sábado, 3 de dezembro de 2011

Biografia de Mirinho

Primo Altamirando é nosso consangüíneo apenas por parte de pai, como, aliás, devem ser todos os parentes. Porque consangüíneos por parte de pai e mãe, só mesmo irmãos, pois primos que casam com primos, dá sempre em bronca.

Tia Zulmira costuma dizer: Padres, Primos e Pombos — os dois primeiros não servem para casar, os dois últimos só servem para sujar a casa. Como sempre, a velha tem razão.

Assim o nosso abominável parente é primo por parte de pai (Gumercindo Tenório Ponte Preta), mesmo porque nunca teve mãe. Um dia Gumercindo entrou em casa com um embrulho debaixo do braço, um embrulho de jornal — se não nos falha a História, o jornal era O Dia — e disse para Tia Zulmira:

— Trouxe isto para você, mamãe.

Como Gumercindo nunca fora de dar nada a ninguém, todos correram para ver o que era. Desembrulharam o presente — era Mirinho. Tio Gumercindo tinha trazido a criança para a velha criar na sua chácara da Boca do Mato, recusando-se solenemente a dizer quem era a mãe (de Mirinho naturalmente), talvez encabulado com o que andara fazendo 9 meses antes do episódio ora relatado.

Hoje Tia Zulmira defende a tese de que Mirinho é de chocadeira, porque um sujeito com um caráter deletério como é o do primo, não pode ter tido mãe de jeito nenhum. Mas passemos aos dados biográficos.

Mirinho nasceu no ano da desgraça de 1926. Para que vocês tenham uma idéia de como foi diferente o ano de 1926, basta lembrar que, nesse ano, o São Cristóvão foi campeão carioca.

Aos cinco anos de idade Mirinho conseguiu um fato inédito na vida dos maus caracteres existentes em todo o mundo: foi expulso do Jardim da Infância. A professora pegou-o, no recreio, falando mal de São Francisco de Assis.

Graças aos mais rebarbativos processos de tortura chinesa, Mirinho conseguiu ao menos se alfabetizar, abandonando os estudos no 4º ano primário para fugir com a professora de Ciências Físicas e Naturais, matéria que fazia parte do curso na época e que o primo resolveu estudar a fundo, para tanto raptando a mestra e inaugurando sua vida amorosa de forma escandalosa, como — de resto — tem sido até hoje sua vida nesse setor.

Aos 15 anos era um esplêndido marginal, com curso intensivo do SAM e ninguém tinha dúvidas de que haveria de superar o pai nisso de ser inimigo de todos os códigos, desde o penal ao de trânsito. O pai tinha como uma de suas glórias a idéia que um dia deu ao Barão de Drummond, para inaugurar o jogo do bicho; o filho superava longe Gumercindo, tantas e tais foram as suas delinqüências juvenis. A Secretaria da Agricultura do Estado da Guanabara deverá eternamente este serviço ao nefando parente: foi ele o primeiro sujeito a plantar maconha no Rio de Janeiro.

Querer ressaltar as principais fases da vida desse cretino é um pouco difícil, pois não houve ano em que não bolasse uma safadeza qualquer, dessas de encabular filisteu. Tinha 15 anos incompletos quando fez a primeira freira pular muro de convento e ainda menor impúbere mobilizou toda a polícia carioca para se descobrir quem é que andava ajudando as adutoras do Guandu a furarem os canos com mais freqüência. Era ele.

As pequenas provas de um mau caráter, que as outras crianças costumam dar com a idade de 10 aos 15 anos, Mirinho as deu ainda de fraldas, tais como botar canarinho no liquidificador, amarrar e acender foguetão no rabo do gato, passar pimenta na dentadura da avó, atear fogo na saia da babá (a ama-seca de Mirinho era boa que só vendo, e ele levou uma surra homérica do pai, porque ao botar fogo na saia dela, quase queima o principal). Até mesmo Tia Zulmira, de natural tão compreensiva, perdeu a paciência com ele quando Mirinho ainda nem falava direito. A velha ficou justamente indignada porque Mirinho, na hora em que ela foi ao banheiro, para um proverbial banho de assento, colocou uma perereca no bidê.

Não queremos dar ao leitor uma impressão falsa do nosso biografado. Pelo contrário, aqueles que estiverem pensando o pior de Primo Altamirando, ainda estão longe de fazer idéia de como ele é. No entanto, tem bom coração. Quando Al Capone morreu — por exemplo — Mirinho usou gravata preta e fumo no braço durante um mês. Ficou muito sentido com o falecimento desse seu ídolo.

