sexta-feira, 12 de agosto de 2011

John Landis

John Landis, cineasta, nasceu em Chicago, Illinois, EUA, em 3 de Agosto de 1950. Aos 17 anos trabalhou como carteiro nos estúdios da Fox. Frequentemente escala diretores e produtores como atores em pequenas papéis em seus filmes. Dirigiu os videoclips das músicas Thriller e Black or White, ambos de Michael Jackson.

Landis é um caso peculiar na lista dos mestres do terror. De fato, o cineasta trabalhou tantas vezes no gênero como fora dele e não há dúvidas que o seu gênero de predileção é antes de tudo a comédia.

Essa forma de distanciação poderia ter feito de Landis um detestável realizador do gênero, mas, felizmente, o realizador nunca deixou dúvidas sobre o seu amor pelo gênero do fantástico, fazendo sempre prova de um grande respeito para com ele. Assim, John Landis deu-nos alguns dos melhores exemplos da fusão entre o riso e o medo, entre a comédia e o terror.

A sua carreira começou com o chanfrado Schlock em 1973, escrito e realizado pelo cineasta. Este low budget  deixou claro de imediato a fusão de gêneros que marcará a sua filmografia. A partir daqui, Landis alternaria puras comédias e filmes de terror paródicos. Seguiram-se, portanto The Kentucky Fried Movie, Animal House, o mítico Os Irmãos Cara-de-Pau (The Blues Brothers), o não menos mítico Um Lobisomem Americano em Londres, Os Ricos e os Pobres", a sua participação em The Twilight Zone: The Movie, o famoso vídeo para Michael Jackson Thriller, as comédias Into the Night, Spies Like Us, Três Amigos, Cheeseburger Film Sandwich e Um Príncipe em Nova Iorque.

Como se pode verificar, John Landis contribuiu muito mais para o gênero da comédia do que para o do terror, mas Um Lobisomem Americano em Londres valeu-lhe uma merecida entrada no clube fechado dos realizadores do cinema fantástico.

Como praticamente todos os realizadores de gênero da sua geração, a entrada nos anos 90 foi complicada para o cineasta e os seus ensaios no cinema foram pouco convincentes, obrigando-o a desenvolver trabalhos para a televisão. No cinema, sucederam-se o fraco Oscar - Minha Filha Quer Casar, a simpática comédia vampiresca Innocent Blood, ou para esquecer Um Tira da Pesada 3", o desnecessário Blues Brothers 2000 e o inconseqüente Susan's Plan.

O seu trabalho para a televisão, como escritor, realizador e produtor, foi mais empolgante nomeadamente com a fabulosa série Dream On.

Será, portanto um pouco abusivo considerar John Landis um mestre do terror, mas há que reconhecer que muitos dos seus filmes, terror ou não, entraram no inconsciente coletivo dos fãs de filmes do gênero e, pensando bem, a sua participação nas duas temporadas de Masters of Horror parece perfeitamente lógica.

Filmografia

2007 - Don Rickles documentary
2006 - Great sketch experiment, The
2004 - Slasher (TV)
1998 - Plano de risco (Susan's plan)
1998 - Os irmãos cara-de-pau 2000 (Blue brothers 2000)
1996 - Os babacas (Stupids, The)
1994 - Um tira da pesada 3 (Beverly Hills cop 3)
1992 - Inocente mordida (Innocent blood)
1991 - Oscar - Minha filha quer casar (Oscar)
1988 - Um príncipe em Nova York (Coming to America)
1987 - As amazonas na lua (Amazon women on the moon)
1986 - Três amigos! (Three amigos!)
1985 - Os espiões que entraram numa fria (Spies like us)
1985 - Um romance muito perigoso (Into the night)
1983 - No limite da realidade (Twilight Zone: The movie)
1983 - Trocando as bolas (Trading places)
1981 - Um lobisomem americano em Londres (An american werewolf in London)
1980 - Os irmãos cara-de-pau (Blue brothers, The)
1978 - Clube dos cafajestes (Animal house)
1977 - Kentucky fried movie, The
1973 - Schlock

Fontes: FanatiCine; Adoro Cinema - Personalidades.
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Bernardo Guimarães

Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, romancista e poeta da segunda geração romântica, nasceu em 1825 e morreu em 1884. Como ficcionista, a capacidade incomum para retratar os costumes regionais o levou à adoção de uma linguagem atravessada por saborosas expressões do interior e, mais do que isso, pelo próprio pitoresco da oralidade provinciana.

Assim, uma de suas contribuições mais importantes foi a de minar o excesso declamatório vigente na época em que viveu. Com Escrava Isaura, romance de denúncia antiescravocrata, o escritor se tornou popular até nossos dias.

Aventurou-se, também, como José de Alencar, pelo romance histórico, folclórico-lendário, indianista e psicológico, mas, contrariamente àquele, com sua poesia, realizou paródias do indianismo com o intuito de, ridicularizando-o, deixá-lo para trás.

Poemas satíricos, obscenos e bestialógicos, filiando-o à corrente satânica do ultra-romantismo, consolidaram o lado boêmio do escritor.

Afastando-se de um lirismo açucarado de muitos poetas de então, ele emprega todo um vocabulário de práticas sexuais explícitas que choca a moralidade conservadora reinante.

Fonte: http://contosassombrosos.blogspot.com/2008/11/bernardo-guimares.html
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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Desastre de trem

Quando se conheceram ele foi franco:

— Eu sou muito bom, mas tenho um defeito.

— Qual?

Ele pareceu vacilar antes de responder:

— Sou ciumento.

E o era, de fato. Um ciumento sóbrio, que não dava a perceber, mas que se mordia por dentro. Por isso mesmo, por causa desse temperamento, é que não se casara nunca. Explicava aos amigos:

— “Eu me conheço. Sei o gênio que tenho”. Completara quarenta e cinco anos em solidão. Dir-se-ia um solteirão solícito e irremediável. Mas, um dia, foi a uma festa e lá conheceu Valquíria, jovem viúva de vinte e dois anos. As amigas da pequena cochichavam, entre si: “Vinte e dois, fora os que mamou”. Mas o fato é que aparentava essa idade ou pouco mais. E, conversa vai, conversa vem, houve um grande interesse, profundo e recíproco. Valquíria era baiana e morena, muito viva, muito alegre.

Dias depois, Antoniel dizia: “Se não fosse a diferença de idade...”. O fato é que estava apaixonado e, pela primeira vez na vida, Valquíria parecia animá-lo com olhares. Olhares, sorrisos e uma série de pequenas atenções, fúteis, mas significativas. E foi então que Antoniel revelou que era ciumento e perguntou se ela não tinha medo.

— Medo? — Estranhou. — Mas se eu até gosto!

— Sério?

— Natural!

Casaram-se seis meses depois. Pelo gosto de Antoniel, teria sido uma cerimônia muito simples e íntima. Confessava: “Sou contra exibição, contra carnaval”. Valquíria, porém, exigiu pompa, carro enfeitado com flores de laranjeira e festa em casa. Antoniel submeteu-se com bom humor: “Você é quem manda, meu anjo”.

O CASAL FELIZ

No fundo, porém, e sem nada dizer à esposa, Antoniel fazia comentário interior: “Diferença de idade é espeto”. Era esse o seu grande medo. Os dias, as semanas, os meses voavam, porém, sem que nenhuma desinteligência surgisse entre os dois.

Valquíria não se cansava de espalhar: “Eu sempre gostei de homem muito mais velho do que eu”. Na intimidade, com o marido, uma de suas distrações prediletas era procurar cabelos brancos na cabeça de Antoniel. Fazia essa pesquisa com verdadeiro deleite, e exclamava:

— Achei mais um!

Arrancava-o e fazia exibição, com uma alegria de menina, e ainda mexia com ele:

— Estás ficando velhinho!

