sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Viúva alegre

Quando seu Neves passou, de cara amarrada, os empregados cochicharam entre si:

— No mínimo, brigou com a mulher!

E, de fato, cinco minutos depois, ele abria a porta do gabinete. Esbravejou:

— Cadê o Carvalhinho? A besta do Carvalhinho, onde está?

Não se dirigia a ninguém. Levanta-se então, do fundo da sala, espavorido, Amadeu, o guarda-livros. No seu passo rápido e miúdo de pigmeu, atravessa todo o escritório. Chega junto a seu Neves, põe-se quase na ponta dos pés e sussurra:

— Morreu.

O outro recua:

— Quem?

— O Carvalhinho.

Pálido, pergunta:

— Morreu? Mas de quê, carambolas? Ainda ontem estava bonzinho!

Amadeu resume:

— Coração.

Sem uma palavra, seu Neves apanha o lenço no bolso traseiro da calça e enxuga o suor da testa. A morte, fosse como fosse, o assombrava. Desde criança que perguntava de si para si: “Por que se morre?”. E concluía: “Ninguém devia morrer, nunca!”. No caso do Carvalhinho, havia uma agravante: o morto fora, até a véspera, seu secretário. Numa impressão profunda, seu Neves vira-se para Amadeu:

— Entra, entra. Preciso falar contigo.

E trancava nas costas os dedos em figas.

MARIDO HUMILHADO

Carvalhinho morrera na véspera, durante o jantar, quando se servia de sopa. Preliminarmente, seu Neves determinou: “Olha, Amadeu. Manda uma coroa em meu nome, uma coroa bem bacana, ouviu?”. Sentou-se na cadeira giratória. Passada a desagradabilíssima surpresa da notícia, recuperava-se rapidamente. De um modo ou de outro, o fato é que a morte do Carvalhinho vinha distraí-lo de um feio bate-boca que tivera em casa, com sua esposa Guiomar.

Enquanto o Amadeu vai tratar da coroa, seu Neves andava no gabinete, de um lado para o outro, fazendo uma revisão de sua vida matrimonial. Segundo se dizia, casara-se com Guiomar por interesse. E, com efeito, ela era filha de um italiano riquíssimo, dono de trinta padarias, ao passo que seu Neves não tinha nada de si, senão dívidas.

O fato é que seu Neves comia no lar o pão que o diabo amassou. Sofria as mais graves desconsiderações. Na presença de visitas, de estranhos, Guiomar o humilhava, sem dó nem piedade: “Quando você se casou comigo, era um pronto! Não tinha onde cair morto!”. E seu Neves, indefeso, rilhava os dentes, numa treda e torva humilhação. Nesta manhã, ela o desacatara ferozmente:

— Você é um marido que eu pago! O marido que eu comprei!

CONFISSÃO

Até aquele momento, fora de uma discrição exemplar. Jamais abrira a boca para falar mal da esposa. Mas, ao fim de cinco anos de cotidiana humilhação, sentia-se no limite extremo da resistência. Gemia de si para si mesmo: “Eu não agüento mais! Não suporto mais”. Quando o Amadeu voltou da casa de flores, seu Neves o pilhou para confidente: “Senta aí, senta”. E explica: “Hoje eu tenho de desabafar com alguém ou morro”. Diante do subalterno espantado, fez as confidências mais deslavadas. Começou mais ou menos assim:

— Vou te contar o que nunca disse a ninguém: eu me casei por causa do dinheiro de minha mulher, percebeste? Puro interesse e nada mais. Conclusão: estou pagando tudinho. Tu conheces minha esposa: é um bucho?

O acovardado Amadeu gagueja:

— Eu não acho!

Seu Neves salta:

— Acha sim, seu zebu! É um bucho, ouviu? É horrorosa! Mas, enfim, podia ser bucho e prestar, ser uma boa pessoa. Nem isso! Nem isso! É uma megera, compreendestes? Ela me trata a pontapés. Qualquer dia desses me dá na cara!

Parou, arquejante. Ao lado, o Amadeu, trêmulo, era incapaz de um comentário. Seu Neves continua. Tem um riso feroz:

— Eu invejo! Invejo os maridos que matam, que esfolam! Te juro que só não mato minha mulher por falta de coragem física. Sou um banana!

E berrava: “Um banana!”.

No fim, vira-se para Amadeu e, quase sem fôlego, diz:

— Resolvi fazer o seguinte: não gosto de minha mulher. Até aqui, fui estupidamente fiel. Não faço uma farra. Mas vou deixar de ser burro. Minha mulher tem dinheiro, não tem? Vou gastar o dinheiro dela com outras mulheres. E vai começar hoje. Percebeste?

— Percebi.

Seu Neves põe-lhe a mão no ombro: “Conto contigo pra isso!”. O outro esbugalha os olhos: “Comigo?”. E o chefe, transpirando, em voz baixa:

— Contigo sim. Queres subir aqui, não queres? Conheces alguma dona, que seja boa, muito boa, pra lá de boa? Estou disposto a pagar bem. Dinheiro há!

