sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O grande viúvo

Na volta do cemitério, ele falou para a família:

— Bem. Quero que vocês saibam o seguinte: — minha mulher morreu e eu também vou morrer.

Houve em torno um espanto mudo. Os parentes entreolharam-se. O pai do viúvo ergueu-se:

— Calma, meu filho, calma!

Jair virou-se, violento:

— Calma porque a mulher é minha e não sua! Pois fique sabendo, meu pai: — eu não tenho calma, não quero ter calma e só não me mato agora mesmo, já, sabe por quê?

Uma tia solteirona atalhou:

— Tenha fé em Deus!

Por um momento, Jair esteve para soltar um palavrão. Dominou-se, porém. Numa serenidade intensa, fremente, completou:

— Não me mato imediatamente porque quero fazer o mausoléu de minha mulher. Aliás, dela e meu. Quero dois túmulos, lado a lado. E vocês já sabem: — desejo ser enterrado com Dalila, perceberam?

Ninguém disse nada, e vamos e venhamos: — é muito difícil argumentar contra o desespero. E quando Jair passou, imerso na sua viuvez, a caminho do andar superior, os presentes o acompanharam com o olhar, esmagados de tanta dor. Ele subiu lentamente a escada e foi trancar-se no quarto.

O INCONSOLÁVEL

Na ausência do rapaz, um tio arrisca: — “Será que ele se mata?”. O pai apanha um cigarro e dá a sua opinião:

— Não creio. Cão que ladra não morde.

Ponderam:

— Às vezes, morde.

E o velho, que era um descrente de tudo e de todos:

— O que sei é o seguinte: — a dor de um viúvo ou de uma viúva não costuma durar mais de quarenta e oito horas.

— Não exageremos!

O pai, porém, insistia, polêmico:

— Sim, senhor, perfeitamente! — E referiu um caso concreto, que todos conheciam: — Por exemplo: — a nossa vizinha do lado. O marido foi enterrado de manhã e, de tarde, ela estava no portão, chupando Chicabon. Isso é dor que se apresente?

O episódio do sorvete calou fundo na sala. Sentindo o sucesso, o velho carregou no otimismo:

— Vamos dar tempo ao tempo. Isso passa. — E concluiu, profundo: — Tudo passa.

A DOR

Quinze dias depois, porém, o viúvo estava tão desesperado como no primeiro momento. Não se podia dar um passo naquela casa que não se esbarrasse, que não se tropeçasse num retrato, numa lembrança da morta. E mais: — sabia-se, por indiscrição da arrumadeira, que Jair dormia, todas as noites, com vestidos, camisolas, pijamas da esposa. Certa vez, foi até interessante: — ele meteu a mão no bolso e tirou, de lá, sem querer, uma calcinha da falecida. O próprio pai já não sabia o que dizer, o que pensar. Começou a rosnar que o filho estava “le-lé”, “tantã”. Com seu implacável senso comum, chegou a cogitar de internação. Tiveram que chamá-lo à ordem:

— Internação para saudade? Para viuvez? Sossega o periquito!

— Mas qualquer dia ele mete uma bala na cabeça, ora pipocas!

Alguém lembrou o que Jair dissera, isto é, que só se mataria quando estivessem concluídas as obras do mausoléu. Diante desse filho que entupia os bolsos com as calcinhas da falecida, o ancião gemia: — “Por que que uma grande dor é sempre ridícula?”. Desesperava-o que Jair passasse os dias no cemitério, agarrado a um túmulo, chorando como no primeiro dia. E o pior é que a viuvez do filho era altamente declamatória. De volta do cemitério, ele vinha para casa deblaterar:

— Não se esquece a melhor mulher do mundo! Eu desafio que alguma mulher chegue aos pés da minha!