O esposo ria também, com um fundo de melancolia. Fazia cálculos: “Quando Valquíria tiver trinta e cinco, eu terei cinqüenta e oito”. Essa aritmética de anos o amargurava. Continuava o seu exasperante monólogo interior: “O homem com cinqüenta e oito anos é uma múmia, não dá mais no couro. Ao passo que a mulher de trinta e cinco...”. Em casa com a mulher, fazia a blague: “Tenho ciúmes de ti”. E, como ele não conseguia evitar uma certa gravidade involuntária ao dizer isso, ela encarava:

— Eu te dou motivo?

Era obrigado a reconhecer:

— Não. Nunca.

A VIAGEM

Era verdade. Jamais Valquíria sugerira, com o seu comportamento, qualquer dúvida, qualquer suspeita. Ela dizia, numa comparação trivial, mas exata, que sua vida era “um livro aberto”. Só saía com o marido, a não ser quando, uma vez por semana, visitava sua mãe na cidade. Já, então, sozinha, porque as ocupações do marido o retinham no subúrbio. E, após a lua-de-mel, combinaram em termos definitivos:

— Você vai de manhã — dissera ele. — Passe o dia com sua mãe e volte de tarde.

E assim, quando Valquíria ia fazer a visita filial, o marido a deixava na estação, onde a esposa apanhava o trem elétrico e ele seguia para o trabalho. Durante três anos, viveram uma felicidade tranqüila e sempre igual. Antoniel podia dizer: —
“Foi um alto negócio o meu casamento”. E insistia: — “Um negocião”.

Até que chegou uma terça-feira, dia em que Valquíria, como fazia sempre, devia ir ver a mãe. Quando Antoniel acordou nessa manhã, já a mulher estava diante do espelho, pintando-se. Tomara um banho muito demorado, perfumara todo o corpo com água-de-colônia Flor de Maçã. E agora passava batom nos lábios. O marido mal desperto teve um bocejo e comentou:

— Você parece que vai a uma festa!

— Por quê?

Novo bocejo:

— Porque está se embonecando toda!

E passou. Quarenta minutos depois, ele já escovara os dentes, fizera a barba e tomara banho; puderam tomar café juntos. Quando a mulher se levantou, ele deixou escapar o galanteio:

— Você hoje está uma uva!

Pouco depois, ele a levava à estação.

Quando o trem encostou, Antoniel lembrou, antes que ela embarcasse:

— Dá lembranças à tua mãe!

A CATÁSTROFE

Partiu o trem e Antoniel ainda esperou que ele desaparecesse na primeira curva. Só então dirigiu-se para o emprego. Mais tarde, ele se lembraria da primeira pergunta que fez ao contí¬nuo ao entrar no escritório:

— Que dia é hoje?

— Quatro.

E Antoniel, apanhando umas cartas em cima da mesa, repetiu sem ter de quê: “4 de março de 1952”. Dir-se-ia que, sem saber, sem sentir, estava dando uma importância toda especial à data, como se ela devesse ficar marcada na sua vida, e para sempre. Quanto tempo se passou até que se recebesse a notícia? Talvez uns vinte minutos ou pouco mais. O fato é que con¬feria umas faturas quando ouviu uma voz (talvez do contínuo) dizendo a uma moça do escritório:

— “Parece que houve um desastre de trem”.

A mesma voz sublinhava: — “Um desastre horrível”.

Uma coisa se gravou, desde logo, no espírito de Antoniel; o desastre de trem.

Fosse de avião, de automóvel, de ônibus, ele não se levantaria, como se levantou, não iria interrogar o rapaz:

— Desastre de trem?

De manga de camisa, deixou o escritório. Estava ainda calmo, embora de uma calma intensa, uma calma apaixonada. Mas, no mais íntimo de si mesmo, havia certeza, definitiva, irrevogável certeza: o desastre ocorrera com o trem em que viajava Valquíria. Podia ser outro. A toda hora e em toda parte, milhares de trens deslizam nos trilhos do mundo, em todas as direções. Mas ele sabia, por uma intuição mágica e apavorante, que, entre todos, o destino escolhera aquele trem e não outro qualquer. Passou por um botequim e se deteve; o rádio de lá irradiava, justamente, as notícias do desastre. Foi recebendo o impacto de cada notícia: “Cem mortos”, “setenta e cinco mortos”, “oitenta mortos”. Uma coisa queria saber no tumulto das informações contraditórias. E soube que era, de fato, o trem de Nova Iguaçu.