Silêncio de Amadeu, que era, a um só tempo, tímido e ambicioso, taciturno e voraz. Seu Neves enxuga com o lenço o suor do rosto. Interroga o rapaz:
“Conheces alguma nessas condições? Disponível para hoje?”.

Resposta vaga: “Estou pensando”. E, com efeito, durante uns cinco minutos, ele força a memória. Por fim levanta-se:

— Achei.

A PEQUENA

Seu Neves arremessou-se:

— Quem?

E o outro:

— A viúva!

A princípio, seu Neves não entende: “Qual delas?”. Sem desfitar o patrão, Amadeu completa:

— A viúva do Carvalhinho.

Atônito, o chefe realiza todo um penoso esforço mental. Mas quando percebe, afinal, a sordidez da sugestão, só faltou bater no subordinado: “Você está maluco? Bebeu? Me acha com cara de abutre? De necrófilo?”. Agarra o Amadeu pelos braços e o sacode: “Você acha que eu vou dar em cima da viúva do meu secretário, no dia em que ele é enterrado?”. Sem perder a calma, Amadeu trata de convencê-lo. Explica:

— Carvalhinho andava traindo a mulher com uma dona, compreendeu? E sabe por que ele empacotou? Porque a mulher, ontem, descobriu tudo, inclusive a identidade da gaja, e o escrachou durante o jantar. Eu estava lá, vi e ouvi.

— E daí?

Amadeu acende um cigarro:

— Mas é claro como água! Uma mulher despeitada, seja viúva, seja o que for, faz qualquer negócio. Eu aposto os tubos! Aposto o que o senhor quiser! Quer apostar?

Então, enfiando as duas mãos nos bolsos, seu Neves pergunta:

— E a minha situação? Você se esquece de minha situação? Ela pode ser despeitada, mas eu não sou, ora bolas! Negócio de defunto é espeto! Sempre tive um medo danado de defuntos!

VIÚVA

Fosse como fosse, Amadeu sugere: “Vamos lá dar uma espiada. Não custa espiar”. Seu Neves concordou. Ao meio-dia, partem de automóvel para a residência do morto, no subúrbio. E o patrão foi dizendo: “Não telefonei para minha mulher, porque não gosto de dar notícias de morte”.

Quase ao chegar ao destino, seu Neves lembra-se: “E que tal? Ela é boa, é?”. Amadeu estala a língua: “Um monumento!”.

Quando surgiram no velório, seu Neves ia escabreado, ao passo que Amadeu, na frente, varava os grupos. Em dado momento, Amadeu cutuca o outro: “Espia!”. Ele olha na direção indicada e recebe um impacto. A viúva, junto do caixão, percebe que aquele, o chefe do marido, crava as unhas no seu braço: “Ah, é o senhor?”. Balbucia: “Pois não... Meus pêsames”. A pequena teve um meio riso, entre sardônico e apiedado. Indaga: “Sua senhora não veio? Não? Não sabe?”.

Amadeu, ao lado, explicou que a esposa do patrão ainda não sabia. Então, a viúva não perde tempo: “Quer vir, aqui, um instantinho, quer?”. Seu Neves, espantado, acompanha-a até o jardim. Lá ela começa:

— Meu marido arranjou esse emprego por influência de sua senhora. O senhor nunca estranhou esse interesse? Nunca desconfiou de nada?

Conversaram uma meia hora, em voz baixa. Cada pessoa que chegava, já sabe, arregalava os olhos, sem compreender que uma viúva abandonasse o velório do marido. Por fim, ela ergueu-se: “Não vou ficar aqui, nem vou ao cemitério. Quer sair comigo?”.

Foi um escândalo quando eles, de braço, deixaram a casa e apanharam um automóvel. Seu Neves andou de táxi pela cidade com a viúva, horas e horas. Deixou-a, alta madrugada, na residência de um parente.

E, então, voltou para o lar. Chegou em casa, acordou a esposa e deu-lhe uma surra.
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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Mary Shelley

Mary Wollstonecraft Shelley (Londres, 30 de agosto de 1797 - idem, 1 de fevereiro de 1851), mais conhecida por Mary Shelley foi uma escritora britânica, filha do filósofo William Godwin e da pedagoga e escritora Mary Wollstonecraft.

Sua mãe morreu ao dar a luz a ela. Ela foi então criada pelo pai e pela sua madrasta, que a odiava. Sua irmã era depressiva e cometeu suicídio; na família havia também dois irmãos.

Ela conheceu o poeta Percy Bysshe Shelley em 1813. Ele tinha apenas 20 anos, mas já era casado - e infeliz no casamento. Ela e ele casaram-se depois do suicídio da primeira esposa. Seu pai deserdou-a por isso.

O casal teve quatro filhos, mas apenas um viveu bastante. Em 1822 seu marido morreu, e então a vida de mary terminou.

