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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Artur Azevedo

O contista, poeta, teatrólogo e jornalista Artur Azevedo (Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo) nascido em São Luís (MA), em sete de julho de 1855, é considerado o pai do teatro musicado brasileiro. Filho de David Gonçalves de Azevedo e Emília Amália Pinto de Magalhães, aos oito anos demonstrou gosto para o teatro e fez adaptações de textos de autores como Joaquim Manuel de Macedo.

Muito cedo começou a trabalhar no comércio. Foi empregado na administração provincial e logo após foi demitido por publicar sátiras contra autoridades do governo. Ao mesmo tempo lançou as primeiras comédias nos teatros de São Luís (MA).

Antes de completar seus 20 anos foi para o Rio de Janeiro (1873) empregando-se no Ministério da Agricultura e também ensinando português no Colégio Pinheiro.

Mas foi no jornalismo que se desenvolveu em atividades que o projetaram como um dos maiores contistas e teatrólogos brasileiros. Fundou publicações literárias, como A Gazetinha, Vida Moderna e O Álbum. Colaborou em A Estação, ao lado de Machado de Assis, e no jornal Novidades, junto com Olavo Bilac, Coelho Neto, entre outros.

Nessa época escreveu as peças dramáticas como a opereta francesa La Filie de Madame Angot; fez a paródia A filha de Madame Angu (1876), que chamou as atenções gerais e criou as oportunidades para o começo de sua carreira teatral; O Liberato e A Família Salazar, que sofreu censura imperial e foi publicada mais tarde em volume, com o título de O escravocrata. Escreveu mais de quatro mil artigos sobre eventos artísticos, principalmente sobre teatro (figura ao lado: chamada para peça "O Bilontra": O Mequetrefe - Rio de Janeiro - 1885).

Suas operetas e revistas introduziram no Brasil o teatro musicado, sendo pioneira O Mandarim(1884), seguindo-se Cocota (1885) e O Bilontra (1886). Os textos críticos e bem-humorados sempre eram aplaudidos, mesmo pelos criticados. Um século depois, continuam a ser encenados, como A Capital Federal, escrita em 1897.

Em 1889, reuniu um volume de contos dedicado a Machado de Assis, seu companheiro na Secretaria da Viação. Em 1894, publicou o segundo livro de histórias curtas, Contos fora de moda, e mais dois volumes, Contos cariocas e Vida alheia. Morreu no Rio de Janeiro em 22 de outubro de 1908.

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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O espírito

O caso que vou contar passou-se há um bom par de anos, quando no Rio de Janeiro o espiritismo não tinha ainda o caráter de seriedade nem os ilustres prosélitos que hoje tem, mas começava a ocupar a atenção e a roubar o tempo a algumas pessoas de boa fé.

Entre essas figurava o Garcia, bom homem, cujo único defeito era ser fraco de inteligência, defeito que todos lhe perdoavam por não ser culpa dele.

O nosso herói não se empregava absolutamente noutra coisa que não fosse comer, beber, dormir e trocar as pernas pela cidade. Tinha herdado dos pais o suficiente para levar essa vida folgada e milagrosa, e só gastava o rendimento do seu patrimônio.

Casara-se com d. Laura que, não sendo formosa que o inquietasse, nem feia que lhe repugnasse, era mais inteligente e instruída que ele. Esta superioridade dava-lhe certo ascendente, de que ela usava e abusava no lar doméstico, onde só a sua vontade e a sua opinião prevaleciam sempre.

O Garcia não se revoltava contra a passividade a que era submetido pela mulher: reconhecia que d. Laura tinha sobre ele grandes vantagens intelectuais e, se era honesta e fiel aos seus deveres conjugais, que lhe importava a ele o resto?

Sim, que d. Laura já não lembrava do Frederico...

Quem era esse Frederico? Um elegante guarda-livros, que a namorava quando o Garcia apareceu iluminado pela sua auréola de capitalista, pondo-o imediatamente fora de combate.

Ou fosse para melhorar de situação ou porque realmente o magoasse a vitória fácil do dinheiroso rival, o guarda-livros, ainda d. Laura não se tinha casado, mudara-se para São Paulo, e nunca mais souberam dele, nem ela, nem o Garcia.

Num dia em que este, ano e meio depois de casado, perguntou, a gracejar, pelo primeiro namorado de sua mulher, d. Laura, no generoso intuito de o tranqüilizar, respondeu, simulando indiferença:

— Não sei... Parece que morreu...

— Morreu?...

— Pelo menos disseram-me que sim... em São Paulo... Não sei ao certo, nem isso me interessa.

