segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Edgar Allan Poe

"... Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte! Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais! Não deixes pena que ateste a mentira que disseste! Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!» Disse o corvo, «Nunca mais».

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais. Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que  sonha, E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais, E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais, Libertar-se-á... nunca mais! " (O Corvo).

Este famoso escritor americano se celebrizou, no século XIX, por suas histórias mórbidas e fantásticas. Edgar Allan Poe nasceu em Boston, em 19 de janeiro de 1809, filho de pais atores, mas o destino reservou um duro golpe para o menino e seus irmãos, matando seus pais de tuberculose. As crianças foram recolhidas por pessoas da família e Edgar acabou encontrando abrigo na casa de um tio rico. No entanto, as dificuldades do início da vida provocaram um permanente pessimismo e um espírito macabro que o acompanharam até sua morte.

Poe estudou na Inglaterra durante sua juventude, mas logo voltou aos Estados Unidos, onde frequentou as Universidades de Charlotteville e Virginia. Porém, não conseguiu se enquadrar nos rígidos padrões da época e acabou expulso da Universidade de Virginia.

Por ter um espírito aventureiro e rebelde, foi para a Grécia lutar contra os turcos. Na volta, alistou-se no Batalhão de Artilharia e acabou conseguindo uma indicação para a Academia Militar de West Point. No entanto, nessa época, sua cabeça estava voltada para a poesia e após publicar o seu primeiro livro de poemas , Tamerlane and other poems, by a Bostonian decidiu abandonar a carreira militar.

Em 1833, ganha o prêmio do jornal Philadelphia Saturday Visitor com o seu conto Manuscript found in a bottle. O diretor do jornal, com pena da miséria e da depressão em que o escritor vivia, consegue-lhe um emprego no Southern Literacy , onde ele fica pouco tempo pois se tornara num alcoólatra.

O casamento com sua prima Virgínia, de apenas13 anos, faz Edgar ficar mais confiante. Ele começa a trabalhar em diversos jornais em Nova Iorque e Filadélfia. Em 1840, publica sua primeira coleção de contos, Tales of grotesque and arabesque e Os crimes da rua Morgue, apresentando a figura do detective Dupin, antecessor de Sherlock Holmes.

Mas o destino outra vez surpreende o escritor. Sua mulher é atacada pela tuberculose, doença que matou seus pais. Edgar volta ao alcoolismo e se relaciona com Frances Osgood, para tentar esquecer sua dor familiar. Em 1847, com a morte de sua mulher, Poe se afunda num estado de profundo desespero e passa a viver em constante embriaguez e abuso de ópio. Aos 40 anos, numa taberna, em Baltimore, Edgar Allan Poe passa mal sofrendo de delirium tremens em virtude do consumo exagerado de ópio. Acaba assim falecendo três dias depois num hospital. Era sete de outubro de 1849.

Poe escreveu novelas, contos e poemas, exercendo larga influência em autores fundamentais como Baudelaire, Maupassant e Dostoievski. Admite-se hoje que a culminância de seu talento dá-se no gênero conto. Suas histórias curtas podem ser classificadas tematicamente em dois grupos principais:

a) contos de horror ou “góticos”; b) contos analíticos, de raciocínio ou policiais. Escreveu também contos de humor e contos que anteciparam o que hoje se chama “ficção científica”.

Os contos de horror ou “góticos” apresentam invariavelmente personagens doentias, obsessivas, fascinadas pela morte, vocacionadas para o crime, dominadas por maldições hereditárias, seres que oscilam entre a lucidez e a loucura, vivendo numa espécie de transe, como espectros assustadores de um terrível pesadelo. Muitos destes relatos ainda causam calafrios nos leitores modernos.

Entre eles destacam-se O Gato Preto, Ligéia, A Máscara da Morte Escarlate, O coração delator, A queda da Casa de Usher, O Poço e o Pêndulo, Berenice e O Barril de Amontillado, O Retrato Ovalado, Leonor .