Embora ela tenha vivido por mais trinta anos, nunca mais teve a mesma chama, como quando na companhia de seu brilhante marido e seus amigos, como o poeta Lorde Byron.

A obra mais famosa é Frankenstein escrita entre 1816 e 1817. O romance obteve grande sucesso e gerou todo um novo gênero de horror, tendo grande influência na literatura e cultura popular ocidental.

Fonte: Wikipédia - A Enciclopédia Livre.
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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Alda Garrido

Alda Garrido
Alda Garrido (Alda Palm Garrido), atriz do teatro de revista e comediante, nasceu em São Paulo, SP, em 19 de agosto de 1896, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, RJ, em 8 de dezembro de 1970.

Foi uma das maiores comediantes brasileiras e fez muito sucesso nos teatros nas décadas de 20 a 60. E como no caso de Cacilda Becker, foi o cinema que registrou sua imagem para seu saudoso público, as gerações seguintes e para as próximas que virão.

Criou um estilo próprio e se tornou conhecida pela brasilidade de sua interpretação, que identificava tipos populares femininos. Marcou os anos 50 com a criação da personagem Dona Xepa.

Aos 19 anos formou com o marido, o ator Américo Garrido, a dupla Os Garridos, fazendo duetos até 1920, em São Paulo. Mudaram-se para o Rio de Janeiro e organizaram uma companhia para o Teatro América, estreando com Luar de Paquetá, de Freire Jr., 1924, que permaneceu seis meses em cartaz com sucesso.

A dupla, então, recebeu convite para trabalhar com o empresário Pascoal Segreto, e na sua companhia atuaram, entre outras, em Ilha dos Amores, Quem Paga É o Coronel, ambas de Freire Jr., Francesinha do Bataclan, de Gastão Tojeiro, todas em 1926.

A temporada projetou Alda Garrido, que foi contratada pelo empresário de teatro de revista Manoel Pinto, pai de Walter Pinto, para atuar na Companhia Nacional de Revistas, no Teatro Recreio.

O sucesso que a atriz obteve no gênero a fez manter desde então uma dupla atuação profissional - de um lado as comédias de costume que monta em sua própria companhia com produção do marido, de outro, os contratos com os empresários do teatro de revista.

Mas aos poucos os espetáculos de sua companhia acabaram se rendendo ao sucesso do teatro musicado, como em Brasil Pandeiro, 1941, com texto de seu autor favorito, Freire Jr., em parceria com Luiz Peixoto, uma dupla das mais requisitadas no gênero revisteiro.

Em 1939, o empresário Walter Pinto faz com que, no espetáculo Tem Marmelada, de Carlos Bittencourt e Cardoso de Menezes, Garrido e Aracy Cortes dividam o palco pela primeira e última vez, no Teatro Recreio.

Entre as revistas de maior sucesso de sua carreira estão Maria Gasogênio - sátira à falta de gasolina nos anos da Segunda Guerra - e Da Favela ao Catete, de Freire Jr. e Joubert de Carvalho, 1935.

A atriz criou um estilo próprio de interpretar e de transformar o texto por meio de improvisos que, segundo Pedro Bloch, era na verdade criações premeditadas e cuidadosamente estudadas.

Os anos 50 consagraram Alda Garrido com Dona Xepa, de Pedro Bloch, 1953. A atriz se tornou o símbolo da brasilidade, como mostra o seguinte trecho do jornalista Jota Efegê: "A feirante Dona Xepa, bem na fatura artística de Alda Garrido (o rústico, o matuto), enseja-lhe um desempenho espontâneo onde prevalece a sua intuição na composição da figura. Ultrapassando o script, Alda entra com sua preciosa colaboração e enxerta-lhe 'cacos' perspicazes".

Foto: com Odete Lara e Herval Rossano em cena de "Dona Xepa" (1959).
E, apontando aquilo que lhe é próprio, revela o crítico Décio de Almeida Prado: "(...) nem atriz propriamente ela é. Atriz é alguém que se especializa em não ser nunca duas vezes a mesma pessoa. Alda Garrido não tem nada disso: os seus recursos de técnica teatral, de caracterização psicológica são dos mais precários. Em compensação, possui qualquer coisa de muito mais raro: uma personalidade genuinamente cômica. Quando representa, a graça não está nunca na personagem: está na intérprete, no que esta possui de inconfundível, de inimitável. O que admiramos não é a peça, mas a própria Alda Garrido, com o seu grão de irreverência e de loucura, que lhe permite comportar-se sempre de maneira menos convencional possível, e também com o seu grão de inesperado bom senso, que a faz sempre achar a resposta mais desconcertantemente terra a terra, mais prosaicamente adequada. Alda Garrido, muito mais que atriz, é uma grande excêntrica, a exemplo desses cômicos de cinema e de teatro musicado norte-americano - um Groucho Marx, um Danny Kaye".

Fontes: Wikipédia - A enciclopédia livre; Mulheres do Cinema Brasileiro; Enciclopédia Itaú Cultural - Teatro.
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