quinta-feira, 22 de março de 2012

Os idiotas confessos

Antigamente, o idiota era o idiota. Nenhum ser tão sem mistério e repito: — tão cristalino. O sujeito o identificava, a olho nu, no meio de milhões. E mais: — o primeiro a identificar-se como tal era o próprio idiota. Não sei se me entendem.

No passado, o marido era o último a saber. Sabiam os vizinhos, os credores, os familiares, os conhecidos e os desconhecidos. Só ele, marido, era obtusamente cego para o óbvio ululante. Sim, o traído ia para as esquinas, botecos e retretas gabar a infiel: — "Uma santa! Uma santa!".

Mas o tempo passou. Hoje, dá-se o inverso. O primeiro a saber é o marido. Pode fingir-se de cego. Mas sabe, eis a verdade, sabe. Lembro-me de um que sabia endereço, hora, dia etc. etc. Pois o idiota era o primeiro a saber-se idiota. Não tinha nenhuma ilusão.

E uma das cenas mais fortes que vi, em toda a minha infância, foi a de uma autoflagelação. Um vizinho berrava, atirando rútilas patadas: — "Eu sou um quadrúpede!". Nenhuma objeção. E, então, insistia, heróico: — "Sou um quadrúpede de 28 patas!". Não precisara beber para essa extroversão triunfal. Era um límpido, translúcido idiota. E o imbecil como tal se comportava.

Nascia numa família também de imbecis. Nem os avós, nem os pais, nem os tios, eram piores ou melhores. E, como todos eram idiotas, ninguém pensava. Tinha-se como certo que só uma pequena e seletíssima elite podia pensar. A vida política estava reservada aos "melhores". Só os "melhores", repito, só os "melhores" ousavam o gesto político, o ato político, o pensamento político, a decisão política, o crime político.

Por saber-se idiota, o sujeito babava na gravata de humildade. Na rua, deslizava, rente à parede, envergonhado da própria inépcia e da própria burrice. Não passava do quarto ano primário. E quando cruzava com um dos "melhores", só faltava lamber-lhe as botas como uma cadelinha amestrada. Nunca, nunca o idiota ousaria ler, aprender, estudar, além de limites ferozes. No romance, ia até ao Maria, a desgraçada.

Vejam bem: — o imbecil não se envergonhava de o ser. Havia plena acomodação entre ele e sua insignificância. E admitia que só os "melhores" podem pensar, agir, decidir.

Pois bem. O mundo foi assim, até outro dia. Há coisa de três ou quatro anos, uma telefonista aposentada me dizia: — "Eu não tenho o intelectual muito desenvolvido". Não era queixa, era uma constatação. Santa senhora!

Foi talvez a última idiota confessa do nosso tempo. De repente, os idiotas descobriram que são em maior número. Sempre foram em maior número e não percebiam o óbvio ululante. E mais descobriram: — a vergonhosa inferioridade numérica dos "melhores". Para um "gênio", 800 mil, 1 milhão, 2 milhões, 3 milhões de cretinos.

E, certo dia, um idiota resolveu testar o poder numérico: — trepou num caixote e fez um discurso. Logo se improvisou uma multidão. O orador teve a solidariedade fulminante dos outros idiotas. A multidão crescia como num pesadelo. Em quinze minutos, mugia, ali, uma massa de meio milhão.

Se o orador fosse Cristo, ou Buda, ou Maomé, não teria a audiência de um vira-lata, de um gato vadio. Teríamos de ser cada um de nós um pequeno Cristo, um pequeno Buda, um pequeno Maomé. Outrora, os imbecis faziam platéia para os "superiores". Hoje, não. Hoje, só há platéia para o idiota. É preciso ser idiota indubitável para se ter emprego, salários, atuação, influência, amantes, carros, jóias etc. etc.