Dalila era muito mais amada morta do que em vida. O próprio Jair acabou sentindo um certo orgulho, uma certa vaidade, dessa dor que não arrefecia. E continuava fiel à idéia do suicídio. Batia sempre na mesma tecla: — não acreditava nos viúvos e nas viúvas que sobrevivem. E quando, certa vez, o pai quis argumentar contra esse suicídio datado, ele cortou:

— Meu pai, não adianta: — o senhor já perdeu seu filho. Sou, praticamente, um defunto.

E coisa curiosa: — fosse por auto-sugestão ou por motivo de saúde, o fato é que a pele de Jair adquiria um tom esverdeado de cadáver.

O OUTRO

Então, a família começou a procurar, desesperadamente, uma maneira de salvá-lo. Foi quando um primo longe de Jair teve uma idéia. Chamou o pai do rapaz e começou:

— Olha aqui, o negócio é o seguinte: — só há um meio de curar Jair.

— Qual?

O outro baixa a voz:

— Destruindo o amor que o prende à falecida.

O velho esbugalha os olhos: — “Mas como? Com que roupa? É impossível!”. Seguro de si, o primo encosta o cigarro no cinzeiro:

— “Nada é impossível!”. Pigarreia e continua:

— Digamos que se descobrisse, de repente, que a falecida teve um amante.

O outro pulou:

— Mas Dalila era honestíssima, séria pra chuchu!

Ri o primo:

— Que era séria, sei eu. Mas até aí morreu o Neves. — Novo pigarro e insinua: — Nenhuma mulher, viva ou morta, está livre de uma boa calúnia. Podíamos inventar, não podíamos, um amante de araque? E quem pode provar o contrário?

Pálido, o pai balbucia:

— Continua.

E o outro:

— Ora, uma vez convencido de que Dalila foi uma vigarista, Jair perderia, automaticamente, a paixão. Compreendeu o golpe?
Custou a responder:

— Compreendi.

A REVELAÇÃO

O achado da calúnia era tão persuasivo que, depois de uns escrúpulos frouxos, a família aprovou a idéia. Disseram, a título de escusa: — “Os fins justificam os meios”. Uma manhã, enquanto prosseguiam no cemitério as obras do mausoléu, convocam o viúvo. O pai, nervoso, começa perguntando: — “Você tem certeza que sua esposa merecia a sua dor?”.

Jair percebeu, no ar, a insinuação. Aperta o pai, que, em dado momento, não tem outro remédio senão desfechar o golpe: — “Embora seja muito desagradável falar de uma morta, a verdade é que Dalila teve um amante!”.

O viúvo recua: — “Que amante? Como amante?”. E não queria entender. Então, possuído pela calúnia, cada um, ali, confirmou que sabia do amante, sabia da infidelidade. Atônito, ele perguntava: — “Mas quem era ele? Quero o nome! Quero a identidade!”. A verdade é que ninguém tinha pensado no detalhe.

Fora de si, Jair agarrou o pai pelos dois braços e o sacudia:

— Eu estou disposto a acreditar no amante. Mas quero saber quem foi. Quem é? Digam! Pelo amor de Deus, digam!

O pai refugiou-se na desculpa pusilânime: — “Diz-se o milagre, mas não o nome do santo!”. Então, o filho fez, na frente de todos, promessas delirantes: — “Vocês pensam que eu vou matar? Fazer e acontecer? Juro que não! Não tocarei num cabelo do cara!”. E berrava, no meio da sala:

— Se me disserem quem foi, eu não me matarei! Preciso desse homem para viver! Ele será meu amigo, meu único amigo, para sempre amigo! Digam!

Pausa. Espera o nome. E como ninguém fala, ele dá um pulo para trás e puxa o revólver que, desde a morte da mulher, jamais o abandonava. Encosta o cano na fronte: — “Ou vocês dizem o nome ou me mato, agora mesmo!”. Então, o pai vira-se na direção do primo e o aponta:

— Ele!

Apavorado, o primo não sabe onde se meter. Jair pousa o revólver em cima do piano. Aproxima-se do outro, lentamente. Súbito, estaca e abre os braços para o céu:

— Graças por ter encontrado quem possa falar de Dalila, comigo, de igual para igual!

