Primo Altamirando é nosso consangüíneo apenas por parte de pai, como, aliás, devem ser todos os parentes. Porque consangüíneos por parte de pai e mãe, só mesmo irmãos, pois primos que casam com primos, dá sempre em bronca.
Tia Zulmira costuma dizer: Padres, Primos e Pombos — os dois primeiros não servem para casar, os dois últimos só servem para sujar a casa. Como sempre, a velha tem razão.
Assim o nosso abominável parente é primo por parte de pai (Gumercindo Tenório Ponte Preta), mesmo porque nunca teve mãe. Um dia Gumercindo entrou em casa com um embrulho debaixo do braço, um embrulho de jornal — se não nos falha a História, o jornal era O Dia — e disse para Tia Zulmira:
— Trouxe isto para você, mamãe.
Como Gumercindo nunca fora de dar nada a ninguém, todos correram para ver o que era. Desembrulharam o presente — era Mirinho. Tio Gumercindo tinha trazido a criança para a velha criar na sua chácara da Boca do Mato, recusando-se solenemente a dizer quem era a mãe (de Mirinho naturalmente), talvez encabulado com o que andara fazendo 9 meses antes do episódio ora relatado.
Hoje Tia Zulmira defende a tese de que Mirinho é de chocadeira, porque um sujeito com um caráter deletério como é o do primo, não pode ter tido mãe de jeito nenhum. Mas passemos aos dados biográficos.
Mirinho nasceu no ano da desgraça de 1926. Para que vocês tenham uma idéia de como foi diferente o ano de 1926, basta lembrar que, nesse ano, o São Cristóvão foi campeão carioca.
Aos cinco anos de idade Mirinho conseguiu um fato inédito na vida dos maus caracteres existentes em todo o mundo: foi expulso do Jardim da Infância. A professora pegou-o, no recreio, falando mal de São Francisco de Assis.
Graças aos mais rebarbativos processos de tortura chinesa, Mirinho conseguiu ao menos se alfabetizar, abandonando os estudos no 4º ano primário para fugir com a professora de Ciências Físicas e Naturais, matéria que fazia parte do curso na época e que o primo resolveu estudar a fundo, para tanto raptando a mestra e inaugurando sua vida amorosa de forma escandalosa, como — de resto — tem sido até hoje sua vida nesse setor.
Aos 15 anos era um esplêndido marginal, com curso intensivo do SAM e ninguém tinha dúvidas de que haveria de superar o pai nisso de ser inimigo de todos os códigos, desde o penal ao de trânsito. O pai tinha como uma de suas glórias a idéia que um dia deu ao Barão de Drummond, para inaugurar o jogo do bicho; o filho superava longe Gumercindo, tantas e tais foram as suas delinqüências juvenis. A Secretaria da Agricultura do Estado da Guanabara deverá eternamente este serviço ao nefando parente: foi ele o primeiro sujeito a plantar maconha no Rio de Janeiro.
Querer ressaltar as principais fases da vida desse cretino é um pouco difícil, pois não houve ano em que não bolasse uma safadeza qualquer, dessas de encabular filisteu. Tinha 15 anos incompletos quando fez a primeira freira pular muro de convento e ainda menor impúbere mobilizou toda a polícia carioca para se descobrir quem é que andava ajudando as adutoras do Guandu a furarem os canos com mais freqüência. Era ele.
As pequenas provas de um mau caráter, que as outras crianças costumam dar com a idade de 10 aos 15 anos, Mirinho as deu ainda de fraldas, tais como botar canarinho no liquidificador, amarrar e acender foguetão no rabo do gato, passar pimenta na dentadura da avó, atear fogo na saia da babá (a ama-seca de Mirinho era boa que só vendo, e ele levou uma surra homérica do pai, porque ao botar fogo na saia dela, quase queima o principal). Até mesmo Tia Zulmira, de natural tão compreensiva, perdeu a paciência com ele quando Mirinho ainda nem falava direito. A velha ficou justamente indignada porque Mirinho, na hora em que ela foi ao banheiro, para um proverbial banho de assento, colocou uma perereca no bidê.
Não queremos dar ao leitor uma impressão falsa do nosso biografado. Pelo contrário, aqueles que estiverem pensando o pior de Primo Altamirando, ainda estão longe de fazer idéia de como ele é. No entanto, tem bom coração. Quando Al Capone morreu — por exemplo — Mirinho usou gravata preta e fumo no braço durante um mês. Ficou muito sentido com o falecimento desse seu ídolo.
Nestes 35 anos de sua vida, já cometeu desatinos para uns dois séculos, no mínimo, e não há setor da sociedade em que tenha se metido sem deixar para sempre os vestígios de sua passagem. Ainda rapazote, deu-se às lides esportivas, principalmente ao futebol. Foi o primeiro desportista a dar uma gruja ao adversário para amolecer o jogo.
Suas atividades políticas também são interessantes. Foi Mirinho quem aconselhou Ademar de Barros a largar a medicina para se dedicar à vida pública (não contente, fez a mesma coisa, alguns anos depois, com um médico muito alegrete de Diamantina, um tal Juscelino). Ainda como político, aconselhou as autoridades a reabrirem as câmaras de vereadores de todos os municípios brasileiros e correu o país de norte a sul, ensinando aos edis eleitos a arte do jabaculê, da mamata e das grandes negociatas.
No dia em que descobriu que este seu primo Stanislaw estava fazendo sucesso na imprensa, fez um curso de jornalismo de araque e foi ser repórter policial. Há, inclusive, neste livro, uma passagem de suas atividades como repórter policial. Teve grande influência nas redações de nossas principais folhas informativas, insistiu muito para que se desse uma oportunidade aos cronistas mundanos e fez ver aos secretários de redação que isso da imprensa orientar o povo é besteira. O ideal é dar destaque aos crimes hediondos, para o incremento dos mesmos e a conseqüente abundância de notícias para os jornais.
— Plantar para colher! — costumava dizer o debilóide.
Mas hoje o Primo Altamirando, embora nunca tivesse trabalhado, resolveu se aposentar. Abriu um escritório de corretagem, para contrabando, tráfico de entorpecentes e prostituição em massa. É do que vive, embora não precisasse disso, pois nunca deixou de ser gigolô de certas velhotas ricas da sociedade, que lhe dão do bom e do melhor, e lhe pagam em dólar, conforme ele mesmo exige, para não ficar desmoralizado no mundo do crime. Tem certeza de que poupa a humanidade porque poderia explorá-la muito mais.
Enfim: um homem realizado.
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Tia Zulmira costuma dizer: Padres, Primos e Pombos — os dois primeiros não servem para casar, os dois últimos só servem para sujar a casa. Como sempre, a velha tem razão.
Assim o nosso abominável parente é primo por parte de pai (Gumercindo Tenório Ponte Preta), mesmo porque nunca teve mãe. Um dia Gumercindo entrou em casa com um embrulho debaixo do braço, um embrulho de jornal — se não nos falha a História, o jornal era O Dia — e disse para Tia Zulmira:
— Trouxe isto para você, mamãe.
Como Gumercindo nunca fora de dar nada a ninguém, todos correram para ver o que era. Desembrulharam o presente — era Mirinho. Tio Gumercindo tinha trazido a criança para a velha criar na sua chácara da Boca do Mato, recusando-se solenemente a dizer quem era a mãe (de Mirinho naturalmente), talvez encabulado com o que andara fazendo 9 meses antes do episódio ora relatado.
Hoje Tia Zulmira defende a tese de que Mirinho é de chocadeira, porque um sujeito com um caráter deletério como é o do primo, não pode ter tido mãe de jeito nenhum. Mas passemos aos dados biográficos.
Mirinho nasceu no ano da desgraça de 1926. Para que vocês tenham uma idéia de como foi diferente o ano de 1926, basta lembrar que, nesse ano, o São Cristóvão foi campeão carioca.
Aos cinco anos de idade Mirinho conseguiu um fato inédito na vida dos maus caracteres existentes em todo o mundo: foi expulso do Jardim da Infância. A professora pegou-o, no recreio, falando mal de São Francisco de Assis.
Graças aos mais rebarbativos processos de tortura chinesa, Mirinho conseguiu ao menos se alfabetizar, abandonando os estudos no 4º ano primário para fugir com a professora de Ciências Físicas e Naturais, matéria que fazia parte do curso na época e que o primo resolveu estudar a fundo, para tanto raptando a mestra e inaugurando sua vida amorosa de forma escandalosa, como — de resto — tem sido até hoje sua vida nesse setor.
Aos 15 anos era um esplêndido marginal, com curso intensivo do SAM e ninguém tinha dúvidas de que haveria de superar o pai nisso de ser inimigo de todos os códigos, desde o penal ao de trânsito. O pai tinha como uma de suas glórias a idéia que um dia deu ao Barão de Drummond, para inaugurar o jogo do bicho; o filho superava longe Gumercindo, tantas e tais foram as suas delinqüências juvenis. A Secretaria da Agricultura do Estado da Guanabara deverá eternamente este serviço ao nefando parente: foi ele o primeiro sujeito a plantar maconha no Rio de Janeiro.
Querer ressaltar as principais fases da vida desse cretino é um pouco difícil, pois não houve ano em que não bolasse uma safadeza qualquer, dessas de encabular filisteu. Tinha 15 anos incompletos quando fez a primeira freira pular muro de convento e ainda menor impúbere mobilizou toda a polícia carioca para se descobrir quem é que andava ajudando as adutoras do Guandu a furarem os canos com mais freqüência. Era ele.
As pequenas provas de um mau caráter, que as outras crianças costumam dar com a idade de 10 aos 15 anos, Mirinho as deu ainda de fraldas, tais como botar canarinho no liquidificador, amarrar e acender foguetão no rabo do gato, passar pimenta na dentadura da avó, atear fogo na saia da babá (a ama-seca de Mirinho era boa que só vendo, e ele levou uma surra homérica do pai, porque ao botar fogo na saia dela, quase queima o principal). Até mesmo Tia Zulmira, de natural tão compreensiva, perdeu a paciência com ele quando Mirinho ainda nem falava direito. A velha ficou justamente indignada porque Mirinho, na hora em que ela foi ao banheiro, para um proverbial banho de assento, colocou uma perereca no bidê.
Não queremos dar ao leitor uma impressão falsa do nosso biografado. Pelo contrário, aqueles que estiverem pensando o pior de Primo Altamirando, ainda estão longe de fazer idéia de como ele é. No entanto, tem bom coração. Quando Al Capone morreu — por exemplo — Mirinho usou gravata preta e fumo no braço durante um mês. Ficou muito sentido com o falecimento desse seu ídolo.
Nestes 35 anos de sua vida, já cometeu desatinos para uns dois séculos, no mínimo, e não há setor da sociedade em que tenha se metido sem deixar para sempre os vestígios de sua passagem. Ainda rapazote, deu-se às lides esportivas, principalmente ao futebol. Foi o primeiro desportista a dar uma gruja ao adversário para amolecer o jogo.
Suas atividades políticas também são interessantes. Foi Mirinho quem aconselhou Ademar de Barros a largar a medicina para se dedicar à vida pública (não contente, fez a mesma coisa, alguns anos depois, com um médico muito alegrete de Diamantina, um tal Juscelino). Ainda como político, aconselhou as autoridades a reabrirem as câmaras de vereadores de todos os municípios brasileiros e correu o país de norte a sul, ensinando aos edis eleitos a arte do jabaculê, da mamata e das grandes negociatas.
No dia em que descobriu que este seu primo Stanislaw estava fazendo sucesso na imprensa, fez um curso de jornalismo de araque e foi ser repórter policial. Há, inclusive, neste livro, uma passagem de suas atividades como repórter policial. Teve grande influência nas redações de nossas principais folhas informativas, insistiu muito para que se desse uma oportunidade aos cronistas mundanos e fez ver aos secretários de redação que isso da imprensa orientar o povo é besteira. O ideal é dar destaque aos crimes hediondos, para o incremento dos mesmos e a conseqüente abundância de notícias para os jornais.
— Plantar para colher! — costumava dizer o debilóide.
Mas hoje o Primo Altamirando, embora nunca tivesse trabalhado, resolveu se aposentar. Abriu um escritório de corretagem, para contrabando, tráfico de entorpecentes e prostituição em massa. É do que vive, embora não precisasse disso, pois nunca deixou de ser gigolô de certas velhotas ricas da sociedade, que lhe dão do bom e do melhor, e lhe pagam em dólar, conforme ele mesmo exige, para não ficar desmoralizado no mundo do crime. Tem certeza de que poupa a humanidade porque poderia explorá-la muito mais.
Enfim: um homem realizado.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora