"Há alguns meses, participei de uma reunião dos Alcoólatras Anônimos em Fortaleza. Fui dar uma força para o meu tio, que passou a vida bebendo, e resolveu parar, antes que fosse tarde. Fui para rever o tio querido e aproveitei para matar minha curiosidade. Como deve ser uma reunião da turma que está enfrentando um desafio tão difícil quanto parar de beber? Escrevi até uma crônica, que deve estar em um desses arquivos. Meu tio recebeu a medalha: estava há um ano sem beber. sei que ele segue firme, mas não é fácil.
O que vi naquela pequena noite foi que duas coisas pesam bastante neste momento crucial, que é a decisão de parar de beber. Primeiro, se o cara é alcoólatra mesmo, se a bebida entrou nos ossos e nas células, parar de repente implica numa luta contra algo de muitos anos. Depois, os amigos não ajudam em nada, porque tudo é levado na esportiva, e socialmente, a bebida está em tudo que é lado. Na verdade, os amigos deveriam frequentar também o AA, para ver como o negócio é barra. Escrevo neste tom de brincadeira, mas sei que o negócio não é fácil.
Basta o sujeito dizer que parou de beber, que tudo fica esquisito. Você vira a esquina, encontra um grande amigo que não via há anos. Após o abraço, as perguntas iniciais sobre o que tem feito, se está casado, se tem filhos, vem a frase:
“Rapaz, vamos tomar uma cervejinha para comemorar”.
Quando o camarada resolve parar de beber, os aniversários se multiplicam, os batizados pipocam de segunda a sábado, todos os conhecidos decidem casar no mesmo mês, pelo singelo motivo de oferecer um coquetel aos amigos. Seu time resolve passa a jogar praticamente todo dia. Basta você entrar no estádio, que um amigo está com a latinha na mão:
“Pega logo tua cerveja, que estou nervoso”.
Os amigos são inimigos brutais de qualquer tentativa de parar de beber. Basta você sentar numa mesa animada e pedir um guaraná, que o mundo cai.
“Que frescura do caralho!”, diria Joãozinho Peruca.
“Tas feito fresco agora, é?”, frase típica do João Valadares.
“Só quer ser o diferente”, comentário do César Maia.
“Esse cara está com problemas”, diria Osvaldo Titio.
“Tu tas com problema em casa, meu irmão?”, frase típica de Naná.
Para dar o drible nos amigos, o melhor sistema é dizer a lapidar frase:
“Estou dando um tempinho”.
Olham para você atravessado, surgem muxoxos, mas nada que chegue a magoar, porque fica no ar a certeza de que é algo passageiro, que você vai se recuperar logo, e voltar às atividades copísticas.
Meu amigo Davi passou seis meses sem beber. Pedia um refrigerante num copo longo e dizia aos amigos que tinha Rum Montilla. Ele sabia que o clamor popular não permitiria tanto tempo longe dos gramados.
Josmar Jozino, meu dileto companheiro de redação, em São Paulo, parou de beber e aderiu à Kronnenbeer, aquela cerveja horrível, sem álcool. Funciona bem, porque ele vai bebendo e ficando com aquela voz pastosa, de quem bebeu de verdade. Na verdade, ele sente o gosto da cerveja, e parece que faz efeito. Psicologicamente funciona, é o que importa.
Com Seu Vital não deu certo. Ele parou de beber à força, indicaram a tal Kronnembeer, ele resolveu arriscar. E três dias, tomou 54 latinhas. Foi vetado pelo departamento médico. Voltou à cerveja original.
O grande perigo de quem bebe e dá um tempo, é aquela sede que o cara tem quando volta. Naná, amigo de longas jornadas, passou oito dias sem beber, e no domingo passado voltou às atividades. Amigos, o copo não ficava cheio dois minutos! O gordinho voltou com aquele sede retroativa.
Dois lugares são pouco recomendáveis para quem está querendo parar de beber - o bar de Seu Vital, no Poço da Panela, e minha turma de amigos do Monte Castelo, em Fortaleza. Nos dois lugares, o clima é todo favorável à manguaça. Em Vital, aquela conversa fiada, o botequim das antigas, a cerveja que agora está saindo estranhamente gelada, o dominó manhoso etc.
No Monte Castelo, os amigos de adolescência, o churrasco no jardim da minha casa, o cozidão que minha mãe prepara, a alegria que ela fica olhando os amigos todos juntos.
Aí é fogo. A mãe contente porque o filho está no jardim de casa, bebendo com os velhos amigos, não dá nem para o sujeito pensar em parar.
Farei o teste."
(Para o tio Ademar, que deu a volta por cima, com ou sem a ajuda dos amigos).
Alcoolismo é a dependência do indivíduo ao álcool, considerada doença pela Organização Mundial da Saúde. O uso constante, descontrolado e progressivo de bebidas alcoólicas pode comprometer seriamente o bom funcionamento do organismo, levando a conseqüências irreversíveis. A pessoa dependente do álcool, além de prejudicar a sua própria vida, acaba afetando a sua família, amigos e colegas de trabalho. Um bom dia para todos!