Quanto aos "melhores", ou mudam, e imitam os cretinos, ou não sobrevivem. O inglês Wells, que tinha, em todos os seus escritos, uma pose profética, só não previu a "invasão dos idiotas". E, de fato, eles explodem por toda parte: — são professores, sociólogos, poetas, magistrados, cineastas, industriais. O dinheiro, a fé, a ciência, as artes, a tecnologia, a moral, tudo, tudo está nas mãos dos patetas.

E, então, os valores da vida começaram a apodrecer.

Sim, estão apodrecendo nas nossas barbas espantadíssimas. As hierarquias vão ruindo como cúpulas de pauzinhos de fósforos. E nem precisamos ampliar muito a nossa visão. Vamos fixar apenas o problema religioso. A Igreja tem uma hierarquia de 2 mil anos. Tal hierarquia precisa ser preservada ou a própria Igreja não dura mais quinze minutos. No dia em que um coroinha começar a questionar o papa, ou Jesus, ou a Virgem Maria, será exatamente o fim.

É o que está acontecendo. Nem se pense que a "invasão dos idiotas" só ocorreu no Brasil. Se fosse uma crise apenas brasileira, cada um de nós podia resmungar: — "Subdesenvolvimento" — e estaria encerrada a questão. Mas é uma realidade mundial. Em que pese a dessemelhança de idioma e paisagem, nada mais parecido com um idiota do que outro idiota. Todos são gêmeos, estejam uns aqui, outros em Cingapura.

Mas eu falava de que mesmo? Ah, da Igreja. Um dia, ao voltar de Roma, o dr. Alceu falou aos jornalistas. E atira, pela janela, 2 mil anos de fé. É pensador, um alto espírito e, pior, uma grande voz católica. Segundo ele, durante os vinte séculos, a Igreja não foi senão uma lacaia das classes dominantes, uma lacaia dos privilégios mais hediondos.

Portanto, a Igreja é o próprio Cinismo, a própria Iniqüidade, a própria Abjeção, a própria Bandalheira (e vai tudo com ainicial maiúscula).

Mas quem diz isso? É o Diabo, em versão do teatro de revista? Não. É uma inteligência, uma cultura, um homem de bem e de fé. De mais a mais, o dr. Alceu tinha acabado de beijar a mão de Sua Santidade. Vinha de Roma, a eterna. E reduz a Igreja a uma vil e gigantesca impostura. Mas se ele o diz, e tem razão, vamos, já, já, fechar a Igreja e confiscar-lhe as pratas.

Cabe então a pergunta: — "O dr. Alceu pensa assim?".

Não. Em outra época, foi um dos "melhores". Mas agora é preciso adular os idiotas, conquistar-lhes o apoio numérico. Hoje, até o gênio se finge imbecil. Nada de ser gênio, santo, herói ou simplesmente homem de bem. Os idiotas não os toleram. E as freiras põem short, maiô e posam para Manchete como se fossem do teatro rebolado.

Por outro lado, d. Hélder quer missa com reco-reco, tamborim, pandeiro e cuíca. É a missa cômica e Jesus fazendo passista de Carlos Machado. Tem mais: — o papa visitará a América Latina. Segundo os jornais, teme-se que o papa seja agredido, assassinado, ultrajado etc. etc.

A imprensa dá a notícia com a maior naturalidade, sem acrescentar ao fato um ponto de exclamação.

São os idiotas, os idiotas, os idiotas.

[19/8/1968]
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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quarta-feira, 21 de março de 2012

O operário e o leão

Esta fábula foi recolhida no folclore europeu pela veneranda Tia Zulmira, sábia ermitã da Boca do Mato, que ultimamente tem gasto seu precioso tempo justamente em pesquisas folclóricas.

Era uma vez um leão. Este leão trabalhava num circo que havia num reino distante e era considerado pelo povo do reino como um dos leões mais ferozes do mundo.

Tal era o cartaz do leão que, quando ele trabalhava, o circo enchia mais que discurso de Flávio Cavalcanti, na televisão.

Um dia — foi num domingo — o povo daquele reino, que vinha sendo vítima dos reformadores contumazes de todos os reinos, países, principados e republiquetas, ouviu dizer que o leão ia aparecer em um número novo. E então todo mundo foi ao circo, ver a coisa, e se distrair um pouco.

