quarta-feira, 7 de setembro de 2011

História do calçado

Cobertura e proteção dos pés, os sapatos ou ‘calçados’, são contemporâneos da Idade do Bronze. Na antigüidade oriental, egípcios, sumérios e hindus andavam, de preferência, descalços.

Havia sandálias abertas, de uso mais ou menos geral. As dos egípcios eram feitas de palha, papiro ou folha de palmeira. Os hititas usavam um tamanco peculiar, cuja forma pode ainda ser vista na Anatólia.

Na Mesopotâmia, sapatos de couro cru, amarrados aos pés por tiras do mesmo material foram introduzidos no período Kassita: já eram usados pelos montanheses da fronteira com o Irã.

Os gregos não gostavam de sapatos, a não ser no inverno. Mulheres calçavam sandálias na rua e sapatos macios, de couro ou pano, dentro de casa. As tiras das sandálias eram longas e finas e enrolavam-se até cobrir dois terços da perna. O soco, um calçado com base de madeira, era um modelo corrente entre os atores: O coturno era um borzeguim de base elevada, que chegava até a panturrilha, como os coturnos modernos. Era símbolo de alta posição social.

Os romanos adotaram a carbatina etrusca, de sola alta, cordão e bico virado. Adotaram, depois, as modas gregas. Foram os primeiros a fazer sapatos diferentes para o pé esquerdo e o pé direito.

Em Roma, o sapato indicava a classe social do usuário: os cônsules, por exemplo, usavam sapatos brancos: os senadores tinham sapatos marrons presos às pernas por quatro fitas pretas de couro atadas com dois nós. As mulheres, como as de hoje, combinavam roupas com os sapatos. Os homens usavam o soco grego, uma variedade de sandália.

A cáliga, bota de cano curto, que descobria os dedos, era o calçado tradicional das legiões. Deu nome ao imperador Gaius Cesar, filho de Germânico que fora criado nos acampamentos e só usava esse tipo de calçado: ficou conhecido, na história, como ‘Calígula’.

O calceus, que originou o nome ‘calçado’, sapato fechado, do cidadão romano, não podia ser usado por escravos.

A invasão dos bárbaros foi também a invasão dos sapatos grosseiros de couro mal curtido. Mas no império do oriente perduraram as sandálias romanas, as botas de cor ; e introduziu-se a moda persa dos sapatos e botas macias, de couro fino e tecidos preciosos.

Na Idade Média, o povo calçava sapatos de couro cru, tosco, mas resistentes, e ornados de perfurações — moda que reapareceria, modernamente, nos sapatos ingleses ditos ‘brogue’. A numeração, também é de origem inglesa e data justamente da Idade Média, quando o rei Eduardo I uniformizou as medidas, decretando que uma polegada (1 inch) correspondia a três grãos de cevada postos um atrás do outro. Um sapato, que media 35 grãos, ficou sendo n.º 35.
     
Sob Eduardo III surgiu a moda dos bicos compridos, que em vão o rei limitou, por lei, a 2 polegadas (6 grãos). Sob Ricardo II, tinham 18 polegadas, ou seja, 54 grãos: 45 cm!!! Ao fim do século XV já a moda cedera lugar à dos sapatos de bico largo, ou bico-de-pato.

Variaram os modelos, apareceram as solas de couro, e os sapatos de veludo, seda e brocado. No século XVII, as botas de uso universal, de cano alto, folgado em cima e dobrado para baixo. Os sapatos de homem eram enfeitados com laços de fita e saltos altos (salto Luís XV). Os sapatos de mulher passaram a ser feitos com o mesmo estofo dos vestidos. Sob Luís XVI, voltou à moda dos saltos baixos e foi lançada a das fivelas, de Ouro e prata.
      
Do século XVIII data a fabricação em massa de sapatos. O artesanato cedeu lugar à produção industrial. Mas só com a invenção da máquina de costura, no século XIX, o calçado ficou mais barato e acessível a todas as classes.

