quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O elegante e intempestivo Heleno de Freitas

O mais clássico, técnico e elegante centroavante que pisou nos gramados brasileiros chamava-se Heleno de Freitas. Filho de família rica, formou-se em Direito mas nunca exerceu o bacharelado. Muito provavelmente porque a magia do futebol já o havia conquistado. Entrou na história do Botafogo como um dos maiores goleadores, embora seu único título tenha sido conquistado no Vasco, em 1949. Vestiu a camisa da Seleção Brasileira dezoito vezes, assinalando 15 gols.

Heleno de Freitas nasceu em São João Nepomuceno, MG, em 12/02/1920, e faleceu em  Barbacena, MG, em 08/11/1959. Advogado, boêmio, catimbeiro, boa vida, irritadiço, galã, Heleno era homem de boa aparência, mas quase intratável. Depois de onze anos jogando futebol, entrou para a história como um dos maiores craques do futebol sul-americano.

Dono de um gênio intempestivo, que muitas vezes o fazia ser expulso de campo e lhe trazia muitos inimigos, Heleno de Freitas, apelidado do "Gilda" por seus amigos do Clube dos Cafajestes e pela torcida do Fluminense, por seu temperamento e por este ser o nome de uma personagem da atriz americana Rita Hayworth em filme de mesmo nome, foi o símbolo de um Botafogo guerreiro, que nunca se dava por vencido.

Descoberto por Neném Prancha no time do Botafogo de praia, Heleno, que iniciou a carreira no Fluminense Football Club, chegou ao time principal do Botafogo em 1937, com a responsabilidade de substituir o ídolo Carvalho Leite (goleador do tetracampeonato estadual, de 1932 a 35) e não decepcionou a torcida, com grande habilidade e excelente cabeceio.

Dono de uma postura elegante dentro e fora de campo, o jogador de cerca de 1,82 metros foi o maior ídolo alvinegro antes de Garrincha, mesmo sem nunca ter sido campeão pelo clube. Marcou sua passagem pelo Glorioso com 209 gols em 235 partidas, tornando-se o quarto maior artilheiro da história do clube. Deixou General Severiano em 1948, quando foi vendido ao Boca Juniors, da Argentina, na maior transação do futebol brasileiro até então.

Ainda atuou pelo Vasco, onde foi campeão carioca de 1949 com o Expresso da Vitória, pelo Atlético Junior de Barranquilla (da Liga Pirata da Colômbia), pelo Santos e pelo América, onde encerrou a carreira, porém tendo jogado apenas uma partida pelo clube de Campos Sales, sua única no estádio do Maracanã, sendo expulso aos 35 minutos do primeiro tempo, após acertar um carrinho violento em um zagueiro adversário. Ainda tentou, depois, voltar aos campos pelo Flamengo por indicação de Kanela, mas se desentendeu com os jogadores do rubro-negro num jogo-teste e não foi aceito.

Heleno, o craque, o artista da bola, o mito do futebol, o artista das multidões, o craque galã, o diamante branco, a elegância do futebol, são adjetivos, que perfeitamente se enquadram a figura ímpar de um gênio chamado Heleno e alguns desses fazem parte do somatório de homenagens, que ao decorrer dos anos serviram também como meio de imortalizar o grande ídolo.

Foi com a bola nos pés, levando a torcida ao delírio que Heleno deixou a marca de sua genialidade, se tornando uma das mais ricas histórias do futebol brasileiro. Seu futebol encantou o mundo e lhe rendeu fantásticas expressões e frases de grande efeito, como a que se encontra na estátua em sua homenagem em Barranquilla na Colômbia "El Jogador".

Vida pessoal

Heleno estudou no Colégio São Bento e depois obteve o bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro (atual Faculdade Nacional de Direito da UFRJ). Era considerado membro da alta sociedade, com amigos empresários, juristas e diplomatas. Seu pai era dono de um cafezal e ainda cuidava de negócios de papel e chapéus.

Sua vida foi marcada por vícios em drogas como lança-perfume e éter. Isto o fez tentar se auto-eletrocutar num treino do Botafogo. Boêmio, era freqüentador de diversas boates do Rio de Janeiro.

