quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O 1º de abril

No domingo passado Rosamundo chegou em casa para o almoço, depois de um substancial mergulho no Atlântico sul (Ala de Ipanema), e não vendo movimento nenhum na casa, berrou: — Jurema!!!

O grito ecoou pela casa toda e Jurema não apareceu, o que, aliás, é justo: Jurema foi a primeira mulher de Rosamundo, da qual se separou vai pra seis anos. Encabulado da própria distração, gritou pela mulher certa:

— Clotilde!

E neca. Clotilde não estava.

O Rosa achou estranho, mas foi tomar seu banho. Só quando passou pelo corredor, enrolado na toalha, é que deu com o bilhete preso no espelho. Dizia assim: "Rosamundo, já não te suporto mais. Isto já não é de hoje, mas só hoje resolvo ir embora. Não tente reconciliação porque já gosto de um outro alguém".

A mulher de Rosamundo sempre foi de pouco refinamento. Adora filme de Mazzaropi, disco de Anísio Silva e a expressão "um outro alguém", que leu certa vez num poema de J. G. de Araújo Jorge, outra de suas paixões.

Rosamundo ficou com o bilhete na mão, sem entender direito. E já ia cair sobre uma poltrona com o impacto da notícia, quando se lembrou que era o 1º de abril. Sorriu compreensivo e deixou pra lá. Sua mulher era um bocado brincalhona.

O diabo é que passou o domingo, ele esperou durante toda a segunda-feira, toda a terça-feira e hoje — quarta-feira — começou a achar que era 1º de abril demais. Vestiu-se para ir à casa da mãe de Clotilde, dar queixa da mulher. Ao abrir a porta viu um chapéu no cabide. Botou na cabeça e o chapéu desceu até o nariz:

— Bem que me disseram que o Cabeção dava em cima dela — pensou Rosamundo.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Vai descer?!

Depois teve o caso do dia em que Rosamundo ficou doente. Era — ao que parece — um vírus qualquer que Rosamundo arranjou. É que estava incomodando mais que disco de Orlando Dias na vitrola do vizinho. Então Rosamundo foi ao médico.

O consultório do médico de Rosamundo fica na cidade, num desses prédios que a desmoralizada e saudosa Prefeitura deixava construir, com milhares de cubículos à guisa de cômodos conjugados — segundo expressão de um dos grandes calhordas imobiliários desta praça.

Rosamundo foi, entrou no consultório e ficou na salinha de espera, aguardando a sua vez.

Mas, de repente, Rosamundo começou a suar frio. Ainda tentou agüentar a mão, disfarçar, pensar noutra coisa. Mas foi impossível. Levantou-se apressadamente, perguntou à enfermeira onde ficava o banheiro.

— Segunda à esquerda, ali no corredor — foi a resposta.

Rosamundo não esperou mais. Saiu da saleta de espera pelo corredor, como um doido, contou a primeira porta, abriu a segunda e entrou. Era um cubículo escuro, como sói acontecer nos prédios como aquele, mas isto não teria a mínima importância, se não houvesse uma senhora, com ar muito digno, parada no meio do "toilette" com cara de quem espera alguma coisa.

Rosamundo ali naquele aperreio e a dona parada que nem parecia. E o tempo passando. Cada segundo parecia um século. E ela nem nada. Parada e tranqüila. Nessas horas é que Rosamundo perguntou:

— A senhora não vai sair daí?

Ela estranhou a pergunta, mas com toda classe, quis saber:

— Por que, cavalheiro?

— Porque eu preciso usar este banheiro.

A dama pensou que Rosamundo fosse maluco e com o maior desprezo, informou:

— Por favor, o senhor use depois que chegarmos ao térreo e eu saltar, cavalheiro. Porque isto aqui não é um banheiro. Isto aqui é um elevador.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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O terceiro sexo

O nosso amigo Rosamundo, quando foi tirar carteirinha de jornalista no Ministério do Trabalho, provou que a pessoa pode ser distraída, que isso não diminui o seu senso de observação.

O Rosa, depois de muito insistirmos, resolveu ir tirar a mencionada carteirinha, um pouco encabulado, diante desse mundo de calhordas que se esconde atrás de uma carteira de jornalista para conseguir favores e exorbitar da profissão.

O distraído lá esteve, no Ministério do Trabalho. Depois de subir várias escadas, porque não percebeu que no prédio havia elevador, Rosamundo foi atendido por uma funcionária pára que fizesse a indispensável ficha pessoal.

E foi aí que ficou ratificada a nossa teoria de que a pessoa pode ser distraída, que isto não importa em que seja menos observadora. A funcionária perguntou:

— Nome?

— Rosamundo das Mercês — respondeu.

— Idade?

— 39.

— Local do nascimento?

— Buracap.

— Sexo?

— Terceiro.

— Como? — estranhou a funcionária: — O senhor é do terceiro sexo?

— Sou sim senhora.

— Quer dizer que o senhor não é nem do sexo feminino, nem do sexo masculino?

— Sou do sexo masculino — respondeu Rosamundo, com dignidade.

— Então o senhor não é do terceiro sexo — atalhou a dama, meio sobre a indignada.

E Rosamundo:

— Sou sim senhora. É que ultimamente certas coisas progrediram tanto, que o masculino passou pra terceiro, dona.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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