Agarra o primo em pânico: — “Diz para esses cabeças-de-bagre se ela foi ou não a melhor mulher do mundo?”. E chorava no ombro do pobre-diabo, como se este fosse, realmente, seu irmão, seu sócio, seu companheiro em viuvez.
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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Roger Corman

Roger Corman, cineasta, nasceu em cinco de abril de 1926, em Detroit, Michigan. É produtor, realizador, argumentista e, de vez em quando, ator. Estudou engenharia industrial na Universidade de Stanford, mas a paixão pela Sétima Arte o desviou para o cinema em 1953, tornando-se o diretor apelidado de "o rei da série B" do cinema americano.

Transformou-se numa celebridade no mundo do entretenimento, em sua freqüência incomum dirigindo e produzindo filmes em larga escala, chegando a produzir sete películas em um ano.

Fez filmes em dois dias e uma noite, com orçamentos de meia dúzia de dólares, um punhado de atores e um só cenário; é um dos nomes independentes históricos de Hollywood; assinou nos anos 60 uma série de adaptações de culto de contos de Edgar Allan Poe interpretadas por atores como Vincent Price, Peter Lorre, Boris Karloff e um novato chamado Jack Nicholson; e lançou as carreiras de nomes como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Peter Bogdanovich, James Cameron, Joe Dante, Jonathan Demme ou Ron Howard.

Entre 1954 e o presente ano, Roger Corman já produziu e realizou mais de 400 filmes, gabando-se de ter perdido dinheiro apenas com um, The Intruder (1962), uma história anti-racista com William Shatner.

Formado em engenharia pela Universidade de Stanford e ex-aluno de Literatura Inglesa em Oxford, Corman já tocou praticamente em todos os gêneros, com particular ênfase no terror, na ficção científica, no filme de ação e de gangsteres e no policial. Em 1990, Roger, publicou as suas memórias, apropriadamente intituladas How I Made a Hundred Movies in Hollywood and Never Lost a Dime.

Filmografia


The Beast With a Million Eyes (1956, não creditado)
The Day the World Ended (1956)
It Conquered the World (1956)
O Emissário de Outro Mundo (Not of This Earth, 1957)
Attack of the Crab Monsters (1957)
The Undead (1957)
Teenage Caveman (1958)
War of the Satellites (1958)
A Bucket of Blood (1959)
A Mulher Vespa (The Wasp Woman, 1959)
O Solar Maldito (The Fall of the House of Usher, 1960)
A Pequena Loja dos Horrores (The Little Shop of Horrors, 1960)
The Last Woman on Earth (1960)
A Mansão do Terror (The Pit and the Pendulum, 1961)
Creature from the Haunted Sea (1961)
A Torre de Londres (Tower of London, 1962)
The Premature Burial (1962)
Muralhas do Pavor (Tales of Terror, 1962)
Terror no Castelo (The Terror, 1963)
O Corvo (The Raven, 1963)
O Homem dos Olhos de Raio-X (X, The Man With the X-Ray Eyes, 1963)
O Castelo Assombrado (The Haunted Palace, 1963)
A Máscara Mortal (The Masque of the Red Death, 1964)
O Túmulo Sinistro (The Tomb of Ligeia, 1964)
Bloody Mama (1970)
Ga-s-s-s! Or it became necessary to destroy the world in order to save it (1970)
Deathsport (1978, não creditado)
Frankenstein, o Monstro das Trevas (Frankenstein Unbound, 1990)

Fontes: Biografia curta de Roger Corman; nostalgia: Roger Corman; Wikipédia.
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Grande pequena

Sentada diante do espelho, ela refazia a pintura dos lábios. Viu quando Geraldo se aproximou e, rápido, inclinou-se sobre seus ombros nus e a beijou no pescoço. Glorinha fechou os olhos, arrepiada:

— Não faz assim!

— Por quê?

E ela:

— Porque eu sinto cócegas!