Enquanto esteve na Argentina, suspeitou-se que Heleno teve um caso amoroso com Eva Perón, fato nunca comprovado.

Teve um filho apenas, Luiz Eduardo, com sua esposa Ilma. Porém, ela fugiu para Petrópolis por conta do temperamento de Heleno de Freitas em 1952. Luiz Eduardo só teve notícias sobre o pai com 10 anos de idade por ter perdido contato desde a mudança, justamente sobre seu falecimento.

Heleno teve complicações com sífilis, que o deixou louco. Veio a falecer no ano de 1959, em um sanatório de Barbacena, onde se internou seis anos antes, em 1953, com apoio da família.

Sua vida é retratada no filme “Heleno” estrelado por Rodrigo Santoro que fez o papel-título e Alinne Moraes, que fez sua esposa Ilma.

Fontes: Wikipédia; Revista Placar.
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Domingos da Guia

Numa época em que beque bom era aquele que entrava duro e dava chutões para a frente, o zagueiro-central Domingos da Guia marcava a bola, que geralmente matava no peito para, em seguida, driblar os atacantes adversários dentro da própria área e fazer um passe milimétrico em direção do meio-de-campo. Não é à toa que ele é considerado o maior zagueiro do futebol brasileiro de todos os tempos e que seu surgimento assinala o nascimento do defensor técnico.

Domingos da Guia (Domingos Antonio da Guia), um dos melhores zagueiros de todos os tempos, nasceu no bairro de Bangu, Rio de Janeiro, em 19/11/1912, e faleceu na mesma cidade em 18/05/2000. Originário de uma família de lavradores fez apenas o curso primário, e aos 16 anos, entrou para a equipe principal do Bangu, assim como seus três irmãos e mais tarde, seu filho. Sua ligação com esse clube foi tão grande que seu nome é citado no hino do Bangu.

Estreou na Seleção Brasileira em 1929, vencendo a Hungria por 6 a 1. Em 1932, época em que o futebol brasileiro começou a se profissionalizar, trabalhou como agente da Saúde Pública participou da seleção que venceu a Copa Rio Branco, no Uruguai, fechou contrato com o América e largou o emprego.

Apenas seis dias depois foi contratado pelo Vasco, e em menos de dois meses o Nacional, do Uruguai, o contratou por um dos maiores salários da época. Foi campeão uruguaio de 1933. Voltou ao Rio em 1934, jogou pelo Vasco da Gama e ganhou o campeonato carioca de 1934.

Domingos da Guia transferiu-se para o Boca Juniors e conquistou o campeonato argentino de 1935. Em 1937 foi contratado pelo Flamengo, tornando-se campeão carioca em 1939, 1942 e 1943. Em 1938 participou da Copa do Mundo na França.

Em 1943 transferiu-se para o Corinthians. Em São Paulo não conseguiu nenhum título. Em 1947, voltando ao Bangu, abandona os campos como jogador.

Em 1952, depois de passar pelo Olaria carioca como técnico, retornou ao serviço público, pelo qual se aposenta como fiscal de renda.

Domingos da Guia último à direita é homenageado no hino do Bangu.

Zagueiro clássico e de excelente técnica, é apontado como um dos melhores do futebol brasileiro. Sua "marca registrada" era sair driblando os atacantes adversários. Tal jogada de extrema habilidade e risco, mas que sempre foi perfeitamente executada por Domingos da Guia, ficou conhecida como Domingada.

Pela seleção brasileira foram 30 jogos, sendo 19 vitórias, 3 empates e 8 derrotas. Jogou a Copa do Mundo de 1938, tendo o Brasil ficado em terceiro lugar. Com a seleção ele foi campeão da Taça Rio Branco, em 1931 e 1932, e da Copa Rocca em 1945.

Domingos é pai de Ademir da Guia, maior ídolo da história do Palmeiras e irmão de Ladislau da Guia, o maior artilheiro da história do Bangu (com 215 gols), clube que revelou as duas gerações de craques.

Foi considerado por Obdulio Varela o melhor jogador do Brasil. "O melhor que vocês já tiveram foi Domingos, completo. Campeão lá [Brasil], aqui [Uruguai] e na Argentina", declarou a um repórter brasileiro em 1970.

