domingo, 4 de dezembro de 2011

O avarento João de Velós

Para não gastar dinheiro, um avarento chamado João de Velós comia somente uma bolacha pela manhã e outra à noite. Assim, reuniu grande fortuna, conseguindo encher duas caixas com moedas de ouro. Tendo-lhe sido proposto um negócio em que devia ganhar muito, foi a uma das caixas e abriu-a, dizendo:

— Caixa, empresta-me três contos de réis.

Deixando-o muito espantado, a caixa respondeu:

— Este dinheiro não é teu, é de João de Velós.

O avarento desconfiou da história. Aquela mágica da caixa pôs-lhe sal na moleira. Resolveu, por segurança, mudar de terra. Passou o dinheiro das caixas para duas barricas e embarcou para fora do país. Na primeira noite da viagem, quando dormia, o mar se encapelou e quase afunda a embarcação. Diante do perigo de naufrágio, para aliviá-la, o capitão mandou lançar às ondas aquelas duas pesadas barricas, cujo conteúdo julgava sem grande valor, pois o dono declarara estarem cheias de chumbo.

As correntes submarinas rolaram-nas até a costa, levando-as a um curral de pesca dum sujeito que, por coincidência, também se chamava João de Velós, o qual as abriu e, sendo muito caridoso e sem ambição, deu todo o ouro de esmola.

O primeiro João de Velós, na manhã seguinte, quando soube o que o capitão fizera, ficou desapontado e furioso. Tomou um escaler e desembarcou no litoral fronteiro ao lugar onde as barricas tinham sido afundadas, procurando-as como louco.

Foi ter, enfim, faminto e esfarrapado, à casa do seu homônimo. Contou-lhe a perda de suas preciosas barricas e o outro não lhe disse que as tinha achado e distribuído o que continham com os pobres. Ouviu-o em silêncio e, penalizado, mandou rechear um pão com moedas de ouro, dando-o ao primeiro João de Velós, quando este se foi embora.

O avarento encontrou no caminho uma comadre do segundo João de Velós que o ia visitar. Ela achou o pão que ele trazia muito fresco e bonito, gabou-o muito e propôs comprá-lo por cinco patacas, pois não queria chegar em casa de seu compadre com as mãos vazias. Levaria, assim, um presentinho. À vista das patacas, o sovina não resistiu e vendeu o pão, ignorando o precioso recheio.

Desta sorte, o João de Velós generoso recebeu de volta suas moedas e o avaro foi, por castigo de Deus, reduzido à miséria.

Este conto é uma como variante bárbara da velha canção portuguesa do sapateiro, que recebeu do rei um bolo com recheio de moedas e dele se não aproveitou, dando razão ao estribilho que repetia:

Ribeiros correm pros rios
E os rios correm pro mar
Quem nasceu para ser pobre
Não lhe vale o trabalhar

No fundo, o conto sertanejo também é parente daquela interessantíssima história de Saad e Saadi, nas Mil e uma noites, com certeza avó da cantiga portuguesa.
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 - Barroso, Gustavo. Ao som da viola (folclore); nova edição correta e aumentada. Rio de Janeiro, 1949, p.511-512.
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sábado, 3 de dezembro de 2011

Jean Harlow, a Vênus Platinada

Jean Harlow (Harlean Carpentier), atriz de cinema, nasceu em Kansas City, Missouri, em 3 de março de 1911, e faleceu em Los Angeles, Califórnia, em 7 de junho de 1937. Antecessora de Marilyn Monroe e conhecida mundialmente como a Vênus Platinada, foi a primeira atriz loira a explorar seu sex-appeal. Era filha de um bem sucedido dentista e de uma dona-de-casa.

Aos 16 anos de idade fugiu de casa para se casar com o jovem empresário Charles McGrew, o casal logo mudou para Los Angeles, onde ela iniciou sua carreira.

Jean começou em Hollywood como figurante até 1929, quando Howard Hughes, que estava refilmando "Hell's Angels" (1930) em versão falada, encantou-se por ela. Nessa mesma época seu casamento acabou em divórcio. Terminado o filme, Jean fez uma turnê pelo país em divulgação do mesmo. Infelizmente, Hughes não tinha outros projetos para ela e acabou por vender seu contrato a MGM. A partir dai sua carreira decolou.

Jean e Howard Hughes
Em 1932, casou-se com um assistente de Irving Thalberg na MGM, Paul Bern. A relação dos dois era muito conturbada. Ironicamente, a deusa sensual das telas escolheu para marido um homem impotente, sexualmente falando. Ele passou a agredi-la, devido a sua frustração. A situação logo se tornou insuportável. O casal vivia de aparências. Então, certo dia, enquanto Jean estava no estúdio, Bern se matou com uma pistola de calibre 38, encharcado do perfume favorito da esposa, Mitsouko.

Em 1933 casou-se novamente com o cineasta Harold Rosson, acabando por se divorciar oito meses depois.

Estrelou em mais de trinta filmes em uma carreira que durou apenas dez anos, até 1937. Durante as filmagens de Saratoga, a saúde da atriz estava debilitada e em 29 de maio de 1937 Harlow teve um colapso no set e o diretor a mandou para casa para descansar. O que aconteceu depois disso permanece um mistério.

Acredita-se que Jean ficou uma semana de cama com náuseas, pois sua mãe, com quem ela vivia, freqüentava uma seita (Ciência Cristã) no qual se acreditava que todas as doenças do corpo eram curáveis apenas com o poder da mente. Outros dizem que a própria Jean se recusou a ser internada e passar por uma cirurgia. Ela estava sentindo dores terríveis — provavelmente uma seqüela das agressões de Bern.

