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domingo, 25 de setembro de 2011
Oscar Wilde
Quer
em seus hábitos, quer em seus textos, Wilde assumiu de início a
atitude de um dândi, ligado, com um comportamento extravagante, ao
esteticismo da arte pela arte.
Seu talento superou no entanto essa fase superficial, para florescer com pujança em obras-primas maduras, depois de sua carreira ser cortada pelo escandaloso processo por homossexualismo que o levou à prisão.
Oscar Fingall O'Flahertie Wills Wilde nasceu em Dublin, Irlanda, em 16 de outubro de 1854. De pais sofisticados e ricos, estudou em Oxford onde, sob a influência de Matthew Arnold, John Ruskin e Walter Pater, liderou um movimento que combatia os filisteus da cultura e propunha um hedonismo extremado.
Seu talento superou no entanto essa fase superficial, para florescer com pujança em obras-primas maduras, depois de sua carreira ser cortada pelo escandaloso processo por homossexualismo que o levou à prisão.
Oscar Fingall O'Flahertie Wills Wilde nasceu em Dublin, Irlanda, em 16 de outubro de 1854. De pais sofisticados e ricos, estudou em Oxford onde, sob a influência de Matthew Arnold, John Ruskin e Walter Pater, liderou um movimento que combatia os filisteus da cultura e propunha um hedonismo extremado.
Brilhou na sociedade londrina
com seu talento verbal. Os trocadilhos e pilhérias que o tornaram
famoso, não obstante, criticavam muitas vezes o próprio modo vitoriano
de vida, marcado pelo apego às convenções.
Nos diversos gêneros que abordou, Wilde criou obras inesquecíveis, como The Happy Prince and Other Tales (1888; O príncipe feliz e outras histórias) e The Picture of Dorian Gray (1891; O retrato de Dorian Gray), este seu único romance e um de seus livros mais lidos. A poesia contida em Poems (1881; Poemas) apresenta alguns poemas isolados de força sugestiva e patética. Entretanto, não foi muito estimada pela crítica do século XX, que sempre lhe reprovou o sentimentalismo excessivo.
É opinião unânime que Wilde se expressou com maior desenvoltura como autor teatral, renovando a dramaturgia vitoriana com sua verve e seus paradoxos, cintilantes de agudeza e de concisão verbal. Um pouco à maneira das comédias do período da restauração, suas peças principais foram armas brandidas contra as convenções da "boa sociedade", expondo-lhe sem piedade a hipocrisia.
Entre essas peças estão Lady Windermere's Fan (1893; O leque de Lady Windermere), A Woman of No Importance (1893; Uma mulher sem importância) e An Ideal Husband (1895; Um marido ideal). Bem mais conhecida e ainda muito encenada é The Importance of Being Earnest (1895; A importância de ser sério), considerada sua obra-prima no gênero e cujo título original encerra um jogo de palavras entre earnest (sério) e Ernest (Ernesto).
Como ensaísta, Wilde publicou Intentions (1895; Intenções). Em francês, escreveu o drama poético Salomé (1893), transformado por Richard Strauss em ópera (1905). De seus dias de prisão brotaram The Ballad of the Reading Gaol (1898; A balada do cárcere de Reading) e o depoimento em prosa De profundis (1905), longa carta de recriminações a Lord Alfred Douglas, seu ex-amante e causa de toda sua desgraça.
Oscar Wilde, libertado em 1897, deixou para sempre a Inglaterra e, em extrema pobreza, morreu em Paris em 30 de novembro de 1900.
Fonte:Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
Nos diversos gêneros que abordou, Wilde criou obras inesquecíveis, como The Happy Prince and Other Tales (1888; O príncipe feliz e outras histórias) e The Picture of Dorian Gray (1891; O retrato de Dorian Gray), este seu único romance e um de seus livros mais lidos. A poesia contida em Poems (1881; Poemas) apresenta alguns poemas isolados de força sugestiva e patética. Entretanto, não foi muito estimada pela crítica do século XX, que sempre lhe reprovou o sentimentalismo excessivo.
É opinião unânime que Wilde se expressou com maior desenvoltura como autor teatral, renovando a dramaturgia vitoriana com sua verve e seus paradoxos, cintilantes de agudeza e de concisão verbal. Um pouco à maneira das comédias do período da restauração, suas peças principais foram armas brandidas contra as convenções da "boa sociedade", expondo-lhe sem piedade a hipocrisia.