As polainas cinza eram muito elegantes no início do século XX. Os sapatos de verniz apenas são conservados para acompanhar o smoking. Os calçados informais, inteiriços, de modelo italiano (mocassins), substituíram, na preferência geral, os sapatos ingleses, formais, de cordão. O advento da moda hippie trouxe de volta a sandália como calçado de uso diário. Foram introduzidos, na indústria a napa, a camurça e os materiais sintéticos.         

Fonte: Enciclopédia Barsa.
Leia mais...

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Esposa bem tratada

O Guedes avisou:

— A Luci é dureza, percebeste?

Miranda virou-se:

— Dureza? E por que dureza?

O outro foi explicando: — “É séria por natureza e, além disso, o Braga é o melhor marido do mundo, caxias até debaixo d’água. Tu achas que ela vai trair um marido que nunca lhe fez nada, que a trata como uma rainha? Pensa bem”.
Impressionado, Miranda balbucia:

— Eu não sabia que o Braga era assim. E deve ser o único, porque todos os maridos que eu conheci, até agora, são uns bestalhões de fivela!

Então o Guedes, que conhecia o casal, que lhe freqüentava a casa, que almoçava e jantava lá de vez em quando, entrou a traçar o retrato daquele esposo extraordinário. Entre outras coisas que abalaram o Miranda, revelou o seguinte: — o Braga jamais traíra a mulher, jamais. Insistiu:

— Então achas que uma mulher tão bem tratada vai trair?

O outro, no seu despeito e na sua frustração, rosna: — “Quem sabe?”. Guedes pulou:

— Quem sabe, uma ova! E vou te dizer o seguinte: — queres saber o que é mulher séria? — Pausa e conclui: “Séria é a mulher bem tratada. Portanto desiste, rapaz, porque desse mato não sai cachorro, ou coelho, sei lá!”.

O APAIXONADO

Miranda era conhecido como o sujeito que tinha amores imortais, de quinze minutos. Mas a paixão pela esposa do Braga parecia um sentimento inédito na sua vida. Há três meses que gostava da Luci e só da Luci. Conhecera-a numa festa em casa de família. Podia ter convidado a pequena para dançar. Mas era de uma timidez agressiva em certas ocasiões. Apresentado à jovem senhora, mal pôde gaguejar um “muito prazer”, e foi só. Mas não lhe tirava os olhos de cima e não sossegou enquanto não se sentou perto de Luci. Ela conversava com outra senhora e o assunto era parto. Miranda ouviu a pequena dizer:

— Graças a Deus, nunca levei um ponto!

Referia-se aos próprios partos, que eram simples, fáceis, quase indolores. E Miranda, que não entendia nada de maternidade, achou que o fato de uma parturiente não levar ponto constituía um privilégio altíssimo. Saiu da festa febril de paixão. Luci era do “tipo gordinho” que, desde menino, o deslumbrava. Dia após dia, ele viveu em função desse amor. Abriu o coração com o seu amigo Guedes. Este o dissuadiu. Miranda considerou o raciocínio do amigo e levantou-se:

— Acho que você tem razão. O golpe é desistir.

De pé também, o Guedes bateu-lhe no ombro:

— Arranja outra. Mulher é que não falta. Escolhe uma que não seja bem tratada pelo marido.

O MILAGRE

Dois dias depois, estava o Miranda no escritório, batendo umas faturas, numa depressão medonha. Numa mesa perto, o Azevedo, que era um velho patusco, estava dizendo, com alegre ferocidade: — “Eu acredito em milagre. E digo mais: — só acredito em milagre”. Então, na sua tristeza, o Miranda pensou que, para ele, o milagre seria o êxito no seu amor por Luci. Pois bem: — neste justo momento, o boy o chama ao telefone. Levanta-se e atende. Ouve uma voz feminina, que diz:

— Sabe quem está falando?

Confessa:

— Não, não sei. Quem é?

Resposta:

— Luci

— Que Luci?

E a outra, provocante:

— A Luci em que você está pensando.

O trote pareceu-lhe evidente. Foi grosseiro no telefone:

— Sossega o periquito. E das duas uma: — ou diz quem é ou desligo.

