terça-feira, 27 de setembro de 2011

A feia nudez

A propósito da melindrosa de 1929, escrevi, certa vez:

— "Como é antigo o passado recente". Gostei da frase e pinguei-lhe um ponto de exclamação. De então para cá, sempre que posso repito, e não sem uma certa vaidade autoral: — "Como é antigo o passado recente".

E, de fato, não há mulher mais antiga, mais fenecida, do que a melindrosa de 1929. É anterior a qualquer baixo-relevo assírio, fenício ou que outro nome tenha. Há pouco, andei repassando um dos primeiros números de O Cruzeiro. Exatamente de 1929, se não me engano.

E vi as grã-finas da época. Já não falo do vestido sem cintura, nem do penteado, nem do sapato etc. etc. O que me importa é valorizar o espantoso olhar e o espantoso sorriso. Cada época sorri de certa maneira, olha de uma certa maneira. Repito: — por um olhar, ou por um sorriso, pode-se dizer de uma certa dama: — "Esta é do século Fulano, ou do século Beltrano". E quanto mais antiga, a pessoa mais se parece conosco. Ao passo que há, entre nós e a melindrosa, como que uma distância abismal.

Dirá alguém que de 1929 para cá são passados apenas 39 anos. Ah, não acreditem no falso tempo das folhinhas. A idade da melindrosa de O Cruzeiro nada tem a ver com esses míseros, escassos 39 anos. E ela sorri de um tal jeito, e olha de tal jeito, que, por vezes, me ocorre a seguinte suspeita: —"A melindrosa de 1929 nunca existiu".

Se me perguntarem o que havia no seu olhar e no seu sorriso, eu diria que ambos eram idiotas. Recorram às velhas edições de O Cruzeiro e, mais velhas ainda, do Fon-Fon, da Revista da Semana. Vejam as mais belas mulheres e as mais amadas do tempo. Olhavam e sorriam como débeis mentais. Aí está dito tudo: débeis mentais. E só admira que alguém as suportasse, ou pior, que alguém as desejasse.

Não sei se me entendem. Se estou sendo obscuro, paciência.

Mas, como ia dizendo: — desdobro aqui a minha meditação de ontem. Falei do biquíni, que, a meu ver, é muito, muitíssimo anterior ao primeiro espartilho de Sarah Bernhardt. O biquíni, repito, tem a idade do impudor, que podemos estimar em para mais de, sei lá, 40 mil anos. Digo 40 mil anos, como poderia dizer milhões. Bastam os 40 mil. O impudor era certo, natural, consagrado, na mulher pré-histórica. Mas, quando a mulher se tornou um ser histórico, o pudor foi a sua primeira atitude, o seu primeiro gesto. Mesmo as mais degradadas preservavam um mínimo de pudor. E eis que, de repente, em nossos dias, há todo um movimento regressivo. Aí está o biquíni.

Dirão que tenho a fixação do biquíni. (A nossa vida moral depende de uma meia dúzia de nobilíssimas idéias fixas. O santo ou, nem tanto, o simples homem de bem há de ser um obsessivo. Tenho um amigo que só pensa em biquíni. Nos pesadelos, os umbigos o atropelam).

Durante séculos e séculos, a História preservou o mistério e o suspense do umbigo. Era como se a mulher não o tivesse. Através das idades, só o marido de civil e religioso, ou o parteiro, conseguia vê-lo. Para os outros, o umbigo era irreal, utópico, absurdo. E, súbito, começam a aparecer, aqui e ali, as praias pré-históricas. Tal como no tempo em que os homens viviam em hordas bestiais. E começamos a época da nudez sem amor, do nu de graça e, repito, sem o pretexto do amor. A nudez exclusiva para o ser amado deixou de existir.

Todas se despem, para o ser amado e para outros, inclusive o crioulinho do Grapette. Deixo de lado os outros povos. O que me interessa é o nosso. Nunca o povo brasileiro viveu tanto do passado, das rendas do passado. Somos devorados por misteriosas nostalgias. Dizia-me, ainda ontem, o meu amigo Luís Eduardo Borgerth: — "Nós somos vestidos pelos nossos avós". O próprio Borgerth anda, por aí, estranhíssimo.

Inaugurou um bigode que me deu o que pensar. Eu quebrava a cabeça perguntando-me a mim mesmo: — "Onde é que eu vi esse bigode?". E, súbito, um nome faísca na treva: "Rio Branco, barão do Rio Branco". O nosso Luís Eduardo pôs o bigode espectral do barão.

E o Carlos Alberto, presidente do Banco do Estado da Guanabara? Doce figura. Um belo dia aparece com os bigodões de um longínquo avô. Quando ele entra, ou quando ele sai, dá a sensação de que é avô de si mesmo, ou o neto de si mesmo. No dia 2 ou 3 do presente janeiro, fui receber na TV Globo. Embolso o dinheiro e passo no gabinete do Walter Clark, o gênio da televisão. (Segundo o Otto Lara Resende, o Walter seria gênio do mesmo jeito, fosse arquiteto, veterinário, agrimensor ou bombeiro hidráulico).

