Pela segunda vez neste ano, nesta tarde, demos uma bela caminhada até o tradicional Balneário de Cabeçudas. Porém não paramos neste balneário: seguimos pela praia até a igrejinha, depois até o Iate Clube, onde acessamos uma trilha de lama por causa das intensas chuvas deste mês. Fomos penando com aclives e declives enlamaçados até o pequeno farol de Cabeçudas. Mas valeu a pena! Tiramos ótimas fotos do morro e da praia do Morcego durante o trajeto.
Na volta, depois da entrada dos Molhes/Farol da Barra, topamos com uma família de capivaras. Mas só vimos os filhotes, bem pertinho da calçada, ali no meio da capoeira, do lado do rio. Foi um ótimo achado para quem tinha uma câmera. Mas os bichinhos estão muito perto da estrada e temo pela sorte deles... (Itajaí-SC, 31/08/2011)
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
Caminho das praias - III
Quem não te conhece, que te compre
Um tradicional conto espanhol explica a origem do ditado “Quem não te
conhece que te compre”. O tio Cândido morava na cidade de Carmona e era a
pessoa mais inocente e simplória do de toda a Andaluzia. Além disso,
tinha ótima índole: generoso, caridoso e afável com todos.
Ele tinha um belo burro, mas, como era bondoso ao extremo, não gostava
de cansar o animal. Assim, acostumara-se a andar puxando-o pelo
cabresto.
Um dia, uns estudantes arruaceiros o viram passar deste modo e decidiram
roubar o burro. Enquanto alguns levavam o animal sem que tio Cândido
visse, o mais travesso dos estudantes ficou no lugar do burro, com a mão
atada ao cabresto.
Quando tio Cândido viu o rapaz, ficou pasmado achando que o burro tinha
se transformado em gente. O estudante mentiu que, no passado, tinha sido
brigão, jogador, afeiçoado às mulheres e muito vadio. Por isso, seu pai
o amaldiçoara dizendo: “És um asno, e em asno te deverias mudar.” Dito e
feito. A maldição fez com que virasse um burro e, por quatro anos,
vivera daquela forma. Agora, arrependido de seus pecados, tinha voltado
ao normal.
Tio Cândido ficou maravilhado com a história. Teve pena do estudante,
não se importou com o dinheiro que estava perdendo sem o burro.
Aconselhou-o a ir depressa se apresentar ao pai e reconciliar-se com
ele. O estudante, com falsas lágrimas de gratidão nos olhos, foi embora.
Tempos depois, passeando numa feira, tio Cândido ficou assombrado ao ver
à venda um burro idêntico ao que tivera. Naturalmente, era o mesmo,
mas, ingenuamente, ele concluiu que o estudante tinha voltado à vida de
travessuras e que o pai o amaldiçoara de novo.
Aproximando-se do burro, tio Cândido falou-lhe ao ouvido: “Quem não te conhece, que te compre!”
Fonte: http://pt.shvoong.com/books/mythology-ancient-literature/1655914
Cascaes e o imaginário popular
E fê-lo soberbamente, já que da pesca da tainha a cerâmica,dos cantos aos engenhos de farinha e açúcar, aprofundou sobretudo o estudo que trata das lendas através de um desenho fantástico, cujo sentido mítico dimensiona uma criatividade genuína e profunda.
Para Cascaes mito é a possibilidade de primordial, a realidade inteligível que estabelece de modo único, numa pré-figuração do mistério que antecede a revelação. A força criativa de Cascaes encontra-se, ainda, na capacidade de sua imaginação, a ponto de acrescentar elementos atuais às lendas da Ilha de Santa Catarina.
Tinha uma personalidade muito forte e curiosa e isto pode ser percebido no seguinte agradecimento: "aos que me contaram estórias e histórias; aos que me acolheram com o valor cultural do calor humano; aos que me hostilizaram, a todos enfim o meu obrigado".
Retratos do imaginário popular
Cascaes retratou por meio da escrita, desenho, escultura e artesanato a Ilha do Desterro, com uma percepção apaixonada e sensível, capaz de captar, absorver e interpretar o que estava diante dos olhos e o que lhe chegava aos ouvidos. A vida do folclorista se confunde com a própria cultura das comunidades litorâneas catarinenses.
Desde criança circulava nos engenhos de farinha, ouvia histórias dos pescadores e confeccionava utilitários, como balaios e louças de barro. Foi descoberto pelo professor Cid Rocha Amaral, diretor da Escola de Aprendizes e Artífices de SC, aos 21 anos, esculpindo na praia de Itaguaçu. Os primeiros registros artísticos de Cascaes são de 1946, quando tinha 38 anos.
O saber fazer, procissões, pesca , lavoura, causos, folguedo, cantorias noturnas, religiosidade, brincadeiras, lendas, literatura oral, enfim, todo o fabulário popular da ilha fez parte do seu dia-a-dia e tornou-se objeto de pesquisa e estudo para o artista. Seus cadernos de anotação eram diários de campo, onde coletava desde receitas até crenças e rezas populares, subvertendo os modelos acadêmicos de pesquisa.
Diferentes aspectos da vida cotidiana do imigrante e seus descendentes, suas formas de organização social, subsistência, natureza e imaginário foram registrados. Cascaes queria divulgar a cultura açoriana para as próximas gerações e principalmente, para seus próprios protagonistas, chamados de "colonos anfíbios", por lidar com terra e mar.
O calendário cultural da cidade e o caráter religioso das manifestações populares criava um universo de sincretismo onde sagrado e profano conviviam. Tanto as festas de padroeiros quanto as rezas bravas pra afastar bruxas interessavam o folclorista. As histórias dos seres fantásticos presentes no folclore catarinense, como bruxas, lobisomem, vampiros e assombração, resultaram no realismo fantástico ilhéu. Logo, Florianópolis passou a ser conhecida como ilha de Cascaes, da magia ou das bruxas.
"Seu Francolino", como era carinhosamente chamado, passava temporadas imerso em comunidades de pescadores e pequenos agricultores ouvindo estórias, com um o interesse quase antropológico em desvendar a identidade daquela cultura. Depois de muitas anotações e desenhos em nanquim, organizava uma exposição com o que havia produzido sobre o cotidiano da comunidade, devolvendo para aquele espaço o que foi com ele compartilhado.
— Franklin Cascaes é um fenômeno , até hoje imcompreendido. Ele registrou o folclore vivaz e a alma da nossa gente. Tinha uma fala muito intensa com os trabalhadores e conhecia o calendário cultural das comunidades, onde tudo era feito com muita fé e alegria, cantorias e comilança. Foi criado nesse meio, era também um portador dessa cultura — comenta Gelci José Coelho, o Peninha, ex-diretor do Museu Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina(Ufsc) e maior pesquisador da vida e obra do artista.
Personagens do cenário insular, do manezinho às figuras políticas, foram moldados em argila. Pequenas esculturas de bruxas, reproduziam as descrições dos antigos moradores do interior. Essas histórias, causos e conhecimentos, que eram repassados de boca à boca, transformavam-se em arte.
O olhar atento de Franklin Cascaes teve uma importância política fundamental. O artista dedicou toda a vida para registrar as lendas, histórias e costumes, pressentindo angustiado a perda dos traços culturais das comunidades litorâneas, com os ventos da modernidade.
Um ambientalista precoce, na contramão da história
Quando ninguém falava de ecologia, Franklin Cascaes já tinha um discurso crítico, alertando para as consequências da modernização.
A partir de 1950, época em que a sociedade florianopolitana almejava a modernidade do Rio de Janeiro e São Paulo, Cascaes agiu na contramão da história. Além de resgatar as tradições seculares, estava atento às questões ambientais, que começavam a ser suplantadas com o "desmonte" da cidade.
— Enquanto as elites locais se deslumbravam com as mudanças que estavam chegando porque eram sinônimos de progresso, Cascaes as pensava de modo crítico, antecipando uma leitura de cunho ecológico, pois observava o impacto da especulação imobiliária não apenas na vida cultural local, mas também no meio ambiente— comenta a professora Aglair Maria Bernardo, na palestra proferida no Museu do Mar em comemoração ao centenário do artista.
Em um dos seu manuscritos ele afirma: "O progresso, senhor mui poderoso e soberano terráqueo, mandará tudo destruir sem técnica, dó, nem piedade, como já o fizeram os homens lá das outras bandas da Terra, das Oropas. Infelizmente não fui mau profeta como teria desejado sê-lo".
Cascaes denunciava as agressões ao meio ambiente em suas poesias, esculturas, desenhos e manuscritos, na ânsia pela preservação do patrimônio histórico e natural da cidade. Foi um visionário, por isso seu discurso permanece tão atual.
— A obra de Cascaes é uma referência fundamental para todos que reconhecem a singularidade do nosso lugar. Não é possível fazer uma ponte com o local sem beber na fonte do Franklin, o maior pesquisador da cultura popular do litoral de Santa Catarina — afirmou a produtora cultural e jornalista Bebel Orofino, que preside a Associação dos Amigos do Museu Universitário.
Qualquer leitura sobre as comunidades litorânea passam necessariamente pela produção de Cascaes, que cantou a sua aldeia e foi universal, fundindo o passado da cultura ilhoa com reflexões sobre o presente.
A Bruxa Metamorfoseou o Sapato, Balanço Bruxólico, Balé de Mulheres Bruxas, História de Assombração, Histórias de Assombrações: Bruxas, Mulheres Bruxas Atacando Cavalos, Nossa Senhora, o Linguado e o Siri, O Boitatá, Vassoura Bruxólica.
Edith Wharton
Edith Newbold Jones nasceu em 24 de janeiro de 1862 na cidade de Nova York. Educada em casa e na Europa, em 1885 casou com Edward Wharton, banqueiro de Boston.
Suas primeiras obras de ficção foram contos, aos quais se seguiu o sucesso do primeiro romance, The Valley of Decision (1902; O vale da decisão). Consolidou sua fama com a publicação do romance seguinte, The House of Mirth (1905; A casa da alegria).
Nas décadas de 1920 e 1930 publicou outros romances, além de livros de contos e estética literária.
As melhores obras de Edith Wharton são Madame de Treymes (1907), que mostra a influência de Henry James; o popular Ethan Frome (1911), único sobre a classe média, atualmente exaltado pela crítica; The Reef (1912; O recife) e The Custom of the Country (1913; O costume do país), em que trata da falsidade dos ricos; e Age of Innocence (1920; Era da inocência), que lhe garantiu o Prêmio Pulitzer e foi duas vezes adaptado para o cinema, em 1924 e 1994.
Das coletâneas de contos, a melhor é Xingu and Other Stories (1916; Xingu e outros contos).
Edith Wharton faleceu em Saint-Brice-sous-Forêt, França, em 11 de agosto de 1937.
Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
terça-feira, 30 de agosto de 2011
A origem do tabaco
Jean Nicot apresentando a planta do tabaco à Rainha Catarina de Médicis - Ilustr. do séc. XVIII. |
Quando e como surgiu a camisinha
Tempestades de rãs e sapos
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Edgar Allan Poe
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais. Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha, E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais, E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais, Libertar-se-á... nunca mais! " (O Corvo).
Este famoso escritor americano se celebrizou, no século XIX, por suas histórias mórbidas e fantásticas. Edgar Allan Poe nasceu em Boston, em 19 de janeiro de 1809, filho de pais atores, mas o destino reservou um duro golpe para o menino e seus irmãos, matando seus pais de tuberculose. As crianças foram recolhidas por pessoas da família e Edgar acabou encontrando abrigo na casa de um tio rico. No entanto, as dificuldades do início da vida provocaram um permanente pessimismo e um espírito macabro que o acompanharam até sua morte.
Poe estudou na Inglaterra durante sua juventude, mas logo voltou aos Estados Unidos, onde frequentou as Universidades de Charlotteville e Virginia. Porém, não conseguiu se enquadrar nos rígidos padrões da época e acabou expulso da Universidade de Virginia.
Por ter um espírito aventureiro e rebelde, foi para a Grécia lutar contra os turcos. Na volta, alistou-se no Batalhão de Artilharia e acabou conseguindo uma indicação para a Academia Militar de West Point. No entanto, nessa época, sua cabeça estava voltada para a poesia e após publicar o seu primeiro livro de poemas , Tamerlane and other poems, by a Bostonian decidiu abandonar a carreira militar.
Em 1833, ganha o prêmio do jornal Philadelphia Saturday Visitor com o seu conto Manuscript found in a bottle. O diretor do jornal, com pena da miséria e da depressão em que o escritor vivia, consegue-lhe um emprego no Southern Literacy , onde ele fica pouco tempo pois se tornara num alcoólatra.
O casamento com sua prima Virgínia, de apenas13 anos, faz Edgar ficar mais confiante. Ele começa a trabalhar em diversos jornais em Nova Iorque e Filadélfia. Em 1840, publica sua primeira coleção de contos, Tales of grotesque and arabesque e Os crimes da rua Morgue, apresentando a figura do detective Dupin, antecessor de Sherlock Holmes.
Mas o destino outra vez surpreende o escritor. Sua mulher é atacada pela tuberculose, doença que matou seus pais. Edgar volta ao alcoolismo e se relaciona com Frances Osgood, para tentar esquecer sua dor familiar. Em 1847, com a morte de sua mulher, Poe se afunda num estado de profundo desespero e passa a viver em constante embriaguez e abuso de ópio. Aos 40 anos, numa taberna, em Baltimore, Edgar Allan Poe passa mal sofrendo de delirium tremens em virtude do consumo exagerado de ópio. Acaba assim falecendo três dias depois num hospital. Era sete de outubro de 1849.
Poe escreveu novelas, contos e poemas, exercendo larga influência em autores fundamentais como Baudelaire, Maupassant e Dostoievski. Admite-se hoje que a culminância de seu talento dá-se no gênero conto. Suas histórias curtas podem ser classificadas tematicamente em dois grupos principais:
a) contos de horror ou “góticos”; b) contos analíticos, de raciocínio ou policiais. Escreveu também contos de humor e contos que anteciparam o que hoje se chama “ficção científica”.
Os contos de horror ou “góticos” apresentam invariavelmente personagens doentias, obsessivas, fascinadas pela morte, vocacionadas para o crime, dominadas por maldições hereditárias, seres que oscilam entre a lucidez e a loucura, vivendo numa espécie de transe, como espectros assustadores de um terrível pesadelo. Muitos destes relatos ainda causam calafrios nos leitores modernos.
Os contos analíticos, de raciocínio ou policiais entre os quais figuram os antológicos Assassinato de Maria Roget, Os crimes da Rua Morgue e A carta roubada, ao contrário dos contos de horror, primam pela lógica rigorosa e pela dedução intelectual que permitem o desvendamento de crimes misteriosos. É o início do que se convencionou chamar de literatura policial.
Poe não foi apenas um notável contista. Foi também o primeiro grande teórico do gênero, ressaltando no conto três elementos básicos: a estrutura centrada num efeito único, o valor dominante do clímax (o desfecho do conto) e o despojamento da expressão. Aliás, a linguagem das histórias curtas de Poe é elevada, porém direta, apresentando diálogos de grande força dramática que conduzem o leitor por um mundo labiríntico e asfixiante.
Enquanto os demais autores se concentravam no terror externo, no terror visual se valendo apenas de aspectos ambientais, Poe se concentrava no terror psicológico, vindo do interior de seus personagens.
Estes sofriam de um terror avassalador, fruto de suas próprias fobias e pesadelos, que quase sempre eram um retrato do próprio Poe que sempre teve sua vida regida por um cruel e terrível destino. Não há conto algum de Poe narrado em terceira pessoa e é sempre "ele" que vê, que sente, que ouve e que vive o mais profundo e escandente terror. São relatos em que o delírio do personagem se mistura de tal maneira à realidade que não se consegue mais diferenciar se o perigo é concreto ou se trata apenas de ilusões produzidas por uma mente atormentada.
Numa época em que começava a se desenvolver o espiritismo na América do Norte, Poe se valhe desses argumentos e povoa suas obras com novas sensações e angústias onde reencarnação, hipnotismo ou mesmerismo eram quase sempre presentes. Mas em todos os contos, ou em quase todos, sempre há um mergulho, em certas profundezas da alma humana, em certos estados mórbidos da mente, em recônditos desvãos do subconciente.
O insepulto
O sacristão comunicou ao padre Otávio e foi avisar à família: duas filhas que com Espinheira moravam lá pras bandas do motor do arroz. As duas receberam com alegria, a notícia, e não foram à casa santa, ver o corpo do pai. Pe. Otávio pediu um caixão ao Major Apolônio que, como prefeito, enterrava os mortos da cidadezinha por conta dos dinheiros municipais.
Mas não havia caixão para Espinheira, destratador de políticos e destruidor do patrimônio público. A saída foi o velho sacerdote providenciar uma rede para conduzir o morto, e o fez constrangido porque muitas vezes, Terêncio, embriagado, invadira a igreja durante a santa missa, montado no seu cavalo cardão.
As filhas não compareceram pois festejavam a morte do pai com muitas rodadas de cerveja quente num reservado do Bar da Bia. Nunca mais apanhariam no meio da rua, do pai feito fera, apesar das suas idades, com mais de trinta anos cada uma.
À tarde Pe. Otávio utilizou o serviço de som da igreja e pediu ajuda aos cidadãos de Sipaúbas para o transporte do defunto até o cemitério, ninguém apareceu. Nem adiantava, pois Gervásio, o coveiro, já se havia negado a cavar a cova, depois de tanto sofrer nas mãos de Espinheira.
O vigário teve a idéia de pagar com o pouco dinheiro da coleta da missa a um carroceiro para carregar o morto. O carroceiro veio mas o burro puxador da carroça assombrou-se ao ver o morto e disparou de rua afora de carroça seca.
Espinheira anoiteceu insepulto. Já exalando mau cheiro, era alta noite, quando Pe. Otávio teve a idéia de colocar o cadáver num carro de mão e empurrá-lo até os fundos da igreja onde um riacho caudaloso transbordava em cheias de abril. Jogou o corpo na correnteza e veio desinfetar a capela.
No dia seguinte por mais de uma légua de riacho abaixo apareceram centenas de piranhas mortas, e nos invernos dos anos seguintes nunca mais correu água no riacho das Guaribas.
domingo, 28 de agosto de 2011
O inferno
Quando ela disse que tinha um filho, um garoto, já de doze anos, Romualdo caiu das nuvens:
— Filho?
— Você não sabia?
Foi enfático:
— Nem desconfiava.
E ela:
— Pois tenho. Fez doze anos, está no colégio.
— Engraçado!
— Por quê?
Ele foi, então, gentilíssimo. Disse que ela não parecia mãe de ninguém e
muito menos de um garoto, quase rapaz. E, na verdade, a idade do menino
o espantara. Lucília, com seu tipo frágil e pequeno, o ar de menina, um
quê de infantil nos olhos, no sorriso, nas maneiras, parecia uma garota
solteirinha. E não foi somente de espanto a sua reação. Experimentou
também um certo alarme. Aquele filho, aquele marmanjo, inesperado e
taludo, assustava. Foi, porém, bastante hábil e educado para dissimular o
desconforto e bastante cínico para a seguinte promessa:
— Vou ser para ele um segundo pai!
— Deus me livre!
— Como?
Lucília suspirou:
— Eu te explico. Vamos entrar ali, um momentinho.
O FILHO
Entraram numa sorveteria. Depois de sentados e servidos, ela foi tomando sorvete e explicando.
— O Odésio não pode saber, nem desconfiar.
Esta era uma condição que ela impunha. Ou ele aceitava ou, então, nada feito. Romualdo ainda ponderou:
— Acho que você exagera!
— Ora, Romualdo, tem dó! Você se esquece que é casado, que vive com outra, que tem filhos, esquece?
— Realmente.
— Pois é, meu filho, pois é!
