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terça-feira, 12 de março de 2013

Lição de nudismo

Nasceu o primeiro menino nudista! Deu-se que uma dama de pouca roupa, habitante da Ilha do Sol, ilha onde reina a popular Luz Del Fuego, conheceu, no mesmo local, um cavalheiro, chamado Ladário Brito, que se veste na Sem-Cal. A jovem, cujo nome é Cleide, se apaixonou-se (vê aí onde fica melhor colocado o oblíquo, Osvaldo) pelo Ladário e, já vai pra mais de um ano, a dupla casou.

Agora — noticiam os jornais — vem de nascer o primeiro menino nudista. Sim, porque, mesmo depois de casados, Ladário e Cleide continuaram firmes como sócios do Clube Naturalista do Brasil, com sede na acima citada Ilha do Sol.

A mãe do primeiro menino nudista é quem dá entrevista à imprensa saudável, explicando que a criança, se tivesse nascido menina, ia se chamar Lua mas felizmente — nasceu menino e será batizado com o nome de Sol, coitadinho. De qualquer maneira, Sol é melhor do que Lua, pois tem luz própria, ainda que não seja Del Fuego.

Dona Cleide Brito está contentíssima com o nascer do Sol e já declarou que o seu júbilo é enorme. Tão grande que até parece que o Sol nasceu pra todos. Ela foi muito fotografada logo após o Nascente e os jornais abriram espaço para dar um lugar ao Sol, razão pela qual também apareceram nas reportagens diversas fotos do menino.

Nós — embora achando que nudismo é como brincadeira, isto é, tem hora — não podemos deixar de cumprimentar o casal e muito principalmente a jovem mãe que deu.à luz o Sol. Apenas gostaríamos de corrigir um equívoco de Dona Cleide, no que tange à sua declaração de que seu filho é o primeiro menino nudista nascido nesta cidade.

Para não cometer um erro, andamos mesmo a consultar entendidos no assunto, acabando por recorrer à Tia Zulmira, como sempre fazemos em caso de dúvida. Pedimos à sábia ermitã da Boca do Mato para nos informar se não é precipitação de Dona Cleide reclamar para seu filho o título de primeiro menino nudista.

A experiente parenta nem pestanejou para responder que, de fato, há aí um erro que a sócia do Clube Naturalista cometeu, com relação a prioridades nudistas do garoto. E acrescentou, não sem antes meter um pouco de malícia:

— Salvo um ou outro cocoroca que já nasceu de touca, todo menino, quando nasce, é nudista.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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segunda-feira, 11 de março de 2013

Dia do Papai

A jovem senhora, realmente muito bonita, estava na boca de uns e outros. A Candinha já morara em seu assunto. Madame, de fato, tinha sido educada no ambiente sadio do Vogue, fora mais ou menos modelo de casa de modas e tinha até feito sua experiência no chamado teatro rebolado. Depois conheceu o otário, aliás, o marido, e casara. Tivera um filhinho mais ou menos louro, embora o acima citado fosse mais ou menos moreno.

Na época, Primo Altamirando — muito do mau caráter — chegou a comentar:

— Tava lá Mane Sinhô. (1)

O menino cresceu até ficar de bom tamanho, a distinta até que andava mais pra calma do que pra assanhada, e o murmúrio foi diminuindo até parar. O marido não tomava conhecimento, mesmo porque, conforme diz o ditado: "os maridos e os Diários Associados são os últimos a saber".

Veio, então, o "Dia do Papai". Chamaram o garoto, deram um embrulho a ele (quem'deu foi a vovó, coitada, sempre tão amiga de datas), e explicaram :

— Isto é um presente, porque hoje é o "Dia do Papai". Você pega esse presente e guarda. Logo mais você entrega ao seu pai.

O garoto, que adorava ouvir conversa, fez que sim com a cabeça e disse que tava legal, que depois entregava o presente ao Papai. A avó ainda deu um beijinho nele antes de sair, crente que tudo ia acontecer como ela previa. Depois veio o fim da tarde, a mãe do garoto — a que tinha sido até candidata a Rainha de um baile aí — chegou do dentista, o marido dela chegou logo em seguida e aí caiu a noite.

O menininho então lembrou-se da recomendação da avó. Tinha que pegar o embrulho do presente e entregar ao Papai. Foi lá dentro, apanhou o embrulho no armário, botou debaixo do braço e saiu pra rua. Entrou na casa ao lado, tocou a campainha e, quando o vizinho apareceu, entregou-lhe o embrulho.
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(1) Tava lá Mane Sinhô. — Trecho da canção "Uma Casa de Caboclo", que vem logo depois daquele pedaço em que o cantor diz que numa casa de caboclo um é pouco, dois é bom, três é demais. O terceiro, no verso, era Mane Sinhô.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A volta do Dia da Sinceridade

Vocês queiram perdoar, sim? Queiram perdoar, mas vamos continuar imaginando coisas sobre o "Dia da Sinceridade", cujo bolamos em momento dos mais inspirados, escudados que estávamos na certeza de que dias como o "Dia das Progenitoras", "Dia da Reconciliação", "Dia do Papai" e outros de some-nos não tinham a menor importância do ponto de vista cívico, e, sim, do ponto de vista comercial.

Com aquela disposição de que sempre nos munimos, quando se trata de auxiliar o próximo a ter idéias mais felizes, bolamos o "Dia da Sinceridade", que não tem o mínimo cunho comercial e — muito pelo contrário — ajuda os leitores que aderirem a burilar o caráter, elemento da personalidade de cada um que — segundo Tia Zulmira — está para a consciência do indivíduo assim como a gomalina está para a cabeleira do Al Neto.

O "Dia da Sinceridade" lavará a alma de muita gente, mesmo essa gente inibida que passa o dia mentindo para conservar os honorários, tais como garotas-propaganda, locutores de rádio, ministros de Estado, vendedores ambulantes e cronistas mundanos. Isto para somente citarmos classes mais ou menos definidas dentro do panorama da insinceridade nacional e — por que não? — internacional.

