Era
um abutre que me dava grandes bicadas nos pés. Tinha já dilacerado
sapatos e meias e penetrava- me a carne. De vez em quando, inquieto,
esvoaçava à minha volta e depois regressava à faina. Passava por ali um
senhor que observou a cena por momentos e me perguntou depois como eu
podia suportar o abutre.
- É que estou sem defesa - respondi. - Ele veio e atacou-me. Claro que
tentei lutar, estrangulá-lo mesmo, mas é muito forte, um bicho destes!
Ia até saltar-me à cara, por isso preferi sacrificar os pés. Como vê,
estão quase despedaçados.
- Mas deixar-se torturar dessa maneira! - disse o senhor. - Basta um tiro e pronto!
- Acha que sim? - disse eu. - Quer o senhor disparar o tiro?
- Certamente - disse o senhor. - É só ir a casa buscar a espingarda. Consegue agüentar meia hora?
- Não sei lhe dizer. - respondi.
Mas sentindo uma dor pavorosa, acrescentei:
- De qualquer modo, vá, peço-lhe.
- Bem - disse o senhor. - Vou o mais depressa possível.
O abutre escutara tranqüilamente a conversa, fitando-nos alternadamente.
Vi então que ele percebera tudo. Elevou-se com um bater de asas e
depois, empinando-se para tomar impulso, como um lançador de dardo,
enfiou-me o bico pela boca até ao mais profundo do meu ser. Ao cair
senti, com que alívio, que o abutre se engolfava impiedosamente nos
abismos infinitos do meu sangue.
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
O abutre
por Franz Kafka
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