Eram seis horas quando Romualdo a largou, num ônibus apinhadíssimo. Ela
fez a viagem em pé. A promiscuidade, ali, era uma coisa abjeta.
Espremida, imprensada, triturada em meio dos passageiros, teve uma
sensação de ultraje, de profanação, de aviltamento. Um cavalheiro que ia
saltar no poste seguinte foi varando a massa humana; ao passar por ela
quase a derruba. A sensação do ultraje recrudesceu em Lucília.
Resmungou:
— Animal!
Mas ia bastante atribulada com seus problemas. E não ligou mais para os
contatos indesejados e brutais que, nos ônibus cheios, são inevitáveis. O
drama de Lucília era, em suma, o seguinte: o medo, o pavor, de que o
filho enfim soubesse... A opinião, o julgamento do garoto era a coisa
que mais a impressionava no mundo. Temia-o mais do que o Juízo Final. Ao
mesmo tempo, tinha loucura por Romualdo e a vida sem ele seria de uma
monotonia medonha. Pendurada no ônibus, gemeu interiormente:
— Oh! meu Deus do céu!
HISTÓRIA DE AMOR
Então, começou a mais doce, a mais sofrida história de amor. Voltava dos
seus encontros com Romualdo em sobressalto. O filho estava sempre na
rua, jogando bola ou em brincadeiras turbulentas com amigos de sua
idade. Uma vez, deu um chute, e com tanta infelicidade, que a unha do
dedo grande do pé saltou longe. O negócio inflamou; e Lucília, quando
chegou de uma entrevista amorosa, tomou-se de vergonha e de remorso.
Pensou, lavando o pé machucado: enquanto ela se divertia com um homem,
além do mais casado, o filho, sozinho, estava precisando de seus
cuidados. Vamos que fosse uma coisa pior que um simples esfolamento de
dedo. Que remorsos não sentiria? O menino, corajoso, quase não se
queixava. E era ela quem tinha de perguntar:
— Está doendo?
— Mais ou menos.
E Lucília:
— Quando estiver doendo, diga!
No dia seguinte, Lucília apareceu triste. Suspirava:
— Que vida!
Romualdo acabou se enfezando:
— Que vida, por quê?
Ela, então, pôs as cartas na mesa:
— Reconheço que a culpada sou eu, porque você, sendo casado, eu não devia... Romualdo, não está direito.
Fez uma pausa, antes de completar:
— Se, ao menos, você vivesse só pra mim!
Foi brutal:
— Ora, Lucília, ora! No mínimo, você está querendo que eu deixe minha mulher! Sou capaz de apostar!
Despediram-se sem carinho. E ele, ressentido, mal se deixou beijar. Disse, apenas:
— Vai com Deus, vai!
Nessa noite, ele fez confidências a um amigo. Quando este soube que
havia um filho no meio, um marmanjão de doze anos, foi categórico:
— Abacaxi autêntico!
E Romualdo insistiu:
— Você não acha um desaforo que ela queira, imagine, que eu deixe minha mulher?
— Evidente!
No primeiro encontro, Romualdo rompeu fogo:
— Das duas uma: ou você muda de cara, faz uma cara alegre, ou, então,
minha filha, vamos acabar com esse negócio. Já não estou gostando, nada,
nada!
Já o termo negócio pareceu a Lucília de uma abominável grosseria, de um
prosaísmo ultrajante. Além disso, a agressividade, como se ela fosse uma
qualquer!
Exaltou-se, também:
— Não grite! Está pensando que eu sou o quê?
— Grito, pronto, grito! Não topo chiquê! Comigo, não!
Ela não disse uma, nem duas. Apanhou a bolsa, que estava em cima da
mesa: olhou-se, instintivamente, no pequeno espelho; e, num passo lento,
encaminhou-se para a porta. Parou um segundo, uma fração de segundo.
Esperava talvez que Romualdo a chamasse. Teria, então, voltado e tudo
terminaria numa reconciliação feroz. Mas ele esbravejou:
— Mulheres é que não faltam, inclusive a minha! Podia haver pontapé mais
claro, mais insofismável, mais absoluto? Saiu para nunca mais.
O ABANDONO
Ela tinha do próprio casamento e do marido morto uma lembrança penosa. O
marido era uma nobre alma, que vivia para a esposa e para o filho. Mas
tudo que ele fizesse, de bom, de heróico, de sublime, esbarrava diante
de sua falta de amor. E isso, essa falta de amor, era pior do que o
ódio. Crispava-se quando o pobre-diabo vinha fazer-lhe festa. Houve uma
vez em que não pôde, não agüentou, explodindo:
— Não me beija! Não quero seu beijo! Que coisa aborrecida!
Ele já estava doente, na ocasião. Foi talvez este episódio que antecipou o fim.
Seis meses depois, ela, sem nenhum luto interior, tinha a sua primeira
experiência amorosa, na pessoa do casado Romualdo. Viu, então, que o
marido a interessava menos que o mata-mosquito anônimo que vinha pôr
creolina no ralo. Foi uma paixão feroz que acabou, como vimos, da
maneira mais estúpida do mundo.
Durante dias, Lucília, numa tristeza obtusa, esperou um telefonema, um
bilhete, um recado. Nada, absolutamente nada. Depois soube, por
terceiros, que ele andava com uma datilógrafa extranumerária numa
autarquia; tinham sido vistos no Passeio Público, onde tiravam retratos
no lambe-lambe. Lucília, fora de si, encerrava-se no quarto, ficava
horas de bruços, na cama, chorando. Já o julgamento do filho não a
interessava mais. O garoto, diante do seu pranto, perguntava:
— Que é que a senhora tem, mamãe?
— Não aborrece! Não amola! Sai daqui, anda!
Na presença do filho, ligava para o escritório do bem-amado. De lá, queriam saber quem era.
Lucília se identificava. Então, a resposta infalível era: “Não está”.
Uma vez, porém, coincidiu que o próprio atendesse. Mas, quando percebeu
que era ela, explodiu:
— Me deixa em paz, sim? Quero sossego! Vê se não me chateia.
O filho não fazia comentário. Era uma testemunha muda de tudo. Guardara,
porém, o nome e o repetia: “Romualdo, Romualdo”. Conhecia-o, de vista.
Pensava nele dia e noite, com essa obstinação de amor ou de ódio. E já
não saía mais de casa, não jogava mais bola; passava as horas ao lado de
Lucília, de olhos muito abertos, como se esse desespero o fascinasse,
apesar de tudo. Ouviu quando a mãe, numa crise maior, amaldiçoou o homem
que a abandonara:
— Tomara que ele morra, meu Deus! Fique debaixo de um automóvel! Tomara, meu Deus!
