sábado, 19 de janeiro de 2013

O dedo

Foi em São Paulo num ônibus. Havia um dedo; aliás, como é natural em coletivos, havia diversos dedos. Em coletivos, comumente, acontece mão-boba, quanto mais dedo.

Não. Não era um dedo-bobo, nem pode ser comparado com os demais dedos que viajavam no Santa Clara—Paissandu, da Empresa Vila Paulista Ltda., porque estes estavam em seus respectivos lugares, nas mãos de seus donos, enquanto que o dedo citado estava sozinho, no chão do ônibus, apontando sabe lá Deus para onde.


Dirão vocês: então era um dedo-bobo. Mas nós, mais ponderados pouquinha coisa, explicamos que não era bobo. Era um dedo de responsabilidade, pois portava aliança.

Deu-se que o Senhor Leonel, motorista do veículo, já achara chato quando um passageiro, que talvez fosse Primo Altamirando (Mirinho foi a São Paulo visitar um traficante de cocaína, seu amigo), ao descer do ônibus dissera: "ó meu... deixaram um dedo aqui pra você." Achara chato porque a piada não tinha graça nenhuma.

Mas, pouco depois, um outro passageiro ia saindo, olhou para baixo e viu o dedo. Estava no mesmo lugar que o passageiro anterior indicara, apontando com outro dedo, lá dele. O passageiro, mais minucioso em suas pesquisas, em vez de avisar ao motorista, abaixou-se e pegou o dedo. Era um dedo casado com Dona Paula Yukiawone vai fazer onze anos na próxima segunda-feira.

Como, minha senhora? Como é que chegaram a esta conclusão? Porque o dedo tinha aliança, madame. Tinha aliança e, na aliança, estava escrito "Paula Yukiawone— 25-1-1949". Logo, é elementar, my dear Watson!

Agora, o que se faz com um dedo transviado (e aqui não vai nenhuma insinuação de que o marido de Dona Paula seja lambretista), ninguém sabe.

Carregaram-no para a Delegacia de Homicídios, porque do dedo pra lá não se conhece o dono. A Polícia está na expectativa de que o dono direito do dedo ou Dona Paula, que casou com o dedo e o resto que normalmente acompanha um dedo, venha reclamá-lo. E, enquanto espera, não sabe o que fazer ou como agir.

E é profundamente incômodo para a Polícia ficar olhando aquele dedo que não aponta para lugar nenhum. Mas o jeito é esperar, porque não é provável que seguindo para o lugar que o dedo aponta a Polícia encontre o dono.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.

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