Ele trabalhava num horário meio esquisito. Entrava na redação do jornal às 6 da tarde e largava aí por volta das 10 da noite. Mas, por causa da outra, dizia à esposa que ficava lá embaixo, nas oficinas, fazendo revisão da matéria até às 4 da madrugada.
Assim, quando eram mais ou menos 11 horas, estava chegando à casa da outra, onde fazia uma refeição ligeira e ficava até umas 4 ou 4 e meia da manhã.
O perigo era dormir demais. Esta possibilidade o trazia sempre apavorado. Sente o drama, vá! Se dormisse direto acordaria já de dia e não teria explicação nenhuma para dar à esposa, cuja já implicava às pampas com seu horário de trabalho. Depois, sabem como é, caranguejo velho não sai da toca com maré baixa. Se desse margem para a esposa ficar mais descontente ainda, acabava tendo que largar a boca rica.
E era aquele drama de sempre. Chegava na casa da outra, aquele papinho e coisa e tal, um drinquezinho de vez em quando e o resto da noite era de sobressaltos, com o medo de dormir e perder a hora.
Até que, naquela noite, não foi. Deu-se que a outra ia ser operada. Coisa sem importância. Um quistozinho, mas que precisava ser extirpado. A outra dormiria de véspera no hospital, acompanhada de uma irmã. E ele, quando acabou o serviço na redação, resolveu ir para casa direto. Diria à esposa que sentira uma tonteira e pedira para sair mais cedo.
Foi o que fez. Chegou, beijou, desculpou-se e foi dormir. Até houve o detalhe: antes de adormecer pensou que, afinal, ia poder dormir bastante. Mas o homem põe e Deus dispõe. Dormiu direto, mas, aí pelas 8 da manhã, o sol começou a bater no seu rosto. Foi esquentando, esquentando e... de repente, ele acordou estremunhado, olhou para a janela, viu aquela bruta luz e levantou-se de um salto. Na sua mente só passava a idéia de que perdera a hora de voltar para casa. Estava enfiando as calças, quando a esposa acordou tam¬bém e perguntou:
— Mas o que é isso???
Só então, caiu em si. Mas já era tarde. Não havia explicação cabível. Disse apenas que precisava fazer um negócio qualquer na cidade e foi se sentar num banco da praça, para fazer hora.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora