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Marco padrão, construído em 1932 sobre a pequena ilha Pedra do Mato |
Esse padrão (foto) encimado pela cruz templária da ordem de Cristo,
esguio e solitário, de pedra amorenada pelo sol e alisada pelo vento, se
projetando ao céu e refletido na água assinala o terceiro passo da
civilização luso-cristã em terra brasileira. O primeiro marco foi
levantado por Pedro Álvares Cabral na areia de Porto Seguro. Cristóvão
Jaques ergueu o segundo em Itamaracá. Martim Afonso de Souza cravou o
terceiro perto dum ilhéu rochoso e agreste do litoral paulista.
O segundo foi semente de Olinda–Recife–Pernambuco. Foi o terceiro
semente de Piratininga–São Paulo, a marcha ao sul e ao oeste, o recuo do
meridiano, em 1494 firmado teoricamente pela convenção de Tordesilhas.
E, entre esses pontos extremos a que então chegaram os lusos, batendo a
imensa costa, Tomé de Souza alicerçaria, mais tarde, os muros de taipa
da cidade de Salvador, primeira cabeça do estado do Brasil.
Do ciclo das navegações costeiras, entre 1501 e 1530, do qual
participaram os portugueses, muitos franceses e alguns espanhóis,
resultaram, esparsos no litoral, desterrados, desertores e náufragos,
que se uniram às índias. Era o povoamento por mestiçagem que começava.
Ao transpor a frota de Martim Afonso de Souza a barra de São Vicente e
ao fundear entre suas pequenas ilhas, a indiada se aglomerou nas praias.
Desembarcou o capitão-mor no porto chamado de Tumiaru e ali encontrou,
vivendo entre os selvagens, com mulher e filhos, o português Antônio
Rodrigues, companheiro de João Ramalho, que galgara a serra do Mar e,
casando com a filha do chefe Tibiriçá, povoara, na planície de
Piratininga, a aldeia de Inhapuambuçu, depois Santo André da Borda do
Campo. Em Itararé, curta praia existente entre a ilha do Sol, crismada
agora em Porchat, e a ponta do morro de Santo Antônio, antigo Tumiaru,
se lançou o fundamento da primeira vila de São Vicente, a primeira
também do Brasil, com o apoio dos morubixabas guaianás do planalto:
Tibiriçá e Caiubi.
Os índios litorâneos chefiados por Piquerobi, apesar da filha deste ser
mulher de Antônio Rodrigues, preferiram se retirar ao sertão a se
aliarem aos portugueses. Doze anos após a fundação, em 1544, o mar,
avançando sobre a terra, a inundou e submergiu a sempre a Vila de Martim
Afonso de Souza, que renasceu em 1555 ao redor da Igreja de Nossa
Senhora da Assunção, que se salvara, ao pé do morro de Santo Antônio,
local onde perdura.
A expedição de Martim Afonso de Souza, que encerrou o ciclo da
exploração costeira em nossa história, foi a maior tentativa até aquela
data realizada pelo governo de Portugal pra resolver o problema da
colonização do vastíssimo país encontrado pela armada cabralina, nele
fundando um império que se baseasse em mais sólidas riquezas do que a
extração do pau-brasil, apropriada tão-somente a monopólios comerciais
sem espírito civilizador ou à aventura mercantil de interlopes isolados.
Seu plano incluía uma amplitude que faltou à ação de seus
predecessores, simples exploradores da linha costeira ou guardas
costeiros contra os franceses.
Martim Afonso de Souza partiu de Lisboa no dia 3 de dezembro de 1530,
trazendo em seus quatro navios, a este lado do Atlântico, os elementos
básicos, humanos e materiais duma civilização rudimentar: Homens de
arma, de saber e de arte mecânica, utensílios, ferramentas e sementes.
Compunham essa armada matriarca, que conduzia o embrião social do
Brasil, como escreveu a propósito Carlos Malheiro Dias, a nau São
Miguel, o galeão São Vicente, as caravelas Princesa e Rosa, sob o
comando de experimentados capitães: Heitor de Souza, Pero Lobo Pinheiro,
Baltasar Gonçalves e Diogo Leite. E ao capitão-mor, mandado a colonizar
tão longínquas regiões, dera o rei, por antecipação, o título de
governador. Foi, assim, o fundador de São Vicente o primeiro governador
do Brasil.
A armada transpôs a água das Canárias, costeou a África e, na altura do
arquipélago de Cabo Verde, investiu o oceano, rompendo destemidamente os
temporais, até avistar, no último dia de janeiro seguinte, a terra do
Brasil, ao longo de cujo litoral deu caça aos navios franceses: Diogo
Leite se apoderou duma nau nesse mesmo dia, abarrotada de brasil. Ao sul
do cabo de Santo Agostinho tomou a esquadra outra carregada de brasil.
Dias depois conquistou uma terceira, de abordagem, no fim de 36 horas de
fogo de artilharia.
Em 17 de fevereiro de 1531 refrescou a frota em Pernambuco. Havia dois
meses que a nau francesa La Pelérine saqueara e destruíra a feitoria de
Itamaracá. Dali, Diogo Leite, com as caravelas, seguiu ao Norte, a
descobrir o rio Maranham. João de Souza regressou ao reino com notícias e
pau-brasil, numa das suas naus tomadas dos franceses. A outra, crismada
em Nossa Senhora das Candeias, se incorporou à frota sob o comando do
irmão do capitão-mor governador, Pero Lopes de Souza, cujo Diário de
navegação é a crônica viva da epopéia.