Por esse tempo já o Garcia tinha sido iniciado, por algum amigo, nos mistérios do espiritismo, e fazia parte de um grupo, um dos primeiros que organizaram nesta cidade, para estudar os fenômenos revelados nos livros de Allan-Kardec.

Os associados reuniam-se todos os sábados para consultar a mesa giratória, evocar espíritos e conversar com defuntos célebres. Produziam-se, realmente, alguns fenômenos, que impressionaram profundamente o espírito débil de Garcia, a ponto de fazer com que ele não pensasse mais noutra coisa a não ser em almas de outro mundo.

Tinha o nosso espírita grande curiosidade de evocar por meio de tal mesa giratória o espírito de Frederico, apenas para verificar se estava morto o seu antigo rival; abstinha-se, porém, de o fazer pelo receio de que os colegas do grupo, sabendo do namoro da sua mulher, o tomassem por ciumento e ridículo.

Mas uma noite, em que a sessão ainda não começara, e estavam presentes apenas dois companheiros, que mal o conheciam, o Garcia pediu-lhes que o ajudassem a evocar o espírito de um amigo.

Os outros aquiesceram. Sentaram-se os três e espalmaram as mãos sobre uma pequena mesa de três pés, que em poucos minutos começou a mexer-se como um ser animado.

— Está presente o espírito que evoquei? - perguntou o Garcia em voz sinistra e cavernosa. - Se está presente, dê duas pancadas!

A mesa inclinou-se duas vezes, e obedeceu.

— Faça o favor de dizer o seu nome por letras do alfabeto! - continuou o Garcia no mesmo tom.

A mesa deu seis pancadas.

— F - disseram os dois companheiros.

— Adiante!

A mesa deu dezoito pancadas.

— R - repetiram os espíritas.

— Adiante!

A mesa deu cinco pancadas.

— E - explicou um dos três.

— F, R, E - disse o outro.

E em tom de comando, acrescentou:

— Se é Frederico, dê uma pancada forte!

A mesa deu uma pancada tão violenta, que partiu a perna.

O Garcia ergueu-se lívido e assombrado, gaguejando:

— Estou satisfeito.

— Mesmo porque é preciso consertar a mesa - concluiu um dos companheiros.

— Com duas pernas é impossível fazê-la trabalhar.

O que preocupava o grupo já não eram os espíritos invisíveis nem os fenômenos da mesa, que se poderiam atribuir a simples efeitos do magnetismo animal; o que todos ali desejavam era ver um espírito materializado, e para isso tinham empregado grandes esforços, mas sempre vãos.

Nessa ocasião estavam presentes no Rio de Janeiro não só o espírito como o corpo, em carne e osso, do Frederico, vindo de São Paulo para tratar de um negócio urgente, de três a quatro dias.

Apesar da pressa que trazia, o guarda-livros achou um momento disponível para passar pela casa do Garcia, na esperança de ver - apenas ver - d. Laura. Poupem-me os leitores explicar-lhes como não só a viu, como lhe falou; e até entrou para a sala..

O caso é que, naquela noite, a mesma da evocação, voltando o Garcia para os seus penates mais cedo que de costume, pois que a sessão não se realizara por falta de número, encontrou o Frederico no corredor, saindo para a rua, e ficou tão estupefato que o deixou sair sem lhe dirigir a palavra.

O pobre-diabo foi direto ao quarto de sua mulher, que, ouvindo-lhe os passos apressados, se sentara mais que depressa numa cadeira de balanço, a ler um livro, fingindo a maior tranqüilidade.

— Que quer isto dizer?

— Isto quê?

— Esse homem que acaba de sair daqui?

— Um homem?! Daqui?! Tu estas doido!...

— Oh, senhora! Pois não esteve aqui um homem?

— Estás doido, repito.

— Eu vi-o!

— Não podias ter visto.

— Vi-o, e era o Frederico!

D. Laura soltou uma risada.

— Ora o Frederico! Um morto! Olha, sabes que mais? O tal espiritismo transtorna-te o miolo! O melhor é deixares-te disso!

O Garcia pensou:

— Um morto... Sim, ele está' morto... e ele então materializou-se para aparecer-me... Não foi outra coisa!

No sábado seguinte, o Garcia apareceu radiante ao grupo:

— Meus amigos, tenho que lhes fazer uma comunicação muito importante: sou médium vidente!

— Deveras? - exclamaram todos em coro.

— É o que lhes digo! Sábado passado, ao entrar em casa, encontrei no corredor uma pessoa que morreu em são Paulo.

— Conte-nos isso - ordenou o presidente do grupo - Você não teve medo?

— Eu? Nenhum! O espírito, sim, o espírito é que, pelos modos, teve medo de mim, porque assim que me viu deitou a fugir...


por Artur Azevedo
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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Como o Diabo as arma!

