terça-feira, 25 de outubro de 2011

Paulo Gracindo (Pelópidas Guimarães Brandão Gracindo), famoso artista do rádio, teatro, cinema e televisão do país, nasceu em 16 de junho de 1911, na cidade do Rio de Janeiro.

Filho de Demócrito Gracindo, que era político e que faleceu em 1928. Foi criado por sua mãe e guardou pela vida afora a educação, os modos, a nobreza de seu lar. Estudou direito, mas desde cedo quis ser ator.

Foi um dos últimos representantes da geração de intérpretes que surgiu nas novelas de rádio dos anos 40. Com uma carreira invejável, coroada de grandes sucessos, ídolo de seus colegas, costumava ser citado por eles como um dos poucos entre os chamados atores de sustentação que conseguiu colocar seu talento acima do charme dos galãs.

Gracindo foi para o Rio de Janeiro e iniciou a carreira teatral com a Companhia de Alda Garrido, tendo também integrado o elenco das principais companhias da época, como as de Procópio Ferreira, Elza Gomes e Dulcina. Ingressou na Tupi, como rádio-ator, passando em seguida para a Nacional. Foi levado pelas mãos de Olavo de Barros, diretor de teatro que também trabalhava na emissora. Interpretou personagens famosos, mas acabou conquistando o sucesso como animador de programas de auditório na década de 40.

Como essa atividade lhe rendesse bem financeiramente, Gracindo ficou anos afastado do teatro. Seguiram-se as novelas, tendo atuado no papel de Albertinho Limonta, herói do dramalhão mexicano O Direito de Nascer, considerado o maior êxito no gênero. Gracindo projetou-se ao lado de Brandão Filho num quadro humorístico que divertiu duas gerações, primeiro no rádio e depois no vídeo, o Primo Rico, que ridicularizava a vida do Primo Pobre.

Com a chegada da televisão, Gracindo levou seu programa de auditório para a TV Rio. Em 1968, transferia-se para a Rede Globo, passando a participar das telenovelas de Glória Madagan. Na emissora, foi o astro de diversas novelas, entre elas, O Bem Amado, onde personificou o prefeito Odorico Paraguaçú e chegou a atingir 70 pontos no Ibope em 1973. Em 1980, o personagem de Dias Gomes era ressuscitado e dava origem a um seriado. Nessa época, Gracindo foi o apresentador do programa 8 ou 800, ao lado de Silvia Falkenbourg.

Ainda pela Rede Globo, fez também as telenovelas A Próxima Atração, Sinal de Alerta (no papel de Tião Borges), Os Ossos do Barão (1973), O Casarão (no papel de um artista apaixonado, ao lado de Yara Cortes), Gabriela (1975, como o coronel Ramiro Bastos) e Roque Santeiro. Suas últimas aparições na TV foi na minissérie Agosto e no especial O Besouro e a Rosa, ambos em 1993.

Gracindo dedicou-se também ao cinema, com o surgimento das companhias Atlântida e Cinédia, atuando em O Meu Dia Chegará, Estrela da Manhã, João Ninguém (1937), Está Tudo Aí (1938), Anastácio (1939), Onde Estás, Felicidade? (1939), A Falecida (1965, de Leon Hirszman), Terra em Transe (1967, de Glauber Rocha), Tudo Bem (1978) e Amor Bandido (1978, de Bruno Barreto).

No teatro, trabalhou em Linhas Cruzadas, Frank Sinatra 4815, ao lado do filho em O Jogo do Crime e com Clara Nunes em Brasileiro, Profissão Esperança. Gracindo Jr. dirigiu o pai nas seguintes montagens teatrais: Paulo Gracindo - O Bem Amado (biografia teatralizada da vida do ator), Num Lago Dourado (1992) e A História é uma História (de Millor Fernandes, em 1994).

Paulo Gracindo faleceu aos 84 anos, em 4 de setembro de 1995.

Fontes: cinetvbrasil - PauloGracindo; Wikipédia - Paulo Gracindo; netsaber - Biografia de Paulo Gracindo.