No "Dia da Sinceridade", talvez para evitar futuros aborrecimentos, não seria conveniente visitar parentes, mas seria de boa monta entrar na Câmara dos Deputados e conversar um pouco com o deputado em quem votamos. Seria de bom alvitre também ligar o rádio para a Rádio Mundial e ouvir as pregações do Irmão Alziro Zarur.

Somos de opinião que um dia assim viria descomplexar (ou será extracomplexar? Verifique aí, Osvaldo) diversas classes trabalhadoras, como, por exemplo, a classe dos que vendem calçados. Isto é um exemplo, conforme vocês podem notar, trazido assim a esmo, só para melhor esclarecer a massa ignara.

Os vendedores de sapatos que, conforme tão bem assinalou o poeta Vinícius de Moraes, parecem Madalenas arrependidas pedindo perdão pelos sapatos, já que se ajoelham na frente do freguês para experimentá-los (não os fregueses, mas os sapatos), vivem na insinceridade. No entanto, vitoriosa a idéia do "Dia da Sinceridade", mesmo em sua postura costumeira, e talvez por causa dela, diriam para a dama elegante que insiste em comprar o sapato de couro de camelo: — Madame, não vai nessa. Esse camelo nasceu cavalo.

O modelo é uma fábrica de calos e o sapato entorta mais que boca de cantor de tango. A senhora compradora não se espantaria, pois era o dia supracitado, e agradeceria com um sorriso, não sem antes botar na mão do vendedor uma nota de duzentas pratas, aconselhando:

— Vá a um dentista, nego. Daqui de cima é que se tem uma idéia panorâmica de suas cáries.

O vendedor faria uma reverência, já de pé, e antes que a freguesa fosse embora, perguntaria risonho:

— A senhora não quer examinar a nossa coleção de ferraduras?

Grande dia, companheiros, o "Dia da Sinceridade".
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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O Dia da Sinceridade

Quem não tem o que fazer deu agora para inventar "dia". Um vereador — cujo nome esquecemos — propôs a oficialização do "Dia do Acidentado", explicando que, nesse dia, todos iriam aos hospitais visitar os doentes passíveis de visitas e perturbar os doentes que não podem receber visitas. A idéia, que ao vereador deve ter parecido luminosa, não foi sequer levada a sério pelos seus coleguinhas edis. Felizmente.

Já nossa amiguinha Graciette Santana quer o "Dia da Progenitora", como se já não bastasse o "Dia da Genitora", onde as progenitoras já estão incluídas porque a condição primordial para a mulher ser progenitora é ser genitora anteriormente, detalhe que — queremos crer — escapou à Dona Graciette. Lamentável.

Outro que lançou "dia": Antônio Maria. Prenhe de boas intenções, o Arcebispo do Sacha's quer o "Dia da Reconciliação", conforme ele mesmo expôs em bem traçadas linhas. Será o dia em que cavalheiros mais ou menos em crise de amizade com outros tantos cavalheiros farão as pazes em lugar público; dia em que ferrenhos desafetos se abraçarão para legalizar o fim da briga etc. etc.

E como é bom demais para abençoar os outros, o próprio inventor do "Dia da Reconciliação" irá para o interior na data dos reencontros, para não ter que fazer as pazes com ninguém. Ele não confia nos inimigos, infelizmente.

Já a flor dos Ponte Pretas, que também se sentia meio jogado fora, resolveu criar um diazinho, para ficar atualizado e não ser passado para trás. Por isso mesmo imaginou o "Dia da Sinceridade", dia que — temos certeza — contaria com a adesão incondicional de todos, mesmo com a adesão do vereador, da Irmã Graciette da Emissora "Jesus Está Chamando" e do Antônio Maria.

No "Dia da Sinceridade" aconteceriam coisas surpreendentes. Você ligava a televisão e veria uma garota-propaganda com um sabonete na mão, dizendo que o dito não faz espuma, tem um perfume muito do rebarbativo e o preço é extorsivo.

Depois outros anúncios sinceros, seguidos de entrevistas sinceras, ocasião em que os arnaldos nogueiras do vídeo anunciariam assim seus convidados: está aqui ao nosso lado um dos maiores ficeleiros do PSD, que vai explicar a negociata que fez ontem no Ministério da Fazenda. Os jornais também seriam sinceros, principalmente os da imprensa sadia, cujos teriam um dia de reabilitação, pelo menos.

Jogadores de futebol fariam declarações importantes, explicando que detestam o clube a que pertencem, que farão tudo pela vitória porque o bicho é melhor quando vencem, mas que o adversário tem um time melhor e, por isso mesmo, vão tacar o pé no inimigo para intimidá-lo. E acrescentarão: a chave é essa, o técnico que se dane, pois quem vence jogo é jogador e não técnico.

Revistas especializadas diriam o que acham de Emilinha, contariam como fazem reportagem com Cauby; cronistas mundanos falariam de suas listas de "dez mais" com completa isenção de ânimo; candidatos a eleições colocariam na rua faixas com dizeres que espelhassem seus sentimentos cívicos e nos petits comitês, os que vivem nos riversides da vida, trocariam idéias entre si e sobre si, sem qualquer futuro ressentimento.

Nesse tão saudável "Dia da Sinceridade", por nós imaginado, Stanislaw passaria despercebido e, para culminar a comemoração, haveria discurso do Presidente na "Voz do Brasil". Credo!
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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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domingo, 3 de fevereiro de 2013

Do inquirir os querelantes

Não, isso também já é enveredar pelo perigoso terreno da galhofa — se é que vocês me permitem usar esta expressão de Tia Zulmira. Esse negócio de se arranjar uma comissão de inquérito para apurar o que estão fazendo as comissões de inquérito é muito chato. Desculpem, mas vamos mais uma vez usar a sábia parenta.

A velha e experiente Tia Zulmira, quando soube que se cogitou, de brincadeirinha, é claro, de uma comissão de inquérito para as comissões de inquérito da Câmara sentenciou:

— Há um dado momento em que se deve confiar, pra não piorar! Ora, a velha é fogo e sabe o que diz.

Ensinou bailado a Nijinsky, relatividade a Einstein, psicanálise a Freud, automobilismo a Juan Fangio, foi técnica de basquete dos "Globe Trotters", deu aula de tourada a Dominguín, explicou a Charlie Chaplin como se faz cinema e, na rebarba, ainda temperou a vacina para o Dr. Jonas Salk. Logo, não está aí para blablablá.

Se ela diz que, num dado momento, mexer a panela é pior que deixar no fogo lento, é porque esta é a melhor maneira de se proceder. Vivida como é, a excelente macróbia esteve a conversar conosco sobre esse círculo vicioso que, às vezes, causa a desconfiança excessiva. Lembrou então o que aconteceu com os pais de Primo Altamirando, menino que cedo foi viver com a tia, porque o casal foi à garra.

Deu-se — contou-nos ela — que Mirinho quando garoto já prometia que um dia seria isto que é hoje, razão pela qual seus pais resolveram arranjar uma babá de toda confiança para vigiar o agora abominável parente. Contrataram uma babá inglesa (até hoje ninguém sabe explicar por que certos casais acham que babá, pra ser de confiança, tem que ser inglesa)... mas — dizíamos — contrataram uma babá inglesa e estavam muito satisfeitos, até o dia em que acharam que era preciso ver se a babá era mesmo de confiança.

Então — porque era um antigo conhecido da família — chamaram o velho Crisanto (já falecido) para vigiar a babá.

Crisanto ia se desincumbindo satisfatoriamente do mister e nada teria acontecido se Altamiro, pai de Altamirando, não tivesse a idéia de conversar com a mulher a respeito da missão de Crisanto. Quem lhes podia garantir que o distinto estava mesmo vigiando a babá que vigiava Mirinho?

É... ninguém podia, pois ninguém vigiava o homem. E foi por isso que — usando da velha teoria de quem quer vai, quem não quer manda — Altamiro, pai de Altamirando, passou a sair para vigiar Crisanto, que vigiava a babá, que vigiava o menino.

Tudo ia muito bem, até o dia em que a mãe da criança resolveu espiar pra ver se o marido estava mesmo controlando o velho Crisanto. E qual não foi sua surpresa, ao descobrir Crisanto ninando Mirinho e Altamiro ninando a babá!

É... Tia Zulmira tem razão: num dado momento, deve-se confiar, para não piorar!

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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domingo, 27 de janeiro de 2013

A menina que suava em cores

Tínhamos escrito um bem documentado artigo sobre a menina Vera Lúcia, a tal mineirinha que sua colorido. 0 trabalho era muito bem documentado e de grande importância para o estudo do fenômeno que ora preocupa a imprensa carioca e deixa um pouco off side a ciência de um modo geral. Isto porque, sendo um artigo de Stanislaw, já era obra de valor, valor este que aumentava, ao levar-se em conta que somos um dos que mais fizeram mulher suar pela aí.

É lógico que suor colorido para nós também é bossa nova, ainda que não sejamos supersticiosos a ponto de achar que Vera Lúcia é milagrosa. Isto não.

Que nos recordemos assim, a grosso modo, só Primo Altamirando é que, certa vez, começou a suar colorido. Aliás, não era bem colorido. Ele começou a suar numa cor só: o preto — mas Tia Zulmira, com um pouco de água e um pedaço de sabão, acabou com o milagre.
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sábado, 19 de janeiro de 2013

O dedo

Foi em São Paulo num ônibus. Havia um dedo; aliás, como é natural em coletivos, havia diversos dedos. Em coletivos, comumente, acontece mão-boba, quanto mais dedo.

Não. Não era um dedo-bobo, nem pode ser comparado com os demais dedos que viajavam no Santa Clara—Paissandu, da Empresa Vila Paulista Ltda., porque estes estavam em seus respectivos lugares, nas mãos de seus donos, enquanto que o dedo citado estava sozinho, no chão do ônibus, apontando sabe lá Deus para onde.
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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A vaca

Não foi muito longe não, foi na Avenida das Bandeiras — que é ali beirando a variante. Personagem : Uma vaca! A dita personagem vinha caminhando pela beira da Avenida das Bandeiras, com aquela dignidade que só as vacas têm, quando — súbito — resolveu atravessar para o outro lado. E vocês sabem como vaca é. Cismou e atravessou mesmo.

Vinha um caminhão disparado e não teve tempo de frear. Aí foi aquele acidente horrível. O caminhão pegou a vaca pelo meio e encaçapou-a legal, matando ali mesmo. O noticiário não explica se a coitada ficou em decúbito dorsal ou decúbito ventral, mas que morreu, lá isso morreu.

O caminhão deu no pé e nem prestou atenção; caminhão mata gente e não pára, vai travar por causa de vaca!

Aconteceu, porém, o que ninguém esperava. Um — com desculpa da má palavra — pedestre que a tudo assistira, em vez de ficar na moita e resolver o seu problema sozinho, saiu gritando pela aí:

— Tem uma vaca morta na estrada! Tem uma vaca morta na estrada!

No grito, a turma ouviu e só pensou em chã-de-dentro, alcatra, mocotó, filé. Alguns, mais requintados, na voz de vaca morta, passaram a entrever dobradinhas à moda do Porto, iscas de fígado à lisboeta, rabada com polenta, filé à Osvaldo Aranha (ou mesmo filé ao outro... Chateaubriand). Enfim, foi aquela ignorância.

O povo muniu-se de facas, machadinhas, canivetes e até tesouras de unhas para retalhar a falecida, na ânsia de melhorar o ragu. Os mais fortes conseguiram o lado bom da vaca, onde mora o mignon. Os mais fracos, ainda que intimidados, pegaram o miolo (miolo de vaca é como o de cronista menor, não tem muito proveito), outros franzinos levaram os rins, e assim por diante.

Dizem técnicos em talho que do boi só não se aproveita o suspiro, porque até a sua vergonha serve para adubar canteiros. Pois com a vaca atropelada foi pior.

Depois que acabou o pega, os que não tiveram vez chegaram de mansinho e repartiram os ossos, porque uma sopa razoável, hoje em dia", está custando mais caro do que prato feito reforçado em botequim de operário.

