sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Imagens do Morro da Cruz

Morro da Cruz

Mais imagens de nossa bela cidade, vistas lá do Morro da Cruz...

Morro da Cruz

Morro da Cruz

Morro da Cruz

Morro da Cruz

Morro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da Cruz
Morro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da Cruz
Morro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da Cruz
Morro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da CruzMorro da Cruz

Morro da Cruz - Itajaí SC, um álbum no Flickr.

Os centauros

Caetano Veloso - 1968
Fala-se em "Poder Jovem", na "Jovem Revolução" e um padre de passeata, em seu veemente sermão, chamou Nossa Senhora de "a mãe do Jovem Salvador". Vejam: — é tão importante ser jovem que já se providenciou uma idade promocional para Jesus. Há também os que proclamam a razão da idade. Nada tenho a objetar. Que seja dado o poder aos jovens, e que eles o exerçam, e que façam o mundo à sua imagem e semelhança.

A meu ver, porém, chegou a hora de se falar também da "jovem obtusidade". Que ela existe como uma realidade concreta, que se pode apalpar, farejar, não há dúvida. Basta olhar e faremos a singela, a tranqüila constatação visual. Se me pedirem fatos, eu direi: — "Vamos aos fatos".

Sábado, fiquei em casa. Fazia um frio cadavérico. Tenho um amigo que se refere ao frio em termos de "julgamento moral". Quando a aragem vai gelando os edifícios e as esquinas, ele põe-se a esbravejar:

— "Ah, frio canalha! Ah, frio indecente!".

Para a sua indignação, o frio era "torpe", era "obsceno", era "sórdido".

Sábado, tive também vontade de xingar o frio dessa forma direta, pessoal e crudelíssima. Fiquei vendo televisão, com três suéteres. Ia passar o teipe do Festival da Canção. Não sei se não teria preferido um bangue-bangue.

Mas, vamos lá. Começa o festival com uma panorâmica da platéia. Verificou-se, ao primeiro olhar, que todo mundo lá era jovem. Só rapazes, só mocinhas. É apavorante. No passado ocorria o inverso: — o Brasil era uma paisagem de velhos. Nos bondes, só os velhos vinham sentados; os jovens ficavam de fora, pendurados no balaústre. E as senhoras grávidas pediam para o filho já nascer setuagenário e de guarda-chuva, como o personagem de Gogol.

Hoje, o velho tem vergonha de o ser. O padre de passeata precisa fazer uma plástica em Jesus e remoçá-lo (talvez assim o Salvador se salve, sobreviva etc. etc.). Mas, como ia dizendo: — não havia na platéia um sujeito de meia-idade, uma viúva, ou, como quer a gíria perversa, um coroa. Uma platéia sem coroa e ocupada por uma mocidade ululante e salubérrima. Imaginei que estaria, ali, a melhor juventude paulista.

E era de um óbvio escandaloso a politização dos presentes. Sempre que uma letra fazia uma insinuação política, ou tinha um arroubo ideológico, ou rosnava para os Estados Unidos — a audiência vinha abaixo. Que pasionarias eram as meninas! Lembro-me de uma que assim se manifestava: — tirando os sapatos e batendo com os saltos, um no outro. Ninguém sabia se estava aplaudindo ou vaiando.

Ah, os rapazes, os rapazes! Cavalgavam as cadeiras e atiravam patadas como rútilos centauros.

Mas todas essas impressões paisagísticas são secundárias, irrelevantes. De um altíssimo patético foi a aparição do sr. Caetano Veloso. Ah, esquecia-me de Vandré. Seus versos tinham o seguinte título, de uma malícia ou, melhor dizendo, de uma ironia finíssima: — "Pra não dizer que não falei de flores". E, realmente, para nosso pasmo, ele faz um artigo de fundo contra as flores. Até hoje ainda não sei o que é que o nosso libertário propõe.

