quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Buglê

José Roberto Bougleaux, mais conhecido como Buglê, nasceu em São Gotardo, MG, em 25/07/1944, e seu primeiro clube foi o Real Madri da cidade natal. Já atuando na meia-direita do Clube Atlético Mineiro, destacou-se ao marcar o primeiro gol da história do Mineirão. Nessa partida vestia a camisa da Seleção Mineira em um amistoso contra o River Plate, da Argentina, em 5 de setembro de 1965. Marcou o tento histórico aos dois minutos do segundo tempo e o jogo terminou com o placar de 1 a 0.

Emprestado ao Santos, onde ficou até meados de 1968, posteriormente foi vendido ao Vasco da Gama. Entretanto, sua família não se adaptou ao Rio de Janeiro, e ele pediu à diretoria do Vasco que o liberasse para voltar ao Santos, que estaria disposto a pagar 200 mil cruzeiros mais um jogador pelo seu passe.

Atualmente mora em Brasília-DF, onde é funcionário do Ministério Público Federal, e continua batendo sua bolinha no clube do Minas Brasília, ao lado de grandes amigos como o gremista Larry Albérti.

Sobre o ex-meia, Eugênio Moreira escreveu para o jornal "Estado de Minas" o seguinte texto:

"Primeiro gol da história do Mineirão é orgulho do ex-volante do Galo; Santos, de Pelé; Vasco e América. Hoje, ele vive em Brasília e é dono de pousada em Cabo Frio. A história dos 40 anos do Estádio Governador Magalhães Pinto, que serão comemorados no próximo mês, começou com o armador Buglê, autor do primeiro gol do Mineirão, na vitória da Seleção Mineira sobre o River Plate por 1 a 0, em 5 de setembro de 1965."

“Não sabia que aquele momento perduraria tanto. Na época, o gol foi importante pela vitória, mas não tive a noção do quanto valeria, mesmo sabendo que era o primeiro do estádio”, recorda o ex-atleticano. “A placa pelo gol somente foi posta no estádio uns três anos depois.”

O lance foi aos 2min do segundo tempo. “Roubei a bola na nossa intermediária, tabelei com o Dirceu Lopes, mas recebi um pouco à frente. O goleiro Gatti saiu do gol e o zagueiro Ramos Delgado estava na jogada, mas eles se desentenderam. A bola sobrou para mim e, de fora da área, chutei para o gol vazio”, lembra. A Seleção Mineira, treinada por Mário Celso de Abreu, o Marão, foi convocada somente para aquele amistoso e treinou durante uma semana.

A escalação: Fábio; Canindé, Bueno, Grapete e Décio Teixeira; Buglê, Dirceu Lopes e Tostão; Wilson Almeida (Geraldo, depois Noventa), Silvestre (Jair Bala) e Tião. O River jogou com: Gatti; Sainz, Ramos Delgado, Crispo e Cap (Civica); Matosas, Sarnari e Delém; Cubilla (Lallana), Artime (Solari) e Más. O público foi de 73.201 pagantes.

Buglê considera o primeiro gol no Mineirão a principal lembrança de sua carreira, melhor até que os títulos que conquistou. “Para mim, vale mais que qualquer Copa do Mundo e vou guardá-la até o fim da vida. Tenho uma saudade muito grande daquela época, que era a minha juventude”, diz o ex-jogador, que, aos 60 anos, mora em Brasília, onde trabalha com transporte escolar, e tem uma pousada em Cabo Frio (RJ).

Andrada, Alcir, Clóvis, Moacir, Eberval e Fidélis; agachados: Jaílson, Buglê, Valfrido, Silva e G. Nunes

Mineiro de São Gotardo, José Alberto Bougleux – ele mesmo optou por aportuguesar o sobrenome, para facilitar – jogava futebol de salão no Cruzeiro, quando foi convidado a treinar no juvenil do Atlético, em 1963. Inicialmente, não aceitou, porque não se havia saído bem num teste no Barro Preto. Mas, logo no primeiro treino pelo Galo, passou do time reserva para o titular. Ficou no clube até 1966. No ano seguinte, foi emprestado ao Santos, de Pelé. E, em 1968, vendido ao Vasco. Ele ficou em São Januário até 1974. Depois de comprar o próprio passe, aos 29 anos, não conseguiu clube e ficou algum tempo parado. Em 1975, defendeu o América por quatro meses, antes de encerrar a carreira.

