreenderam a gravidade do crime que cometeram e logo partiram estabanadamente. Largaram abertas as portas e desapareceram. Jamais os vi ou ouvi falar deles. Ninguém veio me acudir senão passados quatro dias, quando eu já me aproximava da morte...
"Aqueles miseráveis não me tinham deixado senão os ossos!
O silêncio das Sereias
Prova de que até os meios insuficientes - infantis mesmo - podem servir à salvação:
Para se defender das sereias, Ulisses tapou os ouvidos com cera e se fez
amarrar ao mastro. Naturalmente - e desde sempre - todos os viajantes
poderiam ter feito coisa semelhante, exceto aqueles a quem as sereias
já atraíam à distância; mas era sabido no mundo inteiro que isso não
podia ajudar em nada.
O canto das sereias penetrava tudo e a paixão dos seduzidos teria
rebentado mais que cadeias e mastro. Ulisses porém não pensou nisso,
embora talvez tivesse ouvido coisas a esse respeito. Confiou plenamente
no punhado de cera e no molho de correntes e, com alegria inocente, foi
ao encontro das sereias levando seus pequenos recursos.
As sereias entretanto têm uma arma ainda mais terrível que o canto: o
seu silêncio. Apesar de não ter acontecido isso, é imaginável que alguém
tenha escapado ao seu canto; mas do silêncio certamente não. Contra o
sentimento de ter vencido com as próprias forças e contra a altivez daí
resultante - que tudo arrasta consigo - não há na terra o que resista.
E de fato, quando Ulisses chegou, as poderosas cantoras não cantaram,
seja porque julgavam que só o silêncio poderia conseguir alguma coisa
desse adversário, seja porque o ar de felicidade no rosto de Ulisses -
que não pensava em outra coisa a não ser em cera e correntes - as fez
esquecer de todo e qualquer canto.
Ulisses no entanto - se é que se pode exprimir assim - não ouviu o seu
silêncio, acreditou que elas cantavam e que só ele estava protegido
contra o perigo de escutá-las. Por um instante, viu os movimentos dos
pescoços, a respiração funda, os olhos cheios de lágrimas, as bocas
semiabertas, mas achou que tudo isso estava relacionado com as árias que
soavam inaudíveis em torno dele.
Logo, porém, tudo deslizou do seu olhar dirigido para a distância, as
sereias literalmente desapareceram diante da sua determinação, e quando
ele estava no ponto mais próximo delas, já não as levava em conta.
Mas elas - mais belas do que nunca - esticaram o corpo e se contorceram,
deixaram o cabelo horripilante voar livre no vento e distenderam as
garras sobre os rochedos. Já não queriam seduzir, desejavam apenas
capturar, o mais longamente possível, o brilho do grande par de olhos
de Ulisses. Se as sereias tivessem consciência, teriam sido então
aniquiladas. Mas permaneceram assim e só Ulisses escapou delas.
De resto, chegou até nós mais um apêndice. Diz-se que Ulisses era tão
astucioso, uma raposa tão ladina, que mesmo a deusa do destino não
conseguia devassar seu íntimo. Talvez ele tivesse realmente percebido -
embora isso não possa ser captado pela razão humana - que as sereias
haviam silenciado e se opôs a elas e aos deuses usando como escudo o
jogo de aparências acima descrito.
O abutre
Era
um abutre que me dava grandes bicadas nos pés. Tinha já dilacerado
sapatos e meias e penetrava- me a carne. De vez em quando, inquieto,
esvoaçava à minha volta e depois regressava à faina. Passava por ali um
senhor que observou a cena por momentos e me perguntou depois como eu
podia suportar o abutre.
- É que estou sem defesa - respondi. - Ele veio e atacou-me. Claro que
tentei lutar, estrangulá-lo mesmo, mas é muito forte, um bicho destes!
Ia até saltar-me à cara, por isso preferi sacrificar os pés. Como vê,
estão quase despedaçados.
- Mas deixar-se torturar dessa maneira! - disse o senhor. - Basta um tiro e pronto!
- Acha que sim? - disse eu. - Quer o senhor disparar o tiro?
- Certamente - disse o senhor. - É só ir a casa buscar a espingarda. Consegue agüentar meia hora?
- Não sei lhe dizer. - respondi.
Mas sentindo uma dor pavorosa, acrescentei:
- De qualquer modo, vá, peço-lhe.
- Bem - disse o senhor. - Vou o mais depressa possível.
O abutre escutara tranqüilamente a conversa, fitando-nos alternadamente.
