Provavelmente a rua Cônego Thomaz Fontes em Itajaí. Fim do século XIX ou comecinho do XX? |
E desse relato Pedro Ferreira escreveu quatro reportagens que foram publicadas nos quatro números do "Novidades" de junho de 1907. O que se segue é um resumo dessa deliciosa entrevista, velha de mais de 65 anos.
"Em 1843 em Itajaí havia apenas um pequeno palhabote, se não me engano, "Sete de Abril", que pertencia ao major e depois coronel Agostinho Alves Ramos, que fazia viagens para Desterro, e grande número de canoas, de variados tamanhos, destinadas à pesca e viagens aos rios Itajaí-Açú e Mirim e mesmo à pesca no mar".
Em todo o atual perímetro urbano contavam-se umas cinqüenta casas, entrando nesse número pequenos ranchos miseráveis, cobertos de palha, de um só compartimento, com paredes feitas apenas de ripas fincadas juntas umas das outras.
Todas as casas, salvo a do major Agostinho (a melhor que havia) que era construída de pedra, tijolos e cal, tinham as paredes externas de taipa, isto é: de pau a pique, amarrado com ripa, barreadas, sendo que só três ou quatro eram caiadas. Não havia nenhuma casa com paredes externas de tábuas, porque não havia engenhos de serras, sendo que, anos depois, Pedro Müller, pai de Lauro Müller, se ocupava de serrar madeira à mão.
Quem primeiro montou e ensinou a montar engenhos de serrar madeiras em Itajaí foi um francês, que veio de Tijucas, de nome José Bosfire.
O major Agostinho tinha uma olaria ao sopé do último morro que fica à esquerda de quem vai pela estrada de Brusque. Mas a telha era muito ruim e quem queria boa telha mandava buscá-la em Paranaguá e custava caro: 60$000 o milheiro.
Onde hoje correm as ruas Lauro Müller e Pedro Ferreira havia apenas 14 casas, sendo quatro na Lauro Müller e 10 na Pedro Ferreira, próximas umas das outras, entre as quais a do major Agostinho, que é agora de propriedade do sr. Henrique Schneider. Essas 14 casas estavam assim dispostas, não porque obedecessem o alinhamento, mas porque todas davam frente para o rio. No Itajaí não havia então nenhuma rua e nem se falava em arruamento.
Nas imediações da Matriz, existiam uns alicerces, de pouco mais de meio metro de altura, construídos por um preto, escravo do major Agostinho, de nome Simeão, para a igreja e uma meia-água muito pequena, de taipa, sem reboco, coberta de telha, sem forma exterior de templo, e conhecida por "casinha de Nossa Senhora", porque agasalhava uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. O cemitério ficava ao fundo dessa casinha.
As outras trinta e tantas casas estavam espalhadas pela vasta planície, nos lugares mais enxutos e menos baixos. Por entre as casas; algumas das quais eram rodeadas de algodoeiros (fiava-se algodão e tecia-se um pano muito forte e muito apreciado, chamado "riscado da terra") viam-se extensos brejos. Vários caminhos e trilhos tortuosos em inúmeras direções; meia dúzia de engenhos de fazer farinha de mandioca; grupos de cafeeiros, laranjeiras e bananais. Ao redor, capoeiras de todas as alturas.
Nos terrenos ao sul da povoação, já conhecidos por "fazenda" residia numa boa casa caiada a proprietária sra. Felícia Alexandrina Leão Coutinho. Tinha uma filha de nome Carolina, casada com o capitão Benigno Lopes Monção. Possuía muitos escravos. A "fazenda" tinha grande cafezal, muitas laranjeiras, extensas roças, um engenho de fazer farinha de mandioca e um de moer cana e fabricar açúcar.
Na planície fronteira do rio (nota atual: Navegantes) encontrava-se a residência coberta de telhas e o engenho de fazer farinha do velho José Coelho da Rocha, algumas casinhas cobertas de palha e um cemitério no qual não se enterrava mais ninguém, mas que constava que, a princípio, se sepultavam mesmo as pessoas que faleciam do lado de cá (Itajaí).
Das 14 casas que acompanhavam de perto a direção da margem do rio, só a do major Agostinho é que tinha em frente, no local em que hoje está o escritório de Asseburg & Cia., um rancho aberto em todos os lados, coberto de telha e de muito comprimento, que era dirigido perpendicularmente à praia. Neste rancho trabalhavam carpinteiros por conta do mesmo major".
No intervalo que fica entre o lado da casa de negócio de Bruno Malburg & cia. e o terreno mais perto da frente da Igreja (nota atual: nas imediações do busto de Lauro Müller) havia uma árvore de canela de grosso tronco bastante alta e frondosa.
Pouco depois de eu estar aqui (nota atual: após 1843), chegou para ser consertada uma "polaca", embarcação de três mastros. Por meio de talhas e cabrestantes envolvidos no citado pé de canela foi a mesma puxada para o lugar onde hoje está o jardim fronteiro à Matriz. Era de Gênova e vinha, não sei se de Montevidéu ou Buenos Aires. Era de um tal Balão. Os tripulantes eram estrangeiros, mas falavam português. Trouxe muitos homens: falquejadores, serradores de madeira, carpinteiros, calafates, etc. e material necessário para construção de navio, exceto madeira.
Para agasalhar essa gente, foi construído um vasto rancho, no lugar onde até há pouco tempo a Fluvial tinha uma casa de madeira e estaleiro. Esse serviço durou vários meses. Muitas pessoas daqui tiveram que auxiliar. O pagamento era feito em dinheiro de ouro. Itajaí nunca tinha visto tanta animação no trabalho e correr tanto dinheiro.
Quase nada se exportava. O coronel Agostinho é que mandava de vez em quando pranchões de cedro para o Desterro, em seu iate "Sete de Abril" ou para o Rio de Janeiro, por algum navio que, a pedido dele, vinha aqui.
Termino (diz Antônio Flores, em 1907) cumprindo o grato dever de dar mais informações acerca do Coronel Agostinho Alves Ramos, considerado o primeiro homem de Itajaí. Era carioca e casado com uma senhora portuguesa. Não tinha filhos. Sabia muito bem ler e escrever. Tudo o que aqui se fazia tendo em vista o adiantamento do lugar era de iniciativa com o auxílio dele e quase toda gente se aconselhava com ele. Dava atenção a todos que o procurassem, por mais humilde que fosse.
Quem queria alguma coisa do Itajaí ou um pedido para o Desterro ou para o Rio de Janeiro ele se encarregava. A esposa morreu em 1850 e ele em julho de 1853. Para atendê-lo, veio de Porto Belo um cirurgião belga, de nome José Jamar Pletting, foi sangrado, perdendo mais de uma bacia de sangue e morreu umas duas horas depois da sangria. Assisti a tudo isso, porque era casado com uma afilhada dele, costumava freqüentar-lhe a casa. Consta que deixou dinheiro, mas nada se encontrou, porque surrupiaram".
Fonte: ITAJAÍ - Norberto Cândido da Silveira Júnior (Dezembro/1972)
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