Entre essas peças estão Lady Windermere's Fan (1893; O leque de Lady Windermere), A Woman of No Importance (1893; Uma mulher sem importância) e An Ideal Husband (1895; Um marido ideal). Bem mais conhecida e ainda muito encenada é The Importance of Being Earnest (1895; A importância de ser sério), considerada sua obra-prima no gênero e cujo título original encerra um jogo de palavras entre earnest (sério) e Ernest (Ernesto).
Como ensaísta, Wilde publicou Intentions (1895; Intenções). Em francês, escreveu o drama poético Salomé (1893), transformado por Richard Strauss em ópera (1905). De seus dias de prisão brotaram The Ballad of the Reading Gaol (1898; A balada do cárcere de Reading) e o depoimento em prosa De profundis (1905), longa carta de recriminações a Lord Alfred Douglas, seu ex-amante e causa de toda sua desgraça.
Oscar Wilde, libertado em 1897, deixou para sempre a Inglaterra e, em extrema pobreza, morreu em Paris em 30 de novembro de 1900.
Fonte:Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
Era bonito ser histérica
"Beijarei o punhal que matar Pinheiro Machado" — soluçou o orador.
E, realmente, enfiou a mão no colete, ou cinto, e de lá arrancou, com ágil ferocidade, o punhal homicida. Logo, à vista de todos, beijou, chorando, o punhal. As lágrimas deslizavam pela face cava. E o orador, prolongando o efeito cênico, ainda ficou, por algum tempo, com o punhal erguido e profético. Um uivo unânime subiu das entranhas do silêncio. O comício veio abaixo. Sujeitos atiravam para o ar os chapéus de palha.
Mas resta de pé a pergunta: — Por que exatamente o punhal? Por que o ódio havia de ter a forma esguia e diáfana do punhal? 1915. Era o Brasil do fraque e do espartilho. Nas salas de visitas, havia sempre uma escarradeira de louça, com flores desenhadas em relevo. Eu tinha meus três anos e estava em Pernambuco. Três anos. Aos três anos, o sujeito começa a inventar o mundo. Minha família morava na praia. E eu começava a inventar o mundo. Primeiro, foi o mar. Não, não. Primeiro, inventei o caju selvagem e a pitanga
brava.
Para os meus três anos, o mar, antes de ser paisagem, foi cheiro. Não era concha, nem espuma. Cheiro. Meu pai, antes de ser figura, gesto, bengala ou pura palavra, também foi cheiro. Ninguém tinha nome na minha primeira infância. A estrela-do-mar não se chamava estrela, nem o mar era mar. Só quando cheguei ao Rio, em 1916, é que tudo deixou de ser maravilhosamente anônimo.
Eis o que eu queria dizer — o primeiro nome que ouvi foi o de Pinheiro Machado. Alguém se chamava Pinheiro Machado. A princípio, ele não foi um destino, um perfil, um fraque, mas tão-somente um nome. Um nome solto no ar, quase um brinquedo auditivo. Eu não inventara ainda a morte, não inventara ainda o punhal, nem a palavra "defunto".
Escrevi, não sei onde, que foi um suicida que me revelara a morte e me ensinara a morrer. Engano, engano. Foi Pinheiro Machado. Sim, Pinheiro Machado. E, súbito, eu aprendia que o homem morre e que o homem mata.
Ainda hoje, e até nas minhas crônicas esportivas, falo muito, com uma constância obsessiva, no assassinato de Pinheiro Machado. Uns acham graça e ninguém entende a insistência cruel. Ah, eu teria de explicar que há, em qualquer infância, uma antologia de mortos; e, para o menino que fui, Pinheiro Machado é um desses mortos fundamentais.
Mas repito a pergunta: — Por que havia de ser o punhal? Pinheiro Machado podia ser assassinado a tiro, a bala. Pouco antes, um jornalista fora assassinado em Pernambuco. Chamava-se Trajano Chacon. Três ou quatro se juntaram e o mataram, a cano de chumbo. Não faca, punhal ou revólver. No caso de Pinheiro Machado, quero crer que o punhal convinha mais à retórica. Na época do soneto, era mais parnasiano. O orador podia tirar o punhal, beijá-lo, quase lambê-lo.