Vi então que ele percebera tudo. Elevou-se com um bater de asas e
depois, empinando-se para tomar impulso, como um lançador de dardo,
enfiou-me o bico pela boca até ao mais profundo do meu ser. Ao cair
senti, com que alívio, que o abutre se engolfava impiedosamente nos
abismos infinitos do meu sangue.
Diante da lei
O guarda afasta-se então da porta da Lei, aberta como sempre, e o homem curva-se para olhar lá dentro. Ao ver tal, o guarda ri-se e diz. -”Se tanto te atrai,, experimenta entrar, apesar da minha proibição. Contudo, repara, sou forte. E ainda assim sou o último dos guardas. De sala para sala estão guardas cada vez mais fortes, de tal modo que não posso sequer suportar o olhar do terceiro depois de mim”.
O homem do campo não esperava tantas dificuldades. A Lei havia de ser acessível a toda a gente e sempre, pensa ele. Mas, ao olhar o guarda envolvido no seu casaco forrado de peles, o nariz agudo, a barba à tártaro, longa, delgada e negra, prefere esperar até que lhe seja concedida licença para entrar. O guarda dá-lhe uma banqueta e manda-o sentar ao pé da porta, um pouco desviado.
Ali fica, dias e anos. Faz diversas diligências para entrar e com as suas súplicas acaba por cansar o guarda. Este faz-lhe, de vez em quando, pequenos interrogatórios, perguntando-lhe pela pátria e por muitas outras coisas, mas são perguntas lançadas com indiferenca, à semelhança dos grandes senhores, no fim, acaba sempre por dizer que não pode ainda deixá-lo entrar. O homem, que se provera bem para a viagem, emprega todos os meios custosos para subornar o guarda. Esse aceita tudo mas diz sempre: -”Aceito apenas para que te convenças que nada omitiste”.
Durante anos seguidos, quase ininterruptamente, o homem observa o guarda. Esquece os outros e aquele afigura ser-lhe o único obstáculo à entrada na Lei. Nos primeiros anos diz mal da sua sorte, em alto e bom som e depois, ao envelhecer, limita-se a resmungar entre dentes. Torna-se infantil e como, ao fim de tanto examinar o guarda durante anos lhe conhece até as pulgas das peles que ele veste, pede também às pulgas que o ajudem a demover o guarda.
Por fim, enfraquece-lhe a vista e acaba por não saber se está escuro em seu redor ou se os olhos o enganam. Mas ainda apercebe, no meio da escuridão, um clarão que eternamente cintila por sobre a porta da Lei. Agora a morte está próxima.
Antes de morrer, acumulam-se na sua cabeça as experiências de tantos anos, que vão todas culminar numa pergunta que ainda não fez ao guarda. Faz-lhe um pequeno sinal, pois não pode mover o seu corpo já arrefecido. O guarda da porta tem de se inclinar até muito baixo porque a diferença de alturas acentuou-se ainda mais em detrimento do homem do campo. -”Que queres tu saber ainda?”, pergunta o guarda. -”És insaciável”.
-”Se todos aspiram a Lei”, disse o homem. -”Como é que, durante todos esses anos, ninguém mais, senão eu, pediu para entrar?”. O guarda da porta, apercebendo-se de que o homem estava no fim, grita-lhe ao ouvido quase inerte: -”Aqui ninguém mais, senão tu, podia entrar, porque só para ti era feita esta porta. Agora vou-me embora e fecho-a”.
(Este conto também faz parte da parte final do livro “O Processo”).
Histórias de assombrações e bruxas
Contou-me um narrador de histórias de assombrações, que um casal jovem depois de um ano de feliz matrimônio, ganhou uma linda criança, a qual ao completar cinco anos, adoeceu.
O sintoma da doença era o seguinte: as mãos cruzadas sobre o peito, o corpo manchado de roxo e ao anoitecer desatava num choro que metia dó, principalmente nas sextas-feiras.
Pessoas idosas, entendidas em doenças de bruxarias, quando viram aquela criança no estado lastimável em que se encontrava não tiveram dúvidas em afirmar aos pais, que todos aqueles sintomas eram, verdadeiramente, a confirmação de que as malvadas bruxas a estavam perseguindo.
Uma daquelas pessoas entendidas em assuntos bruxólicos aconselhou ao jovem pai que devia procurar uma benzedeira e não um médico, como queria a mãe da criança, pois este não entenderia nada daquela doença causada pelas forças misteriosas das terríveis mulheres que vêm a este mundo com a triste sina de ser bruxa.
No sítio, a conselho das pessoas mais velhas que são acatados com todo respeito, o casal resolveu chamar uma velha benzedeira, muito afamada na cura de crianças embruxadas.