Na baía de Todos os Santos, em março de 1531, Martim Afonso de Souza
encontrou o patriarca da miscigenação luso-tupi, Diogo Álvares, o
Caramuru, que ali se encontrava desde 1519. Já a gente da terra era toda
alva, diz Pero Lopes, os homens muito bem dispostos e as mulheres muito
formosas. Ali ficaram dois homens com sementes pra fazerem experiência
do que a terra dava. E ainda os cativos duma caravela, que arribava de
Sofala e fora agregada à frota. Porventura os primeiros negros que
tomaram pé no Brasil.
Meses demorou a expedição no remanso da Guanabara, onde consertou os
navios e construiu dois bergantins destinados à conquista do Rio da
Prata, fim último a que se destinava. Tempo foi suficiente pra quatro
homens, mandados pelo capitão-mor governador, penetrarem as terras e
voltarem com notícia e um chefe de tribo que recebeu muitos presentes. A
primeira bandeira que explorou o interior. E prosseguiu a viagem ao
sul. Em Cananéia, estavam esperando os navegadores dois dos primeiros
povoadores da costa: Francisco Chaves e um bacharel degredado.
À indiada, que ocorria, alvoroçada, à praia, falou, em sua própria
língua, o abanheenga,10 o piloto Pedro Ames. No lagamar de Santos,
balizado no fundo pela muralha azul-verde de Paranapiacaba, por a todos
parecer tão bem a terra, o capitão determinou a povoar, dando a todos os
homens terra pra fazer fazenda. E dali seguiram ao sertão ignoto, cuja
largura se desconhecia, buscando o império dos Incas, donde manavam a
prata e o ouro, os oitenta besteiros e arcabuzeiros da grande bandeira
organizada por Martim Afonso de Souza e comandada por Pero Lobo e
Francisco de Chaves, que os carijó chacinaram na margem do Iguaçu.
De Pernambuco Martim Afonso de Souza enviara duas caravelas ao norte. Em
março de 1531 entravam na baía de São José, em abril na de São Marcos e
em junho na de São João. Atingiram, afinal, a foz do rio Gurupi, que se
chamou Abra de Diogo Leite, segundo consta do mapa de Gaspar Viegas, de
1534. Ao sul foi mandado, de Santos, Pero Lopes de Souza ao rio da
Prata, que devia explorar e colonizar. Lhe foram, porém, os fados
adversos. Na altura do arroio Chuí, predestinado a definitivo limite
entre a América portuguesa e a espanhola no rumo meridional, o mar em
fúria fez naufragarem a nau-capitânia e um dos bergantins, se perdendo
sete homens, arma, mantimento, utensílio, tudo o que se destinava à obra
colonizadora. Reunindo o conselho dos capitães e pilotos, se decidiu,
na dura contingência, renunciar àquela empresa, se encarregando Pero
Lopes com o bergantim restante e 30 homens de erguer no estuário platino
os padrões de posse da coroa portuguesa. A caravela de Sofala, Santa
Maria do Cabo, recolheu os náufragos na costa sulina e ainda trouxe a
São Vicente outros náufragos, esses espanhóis, em número de 15,
relíquias da expedição malograda de Juan Días de Solis ao rio da Prata,
que se encontravam no porto de Patos, em Santa Catarina.
Em data incerta do primeiro semestre de 1533 Martim Afonso de Souza
partiu de São Vicente, ali ficando, como seu lugar-tenente no cargo de
capitão-mor e governador da capitania, Gonçalo Monteiro. Deixava no
Brasil os primeiros materiais duma civilização: A igreja, o município, o
estaleiro, o tombo das sesmarias, o pelourinho, emblema da justiça.
Enquanto não partiu à Índia, o donatário se ocupou da longínqua
capitania brasileira, cuja doação o bei lhe comunicara em carta trazida
por João de Souza a São Vicente. Até lá expediu colonos, animais
domésticos e sementes, contratando agricultores e mecânicos habilitados
na cultura e fabricação do açúcar.
No regresso de São Vicente a Portugal, Pero Lopes de Souza retomou dos
franceses o forte de Itamaracá e os mandou executar como exemplo, pra
castigo de sua felonia.
Martim Afonso de Souza, primeiro colonizador e primeiro donatário do
Brasil, primeiro capitão-mor governador, recebeu do rei dom João III os
títulos pomposos de governador da Índia e capitão-mor dos Mares do
Oriente. Com eles, à testa duma armada de 5 navios, partiu do Tejo em 12
de março de 1534. Arribou à Bahia e os franciscanos que levava a bordo
ali batizaram os filhos legítimos e os naturais de Diogo Álvares,
Caramuru, o patriarca que, usando duma poligamia bíblica, começava com
outros do mesmo feitio a povoar estes Brasis. E essa obra povoadora
continuava com a casamento de duas de suas filhas bastardas, uma com
Afonso Rodrigues, natural de Óbidos, outra com o fidalgo genovês Paulo
Dias Adorno, aventureiros fugidos de São Vicente, onde cometeram um
crime. Assim, começou o Brasil a nascer.
E é tudo isso o que recorda o fuste de pedra do blasonado padrão que aponta o céu e se contempla no mar...
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Fonte: "Segredos e revelações da história do Brasil", Gustavo Barroso - Edições O Cruzeiro - 2ª edição - Agosto de 1961.