O MARTÍRIO

Guardou para si o desespero. Podia recorrer a um amigo, a um parente ou, mesmo, tentar a simpatia e a solidariedade de um desconhecido. Mas fora arrancado da sua normalidade. Dir-se-ia que uma loucura prodigiosamente sóbria e lúcida se apoderava dele. Uma hora depois, estava no local do desastre. E ele próprio ia juntando do chão braços sangrando, pernas, cabeças. Houve um momento em que, olhando um morto decapitado, seu estômago se contraiu numa náusea violenta. Ao mesmo tempo, experimentava uma obsessão amarga.

E, então, ouviu que, atrás de si, alguém dizia: “Ali tem uma mulher sem cabeça”. Recuou então, fugiu, como um criminoso. Estava num tal estado mental que repetia para si mesmo: “É ela! É ela!”. Não discutiu, não verificou racionalmente a hipótese delirante. Foi para casa e enfiou-se lá, num medo atroz de que um amigo, um conhecido ou um parente trouxesse a verdade.

A MUTILADA

Anoitecia e ele não acendeu a luz. De vez em quando, do fundo de sua febre, pensava: “Eu acho que já estou louco”. E, súbito, escuta um rumor. Sim, não há dúvida: alguém introduz a chave na fechadura, alguém abre a porta. Aperta a cabeça en¬tre as mãos: “Quem seria?”. A criada, não, que tinha folga às terças-feiras. Ele se crispa e caminha, pé ante pé, ao encontro do recém-chegado. Este aperta o comutador e Antoniel tem uma espécie de uivo: “Você!”. Era Valquíria, sim, inteira, intacta, linda. Agarrou-se a ela, beijou-a na boca. Durante o beijo, porém, lembra-se do desastre.

Reflete num segundo, num décimo de segundo: “Ela devia estar morta ou mutilada”.

Durante três ou quatro minutos, sem uma palavra, ouviu a mulher contar que passara um dia agradabilíssimo com a mãe. Ele a interrompeu, com surdo sofrimento: “E a viagem? Não houve nada? Nenhum atraso de trem?”. Valquíria, sem nada perceber, e com alegre frivolidade, respondia: “Nada”.

Antoniel raciocinava: “Saltou antes do desastre”. E para quê? Segurou-a pelos dois braços, gritou-lhe a notícia do desastre: “O trem espatifou-se. Cem mortos!”.

Apavorada, ela começou a chorar, na sua pusilanimidade de adúltera. E, de fato, saltara antes do desastre; passara o dia longe de tudo e de todos, sem uma notícia do mundo. Voltara, ainda deliciada, de automóvel; e não vira ninguém, não sonhara com ninguém nem lera o jornal ou escutara o rádio. Às terças-feiras era o seu dia de amor. O marido gritava como um possesso:

— Tu devias estar sem braços, sem pernas! — E baixando a voz, arquejante: “Ou sem cabeça. Sem cabeça, como aquela mulher”.

Valquíria poderia ter gritado. Mas o medo a petrificava. Ele, sentado, exausto da própria cólera, repetia numa monotonia delirante: “Sem cabeça... sem cabeça...”.

Puxou-a pelo braço: “Vá dormir. Quero que durma”. Atirou-a na cama; deitada de bruços, ela ficou soluçando. Sentado na cama, Antoniel esperou que, vestida, de sapatos, dominada pelo cansaço, ela dormisse afinal. Então, num ar tétrico, foi ao quintal e apanhou a machadinha. Voltou, arquejando. De novo, no quarto, contemplou-a, com certo espanto e sem amor. E pensou na mulher sem cabeça, do trem.

Ergueu então a machadinha e desfechou-lhe um golpe só, na altura do pescoço.

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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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