Mas eis que, de repente, o feroz leão deu um pulo dentro da jaula e arrebentou as grades, fugindo para a rua. O pânico estabeleceu-se imediatamente. Todo mundo correu, menos um rapaz franzino que estava parado numa esquina, esperando a namorada.

O leão avançou para o rapaz que, sendo muito valente, puxou um canivete que tinha, para fazer ponta em fósforo e  economizar o palito. E só com aquele canivetinho, ele matou o leão. A fera pulou em cima dele e ele teve tanta sorte que acertou uma canivetada na jugular do leão, que morreu de anemia ali mesmo.

Foi uma coisa espetacular. Logo o povo todo correu para festejar o rapaz e veio a imprensa, veio o rádio, a televisão e até as altas autoridades.

Um ministro perguntou logo, diante da coragem do rapaz, se ele era chefe de esquadrilha de aviões de combate. Mas o rapaz não era. Um oficial de Marinha quis saber se o rapaz era piloto de submarino suicida. Mas o rapaz não era. Não pertencia a qualquer das forças armadas daquele reino.

— Mas então, que é que você é? — perguntou o diretor do maior jornal dali.

— Eu sou operário — respondeu o rapaz.

E no dia seguinte, todos os jornais do reino publicavam em manchete:

" Leão acuado e indefeso morto por feroz agente comunista".

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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975
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terça-feira, 20 de março de 2012

A ilusão da lua no horizonte

Por que a Lua parece maior quando está próxima ao horizonte? Esta pergunta foi ponderada por centenas, se não, há milhares de anos. Este problema é comumente conhecido como ilusão da lua.

Algumas pessoas especularam que existe algum efeito que faz a atmosfera agir como uma lente de aumento que amplia a Lua, fazendo-a parecer maior. O fato é que, na verdade, qualquer distorção causada pela atmosfera, faria a Lua parecer um pouco menor.

A maioria dos cientistas concorda que o motivo da Lua parecer maior simplesmente está em nossas mentes. Nossa mente interpreta as coisas que vemos de maneiras interessantes. Por exemplo, se você olhar para qualquer batente de porta, verá que ele é retangular. Mas se você fizer um esboço do contorno do batente do ângulo que você está olhando para ele, muito provavelmente você esboçará um trapezóide. Sua mente ajusta a porta para que você a perceba como um retângulo de qualquer ângulo que você olhar para ela. Essa teoria é chamada de constância de forma.

A constância de tamanho ocorre todo o tempo. Se você olhar na rua e vir um carro esporte a cerca de 15 m de distância e, atrás dele, a cerca de 30 m, uma grande Van, você sabe que a Van é maior, apesar de ela produzir uma imagem menor na sua retina.

Uma teoria sobre a ilusão da lua diz que quando a Lua está próxima do horizonte a percebemos mais distante de nós do que quando ela está no alto do céu. Mas como a Lua, de fato, tem o mesmo tamanho, nossas mentes a fazem parecer maior quando ela está próxima do horizonte para compensar a distância aumentada.

Uma maneira de você enganar a sua mente quanto à ilusão da lua é se curvar sobre a cintura e olhar para a Lua de cabeça para baixo por entre as suas pernas.

Uma explicação alternativa sustenta que a ilusão da lua é causada pela maneira como os nossos olhos focam objetos distantes e próximos. Quando focamos a Lua no horizonte, focamos a Lua a uma distância maior. A Lua acima de nossas cabeças não nos dá dicas do quão distante ela está, assim, focamos a Lua como se ela estivesse a uma curta distância de nós.

Assim, por hora, o que sabemos é que não há uma resposta certa. Mas, em uma coisa as pessoas concordam: a Lua não muda fisicamente o seu tamanho ou sua distância da Terra enquanto se move no céu. Tudo se passa nas nossas mentes.

Fonte: HowStuffWorks.
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