O Sr. Paulino era o marido mais irrepreensível desta cidade em que são raríssimos os maridos irrepreensíveis; entretanto (vejam como o diabo as arma!), um dia foi morar mesmo defronte da casa onde ele morava, na Rua Frei Caneca, uma linda mulher, que lhe deu volta ao miolo.

Apesar de casado com uma senhora ainda bonita e frescalhona, mais nova dez anos que ele, que orçava pelos quarenta e tantos, o Sr. Paulino resolveu chegar à fala com a sua encantadora vizinha, que, pelos modos, era livre como os pássaros.

Pelo menos morava sozinha, e recebia de vez em quando visitas misteriosas de três ou quatro sujeitos discretos que, antes de entrar, olhavam para trás, para adiante e para cima, o que era um meio mais seguro de serem observados.

Essas visitas encorajaram necessariamente o Sr. Paulino; mas... como chegar à fala?... Da sua janela, onde ele raras vezes aparecia, limitando-se a espiar a vizinha por trás das venezianas, o pobre namorado jamais se animaria a fazer o menor gesto suspeito. Resolveu, pois, esperar que alguma circunstância fortuita o favorecesse, ou por outra, que o diabo as armasse.

Não tardou a aparecer a circunstância fortuita, que o diabo armou: uma tarde em que o Sr. Paulino voltava do emprego de guarda-livros de uma importante casa comercial, viu passar na Avenida a linda mulher que tanto o impressionara, e acompanhou-a até a estação do Jardim Botânico, onde ela tomou um bonde 1!para o Leme.

O Sr. Paulino, já se sabe, tomou o mesmo bonde e sentou-se ao lado dela, que lhe cedeu gentilmente a ponta. A sujeita, que era matreira, percebeu que tinha sido acompanhada e aplanava o terreno para uma explicação.

O guarda-livros cobriu o rosto com A Notícia e, fingindo que estava lendo, murmurou:

- Preciso muito falar-lhe.

- Pois fale - respondeu ela fazendo com o leque o mesmo que o outro fazia com a rósea folha vespertina.

- Aqui não; em sua casa. Quando há de ser?

- Quando quiser.

- Amanhã?

- Amanhã, seja! Sabe onde é?

- Sei; mas só poderei lá ir depois das dez horas da noite, quando a rua estiver completamente deserta.

- Por quê?

- Depois lhe direi.

- Bom. Esperá-lo~ei às dez e meia.

- Adeus!

- Até amanhã!

E o Sr. Paulino saltou no Largo da Lapa.

No dia seguinte à hora indicada, o guarda-livros entrava em casa da vizinha, cuja porta achou entreaberta.

- Mas por que todo este mistério? - perguntou a tipa, que o recebeu como se o conhecesse de longos anos.

- É porque moram ali defronte uns conhecidos meus.

- Quem? O tal Paulino?

- Conhece-o?

- De nome apenas; nunca o vi. Querem ver que também você gosta da mulher dele?

- Da mulher de quem?... do Paulino?...

- Sim, faça-se de novas! Aquela é pior do que eu!

- Mas de que Paulino fala a senhora? - perguntou o pobre homem, já trêmulo e agitado.

- Do Paulino que mora ali defronte. A ele nunca o vi, mas tenho visto os amantes da mulher!

- Os amantes da mulher?!...

- Sim, coitado. É ele a sair de casa, e os outros a entrar!...

- Os outros?... Então são muitos?!...

- Mais de um é, com certeza... Já vi dois: um rapaz alto, louro, rosado, elegante.

- Deve ser o Gouveia!

- E o outro baixinho, cheio de corpo, de bigode e pêra, pince-nez azul...

- Deve ser o Magalha-es! Dois amigos!...

E o Sr. Paulino caiu desalentado numa cadeira. Tudo lhe andava à roda. Sentia as faces em fogo. Receou uma congestão cerebral.

A mulher notou que ele estava incomodado, e foi buscar água-da-colônia, que o reanimou.

- Fui, talvez, indiscreta, disse ela; o tal Paulino é seu amigo, e você não sabia...

- O tal Paulino sou eu, minha senhora; sou eu em carne e osso, e agradeço-lhe a informação. Se não viesse à sua casa, jamais saberia o que se passa na minha, e continuaria a ser um marido ridículo sem o saber! Para alguma coisa me serviu essa aventura amorosa!

E o Sr. Paulino saiu sem exigir da vizinha, atônita, outra coisa além de um copo d'água.

No dia seguinte pôs a mulher fora de casa, e cortou a chicote a cara do Gouveia. O Magalhães escondeu-se e não foi encontrado, mas não perde por esperar.

Ora, ai têm como o diabo as arma!

Conto de Artur Azevedo

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