Por fim, ela já não queria mais nada; ou, por outra, queria morrer. Não
comia e seu desmazelo, de atitudes, de roupas, de higiene, era
aterrador. Passava dias com uma mesma combinação. Outras vezes, do fundo
do seu desespero, fazia a reflexão: “Há três dias que não escovo os
dentes”. O filho se abraçava a ela. Chorava:
— Não fique assim, mamãe! Não chore mais!
Certa vez, na rua, o garoto ouviu dizer que não se nega nada a quem está
morrendo, a quem vai morrer. O “último” pedido de alguém, justamente
por ser o “último”, é alguma coisa de terrível e sagrado, que cumpre
obedecer, sob pena de maldições tremendas.
Então, afirmou:
— Ele volta, mamãe! Volta, sim! Juro por Deus!
A VOLTA
Romualdo estava, no poste, esperando o ônibus. O garoto desconhecido
aproximou-se e disse que era filho de d. Lucília e falou mais:
— Volta para minha mãe. É meu “último” pedido.
Romualdo não entendeu. Ou só entendeu quando o menino se atirou debaixo
de um ônibus que passava a toda a velocidade. A morte foi instantânea.
Alta madrugada apareceu mais alguém para fazer quarto ao menino: era o
assombrado, o enlouquecido Romualdo. Voltava, sim. E continuou voltando,
escravo do “último pedido” de uma criança. Quando, finalmente, ela se
cansou dele e quis deixá-lo, Romualdo lembrou, apenas, o desejo do
menino. Então Lucília compreendeu que estavam unidos, e para sempre,
dentro de um inferno.
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Deus os protege
O cara chega em casa bêbado como uma cabaça na água. E a sua mulher furiosa grita:
- Foi bebê né ?
E ele num porre, só responde também gritando:
- Fui sim! Eu fui bebê, fui adolescente, fui jovem e hoje sou um véio cansado de você, muié!!
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O bêbado entra em um velório, cantando parabéns:
-Parabéns pra você, nesta data queridaaa!
Mas logo é reprendido na entrada da casa:
-Moço, que isso? Isso não é aniversario, isso aqui é um velório!
-Por isso que desconfiei! Nunca tinha visto um bolo tao grande!
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O bêbado passou a noite toda ligando pra casa do dono do bar:
- Que hora você vai abrir o bar?
O dono:
- Mas rapaz, você já ligou mais de 100 vezes! Só vou abrir as 9 horas.
O bêbado respondeu:
- É porque você me deixou preso no bar e não tem mais nenhuma pinga pra mim tomar.
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No mesmo bar, o bêbado se aproxima de uma mesa onde se encontravam dois rapazes muito parecidos:
- Viiige! Acho que estou vendo demais!!
Ao que um dos rapazes, apressou-se em esclarecer:
- Não tem nada de errado contigo, não! É que nós somos gêmeos!
- Todos os quatro?
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O camarada saiu do bar, completamente bêbado.
Cambaleou de um lado a outro, escorando nas paredes. Caminhou mais um
pouco e parou em frente a uma freira, que lhe sorriu com profunda
piedade. Ele olhou para ela, bem nos olhos, e deu-lhe um soco no meio da
testa. A mulher saiu rolando pelo chão e caiu, desmaiada. O bêbado
ficou parado, olhando aquele monte de pano atirado na calçada. Balançou
mais um pouco, pra frente e pra trás, e reclamou, revoltado:
- Que decepção! Esperava mais de você Batman!
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Um bêbado chato entra num bar e pede pro balconista:
- Ô amigo, coloca duas aí. Uma pra mim e outra pra você.
O balconista que era o dono do bar responde:
- Só para o senhor. Eu não bebo.
- Vai fazer essa desfeita comigo amigo? Eu não bebo sozinho! Bota duas aí e bebe comigo!
O cara pra se ver livre do bêbado, coloca as duas doses. Eles tomam e o bêbado fala:
- Ó amigo, amanhã eu venho aqui, bebo mais uma e pago as duas.
O pau d`água foi embora e voltou no dia seguinte com a mesma conversa.
Novamente o dono do bar colocou duas doses e os dois tomaram. O bêbado
prometeu voltar no dia seguinte e pagar as três. Fez isso umas três
vezes. Por fim o dono do bar que já tava puto, chamou os seguranças do
bar e falou com eles:
- Amanhã, quando esse bêbado chato vier aqui, vocês peguem ele, levem
ele lá pra fora e mete a porrada, quero ver esse cara desmaiado de tanto
apanhar. Vamo vê se ele volta aqui pra beber fiado outra vez.
E assim fizeram. O Bêbado chegou, eles levaram o chato pra fora e desceram o cacete nele.
No dia seguinte o bebum apareceu novamente na maior cara de pau, todo arrebentado e pediu pro dono do bar:
- Bota uma branquinha aí pra mim.
Admirado o dono perguntou:
- Você não vai mandar eu colocar uma dose pra mim não?
- Não, quando ocê bebe, cê fica muito nervoso.
Fontes: OraPois; Portal do Humor.
sábado, 27 de agosto de 2011
Banho de Cléopatra
Era muito relaxado. Quase todas as manhãs, Ritinha fazia a mesma pergunta:
— Não vai tomar banho?
Mentia:
— Estou gripado.
E ela:
— Não mente, Hildegardo, não mente! Gripado onde?
O rapaz acabava perdendo a paciência.
— Ritinha, escuta! Te mete com a tua vida! Mania de dar palpite!
Mas a esposa era teimosa:
— Ao menos, passa álcool no pescoço e nas orelhas. Passa, Hildegardo! É tão feio homem de orelha suja.
Hildegardo acabava passando uma lição de moral:
— Escuta, mulher, escuta! — E foi enfático: — O que importa é lavar debaixo do braço. E basta! Vê se não enche! Você já está enchendo!
Ritinha suspira:
— Olha, meu filho! Eu não tenho nada com isso. É pra teu bem.
No dia seguinte, a mesma cena. O marido esbravejava: “Ih, você é chata!”.
O CASAL
Entre parênteses, era louca pelo marido. Ia dizer às amigas: — “Gosto tanto do Hildegardo, mas tanto, que olha: — se ele morresse, eu acho que não me casava outra vez”.
Protestavam:
— Mulher precisa de casamento, o que é que há? Ou você é fria?
Batia na madeira, mais do que depressa:
— Isola!
Havia, porém, na sua felicidade, um defeito: — o banho semanal do marido. Como nas anedotas, Hildegardo só tomava banho aos domingos. Menina de um asseio mórbido, que tomava, às vezes, três banhos por dia, Ritinha não entendia aquilo. Repetia, na maior boa-fé: — “É feio, meu filho, é feio!”. E o seu pavor era que a criada notasse e fosse contar na vizinhança. Toda vez que o marido entrava no banheiro, ela ia abrir o chuveiro. Explicava:
— Deixa o chuveiro aberto pra criada pensar que estás tomando banho.