Fontes: Wikipedia; Revista Placar; Que Fim Levou?; Algo Sobre.
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Os assassinados

Disse não sei quem que os homens se dividem em dois grupos: — "assassinos" e "assassinados". Ou o sujeito mata ou, se não mata, morre. Portanto, segundo esse autor, cujo nome não me ocorre, não há hipótese de morte natural.

Mesmo os "assassinos" são, por sua vez, "assassinados". Por isso, o francês Paul Valéry chegou a imaginar, para si mesmo, o seguinte epitáfio: "Aqui jaz Paul Valéry — assassinado pelos outros".

Houve, porém, um momento, na minha vida, em que "todos" eram assassinos. Foi quando morreu meu irmão Roberto. Roberto Rodrigues. Não sei se me entendem. O que eu quero dizer é que "todos" eram assassinos, e Roberto, a única vítima. Foi ferido no dia 26 de dezembro de 1929.

Ele conversava comigo. Uma voz pediu: — "Pode-me dar um minuto de atenção?". Era na redação da Crítica. Os passos caminharam até à sala seguinte. Porta de vaivém. Roberto faz a volta da mesa e caminha para lá. Por minha vez, encaminho-me para a escada. Ia tomar um refresco no botequim da esquina. Paro com o estampido.

Houve uma pausa entre o tiro e o grito (e foi um grito de quem vai morrer). Um dos presentes era o detetive Garcia. om seu reflexo profissional, tirou o revólver; e foi de arma em punho que invadiu a sala da frente. Roberto está de joelhos, com as duas mãos agarrando a mão que o ferira.

Da serraria do lado, os operários subiam a velha escada gasta de muitas gerações. Roberto tinha 23 anos, era o homem mais bonito que vi até hoje. Uma bala interrompeu, para sempre, a obra que amadurecia na sua alma atormentada. Levado para o pronto-socorro, lá morreu dois dias depois.

Eu continuava a ouvir a voz: — "Vim matar Mário Rodrigues ou um dos seus filhos". Paro de escrever. A voz está dizendo, como há 39 anos atrás: — "Mário Rodrigues ou um dos seus filhos".

A redação armada em câmara-ardente. Eu, com dezessete anos, era abraçado. Um velho agarrou-se a mim: — "O nosso Roberto". E eu tinha pena, vergonha, remorso de estar vivo.

Muitos anos depois, na minha peça Anjo negro, há esta imagem: "No enterro sobra sempre uma flor. Uma flor fica boiando no soalho". E, de fato, naquele dia, eu vi uma flor boiando no soalho. Não sei se alguém a pisou. Passei toda uma madrugada velando o sono dos círios.

O último a se despedir de Roberto foi meu pai. "Eu te vingo!", soluçou. No fim, chegou Melo Viana, o vice-presidente da República. Abraçou-se a meu pai, que repetiu: — "Essa bala era para mim". E, depois, o enterro saindo. Era uma manhã de tanto céu que a própria sombra era azulada, lunar.

Dois meses depois, morria meu pai. Sua agonia durou quinze dias. Morávamos numa colina. E, na última noite, da esquina já se ouvia a sua dispnéia. Morreu tão órfão do próprio filho.

Eis o que aprendi com Roberto e meu pai: — o importante é não matar. Nada mais doce do que nascer, viver, envelhecer e morrer. E não ser jamais assassino.

Nunca me esqueço do que aconteceu com um dos meus amigos. Gostou de uma menina e, no final da tarde, os dois passeavam, na praça Saenz Peña, de mãos dadas. Um dia, a menina crispa a mão no braço do bem-amado; diz: — "Olha Fulano". Fulano era o ex-namorado da garota, um brutamontes, que aprendia judô, caratê etc. etc. E, segundo se dizia, estava esperando, para qualquer momento, o seu primeiro ataque epilético. O ex-namorado barrou-lhe a passagem; abotoa o meu amigo: — "Quando se encontrar comigo... Cala a boca. Quando se encontrar comigo, atravesse a rua. Ou lhe parto a cara". O ofendido, branco, não disse uma palavra. E o outro: — "Agora, suma. Ande. Suma". O rapaz baixou a cabeça e correu.