Dizem que o Sindicato dos Urubus vai protestar junto ao Dr. J. Karne e impetrar mandado de segurança.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O velho processo

Diz que na Itália está uma fofoca danada. Depois de tantos anos, volta a Igreja a ser contra a ciência, achando que o progresso desta é uma ofensa ao Altíssimo. É uma briga velha, que fez muito sábio da antigüidade virar churrasco na mão do padre.

Agora é por causa do cientista italiano que conseguiu fecundar um óvulo humano em tubo de ensaios. A "Pretapress", num de seus despachos desta semana, já noticiou o fato. O órgão do Vaticano "Osservatore delia Domenica" espinafrou o cientista Dianeli Petrucci, que foi quem conseguiu isolar o óvulo e fazer nele uma inseminação artificial, acusando o distinto de trair as Leis que o Criador colocou na natureza em geral e no homem em particular.

E com grande sucesso — acrescentamos nós, que nada temos com a briga e estamos aqui somente para relatar. Se entramos na coisa foi sem querer, como Pilatos no "Credo" ou Al Neto na imprensa.

Dianeli Petrucci, logo que foram publicadas as espinafrações ao seu trabalho de laboratório, onde, inclusive, dizia-se que o  embrião humano pode ter alma desde o momento de sua concepção, concedeu entrevista aos jornalistas que foram ouvir sua opinião a respeito das restrições, todos doidos para uma fofoca. O cientista decepcionou os repórteres, ao explicar que não tomaria conhecimento de nada e continuaria o seu trabalho.

Agora, você aí, sente o drama, vá! Já tinham inventado a tal de inseminação artificial, que era um desperdício bárbaro, e eis que neste momento um sábio trabalha com afinco para firmar a geração de chocadeira, digna substituição da atual geração Mustafá, que tem pai e mãe mas ninguém diz. Parecem todos de chocadeira também.

O que nos consolou nisto tudo foi a opinião do abominável Primo Altamirando. O nefando parente é um chato, mas tem um certo equilíbrio nas suas observações.

Quando lhe mostramos o noticiário sobre o que está se passando na Itália, ele leu com ar desinteressado e depois perguntou:

— Que é que tem isso?

— Que é que tem? — repetimos. — Ora, Mirinho. A humanidade é preguiçosa. Se esse italiano descobre um método de fabricar crianças em laboratório, vai ser chato.

Altamirando deu uma gargalhada e nos acalmou com esta oportuna observação:

— Não seja trouxa, rapaz. Por mais eficaz que seja o método novo de fazer criança, a turma jamais abandonará o processo antigo.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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domingo, 6 de janeiro de 2013

Os brindes

Primeiro foi aquela loja de vender discos lá de Porto Alegre que, na ânsia de passar adiante os LPs encalhados, anunciou o oferecimento de um quilo de feijão para o comprador de cada disco LP candidato eterno à prateleira.

Assim, o povo, que andava doido atrás da semente de faseolácea (é feijão numa apresentação mais puxada para o científico... queiram perdoar), não se incomodou de levar pra casa discos de Pedro Raimundo, Mário Mascarenhas, Dilu Melo etc. etc, contanto que lhe entregassem, em mão, o seu saquinho de feijão.

Agora é um contínuo de repartição que, desesperançado do abono e na certeza de que é difícil arranjar outro emprego nos dias que correm, fez da carestia um bico e está ganhando seu dinheirinho. O distinto levanta de madrugada, vai pra fila da carne e aguarda a sua vez. Como é dos primeiros na fila, consegue um quilo razoavelmente medido, quilo de carne este que leva para a repartição e rifa, na base de 10 pratas o bilhetinho de 001 a 100.

No fim da tarde, com os colegas todos torcendo em volta, faz o sorteio. O premiado leva um quilo de carne pra casa por 10 cruzeiros — preço ao alcance de todas as bolsas — enquanto o contínuo-açougueiro-banqueiro fica com uma abóbora de mil, pelo expediente.

Bem diz Tia Zulmira — prenhe de saber e transbordante de experiência — "quem se vira, se inspira". É um fato. A loja de discos aproveitou a falta de feijão para se livrar de discos encalhados, o contínuo aproveita a "carnestia" (como tão bem apelidou Primo Altamirando a falta de carne), para ganhar umpouco mais do que o salário ralo.

E a coisa vai pegando, como Deus é servido. Clubes da ZN estão organizando "biriba" aos sábados, para os sócios. Os prêmios lá estão, para quem quiser ver. Ao vencedor, três quilos de filé mignon, ao segundo colocado, três quilos de feijão ao terceiro, um quilo de feijão e outro de alcatra.

A ZS, por enquanto, vai se mantendo a fingir uma dignidade guaia, organizando no Country Club e demais clubes grã-finos seus concursos de "buraco", "biriba" ou "bridge", ofertando aos vencedores inúteis medalhas de ouro, prata ou bronze, que não servem para alimentar mais do que a vaidade.

Mas isto é por enquanto. Chegará o momento em que o alimento do estômago falará mais alto do que o alimento da vaidade, e a grã-finada larga pra lá essa besteira de medalha e adere aos prêmios já em uso na Zona Norte da cidade (residência da saudade — como quer o grande poeta urbano Orestes Barbosa). E nós veremos no Country um pai industrial torcendo para entrar um coringa no jogo da filha, para que ela faça canastra e ganhe um florido buquê de couve-flor.

Sim, irmãos, humânitas precisa comer, como diria o coleguinha Brás Cubas: ao vencedor, as batatas.
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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Doações corporais

— Em minha opinião, cada pessoa devia ter dois corações! — e com tal declaração, desceu no aeroporto de Londres o Professor Wladimir Demikhov, cirurgião soviético que se prepara para enxertar em uma paciente de 20 anos de idade a perna de uma mulher morta.

O Professor é bárbaro, nesse negócio de enxertar na base do toma lá, dá cá. Foi ele que fez o primeiro cachorrinho com dois corações, foi ele que inventou o primeiro cachorrinho com duas cabeças e é ele quem admite, para um futuro próximo, pessoas com dois corações, para que sejam melhor distribuídos a função e o cansativo trabalho do chamado propulsor.

