sexta-feira, 23 de setembro de 2011

As primeiras bolas de futebol

Shoot, Fussball e Dupont. Estas eram as marcas das primeiras bolas que quicaram no Brasil. Seus donos eram rapazes de fino trato que haviam estudado na Europa, onde aprenderam a jogar o futebol.

As pioneiras Shoot vieram da Inglaterra na bagagem de Charles Miller. Já a Fussball foi trazida da Alemanha por Hans Nobiling. Finalmente, a Dupont foi uma encomenda de Oscar Cox a um amigo que viajou à Suíça (Fig.: a primeira, inglesa, e abaixo bolas das copas de 70, 62 e 58).

Todas eram muito parecidas entre si, mas bem diferentes das bolas de hoje. Tinham uma abertura por onde entrava uma câmara inflável de borracha. O principal problema surgia na hora de cabecear, quando o cadarço que amarrava a fenda podia machucar as cabeças menos protegidas. Daí o hábito de muitos jogadores usarem aquela touquinha aparentemente ridícula.

No início do futebol brasileiro, para suprir a demanda cada vez maior, a saída foi importar pelotas inglesas. A mais procurada era a McGregor. Mas não tardou que um artesão chamado Caetano começasse a fabricar as primeiras bolas nacionais na sua sapataria da Rua Ipiranga, em São Paulo.

Logo, outros sapateiros começaram no ramo promissor e o Brasil se tornou exportador de bolas, principalmente para a Argentina e o Uruguai. Mesmo assim, a redonda era um artigo de luxo e a criançada brincava mesmo era com bolas de meia, recheadas com palha ou papel. A maior parte dos nossos primeiros craques começou assim.

Na década de 40, a bola que imperava nos gramados brasileiros tinha costura interna, sem a abertura e o cordão. Mas o seu couro marrom continuava a encharcar nos dias de chuva ou nos campos cheios de lama. "Ficava tão pesada que eu tinha que jogar de esparadrapo nas mãos e os homens da linha tinham de enfaixar os pés", conta Oberdan Catani, 75 anos, goleiro do Palmeiras e da Seleção nos anos 40.

A partir da Copa de 62, a bola passou a ser fabricada com dezoito gomos, ganhando uma forma mais perfeita e estável. A cor branca, que sempre foi usada nos jogos noturnos, se tornou a preferida também nos diurnos depois da Copa de 70.

Hoje, as bolas são filhas da tecnologia – pelo menos no exterior. O modelo da Copa de 94 foi desenvolvido com diversas camadas de material sintético que potencializa os chutes e apresenta alta durabilidade e resistência.

Fonte: Revista Placar.
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Hans Nobiling, o professor alemão

Hans Nobiling (10/09/1877, Hamburgo, Alemanha - 30/07/1954, Jacarepaguá, Rio de Janeiro) foi um ex-jogador do Sport Club Germania 1887 de Hamburgo que, jovem, chegou ao Brasil em meados de 1897, trazendo na bagagem bola e a enorme vontade de jogar futebol. Mas em São Paulo, cidade onde se estabeleceu nessa época, o esporte era privilégio de ingleses e dos alunos do Colégio Mackenzie.

Nobiling precisou de muita insistência para conseguir convencer alguns rapazes a organizar um time. Com base nos conhecimentos adquiridos no Germania, o alemão ensinou seus companheiros a chutar, passar e fintar.

Anos depois reuniu um time avulso, que passou a ocupar o campo da Cia. Paulista de Transportes da Chácara Dulley, onde inicialmente o São Paulo Athletic Club fazia seus jogos. Como era muito comum a invasão do campo pelos cavalos e burros que puxavam os bondes que circulavam pela capital paulista na época, o SPAC resolveu seu problema fazendo seu próprio campo na mesma chácara.

A equipe deste alemão, que recebeu a alcunha de Hans Nobilings Team ou "time do Hans Nobiling" em uma tradução livre, teve dificuldades para conseguir adversários no início, mas o time de Nobiling conseguiu dobrar as resistências. Quando ficou satisfeito com a evolução de seus pupilos, o professor alemão mandou uma carta desafiando o time do Mackenzie para um match, o primeiro disputado entre dois times no Brasil. O racha terminou O a 0, mas nunca um placar tão magro rendeu tão bons resultados. O futebol já não era só para inglês ver. Não demorou muito e Nobiling resolveu fundar um clube de verdade.

Logo na primeira reunião não houve consenso para escolha do nome. Cinco votos para Sport Club Germânia, quinze para Sport Club Internacional, já que se tratava de um clube cosmopolita, que reunia brasileiros, alemães, franceses, portugueses e ingleses.

Os dissidentes germânicos, entre eles Hans Nobiling, dezoito dias depois, a 7 de setembro, fundariam o seu Sport Club Germânia (atual Pinheiros), que tinha como campo a área que ficava na Chácara Witte, atrás da antiga cadeia, onde mais tarde seria construída a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. E assim se protagonizou a primeira cisão do futebol brasileiro.