Ele achou o expediente genial. Fora esse detalhe, eram felicíssimos. Até que, um dia, Hildegardo acorda antes da mulher e a sacode:
— Mulher, escuta! Vai botar o meu banho!
Vesga de sono, não entende:
— Banho?
E Hildegardo, feliz, o olho rútilo:
— Exato. Olha: — hoje, quero um banho de banheira. Caprichado.
Sentada na cama, olhava o marido:
— Que piada é essa?
Esfregando as mãos, ele fazia um risonho escândalo:
— Piada como? Você não me chama até de porco? Pois é. Resolvi ser limpo, pronto. Prepara o banho, mulher. Anda, capricha!
Tocada pela alegria do marido, enfiou os pés nas sandálias e pôs o quimono em cima da camisola:
— Até que enfim, puxa vida!
ASSEIO
Enquanto a mulher abria as torneiras, ele, diante do espelho, escovava os dentes. Disse:
— Banho morno!
O dentifrício escorria-lhe da boca como uma efervescente baba. Continuou:
— Mulher, quero sair daqui como o sujeito mais limpo do Rio de Janeiro! E olha: — vou te incumbir de uma missão especialíssima. É a seguinte: — quando eu acabar de tomar banho, você vai me limpar as orelhas com álcool. As orelhas e pescoço.
Escovou os dentes, fez a barba. A banheira já estava pela metade. Em calça de pijama, nu da cintura para cima, estufava o peito, com uma sensação de plenitude. De vez em quando, Ritinha experimentava a temperatura da água. No seu quimono rosa, esgarçado nos cotovelos, suspira:
— Sabe que eu estou te estranhando!
O marido acha graça:
— Vocês, mulheres, são engraçadíssimas! Escuta, escuta! Você sempre não reclamou? Pois bem. No dia em que resolvo ser limpo, você estranha?
Olhava aquele marido que era um garotão forte e bonito:
— Estou brincando! Você não vê que eu estou brincando, seu bobo?
Hildegardo veio beijá-la na testa:
— Minha mulher, você é a maior. Vem cá, vem cá. Põe água-de-colônia na banheira.
Era demais: — “Água-de-colônia?”. Teimou:
— Sim, senhora! Água-de-colônia! Quero um banho de Nero, um banho de Cleópatra!
Sem uma palavra, foi apanhar o litro de água-de-colônia. Faz o comentário:
— Você está exagerando!
LIMPEZA
Guarda o litro no pequeno armário e vai saindo:
— Toma teu banho, que eu vou fazer um negócio.
O fato é que Hildegardo demorou-se, na banheira, como uma noiva. Pensava, esfregando-se com ferocidade: — “Banho de casamento!”. Quando saiu, sentia-se mais leve. Gritou:
— Mulher, vem esfregar as orelhas! O pescoço!
Ela respondeu do quarto:
— Agora não posso.
Então ele molha a extremidade da toalha no álcool e passa no pescoço, nas orelhas. Em seguida, põe perfume no cabelo, debaixo do braço, no peito. Imagina: — “Devo estar cheiroso como um bebê”. E já ia saindo quando teve uma lembrança: — “Os pés!”. Inunda os pés de talco. E, então, enrolado na toalha, passa do banheiro para o quarto. Mas estaca na porta. Pergunta, estupefato:
— Que piada é essa?
Via Ritinha, muito entretida, passando a gilete nos seus ternos, um por um. A mulher acabava de abrir, em dois, o último paletó. O marido se arremessa:
— Está doida? Bebeu?
Ela ergue o rosto em desafio:
— O senhor não vai sair, não, senhor. Vai ficar aqui, comigo. Marido limpo eu quero pra mim!
Na sua raiva, segura-a pelos dois braços e a sacode. Ritinha, porém, não teve medo:
— Você arranjou uma cara e vai se encontrar com ela. Por isso tomou banho. Mas vai ficar, ouviu? Vai ficar. Quero a tua limpeza pra mim.
Larga a mulher. Com um esgar de choro, olha aquelas tiras de fazenda. Súbito, dá um repente na mulher. Puxa-o pelo braço:
— Deixa de ser burro! Eu tenho mais classe do que a gaja que você arranjou. Vem cá, vem! Burro!
Puxou-o para si. Deu-lhe um violento beijo na boca.
Meia hora depois, ele, respirando fundo, dizia:
— Você é a maior! A maior!
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
O espírito
Entre essas figurava o Garcia, bom homem, cujo único defeito era ser fraco de inteligência, defeito que todos lhe perdoavam por não ser culpa dele.
O nosso herói não se empregava absolutamente noutra coisa que não fosse comer, beber, dormir e trocar as pernas pela cidade. Tinha herdado dos pais o suficiente para levar essa vida folgada e milagrosa, e só gastava o rendimento do seu patrimônio.
Casara-se com d. Laura que, não sendo formosa que o inquietasse, nem feia que lhe repugnasse, era mais inteligente e instruída que ele. Esta superioridade dava-lhe certo ascendente, de que ela usava e abusava no lar doméstico, onde só a sua vontade e a sua opinião prevaleciam sempre.
O Garcia não se revoltava contra a passividade a que era submetido pela mulher: reconhecia que d. Laura tinha sobre ele grandes vantagens intelectuais e, se era honesta e fiel aos seus deveres conjugais, que lhe importava a ele o resto?
Sim, que d. Laura já não lembrava do Frederico...
Quem era esse Frederico? Um elegante guarda-livros, que a namorava quando o Garcia apareceu iluminado pela sua auréola de capitalista, pondo-o imediatamente fora de combate.
Ou fosse para melhorar de situação ou porque realmente o magoasse a vitória fácil do dinheiroso rival, o guarda-livros, ainda d. Laura não se tinha casado, mudara-se para São Paulo, e nunca mais souberam dele, nem ela, nem o Garcia.
Num dia em que este, ano e meio depois de casado, perguntou, a gracejar, pelo primeiro namorado de sua mulher, d. Laura, no generoso intuito de o tranqüilizar, respondeu, simulando indiferença:
— Não sei... Parece que morreu...
— Morreu?...
— Pelo menos disseram-me que sim... em São Paulo... Não sei ao certo, nem isso me interessa.
Por esse tempo já o Garcia tinha sido iniciado, por algum amigo, nos mistérios do espiritismo, e fazia parte de um grupo, um dos primeiros que organizaram nesta cidade, para estudar os fenômenos revelados nos livros de Allan-Kardec.
Os associados reuniam-se todos os sábados para consultar a mesa giratória, evocar espíritos e conversar com defuntos célebres. Produziam-se, realmente, alguns fenômenos, que impressionaram profundamente o espírito débil de Garcia, a ponto de fazer com que ele não pensasse mais noutra coisa a não ser em almas de outro mundo.