De noite, a moça liga para ele, aos soluços. Quase não podia falar. O humilhado, o ofendido, só dizia: — "Calma, meu bem, calma". Por fim, mais controlada, disse tudo: — "Você vai-me fazer um favor. Vai dar um tiro nesse miserável". Num espanto aterrado, ele balbuciou: — "Tiro, eu? Meu bem. Eu não sou de dar tiros". E a outra: — "Quer dizer que você é covarde?". Respondeu: — "Não sei se sou covarde. Assassino, não sou". Ela esganiçou-se no telefone: — "Escuta! Escuta! Na próxima vez, ele vai-te dar na cara. E você vai apanhar calado?". Disse, manso como um santo: — "É mais forte do que eu. Não posso brigar fisicamente. Apanho, mas não mato. Nada me fará matar!".

Romperam no telefone. E a menina acabou voltando para o ex-namorado.

Eu compreendo tanto os que não matam. Gostaria de explicar. Quando matam alguém, é como se Roberto estivesse morrendo outra vez. Foi assim com o primeiro dos Kennedy. Uma bala arrancou seu queixo plástico, crispado, vital. Então senti como se fosse Roberto, novamente Roberto. E, por um momento, tive a ilusão de que, dois meses depois, meu pai morreria também, como em 1930. E assim, quando balearam o outro Kennedy, Bobby. E onde quer que alguém seja assassinado por alguém — cria-se entre mim e o que morreu uma relação obsessiva, implacável.

Há dias, trucidaram, em Pernambuco, o jovem padre Antônio Henrique Pereira Neto. Até o momento em que bato estas notas, não se sabe quem matou e por que matou. Segundo o comunicado da arquidiocese de Olinda e Recife, o padre Antônio Henrique, além de sofrer uma série de sevícias hediondas, foi amarrado e enforcado. Em seguida, vararam de balas o cadáver.

Começam então as hipóteses desesperadas. Autoridades policiais do Recife acham que se trata de um crime passional. Ao passo que autoridades eclesiásticas afirmam que foi "crime político". Mas "passional" ou "político", o que importa é a hediondez do fato.

Dizia aquele personagem dostoievskiano: — "Se Deus não existe, tudo é permitido".

Para muitos brasileiros, Deus está morto. E para esses, para os "assassinos de Deus", tudo é permitido. Que limites, dúvidas, arrependimentos poderão travar os "cristãos-marxistas", os "cristãos-sem vida eterna", os "cristãos-sem sobrenatural", os "cristãos-sem Cristo"? Falei da "esquerda católica". Um dia, ela terá de ser julgada.

Na confissão de ontem, falei de um dos pronunciamentos mais claros de d. Hélder. Sem nenhum disfarce, declara: — "Respeito aqueles que, em consciência, sentem-se obrigados a optar pela violência; não a violência fácil dos guerrilheiros de salão, mas a daqueles que provaram sua sinceridade com o sacrifício de suas vidas". Não. Aí não está dito tudo. Provaram a sinceridade morrendo, por azar, e matando, por querer.

Antes de morrer, Guevara matou. E, repito, morreu sem querer e matou querendo. Também Camilo Torres. Esse cristão-homicida empunhou o fuzil, não para morrer, mas para matar.

E diz mais o arcebispo de Olinda e Recife: — "Parece-me que as memórias de Camilo Torres e de Che Guevara merecem tanto respeito quanto as do pastor Martin Luther King". Não, mil vezes não! Luther King não morreu de fuzil, faca ou revólver na mão, como Guevara ou Camilo Torres. Não matou, nem quis matar. Não pregou o ódio, a "violência justificada" católica. Morreu de amor e por amor.

Os que pregam o ódio não podem chorar o jovem sacerdote do Recife.

Todos nós temos um projeto de Brasil. O da esquerda católica é o Brasil do ódio. O Brasil do sangue, o anti-Brasil, um Brasil sem Deus. Este país não teve jamais um drácula.

E, súbito, os possessos querem que nos transformemos em 80 milhões de dráculas bebendo o sangue uns dos outros.

[17/6/1968] 
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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