Primeiro time de futebol do Germania em 1899 com Hans Nobiling
Primeiro time de futebol do Germania em 1899 com Hans Nobiling (Gal.do Esporte Clube Pinheiros )

Resumindo, então, o Hans Nobilings Team foi o primeiro time de futebol formado por Hans Nobiling, alemão radicado no Brasil que mais tarde fundaria o Sport Club Internacional de São Paulo e o Sport Club Germânia.

No fim do século XIX era comum as pessoas formarem equipes de futebol ao melhor estilo do futebol de várzea dos dias de hoje, era comum equipes se resumirem à uma bola e entre onze a quinze camisas, sob certos aspectos era esse o caso do Hans Nobilings Team, essa equipe que atuava desde meados de 1895.

Ela nunca disputou nenhuma divisão das diversas versões do Campeonato Paulista, mas merece registro por vários motivos, o primeiro deles é o de ser uma das primeiras equipes do nosso futebol, a segunda é por haver participado das primeiras partidas em nosso país e a terceira, e de certa forma a mais importante é que em 1899 participou do primeiro torneio de futebol do qual se tem notícia no Brasil, lançando assim as sementes pra fazer surgir a Liga Paulista de Futebol e toda a história a partir dela.

Fontes; Wikipedia; Revista Placar.
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Viúva alegre

Quando seu Neves passou, de cara amarrada, os empregados cochicharam entre si:

— No mínimo, brigou com a mulher!

E, de fato, cinco minutos depois, ele abria a porta do gabinete. Esbravejou:

— Cadê o Carvalhinho? A besta do Carvalhinho, onde está?

Não se dirigia a ninguém. Levanta-se então, do fundo da sala, espavorido, Amadeu, o guarda-livros. No seu passo rápido e miúdo de pigmeu, atravessa todo o escritório. Chega junto a seu Neves, põe-se quase na ponta dos pés e sussurra:

— Morreu.

O outro recua:

— Quem?

— O Carvalhinho.

Pálido, pergunta:

— Morreu? Mas de quê, carambolas? Ainda ontem estava bonzinho!

Amadeu resume:

— Coração.

Sem uma palavra, seu Neves apanha o lenço no bolso traseiro da calça e enxuga o suor da testa. A morte, fosse como fosse, o assombrava. Desde criança que perguntava de si para si: “Por que se morre?”. E concluía: “Ninguém devia morrer, nunca!”. No caso do Carvalhinho, havia uma agravante: o morto fora, até a véspera, seu secretário. Numa impressão profunda, seu Neves vira-se para Amadeu:

— Entra, entra. Preciso falar contigo.

E trancava nas costas os dedos em figas.

MARIDO HUMILHADO

Carvalhinho morrera na véspera, durante o jantar, quando se servia de sopa. Preliminarmente, seu Neves determinou: “Olha, Amadeu. Manda uma coroa em meu nome, uma coroa bem bacana, ouviu?”. Sentou-se na cadeira giratória. Passada a desagradabilíssima surpresa da notícia, recuperava-se rapidamente. De um modo ou de outro, o fato é que a morte do Carvalhinho vinha distraí-lo de um feio bate-boca que tivera em casa, com sua esposa Guiomar.

Enquanto o Amadeu vai tratar da coroa, seu Neves andava no gabinete, de um lado para o outro, fazendo uma revisão de sua vida matrimonial. Segundo se dizia, casara-se com Guiomar por interesse. E, com efeito, ela era filha de um italiano riquíssimo, dono de trinta padarias, ao passo que seu Neves não tinha nada de si, senão dívidas.

O fato é que seu Neves comia no lar o pão que o diabo amassou. Sofria as mais graves desconsiderações. Na presença de visitas, de estranhos, Guiomar o humilhava, sem dó nem piedade: “Quando você se casou comigo, era um pronto! Não tinha onde cair morto!”. E seu Neves, indefeso, rilhava os dentes, numa treda e torva humilhação. Nesta manhã, ela o desacatara ferozmente:

— Você é um marido que eu pago! O marido que eu comprei!

CONFISSÃO

Até aquele momento, fora de uma discrição exemplar. Jamais abrira a boca para falar mal da esposa. Mas, ao fim de cinco anos de cotidiana humilhação, sentia-se no limite extremo da resistência. Gemia de si para si mesmo: “Eu não agüento mais! Não suporto mais”. Quando o Amadeu voltou da casa de flores, seu Neves o pilhou para confidente: “Senta aí, senta”. E explica: “Hoje eu tenho de desabafar com alguém ou morro”. Diante do subalterno espantado, fez as confidências mais deslavadas. Começou mais ou menos assim:

— Vou te contar o que nunca disse a ninguém: eu me casei por causa do dinheiro de minha mulher, percebeste? Puro interesse e nada mais. Conclusão: estou pagando tudinho. Tu conheces minha esposa: é um bucho?

O acovardado Amadeu gagueja:

— Eu não acho!

Seu Neves salta:

— Acha sim, seu zebu! É um bucho, ouviu? É horrorosa! Mas, enfim, podia ser bucho e prestar, ser uma boa pessoa. Nem isso! Nem isso! É uma megera, compreendestes? Ela me trata a pontapés. Qualquer dia desses me dá na cara!