Foi campeão mineiro em 1963, bicampeão paulista em 1967 e carioca em 1970.

Fontes: Por Onde Anda?; Wikipedia.
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Momento na delegacia

Foi na Delegacia da Penha, onde fui parar acompanhando um amigo que tivera seu carro roubado e — posteriormente — encontrado pelos guardas da jurisdição da "padroeira". Antes de mais nada devo declarar que na Delegacia da Penha acontecem coisas de que até Deus duvida. De dois em dois minutos, uma "ocorrência" para o comissário do dia registrar. O comissário, coitado, tem que quebrar mais galho do que um lenhador canadense.

Mal tinha resolvido o caso de uma gorda que fora mordida pelo cachorro da vizinha, ou foi a vizinha que mordeu o cachorro da gorda? Sei lá... já não me lembro mais. O que eu sei é que, mal tinha saído a gorda, e o pessoal em volta comentava a bagunça que a gorda tentou armar no distrito, e já começava o caso do crioulo de duas mulheres.

Para mim, sinceramente, "O Caso do Crioulo de Duas Mulheres" foi o mais bacaninha de todos. De repente entrou aquele bruto crioulo. Tinha quase dois metros de altura, era forte como um touro, e caminhava no mais autêntico estilo da malandragem carioca.

Ladeado por duas mulheres imobilizadas por uma chave-de-braço cada uma, caminhou calmamente até o centro da sala, enquanto as duas faziam o maior banzé, sem que ele tomasse o menor conhecimento. A que ele trazia presa na canhota era meio puxada para o sarará e chamava-o, com notável regularidade, de "vagabundo", "crioulo ordinário", "homi safado" e outros adjetivos da mesma qualidade.

A que estava presa pelo lado direito tinha a chave-de-braço mais apertada pouquinha coisa (devia ser mais presepeira) e, por isso, estava meio tombada pra frente. Dava as suas impressões sobre o crioulo com menos freqüência, mas — em compensação — quando abria a boca, berrava mais alto que a sarará. Sua reivindicação era sempre a mesma: — "Me larga, seu cachorro!" De tipo, era mulata e gordinha.

O bom crioulo nem parecia... Com a calma já assinalada, olhou em volta, bateu os olhos no comissário e adivinhou:

— Tô falando com o comissário?

O comissário respondeu que sim. A voz do crioulo era surpreendentemente fina para um sujeito de sua estatura. Isto dava um ar bem-humorado à cena, assistida pelos presentes: uns 15 ou 20, se tanto. A gorduchinha tentou se desprender. Ele apertou mais a chave e disse fininho:

— Quieta aí — e, virando-se para o comissário: — Boa tarde, doutor. Eu sou estivador e moro aqui pertinho, num barraco de minha propriedade, com estas duas.

— O senhor vive com as duas? — perguntou o comissário.

— Vivo, sim sinhô. Mas isto nunca foi pobrema. Urtimamente, porém, elas todavia dero pra brigá. Eu saio pro trabáio e quando vorto as duas tão cheia de cachaça e começa com ciumera.

— Que ciumera o quê? Eu lá tenho ciúme de você, seu ordinário? — disse a sarará.

O crioulo interrompeu sua explanação à autoridade e falou pra ela:

—Q uieta aí, senão vai levá uma bolacha na frente do doutô.

A sarará não acreditou, cuspiu pro chão, em sinal de nojo e levou aquela tapona definitiva, franca, imaculada. Calou a boca e voltou para a chave-de-braço. O crioulo pigarreou e prosseguiu:

— Pois é como eu digo, doutô. Faz dois dia que num drumo, tá bem? Dois dia sem drumi. Vê se pode. Tudo por causa do bode que essas duas arma quando eu chego... — largou a sarará, colocou a mão sobre o peito, coberto pela camisa de seda amarela. Usava camisa de seda, uma calça de brim ordinário, mas com vinco perfeito e calçava um chinelo de couro cru, que deve ter custado uma besteira, mas na vitrina de qualquer butique da Zona Sul estaria com o preço marcado para 50 contos, no mínimo.

— E elas num tem razão — esclareceu: — Se há um sujeito que num tem preferença sou eu. Elas veve comigo há três ano e num pode ter queixa. É tudo onda delas, doutô. Hoje é minha forga no cais e eu preciso drumi. Eu trouxe elas aqui pro senho prende elas aí. Tá legal? O senho faz isso pra mim? Amanhã quando eu acordá eu venho buscá.