Muitos e muitos anos depois, me vejo subindo a escadaria da Biblioteca Nacional. Estou crispado como o criminoso que vai reler a notícia do próprio crime. Lá dentro, peço a coleção do Correio da Manhã de 1915.
Dou o mês do assassinato. Não me lembro se é permitido fumar na sala de leitura; em caso afirmativo, tiro um cigarro e o acendo (guardo o palito na própria caixa). Enquanto não vem a coleção, começo a tecer uma pequena fantasia homicida. Não é mais o Manso de Paiva, mas eu que me escondo atrás de uma coluna. Entra Pinheiro Machado, de fraque. Os rapapés o envolvem: — "Senador! Senador!". É agora. Corro e mato Pinheiro Machado. Sou assassino. Em seguida, imagino a experiência inversa, de vítima. A dor fulminante da punhalada. Não tenho tempo nem para o espanto, nem para o grito.
O funcionário trouxe a coleção. Começo a ficar tenso. Encontro a edição do crime. Primeiro, passo os olhos no dia, mês e ano (sou um fascinado pelas datas dos velhos jornais e dos velhos túmulos). A manchete rasga as suas oito colunas: — ASSASSINADO o GENERAL PINHEIRO MACHADO!
Ao bater estas notas, sinto o abismo entre as duas manchetes: — a de Pinheiro Machado era um berro gráfico, um uivo impresso; a de Kennedy, estupidamente impessoal, crassamente informativa. Ah, as manchetes de hoje não se espantam, nem se desgrenham, nem reconhecem a catástrofe.
O Correio da Manhã conta tudo. Estou vendo Pinheiro Machado, de fraque, chegando ao Hotel dos Estrangeiros. Lá está o seu lindo perfil de moeda. Vinha falar com dois políticos de São Paulo. Era um voluptuoso, um lúbrico do Poder.
Sua conquista política era um jogo amoroso. O olho ficava mais doce, lascivo, translúcido. Amorosamente, Pinheiro Machado abriu os braços, enlaçando os dois políticos. E assim, entre um e outro, caminha o general, muito olhado. Claro que todos se voltavam para ver o homem que, segundo os comícios e os jornais, era o autor de todos os presidentes.
Pouco antes, chegava da Europa Irineu Machado, um dos grandes tribunos da época. Era homem de falar dez horas sem parar (antigamente, tínhamos mais oradores do que hoje camelôs de caneta-tinteiro). E Irineu Machado disse, em comício: — "Matar Pinheiro Machado não é ser assassino. É ser caçador". Ele não estava improvisando nada. A frase fora criada, recriada, até chegar à sua forma exata, inapelável e assassina.
Era apenas uma frase. Mas aí é que está: — nada se fazia então sem frase. Para tudo era preciso uma frase. Repito: — uma frase tanto fazia uma adúltera como um ministro. E aquilo que Irineu Machado berrara foi de uma prodigiosa eficácia homicida. Caçar Pinheiro Machado, simplesmente caçar.
Manso de Paiva estava ouvindo. E se não fosse Manso de Paiva seria outro Manso de Paiva. Até as senhoras eram Mansos de Paiva. A punhalada amadurecia no coração do povo. Mas volto ao Hotel dos Estrangeiros. Passa o caudilho com os outros dois. Ouvia-se o seu riso cálido, vital. Uma dama olha Pinheiro por detrás do leque como uma Butterfly.
Tudo teve a progressão fulminante da catástrofe. Manso de Paiva sai da coluna; corre, tira o punhal e o enterra até o fim nas costas do caudilho, pouco abaixo da nuca. Pinheiro soluça: — "Mataste-me, canalha!". Mas Osvaldo Paixão, contemporâneo do episódio, orador de vários comícios ferocíssimos, retifica.
Segundo ele, as últimas palavras de Pinheiro foram estas: — "Apunhalaste-me, canalha!". Quero crer que ele tenha dito apenas: "Canalha". Mas cabe perguntar: — que canalha? Ou, por outra: o caudilho estava com dois paulistas. Morreu certo de que um deles era o "canalha".