Pepa Delgado

Pepa Delgado (Maria Pepa Delgado), cantora e atriz de teatro de revistas nasceu em 21/7/1887 em Piracicaba, SP e faleceu em 11/3/1945, no Rio de Janeiro, RJ. Era filha Ana Alves e do toureiro espanhol Lourenço Delgado, que se tornou fotógrafo ao chegar ao Brasil.

Em 1902 veio com o pai para o Rio de Janeiro e, aos 15 anos de idade, se tornou atriz e cantora. Entre 1902 e 1920, atuou em várias revistas encenadas no Teatro São José, no Rio de Janeiro.

Em 1905, gravou para a Casa Edison a cançoneta O abacate e o maxixe Café ideal, ambos da revista Cá e lá, com música da maestrina Chiquinha Gonzaga. No mesmo ano, gravou Um samba na Penha, da revista Avança e A recomendação, de Assis Pacheco.

Em 1912, a Columbia lançou discos seus, nos quais se lia em uma das faces: "Atriz brasileira que tem feito sucesso e arrancado (sic) de nosssas platéias as mais ruidosas manifestacoes (sic)". Em algumas dessas gravações, se apresentou cantando em duetos com Mário Pinheiro, registrando, entre outras, o tango Vatapá, de Paulino Sacramento.

Entre suas gravações, destacam-se ainda a canção Iara (Rasga o coração), de Anacleto de Medeiros e Catulo da Paixão Cearense e, principalmente, Corta-jaca (Gaúcho), de Chiquinha Gonzaga, sua gravação de maior sucesso, ao lado do cantor Mário Pinheiro.

Em 1920, casou-se com o oficial do Exército Almerindo Álvaro de Moraes, que era tesoureiro do Clube dos Democráticos, onde se tornara mais conhecido pelo apelido de Lambada.

Pepa muitas vezes saiu integrando a comissão de frente no desfile dos Préstitos da terça-feira gorda. Nesse mesmo ano seguiu com o marido para a cidade de Campos-RJ, onde se apresentou em teatros.

Encerrou sua carreira artística em 1924, aos 37 anos de idade. Foi ela quem solicitou a Fred Figner, proprietário da Casa Edison e diretor-geral da Odeon Brasileira, que doasse um terreno em Jacarepaguá para construir o Retiro dos Artistas, situado na Rua dos Artistas, ainda hoje em funcionamento.

Velho mito

Imaginem vocês a Irlanda de 1919 ou 20. Havia lá, numa cidadezinha obscura, um prefeito igualmente obscuro.

Não se notava entre ele e os demais nenhuma forte e crespa dessemelhança. Absolutamente. Não era pior nem melhor do que milhões de irlandeses, vivos ou mortos. E tinha essa mediocridade de virtudes e defeitos que exigimos do bom marido e do exemplar funcionário.

Até que, um dia, esse burocrata apagado resolve fazer um protesto contra a Inglaterra. Hoje, todo mundo protesta. Há sujeitos que acordam indignados e não sabem contra quem, nem por quê. Naquele tempo, não.

Depois de uma guerra, o mundo estava exausto do próprio ódio. Havia um tédio da violência e da paixão. Mas o homem resolveu desafiar todo o império inglês. Anunciou a greve de fome e a começou.

Claro que, em nosso tempo, as técnicas de comunicação têm uma eficácia e uma instantaneidade prodigiosas. Faz-se um gênio ou idiota, um santo ou herói em quinze minutos de fulminante promoção.

Em 1920 ou 21, porém, uma notícia ainda levava meia hora para chegar de uma esquina a outra esquina. Assim mesmo, o mundo soube, já no dia seguinte, que alguém estava morrendo pela liberdade. (Não existe, hoje, palavra mais vã, mais sem caráter, e, direi mesmo, mais pulha do que "liberdade". Como a corromperam em todos os idiomas!) Sim, o martírio do vago funcionário irlandês teve uma platéia mundial.