A velha benzedeira, ao entrar na casa e pôr as vistas sobre a criança doente, desatou a bocejar tanto, que quase ficou sem poder falar por muitos minutos, mas logo que se recuperou, voltou-se para o casal e disse-lhes: "Esta criança está embruxada por bruxas muitos perigosas, de grandes poderes diabólicos. Recebi toda carga do seu poder maligno, no meu corpo, logo que entrei nesta casa, para enxotá-la daqui".
Tomou um breve que trazia no bolso do vestido, benzeu a criança e aconselhou aos pais que fizessem o seguinte remédio:
Na sexta-feira daquela semana, ao anoitecer, tomassem uma ceroula do pai, colocassem-na em cruz em cima da criança, rezassem um Credo de trás para diante em cima da ceroula, colocassem um pires com água e dentro um pedaço de cera virgem e a chave da fechadura da porta da entrada, e ficassem de vigília.
No momento em que a criança chorasse, era o sinal de que as bruxas a estariam chupando o sangue e, portanto, o pai devia pegar a cera virgem que estava no pires e introduzi-la no buraco da fechadura, para que assim as bruxas ficassem presas dentro de casa e aguardassem, ali, o canto do galo preto para ser descoberto o fado.
As bruxas, que andavam chupando aquela criança, eram moradoras do mesmo lugar e duas das quais primas irmãs da mãe da criança doente.
Naquela semana, elas fizeram uma reunião numa casa abandonada e mal-assombrada, para desenvolver o poder do fado em uma moça nova, muito feia e rude, que começaria a cumprir a sina pela primeira vez.
Para poderem voar por cima das árvores e entrar pelo buraco da fechadura, além de despirem toda roupa e esconderem-na nas tocas das bananeiras, grutas, e debaixo dos paneiros de canoas de pescadores e untarem todo o corpo com unto virgem, elas devem pronunciar certíssimas as seguintes palavras: "Por cima do silvado e por debaixo do telhado".
A reunião que elas fizeram naquela semana foi para ensinar à bruxa praticante que o canto do galo branco e amarelo não lhes quebra o encanto, mais sim o do galo preto.
Que as palavras "Por cima do silvado e por debaixo do telhado" não podem ser pronunciadas ao contrário, senão perderão uma noite de atividades diabólicas.
Na mesma reunião, combinaram irem todas, inclusive a bruxa nova, chuparem a criança na casa onde a velha benzedeira tinha mandado fazer a armadilha com a ceroula.
Naquela sexta-feira, dia combinado, depois de prontas para entrarem em estado fadórico a bruxa velha pronunciou as palavras do encanto e mandou que todas respondessem certo, mas a bruxa nova respondeu ao contrário, estragando assim, as atividades da noite.
Devido o engano da bruxa nova, não puderam atingir o objetivo visado que era chupar a criança.
Em vez de passarem por cima do silvado, passavam por debaixo, e em vez de passarem por debaixo do telhado ficavam por cima.
Cansadas de tanto voar e não conseguirem entrar no buraco da fechadura, para chuparem o sangue da criança, resolveram pousar sobre o telhado da casa.
Devida a benzedeira da velha e as armadilhas que se achavam dentro de casa, elas ficaram presas sobre o telhado e foram surpreendidas em estado de encanto, pelo canto do galo preto.
No momento em que elas pousaram sobre o telhado da casa, a criança começou a chorar, e o pai então tratou de introduzir a cera virgem no buraco da fechadura. e ficou aguardando o canto do galo preto, quando se daria justamente, o desencanto das bruxas.
Logo que o galo preto cantou, elas se desencantaram, em cima da casa e não dentro como o homem esperava, isto devido a bruxa nova ter pronunciado as palavras de encanto ao contrário.
Mal se desencantaram, viram-se presas pela armadilha que estava dentro de casa e começaram a chorar.
O dono da casa, que estava de vigília, logo que ouviu o choro, abriu a porta da casa e saiu para o quintal, a fim de ver onde era o choro, quando, qual não foi sua surpresa, ao deparar com aquele quadro tétrico sobre o telhado da sua casa.
Apavorado pelo que viu, chamou a mulher e alarmou os vizinhos que acudiram assustados.
Colocaram uma escada e fizeram-nas descer.
O dono da casa foi na cozinha, apanhou um rabo de tatu que estava no moeiro, deu uma surra em cada uma até deixar caída por terra.
A surra foi tão violenta que, para curar os ferimentos tiveram que usar água com sal bem forte e cachaça com ervas.
Florianópolis, 16 de janeiro de 1957
Fonte:: http://contosassombrosos.blogspot.com