O comissário coçou a cabeça, perguntou a um auxiliar se havia xadrez vago, o auxiliar disse que sim e ele perguntou, para que o crioulo ratificasse:

— Você amanhã passa aqui para apanhar as duas?

— Passo sim, doutô. É só esta noite pra eu podê drumi. Amanhã eu prometo ao senhô que, assim que eu acordá, faço o meu café, tomo um banho e venho aqui buscá elas.

O comissário concordou: dois guardas agarraram as mulheres, que foram lá pra dentro berrando e se debatendo. O crioulo agradeceu ao comissário, virou as costas e foi saindo. Lá dentro, as duas mulheres — longe dele — aumentaram o festival de palavrões em sua homenagem.

O crioulo parou perto de um guarda e perguntou: — Tu que é o prontidão? — o guarda fez um movimento de cabeça afirmativo: — Intão, tu me faz um favô. De vez em quando joga um balde d’água nelas, pra elas esfriá. Amanhã, quando eu vier reclamá a mercadoria, tu leva um "tiradente" pelos serviço prestado, tá?

— Tá! — concordou o prontidão, olhando logo prum canto para conferir a ferramenta de dar fria, ficando notoriamente tranqüilo ao ver um balde velho e amassado, debaixo de um banco.

— Eu lhe agradeço — garantiu o crioulo, com uma pequena reverência. Depois retirou-se naquele mesmo passinho macio, chinelo de couro cru, camisa de seda amarela, frisada pela brisa da tarde. Ia dormir sossegado, no barraco de sua propriedade.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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O Brasil nazi-stalinista

Vocês se lembram do pacto germânico-soviético. Uma manhã, o mundo vê, em todas as primeiras páginas, a cínica, a deslavada fotografia: — Stalin apertando a mão de Ribbentropp.

Digo sempre que o riso pode comprometer ao infinito. Aqui mesmo, contei o caso daquele ministro que não ria, para não se arriscar. E, diante de tudo e de todos, tinha a mesma cara hirta como uma máscara.

Mas Stalin e Ribbentropp riam, um para outro, e a risonha abjeção estarreceu o mundo.

Ou por outra: — não estarreceu. Em verdade, a manchete, a notícia e o clichê só espantaram uma meia dúzia. Os outros sentiram apenas o medo, o Grande Medo.

Os exércitos alemães esperavam apenas o riso e o aperto de mão. Posso dizer que uma fotografia assassinou milhões. Em seguida, a Polônia foi estuprada. Era a nova Guerra Mundial. E morreram tantos que, no fim de certo tempo, o horror deixou de ser horror. E o que havia, por toda a parte e em todos os idiomas, era o tédio da morte, e do sangue, e das mutilações.

Diria também que os próprios sobreviventes tinham vergonha de estar vivos. A vida tornara-se indigna.

Não era bem isso o que eu queria dizer. O que eu queria dizer é que Stalin e Hitler se juntaram contra a pessoa humana.

Escrevi que a fotografia matou 100 milhões (não sei se mais, não sei se menos). Mas deixemos de lado o horror numérico. Tanto faz 1 ou 100 milhões de defuntos. Quando se assinou o pacto, eu já trabalhava em O Globo. Li o telegrama ainda na redação.

Eis o que me ocorreu, por outras palavras: — se é possível o pacto germânico-soviético, e se o mundo o aceita, tudo é permitido. Durante dias e até meses, fui devorado por uma obsessão. Parecia-me absurdo que cada um de nós continuasse a fazer sua vida, a escovar os dentes, a tomar café, a jogar nos cavalos etc. etc. O meu sentimento era de que o pacto extinguira toda a vida moral.

E, no entanto, em todo o século, não há um ato tão inteligente, uma aliança tão lúcida, um acontecimento tão natural. Rússia e Alemanha tinham que se entender naquele momento. Tão parecidos Stalin e Hitler, tão gêmeos, tão construídos de ódio. Ninguém mais Stalin do que Hitler, ninguém mais Hitler do que Stalin. Do mesmo modo, como são parecidos os radicais da esquerda e da direita!

