quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Como entrou no Céu o primeiro advogado

Logo que Santo Ivo morreu, encaminhou-se ao Céu e bateu à porta, que São Pedro não se atreveu a abrir, subestimando as razões do bom santo.

— Faço o que quiseres — repetia o porteiro do Céu —, mas não acho que deva permitir a entrada a um advogado, não só porque nem um tem assento entre os santos, mas também porque; muito ao contrário, juraria que se encontram no inferno todos os de tua profissão.

Santo Ivo não se desconcertou; antes, como bom advogado, teve tão convincentes razões para rebater as de São Pedro que este lhe permitiu finalmente entrar no Céu, mas com a condição de permanecer junto à porta.

O hóspede entrou calmamente, sentou-se no lugar indicado por São Pedro, que foi participar a Nosso Senhor o sucedido...

— Fizeste mal! Muito mal, Pedro! — respondeu Deus, quando acabou de escutá-lo. — Havia resolvido que nenhum advogado entraria no Céu, e tinha cá minhas razões para isso. Mas já que está, deixa ficar; sem embargo, não deixes que ele se misture com os outros santos, pois do contrário acabarão no Céu a paz e a boa harmonia. Não o deixes passar além da porta.

Aborrecido e cabisbaixo, voltou São Pedro aonde estava Santo Ivo e comunicou-lhe as ordens dadas pelo Senhor. O Santo advogado encolheu os ombros e, à guisa de passatempo, começou a entabular conversa com São Pedro.

— Que posto ocupas aqui no Céu?

— Não sabes? Sou o porteiro.

— Por quanto tempo?...

— Para todo o sempre.

— Deixa disso. Só se tiveres algum contrato firmado...

— Não há contrato nem coisa que o valha, e para dizer a verdade não há necessidade disso.

— Como assim? Então não estás vendo, grande ingênuo, que qualquer dia Deus pode ter a idéia de te destituir, sem mais nem menos, do cargo que com zelo vens desempenhando há tanto tempo, sem que possas fazer valer teus direitos?

São Pedro coçou a orelha, e, mais amofinado que antes, foi novamente falar com Deus.

— Vamos lá, que é que pensas?

— Preciso de um contrato em que se declare que sou o porteiro do Céu para todo o sempre. Até hoje temos deixado as coisas andar à vontade; mas se vos der na idéia, qualquer dia me destituís do cargo que com tanto zelo...

— Não te dizia eu? Tudo isso são trapaças daquele advogadozinho que tens na porta e que soube encher-te a cabeça.

E ajuntou depois, tomando uma resolução:

— Anda, Pedro, corre e manda-o entrar imediatamente, pois prefiro tê-lo perto de mim a vê-lo junto à porta.

Eis como entrou no Céu o primeiro advogado.

Extraído do livro “Máximas e Mínimas do Barão de Itararé”, Editora Record – Rio de Janeiro, 1985, pág. 178, organização de Afonso Félix de Souza.

Uma tarde na SANTUR II

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Santur, Balneário Camboriú-SC, 29 de agosto de 2010

Fábula dos dois leões

Diz que eram dois leões que fugiram do Jardim Zoológico. Na hora da fuga cada um tomou um rumo, para despistar os perseguidores. Um dos leões foi para as matas da Tijuca e outro foi para o centro da cidade. Procuraram os leões de todo jeito mas ninguém encontrou. Tinham sumido, que nem o leite.

Vai daí, depois de uma semana, para surpresa geral, o leão que voltou foi justamente o que fugira para as matas da Tijuca. Voltou magro, faminto e alquebrado.

Foi preciso pedir a um deputado do PTB que arranjasse vaga para ele no Jardim Zoológico outra vez, porque ninguém via vantagem em reintegrar um leão tão carcomido assim. E, como deputado do PTB arranja sempre colocação para quem não interessa colocar, o leão foi reconduzido à sua jaula.

Passaram-se oito meses e ninguém mais se lembrava do leão que fugira para o centro da cidade quando, lá um dia, o bruto foi recapturado. Voltou para o Jardim Zoológico gordo, sadio, vendendo saúde. Apresentava aquele ar próspero do Augusto Frederico Schmidt que, para certas coisas, também é leão.

Mal ficaram juntos de novo, o leão que fugira para as florestas da Tijuca disse pro coleguinha: — Puxa, rapaz, como é que você conseguiu ficar na cidade esse tempo todo e ainda voltar com essa saúde? Eu, que fugi para as matas da Tijuca, tive que pedir arreglo, porque quase não encontrava o que comer, como é então que você... vá, diz como foi.

O outro leão então explicou: — Eu meti os peitos e fui me esconder numa repartição pública. Cada dia eu comia um funcionário e ninguém dava por falta dele.

— E por que voltou pra cá? Tinham acabado os funcionários?

— Nada disso. O que não acaba no Brasil é funcionário público. É que eu cometi um erro gravíssimo. Comi o diretor, idem um chefe de seção, funcionários diversos, ninguém dava por falta. No dia em que eu comi o cara que servia o cafezinho... me apanharam.


Fonte: Texto extraído do livro “Primo Altamirando e Elas”, Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1961, pág. 153.