quinta-feira, 1 de março de 2012

A revolta vacum

 Aconteceu no Rio Grande do Sul, onde a vaca abunda. E isto é mais sintomático ainda, pois as reações das classes produtoras nos seus centros de origem dão muito maior trabalho, para contornar a crise.

No lugar chamado Viamão, um distinto agricultor foi ferido a bala por uma vaca. Não foi crime passional, mas ninguém pode — em sã consciência — afirmar que não tenha sido o primeiro passo para uma revolução causada por pressão econômica ou talvez pela eterna injustiça da exploração da vaca pelo homem.

O agricultor — Sr. Heitor Barcelos Nunes — foi ordenhar a sua vaca e, em meio à tarefa, deve ter chateado a bichinha, pois esta largou-lhe um coice bem dado. O Heitor meteu uma ginga pro lado, para não ser atingido, mas foi pior a "amêndoa do que a sineta" — como diz o Ibrahim. A pata da vaca foi alcançar o revólver de Heitor e a arma disparou, tendo Heitor ido para o hospital onde, felizmente, foi posto fora de perigo.

Ora, ser ferido por uma vaca é coisa corriqueira. Chifre de vaca então vive ferindo gente, embora muita gente com chifre fique ferida por causa da vaca, enfim. .. deixa isso pra lá. Onde é que eu estava mesmo? Ah sim... pois é, o cara ser ferido a tiros por uma vaca é coisa inédita e tanto pode ser simples acidente como também o início de uma revolução.

Não é segredo para ninguém que a vaca vem sendo exploradíssima pelos tubarões do leite e da carne. No Rio Grande então, nem se fala. A vaca gaúcha, em matéria de coitada, só está perdendo para nordestino, embora este não tenha carnes e nem seja de dar leite.

Não é de hoje que os especuladores vêm fazendo da vaca a verdadeira mártir da economia nacional. Essas coisas um dia acabam por levar a classe oprimida à reação. Possivelmente esta vaca é a líder da revolução que aí vem. 

Ou eles dão uma colher-de-chá a essas coitadas opressas, ou então vai ter. Com as vacas armadas o leite vai secar, com as vacas armadas eu quero ver quem aumenta o preço do filé. Resta agora a declaração da turma da direita, dizendo que quem está fornecendo armas para as vacas são os comunistas.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975

A cachaça é nossa

Esta aqui no circunspecto matutino: "Em virtude do grande interesse que diversas firmas importadoras no exterior têm demonstrado através de cartas e solicitações, o Itamaraty enviou para os escritórios; do SEPRO, em Nova Iorque, Londres e Berna, amostras de aguardente brasileira, fabricadas em vários Estados e de várias marcas".

A gente lê uma coisa dessas e fica a imaginar a cara enjoada daquela turma do Itamaraty, que só bebe champanha e uísque do bom, tendo que elogiar a nossa proverbial cachaça, para os estrangeiros interessados nela.

O sucesso da cangibrina no exterior é ponto pacífico. É só os gringos provarem o chamada capote-de-pobre para ficar freguês. Principalmente se for daquela pura que-só-alma-de-moça-donzela.

Mas a notícia dá mais detalhes. Diz ainda: "Por outro lado, o Ministério das Relações Exteriores pediu às firmas exportadoras e fabricantes brasileiros, que estejam interessados, o envio de mostruários e preços de suas cachaças". E então vem a idéia de traduzir o produto para o inglês, que é língua universal e vai ajudar a vender o produto.

Estive aqui a relembrar algumas marcas de cachaça e, para ajudar a indústria nacional, tratei de fazer algumas traduções para colocarem nos rótulos das garrafas destinadas ao exterior.

Por exemplo: "Eye of Water" (Olho d'água), "Crying at the slope" (Chora na Rampa), "Extra Grandmother" (Vovó Extra), "Big Shrimp" (Pitu), "Any One" (Qualquer Uma), "Memories of One Nine Hundred Forty" (Recordações de 1940), "Old Monkey" (Macaco Velho), "Virgin's Tear-drop" (Lágrima de Virgem), "Be quiet Lion" (Sossega Leão), "Exhalation of the Panther" (Bafo da Onça), etc, etc.

E puxa... será um bocado bacaninha ver os gringos tomando "track of lemon" (batida de limão).

Não há brasileiro que não se sinta orgulhoso ao ver um "lord" cheio de bacanidade num sofisticado clube londrino, pedindo ao garçom "aquela que matou o guarda", com o maior sotaque britânico.

— Please, waiter... give me that one who kül the policeman!
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975