Vejamos algumas hipóteses: — quererá ele dizer que a "Grande Revolução" vai acabar com as flores? Ou que só a burguesia mais reacionária aprecia as rosas e, por carambola, a beleza? E que o revolucionário é tão obtuso, tão bestial, tão abjeto que não pode ver uma flor sem chutá-la?

Sim, há várias metáforas no editorial do Vandré e todas absolutamente inescrutáveis. Só uma coisa é certa: — sem que o próprio autor o perceba, tais metáforas são absolutamente contra-revolucionárias.

Mas vejamos o sr. Caetano Veloso. A vaia selvagem com que o receberam já me deu uma certa náusea de ser brasileiro. Dirão os idiotas da objetividade que ele estava de salto alto, plumas, peruca, batom etc. etc. Era um artista. De peruca ou não, era um artista. De plumas, mas artista. De salto alto, mas artista. E foi uma monstruosa vaia.

A menina, já citada, batia com os saltos dos sapatos, em delírio. Mas era um concorrente que vinha, ali, cantar; simplesmente cantar.

Mas os jovens centauros não deixaram. Na minha casa, lembrei-me de uma velha solenidade nazista: — a queima de livros. Imaginei que, a qualquer momento, a guarda vermelha ia subir ao palco para queimar o próprio Caetano Veloso. Não me admiraria nada que, no futuro, os nossos jovens socialistas queimem poetas no meio da rua.

Mas estou aqui fazendo uma defesa inútil de Caetano Veloso. Ninguém reage melhor do que ele mesmo. Quis cantar e esmagaram seu canto. A massa coral repetia, em furiosa cadência, uma obscenidade espantosa. Era o massacre de um artista, um desesperado artista que se propunha a cantar o "É proibido proibir".

A canção era a flor que o nosso Vandré quer expulsar do seu horrendo paraíso socialista. Já nenhum telespectador suportava mais a humilhação, que se transferia para as casas. (E a jovem massa insistia no refrão torpe).

Súbito, os brios de Caetano Veloso se eriçaram mais que as cerdas bravas do javali. Ele começou a falar. Era um contra 1500. E um que dizia a sua feroz mensagem nos trajes mais impróprios para o seu rompante.

Sim, estava de peruca, plumas, batom, salto alto etc. E disse as verdades que estavam mudas, sim, as verdades que precisavam ser ditas — urgentes, inadiáveis e santas verdades. Ainda bem que milhões de telespectadores as ouviram. Se bem me lembro, eis as suas palavras:

— "É isso a juventude? E vocês são políticos? Querem o poder! Vocês não sabem nada, não entendem nada! Analfabetos em política e arte! Se entendem de política como entendem de música, desgraçado Brasil!".

Não me lembro de tudo. Houve um momento em que Caetano Veloso comparou, e com exemplar justiça, as duas vergonhas: — a vaia obscena e a invasão do Teatro Ruth Escobar.

Naquela ocasião, depois do espetáculo de Roda viva, uns quarenta bandidos espancaram o elenco. Havia uma atriz grávida, que gritou: — "Estou grávida!". Levou um chute na barriga. Foi pisada como uma flor do nosso Vandré.

E dizia Caetano Veloso:

— "Vocês não são melhores! São iguaizinhos!".

Os idiotas da objetividade hão de perguntar:

— "E a peruca? E as plumas? E o batom? E o salto alto?".

Eu responderia que qualquer um pode ter uma indignação à Zola. Quando morreu o autor de Germinal, disse alguém, à beira do túmulo:

— "Zola foi um momento da consciência humana".

No teipe de sábado tivemos, pela fúria de Caetano Veloso, um momento da consciência brasileira. E vimos como a sua implacável lucidez acuou e bateu a "jovem obtusidade".

[26/9/1968] 
______________________________________________________________________
A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

El arzobispo de la revolución

Quando era crítico teatral, Paulo Francis disse certa vez: — "O hospital é mais importante do que o teatro". Não me lembro se escreveu exatamente assim, mas o sentido era este. E o articulista tinha a ênfase, a certeza de quem anuncia uma verdade inapelável e eterna.