Do outro lado da linha, a pequena ria. E só uns cinco minutos depois é que Miranda convenceu-se em definitivo: era Luci, sim, a fabulosa Luci, que o procurava e ligava para ele. No maior deslumbramento de sua vida, encheu-se de dedos. Ela ria, ainda:

— Você pensa que eu não percebo que você não tira os olhos de cima de mim? Podia ter me telefonado, ora essa, e por que não?

O inepto pergunta: — “E seu marido?”. Respondeu: — “Meu marido não está sempre em casa”. No fim de meia hora de conversa, Miranda, num arranco de coragem suicida, propõe-lhe um encontro, que a menina aceita com uma deliciosa naturalidade. Ela fez, porém, uma ressalva:

— Tem que ser num interior.

Admirou-se: — “Como num interior?”. Com certa impaciência, a outra põe os pingos nos is: — “Você não tem um apartamento?”. O pobre-diabo quase agonizou no telefone. Desvairado, promete: — “Arranja-se. É o de menos”. Larga o telefone com as pernas bambas, a vista turva. Senta-se, aperta a cabeça entre as mãos e procura pôr ordem nas idéias.

Pensa: — “Deve ser sonho ou, então, é o milagre”. Procura o Guedes, conta-lhe tudo:

— Entrou de sola, compreendeste? E fiquei de telefonar, de manhã, dando o endereço do apartamento.

O Guedes, atônito, via ruir por terra a sua teoria da “esposa bem tratada”.

Miranda, aflito, cutucava-o:

— Temos que arranjar um apartamento, digno da “Rainha de Sabá”.

ABERRAÇÃO

Miranda conseguiu o que queria com o Lobato. Este, garoto milionário e irresponsável, montara um apartamento que só faltava falar. Tinha lá de tudo, inclusive uma geladeira suntuária, monumental. O Lobato entrega-lhe a chave e aconselha: — “Mostra-lhe a geladeira!”. E justificava: “Mulher se impressiona muito com geladeiras!”. Miranda embolsa a chave e bufa: — “Tu és uma mãe”.

No dia seguinte pela manhã, diz à pequena, pelo telefone, o endereço do apartamento em Copacabana. Combinaram tudo, de pedra e cal, para as quatro horas. Miranda continuava inseguro. Dizia até para o Guedes: — “Será que eu estou sonhando?”. O Guedes, interessado no episódio, foi levá-lo até a esquina do edifício. Miranda chegou antes, uns quarenta minutos na frente. Às quatro em ponto, Luci apareceu. Diante dela, ele balbucia, numa embriaguez total:

— Minha gordinha!

O FIM

Duas horas depois, Luci está diante do espelho, pondo batom. Tem um lírico lamento: — “Você me arranhou com a sua barba!”. E, então, ele vem por trás e, na sua felicidade, quer saber: — “Tu gostas de mim?”. Luci vira-se: — “Eu não gosto de ti”. Ele não entende. Insiste: — “Nem um pouquinho?”. Ela responde, doce, mas inapelável: — “Nada”. E ele atônito: — “Sério?”. Encara-o: — “Seríssimo!”. Sentiu que Luci não mentia e, no seu despeito, segura aquela mulher possuída:

— Se não gostas de mim, por que traíste teu marido?

Luci ergue-se. Apanha a bolsa, enquanto o amante espera. Diz-lhe:

— Traí meu marido porque, todas as noites, ele tira a dentadura e põe num copo.

Miranda não fez um gesto quando a pequena passou por ele, sem uma palavra, um olhar, um sorriso. Deixou-a ir e, só no quarto, sentou-se na extremidade da cama e pôs-se a chorar.
________________________________________________________________
A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Leia mais...

Diabólica

Na noite do pedido oficial, Dagmar, de braço com o noivo, foi até a janela, que se abria para o jardim. Então, com uma tristeza involuntária, uma espécie de presságio, suspirou. E foi meio vaga:

— Caso sério! Caso sério!

E Geraldo, baixo e doce:

— Por quê?

Dagmar vacila. Finalmente, tomando coragem, indica com o olhar:

— Estás vendo minha irmã?

— Estou.