Está claro que o Professor Wladimir não pensa em fazer monstros e quer colocar órgãos duplos para casos especiais. Sua ciência evolui para um lado verdadeiramente consagrador, qual seja a de uma pessoa mutilada herdar de uma pessoa recém falecida o pedaço que lhe falta, seja perna, braço, olho ou nariz. Isto, no entanto, não impediu que o abominável Primo Altamirando tenha escrito ao distinto sábio soviético, pedindo que lhe arranje uma mulher com quatro coxas.

Mas, voltemos ao Professor. Além de achar que cada pessoa deve ter dois corações, Wladimir Demikhov assegura que tal coisa não é impossível:

 — Sei que isto se afiguraria improvável, mas as viagens à Lua também pareciam improváveis, não faz muito tempo — afirmou ele.

E diz que a humanidade ganhará muito, no dia em que uma pessoa que tenha orelhas muito bem formadinhas puder deixar, para um amigo de orelhas feias, seu par de pavilhões auriculares. E que beleza não será alguém de perna sadia, ao morrer, deixar de herança para um amigo aleijado a perna que lhe falta.

E os olhos dos que vêem para os cegos de nascença, um braço para quem só tem um, cabelo para os carecas, mãos para os manetas, dedos para os dedetas e assim sucessivamente, cada um legando aquilo que já não lhe poderia ter valia para o amigo tão necessitado.

Que o sonho do sábio russo se transforme logo em realidade, porque se for o caso de sermos convocados por Deus antes de Ibrahim Sued, queremos deixar nossa cabeça para ele usar no tempo de vida que lhe sobrar, para uma completa reabilitação.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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terça-feira, 23 de outubro de 2012

Seguros de amor

Diz que em Londres surgiu um camarada que está revolucionando os processos usados pelos seguradores para defender os interesses dos segurados. Trata-se de um inglês (porque os ingleses, ainda que possa parecer incrível, são muito encontradiços em Londres) chamado Arthur Harrison.

Namorados e noivos londrinos, temerosos de perderem o amor das suas amadas, estão apelando para apólices de seguro contra romances desfeitos.

Se as levianas moçoilas, que se dizem suas, se apaixonarem por um pilantra qualquer no Continente, ao sair da ilha para passear pelo resto da Europa, o desprezado tem, como consolo, uma indenização de mil libras que, trocadas em miúdos, dão mais ou menos umas 450 abóboras maduras.

Diz que Mister Harrison tem feito bom negócio e até tabelou o seguro de amor, pagando um preço mais alto pelas noivas e namoradas que vão sozinhas à Itália, à França e demais países latinos porque, conforme vocês sabem, nós — latinos — não é por estarmos nas nossas presenças não... mas nós latinos somos fogo.

Os ingleses fazem tal seguro, não sabemos se com o conhecimento da noiva ou namorada e, se assim for, é um caso mais lamentável ainda. Nossas amadas têm todo o direito de nos trair, mais por vingança, é claro, ao saberem que nós estamos transacionando com o seu sentimento de fidelidade. Mas os londrinos são londrinos, entendem? Ou não entendem, o que é melhor para vocês.

Quanto vale o amor de sua amada, você aí, companheiro? Vale os 450 contos que paga o Mister Harrison? Como? O amor de sua amada não tem preço? Muito bem respondido, irmão. Vá sentar. Levou um 10 em amorologia. É isto mesmo, não há apólice que pague o amor de nossa amada, nem vai ser um monte de dinheiro que secará nossas lágrimas, ao ver partir com outro a nossa "segurada".

Diz muito mal dos noivos e namorados londrinos o êxito de Mister Harrison. Nós aqui — e acreditamos que vocês também, não é rapaziada? — se fizéssemos um seguro desses, mesmo por brincadeira, haveríamos de receber o dinheiro desconsolados. Nós somos assim. Quando Mister Harrison nos trouxesse o dinheiro, compraríamos um lindo presente e mandaríamos para ela com gosto amargo de "nunca mais" na boca.

Mas, cada um tem sua maneira de pensar. Perguntamos a Primo Altamirando:

— Se você recebesse o seguro pela infidelidade de sua amada, comprava um presente para ela?

— Não — respondeu o abominável parente — comprava era uma lambreta para mim.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O cachorrinho de dois corações

Quem informa é o Departamento de Clínica Operatória e Cirurgia Experimental: operaram cinco cachorrinhos do tipo street dog e todos eles, numa experiência coroada de êxito, passaram a viver com dois corações. A operação feita pelos soviéticos, com tanta celeuma, acaba de ser feita aqui no Rio também e quatro cachorrinhos — um deles morreu — vivem perfeitamente com oito corações. Perfeitamente? — há de estar Deus perguntando. Perfeitamente, não.

Um dos cachorrinhos com dois corações fugiu do canil e trota solto pelas ruas do Rio, pulsando seus dois corações e isto não é bom para ele. Tivemos uma doce amada de dois corações e era de ver a angústia em que vivia, por não saber conservar aquilo que é a coisa mais linda numa mulher: o sentimento da fidelidade.

Aos cachorrinhos foi dado merecidamente o título de maior amigo do Homem, justamente por causa da sua impressionante fidelidade ao dono. Muito antes de se inventar a "alta-fidelidade", já a marca registrada da maior fábrica de discos e vitrolas do mundo tinha por símbolo um cachorrinho fiel, que se mantinha firme ao lado do fonógrafo, ouvindo a voz do dono com o deslumbramento de todos os cachorrinhos.

A fidelidade do cão é muito anterior à alta-fidelidade das vitrolas. O mundo inteiro sabe disso. Tanto que o disco, aqui, é "A Voz do Dono", na Inglaterra é "His Master's Voice", na França é "La Voix de Son Maitre", na Itália é "La Você dei Patrono".

Todo mundo sabe que o cão é a fidelidade em pessoa e dá tão comovedoramente seu coração que enternece a todos, com sua dedicação.

Mas... e o pobre cachorrinho que fugiu do Departamento "de Cirurgia Experimental? Como vai

poder viver fiel, como poderá viver cão como todos os cães, se carrega no peito dois corações? Não, o cachorrinho não é como as amadas infiéis, que muitos perdoam por serem como são.