Ao acabar o texto, voltei à frase e a reli: — "O hospital é mais importante do que o teatro".

Fiz para mim mesmo a pergunta: — "Será?".

Já me pareceu imprudente que se comparassem funções e finalidades diferentes. Para que serve um teatro e para que serve um hospital? Por outro lado, não vejo como um crítico de teatro, no gozo de plena saúde, possa preferir uma boa rede hospitalar às obras completas de William Shakespeare.

De mais a mais, o teatro era, na pior das hipóteses, o seu ganha-pão. Imaginem um médico que, de repente, no meio de uma operação, começasse a berrar: — "Viva o teatro e abaixo o hospital!".

A mim, parecem gêmeas as duas contradições: — de um lado, o crítico que prefere o hospital; de outro lado, o cirurgião que prefere o teatro. É óbvio que a importância das coisas depende de nós.

Se somos doentes, o hospital está acima de tudo e de todos; caso contrário, um filme de mocinho, ou uma Vida de Cristo ali no República, ou uma burleta de Freire Júnior, é uma delícia total. Mas volto ao Paulo Francis.

Alguém que lesse o artigo citado havia de pensar: — "Bem. Esse crítico deve estar no fundo da cama, moribundo, já com a dispnéia pré-agônica. E, por isso, prefere o hospital". Engano. Repito que, ao escrever aquilo, Paulo Francis nadava em saúde. E por que o disse?

O leitor, em sua espessa ingenuidade, não imagina, como nós, intelectuais, precisamos de poses. Cada frase nossa, ou gesto, ou palavrão é uma pose e, diria mesmo, um quadro plástico.

Ah,as nossas posturas ideológicas, literárias, éticas etc. etc. Agimos e reagimos de acordo com os fatos do mundo. Se há o Vietnã nós somos vietcongs; mas se a Rússia invade a Tchecoslováquia, vestimos a pose tcheca mais agressiva. E as variações do nosso histrionismo chegam ao infinito.

Imagino que, ao desdenhar do teatro, o Paulo estivesse fazendo apenas uma pose.

Bem. Fiz as divagações acima para chegar ao nosso d. Hélder. Está aqui na minha mesa um jornal colombiano. É um tablóide que... Um momento. Antes de prosseguir, preciso dizer duas palavras.

Domingo, na TV Globo, o Augusto Melo Pinto chamou-me num canto e cochichou:

— "Você precisa parar com o d. Hélder".

Faço um espanto: — "Por quê?".

E ele: — "Você está insistindo demais". Pausa e completa: — "Você acaba fazendo de d. Hélder uma vítima".

Disse-lhe da boca para fora: — "Você tem razão, Gugu". E paramos por aí. Mas eis a verdade: — o meu amigo não tem nenhuma razão. Gugu inverte as posições. Se há uma vítima, entre mim e d. Hélder, sou eu.

Outrora, Victor Hugo vivia bramando: — "Ele! Sempre ele!". Falava de Napoleão, o Grande, que não lhe saía da cabeça. Com todo o universo nas suas barbas a inspirá-lo, Hugo só via na sua frente o imperador. Bem sei que não sou Hugo, nem d. Hélder, Bonaparte. Mas eu podia gemer como o autor de Os miseráveis: — "Ele! Sempre ele!". Realmente, sou um território solidamente ocupado pelo querido padre.

Dia após dia, noite após noite, ele obstrui, engarrafa todos os meus caminhos de cronista. É, sem nenhum favor, uma presença obsessiva, sim, uma presença devoradora.

Ainda ontem, aconteceu-me uma impressionante. Tarde da noite, estava eu acordado. Ai de mim, ai de mim! Sofro de insônias. Graças a Deus, me dou bem com as minhas insônias e repito: — nós nos suportamos com uma paciência recíproca e quase doce. Mas não conseguia dormir e levantei-me. Fui procurar uma leitura. Procura daqui, dali e acabei apanhando um número de Manchete.