Os contos analíticos, de raciocínio ou policiais entre os quais figuram os antológicos Assassinato de Maria Roget, Os crimes da Rua Morgue e A carta roubada, ao contrário dos contos de horror, primam pela lógica rigorosa e pela dedução intelectual que permitem o desvendamento de crimes misteriosos. É o início do que se convencionou chamar de literatura policial.

Poe não foi apenas um notável contista. Foi também o primeiro grande teórico do gênero, ressaltando no conto três elementos básicos: a estrutura centrada num efeito único, o valor dominante do clímax (o desfecho do conto) e o despojamento da expressão. Aliás, a linguagem das histórias curtas de Poe é elevada, porém direta, apresentando diálogos de grande força dramática que conduzem o leitor por um mundo labiríntico e asfixiante.

Enquanto os demais autores se concentravam no terror externo, no terror visual se valendo apenas de aspectos ambientais, Poe se concentrava no terror psicológico, vindo do interior de seus personagens.

Estes sofriam de um terror avassalador, fruto de suas próprias fobias e pesadelos, que quase sempre eram um retrato do próprio Poe que sempre teve sua vida regida por um cruel e terrível destino. Não há conto algum de Poe narrado em terceira pessoa e é sempre "ele" que vê, que sente, que ouve e que vive o mais profundo e escandente terror. São relatos em que o delírio do personagem se mistura de tal maneira à realidade que não se consegue mais diferenciar se o perigo é concreto ou se trata apenas de ilusões produzidas por uma mente atormentada.

Numa época em que começava a se desenvolver o espiritismo na América do Norte, Poe se valhe desses argumentos e povoa suas obras com novas sensações e angústias onde reencarnação, hipnotismo ou mesmerismo eram quase sempre presentes. Mas em todos os contos, ou em quase todos, sempre há um mergulho, em certas profundezas da alma humana, em certos estados mórbidos da mente, em recônditos desvãos do subconciente.

Por isso mesmo a psicanálise lança-se com afã ao estudo da obra de Poe, porque nela encontram exemplos em grande quantidade para ilustrar suas demonstrações. Independentemente, porém, desses aspectos, o que há nela é um talento narrativo impressionante e impressivo, uma força criadora monumental e uma realização artística invejável, que explicam o ascendente enorme que até os nossos dias exercem os contos de terror de Edgar Allan Poe.

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O insepulto

Terêncio Espinheira passava em frente à capela de São Raimundo quando sentiu travar o coração. Tombou, arrastou-se e morreu babando no último banco da igreja.

O sacristão comunicou ao padre Otávio e foi avisar à família: duas filhas que com Espinheira moravam lá pras bandas do motor do arroz. As duas receberam com alegria, a notícia, e não foram à casa santa, ver o corpo do pai. Pe. Otávio pediu um caixão ao Major Apolônio que, como prefeito, enterrava os mortos da cidadezinha por conta dos dinheiros municipais.

Mas não havia caixão para Espinheira, destratador de políticos e destruidor do patrimônio público. A saída foi o velho sacerdote providenciar uma rede para conduzir o morto, e o fez constrangido porque muitas vezes, Terêncio, embriagado, invadira a igreja durante a santa missa, montado no seu cavalo cardão.

As filhas não compareceram pois festejavam a morte do pai com muitas rodadas de cerveja quente num reservado do Bar da Bia. Nunca mais apanhariam no meio da rua, do pai feito fera, apesar das suas idades, com mais de trinta anos cada uma.

À tarde Pe. Otávio utilizou o serviço de som da igreja e pediu ajuda aos cidadãos de Sipaúbas para o transporte do defunto até o cemitério, ninguém apareceu. Nem adiantava, pois Gervásio, o coveiro, já se havia negado a cavar a cova, depois de tanto sofrer nas mãos de Espinheira.