Pobre cachorrinho de dois corações, se encontrar um dono e a ele se prender, por ser este o seu fanal de cão...

Pobre cachorrinho, porque terá um coração de sobra e há de dedicá-lo a alguém. E, se assim for, que entregue seus dois corações a um só homem, a um só dono, para provar ao mundo que os cães, mesmo com um coração sobrando, são muito mais dados à fidelidade do que as vitrolas, do que as mulheres, do que nós todos.

Ó pobre cachorrinho de dois corações, que você não fique indeciso entre dois postes.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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domingo, 16 de setembro de 2012

O seguro do velho

Vocês que nos lêem sabem que em sociedade tudo se sabe. Não adianta o Medeiros Neto usar batina de padre, o Ibrahim Sued usar caneta-tinteiro, o Augusto Schmidt escrever livro de poesia, o Tenório sorrir com cara de bonzinho, nada disso adianta, porque em sociedade tudo se sabe.

Por exemplo, aqui está a notícia do que ocorreu em São Paulo com o cidadão de origem italiana Cario Magliani cujo, coitado, pensou que pudesse falcatruar impunemente e imaginou um golpe dos mais legais.

Cario Magliani tinha um tio que também era Cario Magliani, mas que estava pela bola 7. Homem já velho, o Cario tio vinha sofrendo de diversos males, inclusive cardíacos.

Que fez Cario Magliani sobrinho, que era forte como um touro? Pois fez um seguro de vida de alguns milhões, colocando como beneficiário — em caso de morte — o tio em pandarecos. Isto — pensarão vocês — não tem nada demais. Mas pensarão vocês que são apressados. Cario Magliani pensou de outro jeito.

Mancomunado — segundo se suspeita — com um empregado da companhia de seguros, aproveitou o fato de seu nome e o nome do tio serem iguais, para rasurar o contrato de seguro, invertendo a coisa. Isto é, ele, que é forte e saudável, passou a ser beneficiário do tio, que estava com o pé na cova, só aguardando um empurrão amigo.

Foi um golpe fácil. Bastou mudar as datas de nascimento porque, no mais, ambos os Carlos eram naturais de São Paulo, eram residentes no mesmo local, tinham a mesma profissão, enfim, estava tudo facilitado.

Mas (aí é que está o chato), em sociedade tudo se sabe. Agentes da companhia de seguros descobriram a marmelada e estão processando o rapaz, coisa que chegou ao conhecimento do tio. E este, coitado, que era cardíaco e castigado pelo tempo, não resistindo ao vexame do sobrinho que criava, faleceu em dia da semana passada, em sua residência.

Aparentemente, esta história não tem nada demais. Vigaristas há em toda parte, tentando os mais complicados golpes.

Ledo engano, companheiro, ledo engano. Aqui a notícia diz que o velho morreu abalado com o seguro que o sobrinho fez.

Eis portanto que, pela primeira vez na História, em vez do seguro morrer de velho, foi o velho que morreu do seguro.

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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A arte de presentear

Distinta dama que se assina Helena Brazil, e que aos depois acrescenta "conselheira de compras", escreve à flor dos Ponte Pretas para explicar que desconta pra Instituto através de uma profissão bossa nova. Dona Helena é, conforme está escrito depois do nome, "conselheira de compras".

Diz ela, em sua carta: "Poucos são os homens de negócios que realmente sabem escolher artigos femininos para presentes (ela generaliza na base do 'homens de negócios', porque fica chato botar a expressão 'coronel de madame').

A verdade é que somente três entre cada dez executivos têm o bom gosto necessário para determinar cores e modelos que farão as presenteadas felizes com as lembranças recebidas." De fato, nós somos um executivo legal, mas tem uns coronéis pela aí que são de amargar para dar presente a mulher.

Noutro dia, membra de nossa frota estava se queixando porque um dos seus mais constantes galanteadores já enviou para sua residência quatro jacas de manga e fosse ela comer a "lembrancinha", estaria até agora de cama. Mas sigamos com a explicação de Dona Helena Brazil — conselheira de compras.

Diz ela: "Para aqueles que não têm tempo, nem geito de enfronhar-se na moda (aqui abrimos um parêntesis para explicar a vocês que o jeito de Dona Helena é com "G", embora os jeitosos, de um modo geral, tenham jeito com "J") há um método infalível de acertar sempre na escolha. Quer saber? Muito simples: selecione uma boa casa de modas e peça o nosso conselho desinteressado."

Quer dizer, vocês moraram na jogada, não? Aqueles que não têm o "geito" para presentear mulher receberão conselhos desinteressados de Dona Helena Brazil, que é cobra no assunto.

Coronéis curibocas, que esbanjam dinheiro sem impressionar aquelas que desejam impressionar, poderão, mesmo, recorrer à missivista. Um camarada desses broncos, que olham mulher e pensam que a coisa vai simplesmente laçando a boa com um colar de pérolas, muitas vezes se estrepa.

Seu Lucindo, nordestino que no Nordeste é Coronel de araque, da política, e aqui no Rio é coronel mesmo, de mulher, certa vez ouviu uma dama dizer que adorava sabonete francês. Entrou numa perfumaria e mandou embrulhar vinte caixotes de sabonete francês para presente. A moça está se ensaboando até hoje, sem tempo para sair com seu Lucindo.

Consultando Dona Helena Brazil, estas mancadas estão por fora. Os sem-"geito" não enviarão aparelhos de barba para suas amadas, não vão ferir a suscetibilidade das moças com jacas de manga, nem fazer como fez um senador do PSD, que mandou um cavalo puro-sangue para uma show-girl que mora em apartamento de quarto e sala.

Consultem, portanto, Dona Helena. Nós é que não precisamos, Dona Helena. A carta que a senhora enviou, queremos crer, é para os outros. Sim, porque quando queremos presentear mulher nós nos enrolamos em papel celofane e mandamos os Correios despachar-nos com frete a pagar para a casa da felizarda.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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domingo, 9 de setembro de 2012

Nós em garrafa

Vínhamos ladeira abaixo, comendo umas goiabinhas, quando surgiu na nossa frente um cavalheiro bem-posto, a sorrir, de braços abertos. Como somos bom fisionomista e reparamos logo que o distinto não era pessoa da nossa intimidade, julgamos tratar-se de um batedor de carteira.