Entro e vejo o meu amigo sem paletó, um vasto charuto. O charuto é o de menos. O transcendente eram os suspensórios. Não se pode falar dos suspensórios do Walter Clark sem lhes acrescentar um ponto de exclamação. Falei da melindrosa de 1929. Pois é esta a data dos suspensórios de Walter Clark, e repito: — era assim que os gângsteres da Grande Depressão seguravam as suas calças. Não só os suspensórios. Também o colarinho, a gravata, a camisa listrada, as botinas.

Eu disse 1929 e já não sei se a sua elegância não será um pouco anterior. O fato é que, ao me despedir, tive vontade de perguntar-lhe: — "Estás faturando bem com a Lei Seca?". Mas o leitor sairia frustrado se eu não contasse uma singularidade: — os suspensórios do Walter Clark têm paisagem. Neles há o Pão de Açúcar, corações flechados, faunos de gaitas, sátiros de pés de cabra etc. etc.

Para sair da Grande Depressão, tive de deixar o gabinete. E cá fora, no corredor, já comecei a respirar o ano de 1968. Mas por toda parte continuo sentindo focos do passado. Na quinta-feira passada, apareceu aqui, de repente, o Otto Lara Resende. Vinha de Lisboa. Às sete horas da noite, sua presença explodiu na casa do Hélio Pellegrino.

Mas era um outro Otto, sem nenhuma relação com o que daqui saíra para conquistar Portugal. Durante sua ausência mandara-me uma carta em que julguei perceber um sotaque lisboeta de Leopoldo Fróis. Mas na casa do Hélio Pellegrino deu-me outra impressão. Lusíada da cabeça aos sapatos. Ou melhor: Eça puro. O Otto instalou ali, na rua Nascimento Bittencourt, todo um clima antigo. E ele próprio parecia alguém expelido do ventre da primeira edição de Os Maias.
[15/1/1968]
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Porto Belo - Algumas fotos

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Igreja Matriz Bom Jesus dos AflitosIgreja Matriz Bom Jesus dos AflitosPorto dos Piratas - Porto Belo (SC)Porto dos Piratas - Porto Belo (SC)Porto dos Piratas - Porto Belo (SC)Porto Belo SC
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Porto Belo - SC, um álbum no Flickr.

Conhecido como um dos principais pontos de parada de transatlântico do Brasil, Porto Belo situa-se na região norte do litoral catarinense, distante da capital catarinense, Florianópolis, apenas 65 quilômetros.

O encanto da cidade deve-se principalmente à sua natureza preservada, às praias limpas e às charmosas construções, que nos remetem a época em a cidade foi colonizada por açorianos.
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Petrônio

Personagem de destaque na corte de Nero, o escritor romano Petrônio deixou um retrato sarcástico da sociedade romana do século I da era cristã na obra Satíricon, que mantém atualidade como crítica social e fonte documental.

Acredita-se que o autor do Satíricon tenha sido o mesmo Caio Petrônio o Árbitro que viveu em Roma e a quem se referiu o historiador romano Tácito em seus Anais (XVI, 18-19).

De família aristocrática, foi descrito como pessoa requintada, que amava os prazeres da mesa e da vida em geral, o que não o impediu de exercer com eficiência e retidão os cargos de governador da Bitínia, atual Turquia, e depois o de cônsul. Conselheiro de Nero, no ano 63, aproximadamente, foi por ele nomeado arbiter elegantiae (árbitro da elegância).

O romance de Petrônio, do qual só se conservam partes, é destituído de intenções moralistas e reproduz o ambiente romano de devassidão nos bordéis e nas estações de água, com seus parasitos, prostitutas, novos-ricos e literatos.

Narrado por um libertino que viaja com dois companheiros pelo sul da Itália, os capítulos mais famosos são a "Matrona de Éfeso" -- fonte de anedotas sobre as mulheres e de várias novelas e comédias -- e "O festim de Trimalcião" -- em que o dono da casa, ansioso por mostrar-se culto, cai no ridículo ao desfiar uma série de citações equivocadas.

A obra, talvez escrita com a intenção de ridicularizar a oposição burguesa e intelectual a Nero, é uma das origens da novela moderna e o primeiro romance realista da literatura universal. Serviu de inspiração ao filme Satíricon, dirigido em 1969 pelo cineasta italiano Federico Fellini.

Vítima de intriga, Petrônio foi condenado ao suicídio, acusado de participar na conspiração do ano 65 contra o imperador. Passou suas últimas horas numa festa, em Cumas. Nessa ocasião, catalogou os vícios de Nero e enviou-lhe a lista antes de cortar os pulsos, no ano 66.

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
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