Durante alguns momentos, olharam, em silêncio, a pequena Alicinha, de treze anos, que, na ocasião, apanhava uma flor no jarro, para dar não sei a quem. Dagmar pergunta: “Bonita, não é?”. Geraldo concorda: “Linda!”. Então, pousando a mão no braço do noivo, a pequena continua:

— Por enquanto, Alicinha é criança. Mas daqui a um ano, dois, vai ser uma mulher e tanto.

— Um espetáculo!

Sorriu, triste:

— Um espetáculo, sim! — Pausa e, súbito, tem uma sinceridade heróica: — Há de ser mais bonita do que eu.

Geraldo interrompeu: “Protesto!”

Foi quase grosseira:

— Não me põe máscara, não! Eu tenho espelho, ouviu? Agora, que sou tua noiva, quero te dizer o seguinte.

— Fala.

E ela:

— Você é homem e eu sei que esse negócio de homem fiel é bobagem. Mas toma nota: se você tiver que me trair, que não seja nem com vizinha, nem com amiga, nem com parente. Você percebeu?

Surpreso e divertido, exclama:

— Você é de morte, hein?

AS IRMÃS

Havia entre as duas irmãs uma diferença de quatro anos; Dagmar tinha dezessete, Alicinha treze. Até então, Geraldo via a cunhada como uma menina irremediável. No fundo, talvez imaginasse que ela seria para sempre assim, criança, criança. A observação da noiva o apanhou desprevenido. Pouco depois, olhava para Alicinha com uma nova e dissimulada curiosidade. Sentiu que a mulher, ainda contida na menina, começava a desabrochar. Esta constatação o perturbou, deu-lhe uma espécie de vertigem.

Na hora de sair, despediu-se de todos. A noiva veio levá-lo até o portão. Ao ser beijada na face, disse:

— E não esqueça: Alicinha é sagrada para você!

Era demais. Doeu-se e protestou:

— Mas que palpite é esse? Que idéia você faz de mim? Sabe que assim você até me ofende?

Cruzou os braços, irredutível:

— Ofendo por quê? Os homens não são uns falsos?

— Eu, não!

Ela replicou, veemente:

— Você é como os outros. A mesma coisa, compreendeu?

FAMÍLIA

Mas quando Dagmar confessou aos pais que advertira o noivo, foi um deus-nos-acuda. A mãe pôs as mãos na cabeça: “Você é maluca?”. Quanto ao pai, passou-lhe um verdadeiro sabão:

— Foi um golpe errado. Erradíssimo!

— Eu não acho.

O velho tratou de ser demonstrativo: “Você pôs maldade onde não havia!

Despertou a idéia do seu noivo!”.

Replicou, segura de si:

— Papai, eu sei muito bem onde tenho o meu nariz.

O pai andava de um lado para outro, nervoso. Estacou, interpelando-a:

— E agora, com que cara teu noivo vai olhar para tua irmã? Vocês, mulheres, enchem! E, além disso, parta do seguinte princípio: uma irmã está acima de qualquer suspeita! Família é família, ora bolas!

E Dagmar, obstinada:

— Meu pai, gosto muito de Alicinha. É uma pequena ótima, formidável e outros bichos. Mas intimidade de irmã bonita com cunhado, não! Nunca!

CIÚMES DOENTIOS

Num instante, criou-se o caso no seio da família. Não houve duas opiniões. Segundo todo mundo, aquilo não era normal, não podia ser normal. Um dos grandes argumentos foi a idade de Alicinha: “Como pode? Como pode?”. O pai, mascando o charuto, argumentava: “Que você desconfie de todo mundo, até de poste, vá lá! Acho que uma mulher deve defender com unhas e dentes o seu homem. Mas irmã é outra coisa! Irmã é diferente!”.

Na sua tristeza, ela replicava: “O que eu não sou é burra!”. E o pai: “Nem sua irmã, nem seu noivo merecem isso!”. Por fim, já se falava, abertamente, em caso. Um primo da pequena, que era pediatra, sugeriu:

— Por que é que não levas fulana a um psiquiatra?