Felizmente não era. Era um industrial. Deu o cartãozinho e passou a explicar por que cercara este valoroso escriba. Primeiro explicou que a indústria dele era embriagante e, antes que tivéssemos qualquer atitude de espanto, esclareceu que fabricava bebidas alcoólicas.

De surpresa em surpresa disse que precisava de nós: — Para beber? — perguntamos, já armando uma desculpa em defesa do fígado. Felizmente não era.

O bem-posto cavalheiro, falante como um animador de auditório, afirmou que se quiséssemos beber só era um prazer oferecer a bebida, mas que vinha com outra intenção. Sua firma vai lançar lia praça um conhaque nacional (e ante a nossa cara de enjôo botou vírgula na frase e jurou que não é cachaça vagabunda fingindo de conhaque não. É conhaque no duro).

Mas... a firma vai lançar um conhaque e o departamento de promoções... vejam vocês, até pra vender essas coisas eles têm departamento de promoções ... o tal departamento lembrou que seria ótimo colocar o nome de Stanislaw Ponte Preta na beberagem.

Ora que coisa! Tanto rodeio para no fim vir propor que fôssemos padrinho de conhaque nacional. Claro que não. — Mas nós pagamos — insistiu o industrial. — Pagamos não. Pagariam. E não fariam mais do que a obrigação — dissemos nós, já a nos imaginar nas prateleiras dos botecos desta Buracap, devidamente engarrafado.

Agora vejam se fica bonito. Uma personalidade marcante como a nossa virar motivo de discussão em casa. A mulher dizendo para o marido, que chegou meio sobre o alcantilado para o jantar: "Chegou atrasado, não é, cachorrão? E ainda chega com bafo de Stanislaw Ponte Preta."

Se isto é proposta que se faça ao guia espiritual de milhares de leitores universais!

Como é que íamos ser respeitados depois de concordar com a proposta?

Estamos aqui a imaginar um pai a dizer para a filha: "Você é a vergonha da família, está viciada em Stanislaw Ponte Preta."

Não, de jeito nenhum. Que horror teríamos ao saber que um pilantra qualquer poderia chegar no balcão de um frege e berrar para o taberneiro, em noite de frio: "Me dá um Stanislaw aí pra me esquentar."

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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Mulher para o cotidiano

Quem pede conselho sobre mulher está — positivamente — pedindo um conselho inútil. Isto não foi descoberta nossa, embora tivéssemos chegado à mesma conclusão na segunda namorada (sempre fomos muito precoce).

A esta conclusão, em não sendo a pessoa completamente desligada da tomada, é fácil de se chegar, como é fácil descobrir com o tempo que existem mulheres que amam sem o menor sentimento de fidelidade, mulheres que são fiéis sem amar e, para complicar julgamentos, nenhuma mulher é igual com dois homens diferentes, nem nenhum homem ama igual duas mulheres. Assim, não sabemos por que tem gente que pede conselho sobre mulher. Mas o fato é que tem gente que pede.

Um distinto escreve para a coluna "Da Correspondência", mantida pelo brilhante colunista Stanislaw Ponte Preta, e não somente brilhante como também cheio de outras virtudes, pessoa que, por coincidência, é a mesma que ora escreve estas mal traçadas; um distinto escreve — repetimos — para pedir inteiro anonimato (embora coloque nome e endereço na carta, a título de confiança) e pedir também uma opinião sobre a mulher que ama, que é infiel e que — diz ele —, apesar disso, tem por ele muito amor.

Noutro dia, um outro contou a mesma história e na mesma base do "o que devo de fazer". Explicamos a ele que mulher que ama só trai por se sentir diminuída, por incerteza ou por não confiar em si mesma diante do seu amor. Logo, a traidora é muito mais coitada do que o traído.

Claro, existe muita sutileza envolvendo a questão e é preciso que o cavalheiro não seja burro para poder morar no assunto. Difícil dar conselho. Difícil e inútil.

Em todo caso, como o leitor pediu, não custa nada ajudar, contando esta historinha:

Ontem, quando descemos à garagem do prédio para tomar o carro, mal entramos no mesmo, notamos que o desgraçado não pegava. Por mais que apertássemos o arranque, este virava, virava e o carro neca.

O porteiro — um português com veleidades de mecânico — ajudou no que pôde. Levantamos o capo, puxamos fios, limpamos velas... e nada. Afinal, depois de quase duas horas de luta, o carro — sem maiores explicações — pegou.

Nem por isto ficamos menos aborrecido, pois o enguiço nos fez perder diversos compromissos.

Foi então que, para nos consolar, o português cocou a cabeça e sentenciou:

"É, doutor. Carro é pra quem tem dois."

Pois está aí, amigo. Use esta filosofia com mulher. Quando uma enguiçar, você vai na outra.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Somos bons de banho

Se fosse reportagem dessas revistas que ficam por aí batalhando pela exaltação do medíocre, ainda não levaríamos a sério. Mas trata-se de mensário norte-americano, dos mais metidos a besta. Nele é que está a reportagem sobre os costumes da higiene entre os povos, reportagem que chega a surpreendentes (lá pra eles, americanos) conclusões.

Segundo o que juntaram as estatísticas, entre os povos ditos civilizados, apenas os sulamericanos — e assim mesmo não é em todos os países desta América — possuem um balanço de mais de 50 por cento da população que se dá ao hábito do banho diário.

Vejam vocês que bonitinho: o Brasil figura na coisa. A gente, isto é, metade da gente se dá ao luxo do banho diário, num país onde as cidades principais sofrem de permanente falta dágua. Não é lindo? Você aí, toma banho todo dia? Sentiu bem! A senhora lá, também se dá ao ensaboado de 24 em 24? Perfeito, madame. Aliás, basta olhar para ver que a senhora tá limpinha.