Riram os dois. Geraldo foi na mesinha-de-cabeceira apanhar um cigarro. Deu duas ou três tragadas e, em pé, encostado no guarda-vestidos, pergunta:

— Sabe o que é que eu achei de fabuloso no nosso caso?

Glorinha vira-se:

— O quê?

Ele explica:

— Nem tu me conhecias, nem eu a ti. Eu te vi, pela primeira vez, em pé, diante de uma vitrine. Uma hora depois, estávamos aqui. Sabe que parece um sonho?

Pondo a blusa, ela sorri, misteriosa e doce:

— É a vida, é a vida!

LOUCURA

E, de fato, não se conheciam, nunca se tinham visto antes. De volta do banco, com cem contos e quebrados na pasta, ele vinha atravessando a rua Gonçalves Dias. Súbito, vê diante de uma vitrine aquela mulher gordinha. Ao primeiro olhar, fez seus cálculos: vinte, vinte e dois anos. Ele, porém, com a sua psicologia de magro, de esquálido, gostava das belezas bem nutridas. Costumava dizer: “De espeto, basta eu!”. Acontece que a desconhecida tinha uns quadris soberbos, à Mae West. Ele devia ter passado adiante, mas um demônio qualquer sugeriu: “Dá em cima!”. Geraldo obedeceu à voz maligna. Pigarreia e, como ele próprio reconheceria, entrou violentamente de sola. A vi¬trine era de jóias e Geraldo soprou ao ouvido da pequena:

— Escolha uma jóia. Qualquer uma. O preço não interessa.

Foi talvez a surpresa que a deixou indefesa. Vira-se para o desconhecido: “Como?”.

E ele, baixo e veemente:

— Pode escolher! Você merece muito mais! — E ele próprio apontava: — Não prefere aquela pulseira? Eu lhe dou de presente, agora mesmo. O prazer é todo meu!

FASCINADA

Ela não quis o presente, mas aceitou o convite, muito menos oneroso, para um lanche. Coincidiu que, próximo, havia uma leiteria. Entraram, sentaram-se e foram servidos. A pequena, espantada das próprias reações, admitia: “Nunca me aconteceu isso! Nunca! E Deus me livre que alguém tivesse o desplante de fazer o que o senhor fez!”. Pausa e suspira: “E eu própria não compreendo por que estou aqui e...”. Geraldo interrompeu:

— Está vendo esta pasta?

— Sim.

Prosseguiu:

— Tem, aqui, cento e tantos contos. Você quer gastar comigo esse dinheiro? Até o último centavo?

Ela responde com outra pergunta:

— Está louco? Está pensando que eu sou o quê?

— Sim ou não? Uma vez não são todas. Quer?

— Nunca! Nunca!

Geraldo, porém, sentia que, apesar de tudo, seu cinismo a fascinava. Discutem, ali, em voz baixa. O rapaz descreve um lugar discretíssimo que...

A garota respira forte. Titubeia e acaba tomando coragem:

— Vou. Porém, com uma condição.

E ele:

— Qual?

— Você não saberá o meu nome, nem eu o seu. Está bem assim?

— Aceito!

POSSESSO

No táxi, a caminho do tal lugar, ela se esvaía em exclamações e remorsos preventivos. “Estou doida! Completamente doida!” Vira-se para ele e o interpela: “O que é que há comigo?”. Geraldo tratava de ser tão cínico quanto possível:

— Não é tanto assim, que diabo!

Duas horas depois, ela estava abotoando a blusa. Pensava que talvez desejasse revê-lo. Então, como se lesse no seu pensamento, ele suspirava: “Sabe que você não me verá mais, nunca mais?”. Admira-se:

— Por quê?

E ele:

— Porque eu vou meter muito breve uma bala na cabeça.

A pequena vira-se:

— Que piada é essa?