(Preciso falar de Guimarães Rosa.) Ah, em 1915, as mulheres tinham um repertório de gritos que as novas gerações não usam, nem conhecem, Era bonito "ser histérica". Muitas simulavam seus ataques, como o dostoievskiano Smerdiakov. Mas, quando Pinheiro caiu, as damas presentes não fingiam nada. Elas se esganiçavam, e rolavam pelas cadeiras, ou sapateavam como espanholas.
Naquela época, uma notícia levava meia hora para ir de uma esquina à outra esquina. Mas toda a cidade ou, mais do que isso, o Brasil soube do assassinato, com uma instantaneidade brutalíssima.
E ninguém percebeu que, com Pinheiro Machado, morria também o fraque.
O óbvio ululante : primeiras confissões crônicas / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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E, realmente, enfiou a mão no colete, ou cinto, e de lá arrancou, com ágil ferocidade, o punhal homicida. Logo, à vista de todos, beijou, chorando, o punhal. As lágrimas deslizavam pela face cava. E o orador, prolongando o efeito cênico, ainda ficou, por algum tempo, com o punhal erguido e profético. Um uivo unânime subiu das entranhas do silêncio. O comício veio abaixo. Sujeitos atiravam para o ar os chapéus de palha.
Mas resta de pé a pergunta: — Por que exatamente o punhal? Por que o ódio havia de ter a forma esguia e diáfana do punhal? 1915. Era o Brasil do fraque e do espartilho. Nas salas de visitas, havia sempre uma escarradeira de louça, com flores desenhadas em relevo. Eu tinha meus três anos e estava em Pernambuco. Três anos. Aos três anos, o sujeito começa a inventar o mundo. Minha família morava na praia. E eu começava a inventar o mundo. Primeiro, foi o mar. Não, não. Primeiro, inventei o caju selvagem e a pitanga
brava.
Para os meus três anos, o mar, antes de ser paisagem, foi cheiro. Não era concha, nem espuma. Cheiro. Meu pai, antes de ser figura, gesto, bengala ou pura palavra, também foi cheiro. Ninguém tinha nome na minha primeira infância. A estrela-do-mar não se chamava estrela, nem o mar era mar. Só quando cheguei ao Rio, em 1916, é que tudo deixou de ser maravilhosamente anônimo.
Eis o que eu queria dizer — o primeiro nome que ouvi foi o de Pinheiro Machado. Alguém se chamava Pinheiro Machado. A princípio, ele não foi um destino, um perfil, um fraque, mas tão-somente um nome. Um nome solto no ar, quase um brinquedo auditivo. Eu não inventara ainda a morte, não inventara ainda o punhal, nem a palavra "defunto".
Escrevi, não sei onde, que foi um suicida que me revelara a morte e me ensinara a morrer. Engano, engano. Foi Pinheiro Machado. Sim, Pinheiro Machado. E, súbito, eu aprendia que o homem morre e que o homem mata.
Ainda hoje, e até nas minhas crônicas esportivas, falo muito, com uma constância obsessiva, no assassinato de Pinheiro Machado. Uns acham graça e ninguém entende a insistência cruel. Ah, eu teria de explicar que há, em qualquer infância, uma antologia de mortos; e, para o menino que fui, Pinheiro Machado é um desses mortos fundamentais.
Mas repito a pergunta: — Por que havia de ser o punhal? Pinheiro Machado podia ser assassinado a tiro, a bala. Pouco antes, um jornalista fora assassinado em Pernambuco. Chamava-se Trajano Chacon. Três ou quatro se juntaram e o mataram, a cano de chumbo. Não faca, punhal ou revólver. No caso de Pinheiro Machado, quero crer que o punhal convinha mais à retórica. Na época do soneto, era mais parnasiano. O orador podia tirar o punhal, beijá-lo, quase lambê-lo.
Muitos e muitos anos depois, me vejo subindo a escadaria da Biblioteca Nacional. Estou crispado como o criminoso que vai reler a notícia do próprio crime. Lá dentro, peço a coleção do Correio da Manhã de 1915.
Dou o mês do assassinato. Não me lembro se é permitido fumar na sala de leitura; em caso afirmativo, tiro um cigarro e o acendo (guardo o palito na própria caixa). Enquanto não vem a coleção, começo a tecer uma pequena fantasia homicida. Não é mais o Manso de Paiva, mas eu que me escondo atrás de uma coluna. Entra Pinheiro Machado, de fraque. Os rapapés o envolvem: — "Senador! Senador!". É agora. Corro e mato Pinheiro Machado. Sou assassino. Em seguida, imagino a experiência inversa, de vítima. A dor fulminante da punhalada. Não tenho tempo nem para o espanto, nem para o grito.