Parou, arquejante. Ao lado, o Amadeu, trêmulo, era incapaz de um comentário. Seu Neves continua. Tem um riso feroz:

— Eu invejo! Invejo os maridos que matam, que esfolam! Te juro que só não mato minha mulher por falta de coragem física. Sou um banana!

E berrava: “Um banana!”.

No fim, vira-se para Amadeu e, quase sem fôlego, diz:

— Resolvi fazer o seguinte: não gosto de minha mulher. Até aqui, fui estupidamente fiel. Não faço uma farra. Mas vou deixar de ser burro. Minha mulher tem dinheiro, não tem? Vou gastar o dinheiro dela com outras mulheres. E vai começar hoje. Percebeste?

— Percebi.

Seu Neves põe-lhe a mão no ombro: “Conto contigo pra isso!”. O outro esbugalha os olhos: “Comigo?”. E o chefe, transpirando, em voz baixa:

— Contigo sim. Queres subir aqui, não queres? Conheces alguma dona, que seja boa, muito boa, pra lá de boa? Estou disposto a pagar bem. Dinheiro há!

Silêncio de Amadeu, que era, a um só tempo, tímido e ambicioso, taciturno e voraz. Seu Neves enxuga com o lenço o suor do rosto. Interroga o rapaz:
“Conheces alguma nessas condições? Disponível para hoje?”.

Resposta vaga: “Estou pensando”. E, com efeito, durante uns cinco minutos, ele força a memória. Por fim levanta-se:

— Achei.

A PEQUENA

Seu Neves arremessou-se:

— Quem?

E o outro:

— A viúva!

A princípio, seu Neves não entende: “Qual delas?”. Sem desfitar o patrão, Amadeu completa:

— A viúva do Carvalhinho.

Atônito, o chefe realiza todo um penoso esforço mental. Mas quando percebe, afinal, a sordidez da sugestão, só faltou bater no subordinado: “Você está maluco? Bebeu? Me acha com cara de abutre? De necrófilo?”. Agarra o Amadeu pelos braços e o sacode: “Você acha que eu vou dar em cima da viúva do meu secretário, no dia em que ele é enterrado?”. Sem perder a calma, Amadeu trata de convencê-lo. Explica:

— Carvalhinho andava traindo a mulher com uma dona, compreendeu? E sabe por que ele empacotou? Porque a mulher, ontem, descobriu tudo, inclusive a identidade da gaja, e o escrachou durante o jantar. Eu estava lá, vi e ouvi.

— E daí?

Amadeu acende um cigarro:

— Mas é claro como água! Uma mulher despeitada, seja viúva, seja o que for, faz qualquer negócio. Eu aposto os tubos! Aposto o que o senhor quiser! Quer apostar?

Então, enfiando as duas mãos nos bolsos, seu Neves pergunta:

— E a minha situação? Você se esquece de minha situação? Ela pode ser despeitada, mas eu não sou, ora bolas! Negócio de defunto é espeto! Sempre tive um medo danado de defuntos!

VIÚVA

Fosse como fosse, Amadeu sugere: “Vamos lá dar uma espiada. Não custa espiar”. Seu Neves concordou. Ao meio-dia, partem de automóvel para a residência do morto, no subúrbio. E o patrão foi dizendo: “Não telefonei para minha mulher, porque não gosto de dar notícias de morte”.

Quase ao chegar ao destino, seu Neves lembra-se: “E que tal? Ela é boa, é?”. Amadeu estala a língua: “Um monumento!”.

Quando surgiram no velório, seu Neves ia escabreado, ao passo que Amadeu, na frente, varava os grupos. Em dado momento, Amadeu cutuca o outro: “Espia!”. Ele olha na direção indicada e recebe um impacto. A viúva, junto do caixão, percebe que aquele, o chefe do marido, crava as unhas no seu braço: “Ah, é o senhor?”. Balbucia: “Pois não... Meus pêsames”. A pequena teve um meio riso, entre sardônico e apiedado. Indaga: “Sua senhora não veio? Não? Não sabe?”.

Amadeu, ao lado, explicou que a esposa do patrão ainda não sabia. Então, a viúva não perde tempo: “Quer vir, aqui, um instantinho, quer?”. Seu Neves, espantado, acompanha-a até o jardim. Lá ela começa:

— Meu marido arranjou esse emprego por influência de sua senhora. O senhor nunca estranhou esse interesse? Nunca desconfiou de nada?

Conversaram uma meia hora, em voz baixa. Cada pessoa que chegava, já sabe, arregalava os olhos, sem compreender que uma viúva abandonasse o velório do marido. Por fim, ela ergueu-se: “Não vou ficar aqui, nem vou ao cemitério. Quer sair comigo?”.

Foi um escândalo quando eles, de braço, deixaram a casa e apanharam um automóvel. Seu Neves andou de táxi pela cidade com a viúva, horas e horas. Deixou-a, alta madrugada, na residência de um parente.

E, então, voltou para o lar. Chegou em casa, acordou a esposa e deu-lhe uma surra.
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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