Dia após dia, o prefeito ia morrendo, ia agonizando nas manchetes. A Inglaterra fez o diabo para salvá-lo. Mas aquele santo nacional não se corrompeu. A morte amadurecia no seu coração atormentado e puro. Mas falei em "platéia mundial" e preciso acrescentar que eu, garoto de seis anos, de pé no chão, fui um dos espectadores. Na minha rua, em Aldeia Campista, os moradores apostavam na sua vida e na sua morte.

E quando, finalmente, ele morreu, e morreu de fome e de sede, houve uma misteriosa irritação. Quero crer que, em Aldeia Campista, o patriota irlandês só foi amado por mim. E amado porque eu era um menino, um pobre ser ainda incorrupto.

Mais tarde, compreenderia que o santo, ou herói, ou mártir, ofende e humilha os demais. Na própria Irlanda, agonizou só e morreu só. A solidão do seu gesto, até hoje, ainda me fere de espanto. Foi talvez o último herói do século. Não sei se exatamente o último. Vá lá — "o último".

Em nosso tempo, só conhecemos o heroísmo coletivo. Na guerra, não se viu uma Joana D'Arc. A heroína era Varsóvia, Roterdã, Londres ou Hiroshima. E, depois da guerra, o homem nunca mais ficou só. Cada um de nós é um comício, uma assembléia, uma unanimidade. Na hora de odiar, ou de matar, ou de morrer, ou simplesmente de pensar, os homens se aglomeram. As unanimidades decidem por nós, sonham por nós, berram por nós. Qualquer idiota sobe num pára-lama de automóvel, esbraveja e faz uma multidão.

Um camelô de caneta-tinteiro é mais ouvido do que os profetas antigos. E, quando está só, o homem começa a babar de pusilanimidade. As maiorias, as unanimidades ululantes, é que dão à nossa covardia um sentimento de onipotência.

Hoje, o prefeito irlandês seria uma rigorosa impossibilidade. Não teria sentido a sua feroz solidão. Sentiríamos falta, no episódio, da assembléia, do comício, da massa. E daí porque há, em nosso tempo, o ódio ao herói. Não existe figura mais indesejável, antiga, inválida, espectral.

Ainda há pouco, viu-se a França levantar-se contra De Gaulle. Lembro-me de uma fotografia das greves francesas. É uma rua de paralelepípedos arrancados. É como se até os paralelepípedos estivessem contra o herói. Disse eu, linhas atrás, que o prefeito irlandês, em sua inútil greve de fome, fora o último caso de heroísmo solitário. Faço a correção: — existe também De Gaulle.

Outro dia, uma estagiária do Jornal do Brasil veio perguntar-me: — "Qual a sua opinião sobre De Gaulle?". Eu poderia ter dito: — "De Gaulle é o passado". E estaria certo. O herói é o passado.

Mas como ia dizendo: — o país se levantou contra o mito. Estudantes levavam cartazes assim: — "De Gaulle assassino", "Fora De Gaulle" etc. etc. E o prodigioso é que a França foi a pátria dos heróis. Mas não se iludam. A própria França é o passado.

Diante de nós está a anti-França. No momento em que o país se matava em greves, De Gaulle fez um pronunciamento. Disse: — "Eu sou a Revolução". Mas vejam a obstinação com que ele se diz "eu". Usa uma linguagem morta, até o último vestígio. Ao se apresentar como o último "eu" do século, De Gaulle pôs entre ele e o seu povo toda uma distância irreversível.

Dirá alguém que os paralelepípedos foram repostos, que não há mais carros virados e que apagaram o incêndio da Bolsa. Por outro lado, os operários que seqüestraram os gerentes já os devolveram. Tudo isso é certo. Mas nada impede que De Gaulle seja o puro e irremediável passado. O herói está só e cada vez mais só. Sei que o resultado das eleições parece uma ressurreição. De Gaulle ganha por toda a parte. Mas é preciso ver o que há de aparente, de ilusório, de efêmero em tal vitória. São os cem dias napoleônicos.

O que se passou entre ele e o seu povo é uma incompatibilidade irremediável, fatal.

A França das assembléias, das maiorias, das unanimidades, não aceita mais o herói solitário e formidável.

De Gaulle não sabe que está morto, e faz discursos.

[27/6/1968]
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.