O funcionário trouxe a coleção. Começo a ficar tenso. Encontro a edição do crime. Primeiro, passo os olhos no dia, mês e ano (sou um fascinado pelas datas dos velhos jornais e dos velhos túmulos). A manchete rasga as suas oito colunas: — ASSASSINADO o GENERAL PINHEIRO MACHADO!
Ao bater estas notas, sinto o abismo entre as duas manchetes: — a de Pinheiro Machado era um berro gráfico, um uivo impresso; a de Kennedy, estupidamente impessoal, crassamente informativa. Ah, as manchetes de hoje não se espantam, nem se desgrenham, nem reconhecem a catástrofe.
O Correio da Manhã conta tudo. Estou vendo Pinheiro Machado, de fraque, chegando ao Hotel dos Estrangeiros. Lá está o seu lindo perfil de moeda. Vinha falar com dois políticos de São Paulo. Era um voluptuoso, um lúbrico do Poder.
Sua conquista política era um jogo amoroso. O olho ficava mais doce, lascivo, translúcido. Amorosamente, Pinheiro Machado abriu os braços, enlaçando os dois políticos. E assim, entre um e outro, caminha o general, muito olhado. Claro que todos se voltavam para ver o homem que, segundo os comícios e os jornais, era o autor de todos os presidentes.
Pouco antes, chegava da Europa Irineu Machado, um dos grandes tribunos da época. Era homem de falar dez horas sem parar (antigamente, tínhamos mais oradores do que hoje camelôs de caneta-tinteiro). E Irineu Machado disse, em comício: — "Matar Pinheiro Machado não é ser assassino. É ser caçador". Ele não estava improvisando nada. A frase fora criada, recriada, até chegar à sua forma exata, inapelável e assassina.
Era apenas uma frase. Mas aí é que está: — nada se fazia então sem frase. Para tudo era preciso uma frase. Repito: — uma frase tanto fazia uma adúltera como um ministro. E aquilo que Irineu Machado berrara foi de uma prodigiosa eficácia homicida. Caçar Pinheiro Machado, simplesmente caçar.
Manso de Paiva estava ouvindo. E se não fosse Manso de Paiva seria outro Manso de Paiva. Até as senhoras eram Mansos de Paiva. A punhalada amadurecia no coração do povo. Mas volto ao Hotel dos Estrangeiros. Passa o caudilho com os outros dois. Ouvia-se o seu riso cálido, vital. Uma dama olha Pinheiro por detrás do leque como uma Butterfly.
Tudo teve a progressão fulminante da catástrofe. Manso de Paiva sai da coluna; corre, tira o punhal e o enterra até o fim nas costas do caudilho, pouco abaixo da nuca. Pinheiro soluça: — "Mataste-me, canalha!". Mas Osvaldo Paixão, contemporâneo do episódio, orador de vários comícios ferocíssimos, retifica.
Segundo ele, as últimas palavras de Pinheiro foram estas: — "Apunhalaste-me, canalha!". Quero crer que ele tenha dito apenas: "Canalha". Mas cabe perguntar: — que canalha? Ou, por outra: o caudilho estava com dois paulistas. Morreu certo de que um deles era o "canalha".
(Preciso falar de Guimarães Rosa.) Ah, em 1915, as mulheres tinham um repertório de gritos que as novas gerações não usam, nem conhecem, Era bonito "ser histérica". Muitas simulavam seus ataques, como o dostoievskiano Smerdiakov. Mas, quando Pinheiro caiu, as damas presentes não fingiam nada. Elas se esganiçavam, e rolavam pelas cadeiras, ou sapateavam como espanholas.
Naquela época, uma notícia levava meia hora para ir de uma esquina à outra esquina. Mas toda a cidade ou, mais do que isso, o Brasil soube do assassinato, com uma instantaneidade brutalíssima.
E ninguém percebeu que, com Pinheiro Machado, morria também o fraque.
[4/12/1967]
______________________________________________________________O óbvio ululante : primeiras confissões crônicas / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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