Mas há os que se fazem de "estrangeiros", isto é, falcatruam o banho diário, prejudicando a estatística a favor do Brasil. O mensário não diz se a gente também é campeão mundial de banho, mas faz referências muito elogiosas ao povo brasileiro. Logo se não tivesse essa turma aí que faz que esqueceu de tomar banho, ou certas pessoas preguiçosas, que tomam o chamado de assento, que — diga-se a bem da verdade — não é banho dos mais pródigos em remover impurezas; se não existisse essa turma — repetimos — e mais outros que escondem sob o olor forte das essências a verdade odorífica do suor, o Brasil bem que poderia guardar mais este honroso título universal: Campeão Mundial de Banho.

E isto, é preciso que se frise mais uma vez, é estatística séria, feita pelos norte-americanos, que, depois de chiclete e dólares, têm adoração pelas estatísticas.

Agora, uma outra coisa é preciso fazer sentir: não nos iludamos a respeito de tão decantada higiene. Afinal, higiene é como mulher... quanto mais, melhor. E tem muita gente pela aí que não faz jus ao título.

Nosso querido Primo Altamirando, por exemplo, arranjou uma namorada que só vai ao banheiro para outros afazeres. Banho com ela é em suaves prestações mensais. Mas o nefando parente é sutil. Noutro dia chegou lá na casa dela com um embrulhinho e disse: — "Trouxe um presente para você usar no pescoço. Adivinhe o que é."

E quando a coitada, na voz de ser para usar no pescoço, disse que devia ser um colar, Mirinho deu uma gargalhada e falou: "Errou, sua boba. É um sabonete.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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A arma do crime

Foi em São Paulo. Aqui o jornal diz que Isaura Specca Pinto registrou a queixa na Polícia, depois de ter recebido socorro médico. Fora atacada pelo seu amásio (em notícia de fato policial o distinto é sempre amásio e nunca amante. É um truque lá dos coleguinhas). O amásio é o vigia de obra Herculano de Sousa Martins.

Para que vocês não fiquem imaginando que a gente inventa essas coisas, vão aqui outros dados importantes. O casal vivia (vai no passado porque a reconciliação vai ser difícil) na Rua "L", número 4-B, em Vila Medeiros, jurisdição da 19.a Delegacia.

Agora o caso. Foi assim: Herculano tinha lá suas razões para ofender Isaura com palavras de baixo calão (xingamento de nome de mãe, provavelmente) e Isaura achava que não ficava bem o amásio estar espinafrando assim seus antepassados.

Vai daí — palavrão vai, palavrão vem — pegou a arma que estava escondida debaixo da cama e agrediu Herculano. Este, mais robusto pouquinha coisa, desarmou-a e passou a usar a arma contra ela, e com tal apetite que Isaura foi parar no Hospital e Herculano deu no pé.

Mas, nas suas declarações em Distrito, onde foi aberto inquérito já relatado e enviado ao Fórum, Isaura foi mais explícita. Aqui está como saiu no jornal: "Isaura acusa o seu amásio Herculano de tê-la agredido a golpes de urinol, no interior de sua residência.

Esclareceu que quem empunhava o vaso noturno (bonito nome para uma valsa: vaso noturno), a princípio, era ela. Mas Herculano, mais forte, desarmou-a (diria melhor se dissesse 'desurinolizou-a') e passou a desferir seguidos golpes, ferindo-a bastante."

Vejam vocês que coisa prosaica. E ainda há quem diga que amantes vivem melhor que cônjuges. A senhora aí, madame, já imaginou se isto acontece com a senhora? Já imaginou depois, no Fórum, o interrogatório, com o Juiz empunhando a arma do crime? Que coisa prosaica, não é, dona?

 Como disse? Com a senhora não haveria perigo? Por quê? Debaixo da cama não"tem vaso noturno? Ah tem?

Já compreendemos, madame. Em cima da cama é que não costuma ter ninguém. Antes assim, dona. Melhor sozinha com o vaso noturno do que mal acompanhada.

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terça-feira, 14 de agosto de 2012

A moça que foi a Paris

Era uma vez uma mocinha. Não era dessas mocinhas de óculos não. Nem dessas que têm espinhas e as espinhas custam mais a sair do rosto e por isso elas vão sendo sempre as primeiras no colégio. Sim, porque — estranha coincidência — mocinha que tira primeiro na turma é sempre espinhenta.

Mas, voltando à mocinha desta história. Ela não tinha espinhas e nem usava óculos, também não precisava desses porta-seios que têm espuma de borracha para impressionar o eleitorado. Ela era muito bem feitinha de corpo.

Tão bem feitinha que, um dia, sem que a família dela soubesse nem nada, saiu premiada pra rainha de já nem me lembro mais o que, com voto comprado. Ela explicou depois que quem comprou os votos dela foi um "amiguinho".

A mocinha usava saia balonê, sabia dançar rock e falava um pouco de inglês (aprendido com oficiais de um porta-aviões que esteve aqui), mas o forte dela era ser society. Ia nesses lugares bacanos, com deputados e gente bem, por causa de que ela era um bocado querida dessa gente.

Por isso, foi uma surpresa para a família dela quando ela resolveu deixar essas futilidades pra lá e se dedicar à arte. Quem é de artimanha nunca se dá bem com arte — a gente costuma ouvir dizer. Mas com a mocinha, esta de que estamos falando, parecia ser diferente.

Ela chegou em casa e comunicou:

— Vou a Paris, aprender violino. A família botou as mãos na cabeça (isto é, o pai botou a mão na cabeça, a mãe botou a mão na cabeça, o irmão mais velho — que já manjava as coisas — botou a mão na cabeça e diversas tias botaram a mão nas respectivas cabeças).

Mas não adiantou nada, por causa de que ela manteve a coisa. Quando quiseram saber onde ela ia arranjar dinheiro para a viagem e o curso de violino, ela explicou que ninguém precisava se preocupar; o tal "amiguinho" — que adorava violino — ia financiar tudo.

Então ela foi a Paris. Por estranha coincidência o amiguinho foi também, dias depois, e ela voltou feliz da vida.

Não aprendeu a tocar bulhufas mas, em compensação, o filhinho que ela trouxe de lá, chama-se Violino.

Numa homenagem.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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