O vigário teve a idéia de pagar com o pouco dinheiro da coleta da missa a um carroceiro para carregar o morto. O carroceiro veio mas o burro puxador da carroça assombrou-se ao ver o morto e disparou de rua afora de carroça seca.

Espinheira anoiteceu insepulto. Já exalando mau cheiro, era alta noite, quando Pe. Otávio teve a idéia de colocar o cadáver num carro de mão e empurrá-lo até os fundos da igreja onde um riacho caudaloso transbordava em cheias de abril. Jogou o corpo na correnteza e veio desinfetar a capela.

No dia seguinte por mais de uma légua de riacho abaixo apareceram centenas de piranhas mortas, e nos invernos dos anos seguintes nunca mais correu água no riacho das Guaribas.
Conto de Batista de Lima


BATISTA DE LIMA, nascido em Lavras da Mangabeira (1949), embora pertença ao "grupo" da revista O Saco, pois seu primeiro livro, de poemas, é de 1977, passou a divulgar seus contos mais recentemente: O Pescador da Tabocal saiu em 1997 e Janeiro é Um Mês Que Não Sossega, em 2002. Seminarista no Crato, formou-se em Letras e Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especializou-se em Teoria da Linguagem na Universidade de Fortaleza, onde exerceu a chefia do Departamento de Letras e a diretoria do Centro de Ciências Humanas. Cursou o mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará. Iniciou-se como professor de Português em colégios de Fortaleza. Na vida  literária deu os primeiros passos no Clube dos Poetas Cearenses. Mais tarde participou ativamente dos grupos Siriará, Arsenal, Catolé e Plural. De poesia publicou os livros Miranças (1977), Os Viventes da Serra Negra (1981), Engenho (1984) e Janeiro da Encarnação (1995). Na área do ensaio literário deu a lume, em 1993, Os Vazios Repletos e Moreira Campos: A Escritura da Ordem e da Desordem, e, em 2000, O Fio e a Meada - Ensaios de Literatura Cearense. Membro da Academia Cearense de Letras.
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domingo, 28 de agosto de 2011

O inferno

Quando ela disse que tinha um filho, um garoto, já de doze anos, Romualdo caiu das nuvens:

— Filho?

— Você não sabia?

Foi enfático:

— Nem desconfiava.

E ela:

— Pois tenho. Fez doze anos, está no colégio.

— Engraçado!

— Por quê?

Ele foi, então, gentilíssimo. Disse que ela não parecia mãe de ninguém e muito menos de um garoto, quase rapaz. E, na verdade, a idade do menino o espantara. Lucília, com seu tipo frágil e pequeno, o ar de menina, um quê de infantil nos olhos, no sorriso, nas maneiras, parecia uma garota solteirinha. E não foi somente de espanto a sua reação. Experimentou também um certo alarme. Aquele filho, aquele marmanjo, inesperado e taludo, assustava. Foi, porém, bastante hábil e educado para dissimular o desconforto e bastante cínico para a seguinte promessa:

— Vou ser para ele um segundo pai!

— Deus me livre!

— Como?

Lucília suspirou:

— Eu te explico. Vamos entrar ali, um momentinho.

O FILHO

Entraram numa sorveteria. Depois de sentados e servidos, ela foi tomando sorvete e explicando.

— O Odésio não pode saber, nem desconfiar.

Esta era uma condição que ela impunha. Ou ele aceitava ou, então, nada feito. Romualdo ainda ponderou:

— Acho que você exagera!

— Ora, Romualdo, tem dó! Você se esquece que é casado, que vive com outra, que tem filhos, esquece?

— Realmente.

— Pois é, meu filho, pois é!

Eram seis horas quando Romualdo a largou, num ônibus apinhadíssimo. Ela fez a viagem em pé. A promiscuidade, ali, era uma coisa abjeta. Espremida, imprensada, triturada em meio dos passageiros, teve uma sensação de ultraje, de profanação, de aviltamento. Um cavalheiro que ia saltar no poste seguinte foi varando a massa humana; ao passar por ela quase a derruba. A sensação do ultraje recrudesceu em Lucília. Resmungou:

— Animal!