E quem havia de brotar, da imagem e do texto? O nosso arcebispo. Quatro páginas de d. Hélder! E, súbito, minha insônia foi ocupada pela sua figura e pela sua mensagem. Primeiro, entretive-me em vê-lo; em seguida passei à leitura. E há um momento em que o arcebispo diz, por outras palavras, o seguinte: — o mundo pensa que o importante é uma possível guerra entre Leste e Oeste. E d. Hélder acha uma graça compassiva em nossa infinita obtusidade.

Se a Rússia e os Estados Unidos se engalfinharem; se as bombas de cobalto caírem nos nossos telhados ou, diretamente, em nossas cabeças; se a OTAN começar a disparar foguetes como um Tom Mix atômico — ninguém se assuste. O perigo não está aí. Não. O perigo está no subdesenvolvimento.

Leio a fala de d. Hélder e a releio. Eis a minha impressão: — esse desdém pelas armas atômicas não me parece original. Sim, não me parece inédito.

E, súbito, um nome e, mais do que um nome, uma barriga me ocorre: — Mao Tsé-tung. Certa vez, Mao Tsé-tung chamou liricamente a bomba atômica de "tigre de papel". Foi uma imagem engenhosa e até delicada. E vem d. Hélder e, pela Manchete, diz, por outras palavras, a mesmíssima coisa.

O homem pode esquecer o seu pueril terror atômico. Quem o diz é o arcebispo e ele sabe o que diz.

Mas objetará o leitor: — e aquela ilha em que a criança é cancerosa antes de nascer? Exato, exato. Vejam bem o milagre: — ainda não nasceu e já tem o câncer. O leitor, que é um piegas, perguntará por essas crianças. Mas ninguém se aflija, ninguém se preocupe. A guerra nuclear não importa.

Eis o que eu não disse ao Gugu: — como esquecer uma figura que diz coisas tão corajosas, inteligentes, exatas, coisas que só ele, ou Mao Tsé-tung, ousaria dizer? Sabemos que o ser humano não diz tudo.

Jorge Amado tem uma personagem que vive puxando barbantes imaginários que a enrolam. Os nossos limites morais, espirituais, humanos, ou que outro nome tenham, os nossos limites são esses barbantes. Há coisas que o homem não diz, e há coisas que o homem não faz. Mas deixemos os atos e fiquemos nas palavras. O que me espanta é a coragem que leva d. Hélder a dizer tanto. Há um élan demoníaco nessa capacidade de falar demais. Continuemos, continuemos.

No dia seguinte, veio o "Marinheiro Sueco" trazer-me, em mão, um jornal colombiano. E, novamente, agora em castelhano, aparecia d. Hélder. Ele começava na manchete: — "EL ARZOBISPO DE LA REVOLUCIÓN". Em seguida, outra manchete, com a declaração do arzobispo: — "ES MÁS IMPORTANTE FORMAR UN SINDICATO DO QUE CONSTRUIR UN TEMPLO".

Eis o que eu gostaria de notar: — na "Grande Revolução", os russos substituíam, nos vitrais, o rosto da Virgem Maria por um focinho de vaca. Jesus tinha a cara de boi, com as ventas enormes. Mas a "Grande Revolução" se fez contra Deus, contra a Virgem, contra o Sobrenatural etc. etc. e, como se verificaria em seguida, contra o Homem. Portanto, ela podia incluir Jesus, os santos, num elenco misto de bois e vacas.

Mas um católico não pode agredir a Igreja com esta manchete: — "Es Más Importante Formar un Sindicato que Construir un Templo". E se o nosso Hélder o diz, estejamos certos:

— é um ex-católico e, pior, um anticatólico.

[25/9/1968] 
______________________________________________________________________
A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.