Tinha o nosso espírita grande curiosidade de evocar por meio de tal mesa giratória o espírito de Frederico, apenas para verificar se estava morto o seu antigo rival; abstinha-se, porém, de o fazer pelo receio de que os colegas do grupo, sabendo do namoro da sua mulher, o tomassem por ciumento e ridículo.
Mas uma noite, em que a sessão ainda não começara, e estavam presentes apenas dois companheiros, que mal o conheciam, o Garcia pediu-lhes que o ajudassem a evocar o espírito de um amigo.
Os outros aquiesceram. Sentaram-se os três e espalmaram as mãos sobre uma pequena mesa de três pés, que em poucos minutos começou a mexer-se como um ser animado.
— Está presente o espírito que evoquei? - perguntou o Garcia em voz sinistra e cavernosa. - Se está presente, dê duas pancadas!
A mesa inclinou-se duas vezes, e obedeceu.
— Faça o favor de dizer o seu nome por letras do alfabeto! - continuou o Garcia no mesmo tom.
A mesa deu seis pancadas.
— F - disseram os dois companheiros.
— Adiante!
A mesa deu dezoito pancadas.
— R - repetiram os espíritas.
— Adiante!
A mesa deu cinco pancadas.
— E - explicou um dos três.
— F, R, E - disse o outro.
E em tom de comando, acrescentou:
— Se é Frederico, dê uma pancada forte!
A mesa deu uma pancada tão violenta, que partiu a perna.
O Garcia ergueu-se lívido e assombrado, gaguejando:
— Estou satisfeito.
— Mesmo porque é preciso consertar a mesa - concluiu um dos companheiros.
— Com duas pernas é impossível fazê-la trabalhar.
O que preocupava o grupo já não eram os espíritos invisíveis nem os fenômenos da mesa, que se poderiam atribuir a simples efeitos do magnetismo animal; o que todos ali desejavam era ver um espírito materializado, e para isso tinham empregado grandes esforços, mas sempre vãos.
Nessa ocasião estavam presentes no Rio de Janeiro não só o espírito como o corpo, em carne e osso, do Frederico, vindo de São Paulo para tratar de um negócio urgente, de três a quatro dias.
Apesar da pressa que trazia, o guarda-livros achou um momento disponível para passar pela casa do Garcia, na esperança de ver - apenas ver - d. Laura. Poupem-me os leitores explicar-lhes como não só a viu, como lhe falou; e até entrou para a sala..
O caso é que, naquela noite, a mesma da evocação, voltando o Garcia para os seus penates mais cedo que de costume, pois que a sessão não se realizara por falta de número, encontrou o Frederico no corredor, saindo para a rua, e ficou tão estupefato que o deixou sair sem lhe dirigir a palavra.
O pobre-diabo foi direto ao quarto de sua mulher, que, ouvindo-lhe os passos apressados, se sentara mais que depressa numa cadeira de balanço, a ler um livro, fingindo a maior tranqüilidade.
— Que quer isto dizer?
— Isto quê?
— Esse homem que acaba de sair daqui?
— Um homem?! Daqui?! Tu estas doido!...
— Oh, senhora! Pois não esteve aqui um homem?
— Estás doido, repito.
— Eu vi-o!
— Não podias ter visto.
— Vi-o, e era o Frederico!
D. Laura soltou uma risada.
— Ora o Frederico! Um morto! Olha, sabes que mais? O tal espiritismo transtorna-te o miolo! O melhor é deixares-te disso!
O Garcia pensou:
— Um morto... Sim, ele está' morto... e ele então materializou-se para aparecer-me... Não foi outra coisa!
No sábado seguinte, o Garcia apareceu radiante ao grupo:
— Meus amigos, tenho que lhes fazer uma comunicação muito importante: sou médium vidente!
— Deveras? - exclamaram todos em coro.
— É o que lhes digo! Sábado passado, ao entrar em casa, encontrei no corredor uma pessoa que morreu em são Paulo.
— Conte-nos isso - ordenou o presidente do grupo - Você não teve medo?
— Eu? Nenhum! O espírito, sim, o espírito é que, pelos modos, teve medo de mim, porque assim que me viu deitou a fugir...
Pensamentos e visões de um decapitado
Há pouco ainda rolaram algumas cabeças do cadafalso. Nessa oportunidade ocorreu ao artista a idéia de pesquisar o problema: a cabeça teria a capacidade de pensar por alguns segundos depois de separada do tronco?
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Óleo de cão
Para me desincumbir desse mister, às vezes precisei de toda minha natural inteligência, posto que todos os agentes da lei da vizinhança se opunham aos negócios de minha mãe. O assunto não tinha injunções políticas, já que os agentes não haviam sido eleitos pela oposição: simplesmente faziam-no por fazer.
Eça de Queiroz
José Maria de Eça de Queiroz nasceu em Póvoa de Varzim, em 25 de novembro de 1845. Filho ilegítimo de um magistrado, passou a infância longe dos pais, no Aveiro, e formou-se em direito pela Universidade de Coimbra (1866).
Nessa época tomou parte na Questão Coimbra, ao lado de Antero de Quental e Teófilo Braga, em defesa do realismo na literatura. Estreou então como escritor, na Gazeta de Portugal, com o folhetim de Notas marginais, mais tarde parte das Prosas bárbaras (1905). Em 1867 lançou o Distrito de Évora, jornal que dirigiu.
Admitido por concurso na carreira diplomática em 1870, foi cônsul em Cuba, no Reino Unido e finalmente em Paris, onde permaneceu até a morte. Com Ramalho Ortigão, lançou em 1871 As Farpas, publicação mensal para a qual escreveu artigos de crítica político-social demolidora, mais tarde reunidos em Uma campanha alegre (1890): em estilo irônico e contundente, o livro é uma mostra de jornalismo participante e pioneiramente moderno.
Com Ramalho também escrevera uma novela policial, O mistério da estrada de Sintra (1870). Seu conto Singularidades de uma rapariga loira (1874), além de uma obra-prima, é o primeiro de cunho realista em português. Essa atitude seria elevada a alta eficiência expressiva nos romances que publicou em seguida.
Eça se casou (1886) com Emília de Castro Pamplona, irmã de um amigo e companheiro de viagens, o conde de Resende. De 1889 em diante o consulado de Paris, que muito ambicionara, não lhe alterou a produtividade; fundou a Revista de Portugal (1889-1892) e continuou a colaborar em jornais portugueses e brasileiros, enviando cartas, ecos, "bilhetes" lidos e relidos com avidez.