Mas ia bastante atribulada com seus problemas. E não ligou mais para os contatos indesejados e brutais que, nos ônibus cheios, são inevitáveis. O drama de Lucília era, em suma, o seguinte: o medo, o pavor, de que o filho enfim soubesse... A opinião, o julgamento do garoto era a coisa que mais a impressionava no mundo. Temia-o mais do que o Juízo Final. Ao mesmo tempo, tinha loucura por Romualdo e a vida sem ele seria de uma monotonia medonha. Pendurada no ônibus, gemeu interiormente:

— Oh! meu Deus do céu!

HISTÓRIA DE AMOR

Então, começou a mais doce, a mais sofrida história de amor. Voltava dos seus encontros com Romualdo em sobressalto. O filho estava sempre na rua, jogando bola ou em brincadeiras turbulentas com amigos de sua idade. Uma vez, deu um chute, e com tanta infelicidade, que a unha do dedo grande do pé saltou longe. O negócio inflamou; e Lucília, quando chegou de uma entrevista amorosa, tomou-se de vergonha e de remorso. Pensou, lavando o pé machucado: enquanto ela se divertia com um homem, além do mais casado, o filho, sozinho, estava precisando de seus cuidados. Vamos que fosse uma coisa pior que um simples esfolamento de dedo. Que remorsos não sentiria? O menino, corajoso, quase não se queixava. E era ela quem tinha de perguntar:

— Está doendo?

— Mais ou menos.

E Lucília:

— Quando estiver doendo, diga!

No dia seguinte, Lucília apareceu triste. Suspirava:

— Que vida!

Romualdo acabou se enfezando:

— Que vida, por quê?

Ela, então, pôs as cartas na mesa:

— Reconheço que a culpada sou eu, porque você, sendo casado, eu não devia... Romualdo, não está direito.

Fez uma pausa, antes de completar:

— Se, ao menos, você vivesse só pra mim!

Foi brutal:

— Ora, Lucília, ora! No mínimo, você está querendo que eu deixe minha mulher! Sou capaz de apostar!

Despediram-se sem carinho. E ele, ressentido, mal se deixou beijar. Disse, apenas:

— Vai com Deus, vai!

Nessa noite, ele fez confidências a um amigo. Quando este soube que havia um filho no meio, um marmanjão de doze anos, foi categórico:

— Abacaxi autêntico!

E Romualdo insistiu:

— Você não acha um desaforo que ela queira, imagine, que eu deixe minha mulher?

— Evidente!

No primeiro encontro, Romualdo rompeu fogo:

— Das duas uma: ou você muda de cara, faz uma cara alegre, ou, então, minha filha, vamos acabar com esse negócio. Já não estou gostando, nada, nada!

Já o termo negócio pareceu a Lucília de uma abominável grosseria, de um prosaísmo ultrajante. Além disso, a agressividade, como se ela fosse uma qualquer!
Exaltou-se, também:

— Não grite! Está pensando que eu sou o quê?

— Grito, pronto, grito! Não topo chiquê! Comigo, não!

Ela não disse uma, nem duas. Apanhou a bolsa, que estava em cima da mesa: olhou-se, instintivamente, no pequeno espelho; e, num passo lento, encaminhou-se para a porta. Parou um segundo, uma fração de segundo. Esperava talvez que Romualdo a chamasse. Teria, então, voltado e tudo terminaria numa reconciliação feroz. Mas ele esbravejou:

— Mulheres é que não faltam, inclusive a minha! Podia haver pontapé mais claro, mais insofismável, mais absoluto? Saiu para nunca mais.