Dirá alguém que as intenções são dessemelhantes. Não. Mil vezes não. Um canalha é exatamente igual a outro canalha. Pode parecer que Hitler e Stalin passaram. Nenhuma ilusão mais idiota. Napoleão, o Grande, só foi possível porque a Europa estava saturada de pequeninos napoleões. E o mundo está cheio de Hitler e Stalin liliputianos. No tempo da guerra usava-se muito a expressão nazi-fascismo. Muito mais válido seria dizer-se, ainda hoje, nazi-stalinismo. O pequenino Hitler, ou o pequenino Stalin, tem um íntimo tesouro de ódio. É como se tivéssemos de optar por um ou por outro.

Imaginem que falo pensando no Brasil. Vejamos os brasileiros. Aqui, o radical de esquerda não percebe, ou finge que não percebe, que é um stalinista. O radical, do outro lado, é nazista. A toda hora e em toda a parte, cumprimentamos um pequenino Stalin ou um pequenino Hitler. Instala-se o Brasil do ódio, ou, melhor dizendo, o anti-Brasil. Direi mesmo que o brasileiro está em processo de desumanização.

Imaginem cada um de nós transformado, de repente, na antipessoa. Conheço vários que perderam qualquer semelhança com o ser humano. Aqui abro um parêntese. Não sei se notaram que estou usando uma ênfase, um tom, uma veemência não comuns nesta coluna. Mas explico.

O caso é que, ontem, o Kleber Santos bateu o telefone para mim. Dizia excitadíssimo: — "Imagine, Nelson, imagine!". Sinto a sua dispnéia emocional. E o Kleber, que é um dos nossos grandes diretores de teatro, continua, arquejando: — "Usaram o teu nome! Teu nome!".

Excelente Kleber! Falava como se meu nome fosse um patrimônio, algo de sagrado e intangível como um quepe ou uma espada da Guerra do Paraguai. E, então, mais calmo, contou-me tudo.

Alguém atirara, de um automóvel, na porta do Teatro Jovem, prospectos insultantes. Eu não os li. Mas o meu amigo informa que os panfletos ameaçam e ofendem os artistas. E lá está impresso o trecho de um artigo meu sobre d. Hélder. No seu fervor de amigo, o bom Kleber entende que eu devo repudiar a canalhice.

Aí está por que, desde o começo do presente artigo, sou o mais contrafeito dos colunistas. Se eu apoiasse qualquer ato de violência, da direita ou da esquerda, seria um canalha.

Ao mesmo tempo, é meio humorística a situação de um escritor que, empostando a voz, limpando o pigarro e alçando a fronte, anuncia para o seu público: — "Meus senhores e minhas senhoras, saibam que eu não sou exatamente um canalha". Entendo, ao mesmo tempo, o empenho do Kleber. Sua dispnéia, ao telefone, tinha algo de comovente. Não resisto a um amigo patético. Bem. Vamos lá.

Eu me consideraria o último dos infames se, algum dia, me solidarizasse com a violência. Para mim, a liberdade está acima do pão (e, por isso, o pequenino Stalin ou o pequenino Hitler há de me considerar o mais bestial dos reacionários). D. Hélder e dr. Alceu são contra e a favor da violência. Assumem uma ou outra atitude, taticamente, segundo as conveniências de momento.

Outro dia, li, no d. Hélder, no dr. Alceu e no padre Comblin, que a guerrilha "não adianta". Não se trata de uma objeção moral, religiosa, humana, ou que outro nome tenha. Eles se opõem pela ineficácia. Só.

A dedução é óbvia: — se a carnificina fosse proveitosa, devíamos sair por aí chupando as carótidas uns dos outros. Singular caridade de d. Hélder, do padre Comblin e do dr. Alceu.

Também não aceito o padre de passeata. Quero que me entendam. O padre de passeata é, hoje, uma ordem tão definida, tão caracterizada como a dos beneditinos, dos franciscanos, dos dominicanos e qualquer outra. E está a serviço do ódio. Nunca ninguém verá um gesto meu, ou uma linha, a favor de qualquer terrorismo da esquerda ou da direita.

Agora mesmo cometeu-se um crime contra o teatro brasileiro. Espancou-se a platéia, espancou-se o elenco de Roda viva. Despiram as atrizes. Uma delas estava grávida, e gritou a própria gravidez. Foi arrastada, pisada, chutada.

Começou um Brasil nazi-stalinista.

[24/7/1968]
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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