Nestes 35 anos de sua vida, já cometeu desatinos para uns dois séculos, no mínimo, e não há setor da sociedade em que tenha se metido sem deixar para sempre os vestígios de sua passagem. Ainda rapazote, deu-se às lides esportivas, principalmente ao futebol. Foi o primeiro desportista a dar uma gruja ao adversário para amolecer o jogo.

Suas atividades políticas também são interessantes. Foi Mirinho quem aconselhou Ademar de Barros a largar a medicina para se dedicar à vida pública (não contente, fez a mesma coisa, alguns anos depois, com um médico muito alegrete de Diamantina, um tal Juscelino). Ainda como político, aconselhou as autoridades a reabrirem as câmaras de vereadores de todos os municípios brasileiros e correu o país de norte a sul, ensinando aos edis eleitos a arte do jabaculê, da mamata e das grandes negociatas.

No dia em que descobriu que este seu primo Stanislaw estava fazendo sucesso na imprensa, fez um curso de jornalismo de araque e foi ser repórter policial. Há, inclusive, neste livro, uma passagem de suas atividades como repórter policial. Teve grande influência nas redações de nossas principais folhas informativas, insistiu muito para que se desse uma oportunidade aos cronistas mundanos e fez ver aos secretários de redação que isso da imprensa orientar o povo é besteira. O ideal é dar destaque aos crimes hediondos, para o incremento dos mesmos e a conseqüente abundância de notícias para os jornais.

— Plantar para colher! — costumava dizer o debilóide.

Mas hoje o Primo Altamirando, embora nunca tivesse trabalhado, resolveu se aposentar. Abriu um escritório de corretagem, para contrabando, tráfico de entorpecentes e prostituição em massa. É do que vive, embora não precisasse disso, pois nunca deixou de ser gigolô de certas velhotas ricas da sociedade, que lhe dão do bom e do melhor, e lhe pagam em dólar, conforme ele mesmo exige, para não ficar desmoralizado no mundo do crime. Tem certeza de que poupa a humanidade porque poderia explorá-la muito mais.

Enfim: um homem realizado.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Comigo não

Diz que quando foi feita a batida policial na tal Boate Étoile aconteceram muitas coisas curiosas. Um dos componentes da plebe ignara, cuja ficou no sereno da coisa observando a manobra policial, conta à flor dos Ponte Pretas episódios do evento. Diz que, quando a Polícia entrou parecia que lá dentro tudo estava normal. Pares sentados nas mesas, bebericando, e pares a rodar pelo salão, a dançar de rosto encostado.

Só quando acenderam a luz é que as autoridades perceberam que vários dos rapazes que fumavam cachimbo ou charuto, nas mesas, eram senhoras masculinizadas. Assim como os homens que, com gestos másculos apertavam suas damas na pista de dança, eram todos madamas disfarçadas, berrando com voz grossa que aquilo era um absurdo. Houve até madama disfarçada que quis sair no braço com os guardas.

Contornada a primeira dificuldade, que foi serenar os ânimos das "valentes" senhoras, o delegado mandou que fossem em cana todos os presentes, para o que havia um tintureiro lá fora, à guisa de condução. E então deu-se o desfile aos olhos da plebe ignara: senhoras com botina de soldado, senhoras de gravata, senhoras até de bigodinho tipo alegria-de-suburbana. Uma das senhoras, na hora de embarcar na viatura, protestou, dizendo:

— Quando eu chegar em casa minha mulher vai ficar danada. — Dito o que, arregaçou um pouco as calças de brim coringa e subiu pro tintureiro.

Na delegacia ficou-se sabendo que as madamas machonas só se tratavam pelo sobrenome, para dar um ar mais machão à coisa, isto é, só se chamavam de Azevedo, Moreira, Gonçalves, etc., exigindo o maior respeito para com suas namoradas, todas muito frágeis, mas também em cana.

Vai daí o delegado começou a registrar o nome das madamas no livro de ocorrências. Primeiro respondeu uma de charuto na boca, dizendo chamar-se Barroso; depois de uma outra de bigodinho fino à Clark Gable, que se identificou como sendo o Magalhães e assim sucessivamente. Até que o delegado chegou ao final da fila, perguntando à figurinha que estava encolhida:

— E você aí, como é seu nome?

— Paulo — foi a resposta.

— Paulo??? — estranhou o delegado: — Quer dizer que a senhora é a única que não se identifica pelo sobrenome?

— Seu delegado — respondeu o coitado —, o senhor tá enganado. Eu não sou mulher não. Eu sou o garçom da boate.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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Flávio, o implacável artilheiro

O centroavante Flávio fez a alegria de muitas galeras. Mais precisamente, do Internacional, Corinthians, Fluminense, Porto (Portugal), Pelotas, Santos, Figueirense, Brasília e Wilstermann (Bolivia). Ao todo, atingiu a espantosa marca de 603 tentos, nove dos quais marcados em rápida passagem pela Seleção. Mas foi nos clubes que conseguiu seus feitos mais notáveis: a artilharia do Campeonato Paulista de 1967, dos Cariocas de 1969 e 1970, do Gaúcho de 1977. Sem falar no Brasileirão de 1975, quando marcou dezesseis vezes com a camisa 9 do Internacional.

Flávio Almeida da Fonseca, também conhecido como Flávio Minuano, Flávio Bicudo ou simplesmente Flávio, nasceu em Porto Alegre, RS, em 09/09/1944. Foi um centroavante artilheiro, goleador de diversas competições. Quando menino, era músico (tocava saxofone) e entregava jornais, profissões que trocou depois pela de jogador de futebol.

Começou no Real Madri, equipe de várzea da cidade de Porto Alegre, de onde ele se transferiu para o Sport Club Internacional em 1959. Logo no teste que fez para tentar ingressar nas equipes infantis do Inter, marcou 3 gols em 35 minutos. Ingressou no time principal do Internacional em 1961, sendo campeão gáucho aquele ano e ganhando o apelido de Flávio Bicudo, com o qual foi convocado para a Seleção Brasileira em 1963.

Em 1964 transferiu-se para o Sport Club Corinthians Paulista, onde jogou até 1969 sem conquistar nenhum título paulista, mas sendo o artilheiro do estadual de 1967 com 21 gols (superando Pelé) e sendo autor de um dos gols que quebrou o tabu de 11 anos que o Corínthians ficou sem ganhar do Santos Futebol Clube. Foi neste período que ganhou do locutor Geraldo José de Almeida o apelido de Flávio Minuano, numa alusão ao vento minuano, característico do Rio Grande do Sul.

De São Paulo, Flávio transferiu-se para o Fluminense Football Club em 1969, sendo campeão carioca logo no primeiro ano. Era uma época de clássicos com o Maracanã lotado e mais de 171.000 pagantes na final deste campeonato, um Fla-Flu sensacional, em que o Fluminense venceu por 3 a 2, de virada, com Flávio sendo o grande herói da conquista. Pelo Fluminense, Flávio foi ainda campeão do Campeonato Brasileiro em 1970 e do Campeonato Carioca de 1971, marcando 92 gols em 115 partidas disputadas neste período. No Campeonato Brasileiro de 1970 não pode jogar as últimas quatro partidas, vindo a perder a artilharia nacional na última rodada, por diferença de um gol.

Após a sua passagem pelo Fluminense, Flávio se transferiu para o Futebol Clube do Porto, de Portugal, onde manteve a fama de matador, marcando mais de 70 gols por este clube.

Voltou para o Brasil e para o Internacional em 1975, reestreando num grenal (dia 13 de julho) em que marcou um gol logo aos 4 minutos, ajudando a construir a vitória do Inter por 2 a 1. Quatro semanas depois, na decisão do campeonato gaúcho, em novo grenal, Flávio marcou na prorrogação o único gol da partida, dando ao Inter o título de heptacampeão. Nos meses seguintes, foi artilheiro do Campeonato Brasileiro de 1975, ajudando a construir o primeiro título nacional de um clube gaúcho.

Em 1977, transferiu-se depois para o Esporte Clube Pelotas, pelo qual foi artilheiro do campeonato gaúcho. Ainda jogou depois em outros clubes até 1981, sem o mesmo sucesso de antes. Atualmente, Flávio trabalha com escolinhas infantis de futebol em São Paulo, no distrito de Ermelino Matarazzo.

Flávio afirma ter feito 1.070 gols em toda sua carreira. Sobre o milésimo gol, ele fala: "Foi quando eu jogava pelo Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, em uma partida contra o Caxias no Alfredo Jaconi. Acho que foi empate de 3 a 3. O pessoal lá comemorou, teve um oba-oba, mas foi uma coisa superficial. O Brasil não ficou sabendo".

Títulos

Pelo Internacional: Campeonato Gaúcho: 1961, 1975, 1976 - Campeonato Brasileiro: 1975; pelo Corinthians: Torneio Rio-São Paulo: 1966; pelo Fluminense: Campeonato Carioca: 1969, 1971 - Campeonato Brasileiro: 1970.

Artilharia

Pelo Corinthians: Torneio Rio-São Paulo: 1965 (13 gols) - Campeonato Paulista: 1967 (21 gols); pelo Fluminense: Campeonato Carioca: 1969 (15 gols), 1970 (18 gols); pelo Internacional: Campeonato Brasileiro: 1975 (16 gols); pelo Pelotas: Campeonato Gaúcho: 1977 (13 gols).

Fontes: Revista Placar; Wikipédia.
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