segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O cachorrinho de dois corações

Quem informa é o Departamento de Clínica Operatória e Cirurgia Experimental: operaram cinco cachorrinhos do tipo street dog e todos eles, numa experiência coroada de êxito, passaram a viver com dois corações. A operação feita pelos soviéticos, com tanta celeuma, acaba de ser feita aqui no Rio também e quatro cachorrinhos — um deles morreu — vivem perfeitamente com oito corações. Perfeitamente? — há de estar Deus perguntando. Perfeitamente, não.

Um dos cachorrinhos com dois corações fugiu do canil e trota solto pelas ruas do Rio, pulsando seus dois corações e isto não é bom para ele. Tivemos uma doce amada de dois corações e era de ver a angústia em que vivia, por não saber conservar aquilo que é a coisa mais linda numa mulher: o sentimento da fidelidade.

Aos cachorrinhos foi dado merecidamente o título de maior amigo do Homem, justamente por causa da sua impressionante fidelidade ao dono. Muito antes de se inventar a "alta-fidelidade", já a marca registrada da maior fábrica de discos e vitrolas do mundo tinha por símbolo um cachorrinho fiel, que se mantinha firme ao lado do fonógrafo, ouvindo a voz do dono com o deslumbramento de todos os cachorrinhos.

A fidelidade do cão é muito anterior à alta-fidelidade das vitrolas. O mundo inteiro sabe disso. Tanto que o disco, aqui, é "A Voz do Dono", na Inglaterra é "His Master's Voice", na França é "La Voix de Son Maitre", na Itália é "La Você dei Patrono".

Todo mundo sabe que o cão é a fidelidade em pessoa e dá tão comovedoramente seu coração que enternece a todos, com sua dedicação.

Mas... e o pobre cachorrinho que fugiu do Departamento "de Cirurgia Experimental? Como vai

poder viver fiel, como poderá viver cão como todos os cães, se carrega no peito dois corações? Não, o cachorrinho não é como as amadas infiéis, que muitos perdoam por serem como são.

Pobre cachorrinho de dois corações, se encontrar um dono e a ele se prender, por ser este o seu fanal de cão...

Pobre cachorrinho, porque terá um coração de sobra e há de dedicá-lo a alguém. E, se assim for, que entregue seus dois corações a um só homem, a um só dono, para provar ao mundo que os cães, mesmo com um coração sobrando, são muito mais dados à fidelidade do que as vitrolas, do que as mulheres, do que nós todos.

Ó pobre cachorrinho de dois corações, que você não fique indeciso entre dois postes.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.

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