Romancista
Eça de Queirós é um dos maiores ficcionistas da literatura de língua portuguesa. Dotado de senso estético invulgar, desde o início impressiona pela riqueza e flexibilidade estilística. Escreve o português mais vivo de seu tempo, sem pruridos puristas e impregnado de verdade concreta, capaz de recriar e criticar todos os seres e coisas com originalidade e volúpia.
Humorista irreverente, no romance O crime do padre Amaro (1875) essa característica se alia a um realismo severo, feroz e espirituoso ao mesmo tempo, que satiriza a corrupção do clero e reconstitui seus costumes com extrema vivacidade. Mais densa é a escrita de O primo Basílio (1878), primorosamente construído, com as personagens como que aprisionadas, em seus impulsos e alternativas, pela circunstância social que as limita e condiciona.
Mais voltado para a dinâmica das relações do que para a psicologia dita profunda, Eça tempera o psicólogo social com o amante da natureza, que a registra com frescor e embevecimento. Na sociedade inquieta, entre fútil e amarga às portas da revolução republicana, a usura e a beatice pequeno-burguesa encontram um caricaturista minucioso e às vezes cruel em A relíquia (1887), em que a aventura do humor não se esquiva às máscaras do grotesco.
"Porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes, em desilusão e poeira." Antes da obra-prima que é o romance Os Maias (1888), e de suas implicações, o autor talvez não fizesse essa anotação. Obra maior da maturidade, esse vasto panorama de uma família burguesa, de seu prazer e sua dor, sua sensualidade e seu cerco de convenções, realiza até o mais alto grau o gênio de Eça de Queirós. A captação de cada passo, cada ranhura ou eco da paixão incestuosa leva o escritor a beirar a noção do inconsciente e a dar um sentido existencial às marcas do desengano.
Outro livro admirável é A ilustre casa de Ramires (1900), em que a observação e a fina ironia focalizam a pequena nobreza decadente, entre seus últimos bens e os males que a corroem. Sobressaem neste caso, junto às outras saborosas peculiaridades do mestre, a ampla visão sociológica, em que avulta o amor pela terra portuguesa, e o empenho metaliterário que faz do protagonista autor de um árduo romance.
Essa agudeza não se acha menos presente em A cidade e as serras (1901), deliciosa sátira dos progressos ainda canhestros dos tempos modernos e reencontro do romancista com a paisagem de sua meninice. Vê-se também aí, no jogo dos contrastes, o apego nostálgico à essencialidade honesta da vida ainda natural e limpa do interior.
Perfeccionista obsessivo, Eça estigmatiza a escravidão ao ouro ou a qualquer acúmulo improdutivo, mesmo que de requintes, de livros. Uma sábia alegoria do problema suscitou na novela O mandarim (1880) algumas de suas páginas mais fecundas. O tema, no fundo, se depura ainda no esplendor austero das vidas de três santos, reunidas em últimas páginas (1912).
Eça foi escritor de uma auto-exigência quase impiedosa. Além de deixar inacabados e inéditos vários trabalhos que não o satisfizeram, desprezou a primeira versão de Os Maias, publicada em 1980 com o título de A tragédia da rua das Flores.
Outras faces
De realismo menos estrito e quase mágico nos Contos (1902), Eça deixou sua crítica dispersa em periódicos e cartas que se publicaram aos poucos -- a autobiográfica Correspondência de Fradique Mendes (1900), as Cartas de Inglaterra (1903), os Ecos de Paris (1905) e as Cartas familiares e bilhetes de Paris (1907).
Em Notas contemporâneas (1909) o crítico se envolve com os principais temas e debates de seu tempo e se faz presente também em O Egito (1926), sobre a viagem ao Oriente. Na ficção que ficara inédita, há ainda seduções, e fortes, em A capital, O conde de Abranhos, Alves & Cia., os três impressos em 1925. Por fim, a encantadora tradução de As minas do rei Salomão (1891), de Riger Haggard, é um divertimento inesquecível.
Criador de tipos que ficaram proverbiais, como o conselheiro Acácio ou Jacinto de Tormes, nem sempre os fez, como estes, algo esquemáticos e caricaturais. Maria Eduarda, entre outras criaturas, é de verdade profunda e de presença inefável.
É questão de sentir e entender ao mesmo tempo. Como lembrou Moniz Barreto, "a paixão e a fantasia ocupam um lugar importante em sua obra, ao lado da observação e da análise". Eça de Queirós morreu em Paris em 16 de agosto de 1900.
Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
O correr dos anos
Quem ficou contente foi Bonifácio Ponte Preta (o Patriota), com a
inauguração da tal adutora do Guandu, que resolve o problema da água no
Rio de Janeiro até o ano 2000. Tudo que é noticiário da imprensa sobre o
assunto o Boni recorta e cola num álbum confeccionado por ele mesmo e
que tem uma bonita fita verde-amarela, badalando na capa.
Por exemplo aquele artigo do David Nasser, que saiu no "O Cruzeiro', sob
o título de “As águas da ingratidão", no qual o repórter começa assim:
"As águas da ingratidão municipal começaram a rolar" e depois diz que "a
obra do século", que quebrou o galho da falta de água até o ano 2000,
foi inaugurada e se esquece, deliberada, criminosa e vergonhosamente do
nome de Carlos Lacerda, que foi — segundo Nasser — o homem que botou o
cano lá no rio, pois esse ai ligo — eu dizia - o Bonifácio achou tão
bacana que comprou dez "O Cruzeiro" e colou tudo no álbum.
Estou contando o detalhe para mostrar que o patriótico Boni está
exagerando às pampas, no seu fervor cívico pela obra. Ele não fala
noutra coisa e ficou uma fera com o distraído Rosamundo, quando soube
que o coitado nem tinha sabido dessa inauguração:
— Perfile-se! — berrou o Boni, assustando o Rosa: — Fique sabendo que
estou lhe prestando uma informação que orgulha qualquer patrício, ouviu?
Saiba, o senhor, que inauguraram o Guandu. Teremos água até o ano 2000.
Rosamundo ficou besta com que o outro lhe contou. Que coisa, não é mesmo? Água até o ano 2000!
Mas Rosamundo mora na zona do Centro, pois ainda não percebeu que aquilo
não é zona residencial. Ontem ele passou os olhos pelos jornais e —
como sempre — nem notou o que estava lendo, passando-lhe despercebida a
notícia de que caiu uma ponte de Lajes, o que acarretou total falta de
água no lugar onde ele mora.
E quando Rosamundo chegou em casa, ainda impressionado com o que lhe
contara o patriótico Bonifácio sobre essa coisa de que não vai faltar
água até o ano 2000, e abriu o chuveiro para um banho reparador, só caiu
uma gotinha na cabeça dele e olhe lá.
Na sua proverbial vaguidão, ele comentou, apenas: — Puxa! Como os anos passaram depressa!
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