O rapaz não responde logo. Põe o cigarro no cinzeiro e senta-se numa extremidade da cama:

— Antes fosse piada. Mas a verdade é a seguinte: estou com a corda no pescoço. Esse dinheiro que está aqui, já desfalcado, é do patrão, e é o pagamento do pessoal lá da firma. E eu — compreende? —, eu estou disposto a gastar até o último centavo. Depois, então, me mato e pronto!

Atônita, ela senta-se a seu lado:

— Conta esse negócio direito, conta!

O FRACASSADO

Então, sentindo na pequena uma grande ouvinte, que saboreava cada palavra, ele fez uma autobiografia. Contou que sua vida, da infância até os trinta e dois anos (sua idade atual), era duma torva melancolia, duma sinistra mediocridade. Em criança, era barrado nas peladas de rua e incumbido de apanhar a bola atrás do gol. Não sabia jogar bola de gude; e apanhava em casa como boi ladrão. Na adolescência, as namoradas bonitas o traíam, e as feias, idem. Há doze anos, trabalhava numa grande firma da qual era um dos cobradores. Ganhava uma miséria e, além disso, era tratado a pontapés pelo chefe, um tal de Mesquita. Ofendido, humilhado, ele se tomara de tédio pela vida e pelo mundo das criaturas. Na véspera, Mesquita o chamara de “animal” na frente de todo mundo. Então, ele, Geraldo, a título de desagravo, de obtusa vingança, resolvera dar o que ele chamava “grande golpe”: — incumbido de apanhar o dinheiro no banco, para o pagamento do pessoal, decidira apossar-se da quantia e gastá-la sumariamente. Espantada, a pequena indaga:

— Não tens medo de cadeia?

Geraldo esfrega as mãos numa alegria feroz:

— Tu esqueces que eu vou meter uma bala na cabeça? E pra defunto não há prisão, não há cadeia, percebeste?

Ela balbuciou:

— Ora, veja!

E o rapaz:

— Só te digo uma coisa: morro satisfeito. Porque é a primeira vez que eu assumo uma atitude batata. Sempre me fizeram de palhaço. Agora chegou a minha vez.

DESFECHO

Então, a pequena toma entre as suas mãos as do rapaz. Pergunta:

— Quem foi que disse que você ia morrer?

— E não vou?

— Não.

Ele não entende. Protesta: “Vou, sim, senhora. Ou tu pensas que eu topo a prisão, processo e outros bichos?”. A garota sorri: “E quem disse que você vai ser preso?”. Amargo, e andando de um lado para o outro, Geraldo traça o perfil psicológico do patrão, o já referido seu Mesquita. Pinta-o como um chacal, uma hiena. A essa altura dos acontecimentos, já estaria subindo pelas paredes. Ao concluir, Geraldo bufou:

— Tu falas assim porque não conheces aquela besta.

— Conheço.

Ele esbugalha os olhos: “Como?”. E ela:

— É meu marido. E eu também te conhecia, embora de vista, seu bobo!

— Papagaio!

Estava assim explicado o mistério da facilidade deslumbrante. Já o vira, à distância, três ou quatro vezes. Assediada no meio da rua, deixara-se envolver, arrebatar, numa espécie de delírio. Pasmo, Geraldo estrebucha: “Seu Mesquita vai querer ver minha caveira!”. Ela parece otimista:

— Quem manda no meu marido sou eu. Vou tratar do teu caso.

E, de fato, durante uns três ou quatro dias, ele não pôs o nariz de fora. Por fim, a pequena, que o revia todas as tardes, anunciou: “Pode ir amanhã”.

Foi. Encontrou no escritório a versão de um assalto fantástico. Dizia-se, por outro lado, que seu Mesquita resolvera abafar o caso. O chefe veio falar com ele: “Quanto é que ganhas aqui? Vou te aumentar!”.

Não devolveu um tostão do dinheiro, a conselho da garota. Depois do expediente encontraram-se, no mesmo local. Ela suspira: “Não te disse que os maridos não mandam em nada?”.

Depois, entre um beijo e outro, ela baixa a voz:

— Meu nome é Glorinha.
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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