Ela acabou indo, vencida pelo cansaço da própria vontade. Lá, o psiquiatra, depois de um interrogatório medonho, chega à seguinte conclusão: “O negócio é extrair os dentes!”. O pai da pequena caiu das nuvens. Chorou, amargamente, o dinheiro da consulta:

— Mas que animal! Que palhaço! — E, jocoso, criava o problema: — Isso é psiquiatra ou é dentista?

Mas o fato é que, pouco a pouco, sem sentir e sem querer, Dagmar foi se deixando dominar pela pressão da família. O próprio noivo colaborou nesse sentido. Era hábil:

— Você não precisa ter medo de mulher nenhuma. Pra mim, não existe no mundo mulher mais bonita do que você. Palavra de honra!

O MAIÔ

Só quem não se dava por achada e parecia ignorar o disse-que-me-disse era a própria Alicinha. Tratava a irmã e o cunhado com a mesma naturalidade. E era tão sem maldade, tão inocente, que, certa vez, comprou um maiô fabulosíssimo e apareceu com ele na sala, diante de Dagmar e do Geraldo. Foi uma situação pânica. Por um momento, o embasbacado cunhado não soube o que dizer, o que pensar. Empalidecera e... Girando como um modelo profissional, Alicinha perguntava:

— Que tal?

Por uma fração de segundo, Dagmar pensou em explodir. Mas convencera-se de que precisava reeducar-se; dominou o próprio impulso. Com um máximo de naturalidade, admitiu: “Bonito!”. O atônito, o ofuscado, o desgovernado Geraldo gemeu: “Infernal!”. Mas quando deixou a casa da noiva, nesse dia, ia numa impressão profunda. Mais tarde, no bilhar, com uns amigos, fez o seguinte jogo de palavras:

— Não há mulher mais bonita que uma cunhada bonita!

SONSA

No dia seguinte, Alicinha passa por ele e pisca o olho: “Deixei de ser criança! Já não sou mais criança!”. Isso poderia significar pouco ou muito. De qualquer forma, desconcertado, ele chegou a transpirar. Mais dois ou três dias, e Alicinha vai procurá-lo no escritório. Senta-se a seu lado; diz: “Você tem medo de mim?”. O pobre-diabo gaguejou: “Por quê?”. E ela, com um olhar intenso, não de criança, mas de mulher: “Tem, sim, tem!”. Parece divertida. E, subitamente, séria, ergue-se e aproxima-se. Estavam no gabinete de Geraldo. Alicinha inclina-se e pede:

— Um beijo.

Lívido, obedeceu. Roçou, de leve, a face da pequena. Ela insistiu: “Isso não é beijo. Quero um beijo de verdade”. Geraldo levanta-se. Recua apavorado, como se aquela garota representasse uma ameaça hedionda. Numa espécie de soluço, diz: “Eu amo minha noiva! Amo tua irmã!”. E ela, diante dele: “Só um!”. Petrificado, deixou-se beijar uma vez, muitas vezes. E não podia compreender a determinação implacável de uma menina de treze anos.

Antes de sair, ela diria: “Você é meu também!”. E o ameaçou, segura de si e da própria maldade: “Vou te avisando: se começares com coisa, eu direi a todo mundo que houve o diabo entre nós!”. Geraldo arriou na cadeira; uivou:

— Demônio! Demônio!

O BEIJO

Foi, desde então, um escravo da menina. E, coisa interessante: ao mesmo tempo que se sentia atraído, tinha-lhe ódio. Sentia nela uma precocidade hedionda. E, por outro lado, era um fraco, um indefeso, um derrotado. Até que, uma tarde, entra numa delegacia; soluçando, anuncia: “Acabei de matar minha cunhada, Alice de tal, num lugar assim, assim”.

Ainda prestava declarações quando Dagmar invade a delegacia. Passara pelo lugar em que Alicinha fora assassinada; vira a irmã, de bruços, com o cabo do punhal emergindo das costas. Então, fora de si, correu para a delegacia. E houve uma cena que ninguém pôde prever. Avançou, apanhou entre as mãos o rosto do noivo e o beijou na boca, com loucura. Foi agarrada, arrastada. Debatia-se nos braços dos investigadores.

Gritava:

— Oh, graças! Graças!
 ________________________________________________________________
A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Leia mais...