O ABANDONO

Ela tinha do próprio casamento e do marido morto uma lembrança penosa. O marido era uma nobre alma, que vivia para a esposa e para o filho. Mas tudo que ele fizesse, de bom, de heróico, de sublime, esbarrava diante de sua falta de amor. E isso, essa falta de amor, era pior do que o ódio. Crispava-se quando o pobre-diabo vinha fazer-lhe festa. Houve uma vez em que não pôde, não agüentou, explodindo:

— Não me beija! Não quero seu beijo! Que coisa aborrecida!

Ele já estava doente, na ocasião. Foi talvez este episódio que antecipou o fim.

Seis meses depois, ela, sem nenhum luto interior, tinha a sua primeira experiência amorosa, na pessoa do casado Romualdo. Viu, então, que o marido a interessava menos que o mata-mosquito anônimo que vinha pôr creolina no ralo. Foi uma paixão feroz que acabou, como vimos, da maneira mais estúpida do mundo.

Durante dias, Lucília, numa tristeza obtusa, esperou um telefonema, um bilhete, um recado. Nada, absolutamente nada. Depois soube, por terceiros, que ele andava com uma datilógrafa extranumerária numa autarquia; tinham sido vistos no Passeio Público, onde tiravam retratos no lambe-lambe. Lucília, fora de si, encerrava-se no quarto, ficava horas de bruços, na cama, chorando. Já o julgamento do filho não a interessava mais. O garoto, diante do seu pranto, perguntava:

— Que é que a senhora tem, mamãe?

— Não aborrece! Não amola! Sai daqui, anda!

Na presença do filho, ligava para o escritório do bem-amado. De lá, queriam saber quem era.

Lucília se identificava. Então, a resposta infalível era: “Não está”. Uma vez, porém, coincidiu que o próprio atendesse. Mas, quando percebeu que era ela, explodiu:

— Me deixa em paz, sim? Quero sossego! Vê se não me chateia.

O filho não fazia comentário. Era uma testemunha muda de tudo. Guardara, porém, o nome e o repetia: “Romualdo, Romualdo”. Conhecia-o, de vista. Pensava nele dia e noite, com essa obstinação de amor ou de ódio. E já não saía mais de casa, não jogava mais bola; passava as horas ao lado de Lucília, de olhos muito abertos, como se esse desespero o fascinasse, apesar de tudo. Ouviu quando a mãe, numa crise maior, amaldiçoou o homem que a abandonara:

— Tomara que ele morra, meu Deus! Fique debaixo de um automóvel! Tomara, meu Deus!

Por fim, ela já não queria mais nada; ou, por outra, queria morrer. Não comia e seu desmazelo, de atitudes, de roupas, de higiene, era aterrador. Passava dias com uma mesma combinação. Outras vezes, do fundo do seu desespero, fazia a reflexão: “Há três dias que não escovo os dentes”. O filho se abraçava a ela. Chorava:

— Não fique assim, mamãe! Não chore mais!

Certa vez, na rua, o garoto ouviu dizer que não se nega nada a quem está morrendo, a quem vai morrer. O “último” pedido de alguém, justamente por ser o “último”, é alguma coisa de terrível e sagrado, que cumpre obedecer, sob pena de maldições tremendas.

Então, afirmou:

— Ele volta, mamãe! Volta, sim! Juro por Deus!

A VOLTA

Romualdo estava, no poste, esperando o ônibus. O garoto desconhecido aproximou-se e disse que era filho de d. Lucília e falou mais:

— Volta para minha mãe. É meu “último” pedido.

Romualdo não entendeu. Ou só entendeu quando o menino se atirou debaixo de um ônibus que passava a toda a velocidade. A morte foi instantânea.

Alta madrugada apareceu mais alguém para fazer quarto ao menino: era o assombrado, o enlouquecido Romualdo. Voltava, sim. E continuou voltando, escravo do “último pedido” de uma criança. Quando, finalmente, ela se cansou dele e quis deixá-lo, Romualdo lembrou, apenas, o desejo do menino. Então Lucília compreendeu que estavam unidos, e para sempre, dentro de um inferno.
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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