Jean Harlow em "Red Dust", 1932.

Fraca, já não conseguia se levantar da cama. Landau custou para retirá-la de casa, pois sua mãe insistia que a filha não precisava de tratamento. Existe uma imagem da época — uma rara fotografia — no qual o agente a carrega em seus braços, e pode-se ver o estado no qual ela está, principalmente o quão roxas estão as veias do seu pé.

Harlow é internada. Está sofrendo de uremia, e não há muito que fazer. Os medicamentos são inúteis, devido à demora do tratamento. Às onze horas e trinta e seis minutos do dia seis de junho de 1937, seus olhos fecham-se completamente.

Jean está enterrada no Forest Lawn Memorial Park, na Califórnia. No grande mausoléu particular dela, não vimos referência ao seu nome, apenas a inscrição “Our Baby” — Nosso Bebê, como ela sempre preferiu ser chamada.

Filmografia

1937 - Saratoga (br: Saratoga)
1937 - Personal Property (br: Seu Criado, Obrigado)
1936 - Libeled Lady (br: Casado com Minha Noiva)
1936 - Suzy (br: Suzy)
1936 - Wife vs. Secretary (br: Ciúmes)
1936 - Riffraff (br: Sindicato da Vida)
1935 - China Seas (br: Mares da China)
1935 - Reckless (br: Tentação dos Outros)
1934 - The Girl from Missouri (br: Boca Para Beijar)
1933 - Bombshell (br: Mademoiselle Dinamite)
1933 - Dinner at Eight (br: Jantar às Oito)
1933 - Hold Your Man (br: Amar e Ser Amada)
1932 - Red Dust (br: Terra de Paixão)
1932 - Red-Headed Woman (br: A Mulher Parisiense dos Cabelos de Fogo)
1932 - The Beast of the City (br: A Fera da Cidade)
1932 - Three Wise Girls
1931 - Beau Hunks
1931 - Platinum Blonde (br: Loura e Sedutora)
1931 - Goldie (br: Por uma Mulher)
1931 - Iron Man
1931 - The Public Enemy (br: O Inimigo Público Número Um)
1931 - The Secret Six (br: A Guarda Secreta)
1931 - City Lights (br: Luzes da Cidade)
1930 - Hell's Angels (1930) (br: Anjos do Inferno)
1929 - New York Nights (br: Noites de Nova York)
1929 - Weak But Willing
1929 - This Thing Called Love
1929 - The Love Parade (br: Alvorada do Amor)
1929 - The Saturday Night Kid (br: Uma Pequena das Minhas)
1929 - Bacon Grabbers (br: Príncipe Sem Sorte)
1929 - Masquerade
1929 - Thundering Toupees
1929 - Double Whoopee
1929 - The Unkissed Man
1929 - Close Harmony
1929 - Why Is a Plumber?
1929 - Why Be Good?
1929 - Fugitives (br: Os Fugitivos)
1929 - Liberty
1928 - Chasing Husbands
1928 - Moran of the Marines
1928 - Honor Bound

Fontes: Wikipédia; Cinema Clássico.
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Biografia de Rosamundo

Rosamundo das Mercês — e o nome parece escolhido a dedo, pois sua proverbial distração deixa-o sempre à mercê de tudo — nasceu no Encantado, em 1922, ano do Centenário da Independência, ano em que o América F. C. conseguiu ser campeão, ano portanto não muito comum.

Nasceu, aliás, de 10 meses e aí já vai um fato extraordinário, pois todo personagem que não é normal, geralmente é de sete meses. Rosa é de dez e há quem diga que isto já foi distração de sua parte: esqueceu de nascer.

Se é verdade ou não, não posso dar informe. Só sei que, realmente, nunca vi ninguém mais distraído: jamais conheci um camarada com tanta capacidade para entrar em frias por causa de sua abstração; em tempo algum haverá um sujeito de presença tão ausente.

Filho de Ignacio das Mercês (bicheiro) e Conceição de Tal (após o casamento ficou sendo também das Mercês, é óbvio) que era a lavadeira de Tia Zulmira, Rosamundo é de origem humilde e teria se transformado num inútil qualquer, não somente por não ter posses para aprender, como também por ser incapaz de se fixar em coisa alguma, muito menos no erradíssimo plano de ensino do nosso querido Brasil. Não fosse a impressionante capacidade pedagógica de Tia Zulmira e o Rosa hoje era um marginal pela aí, talvez public relations, talvez um deputado, sei lá.

Deu-se que era ele quem levava a trouxa de roupa lavada do Encantado à Boca do Mato, onde reside a sábia parenta. Toda semana aparecia por lá, de alva trouxa à cabeça, sorriso simpático e ar jovial. Numa dessas vezes, houve eclipse do sol e tudo escureceu. Distraído às pampas, quando viu que estava escurecendo, Rosamundo tratou de tirar a roupa e deitar-se. Suas ações sempre foram praticamente maquinais. Deitou-se no sofá da sala e dormiu logo, como sói acontecer com os inocentes.

Distraído às pampas, nunca mais voltou para o Encantado.

Claro, Tia Zulmira poderia tê-lo alertado, Conceição poderia ter subido até a Boca do Mato para reclamar o filho, mas, se Conceição subiu, ninguém sabe, ninguém viu. Sabe-se, isto sim, que titia, prenhe de boas intenções, praticamente adotou o rapazote e ensinou-lhe as primeiras letras, as primeiras noções de aritmética e acabou sendo sua mestra no trivial. Hoje Rosamundo tem até curso superior e só não exibe os diplomas porque sempre esqueceu de ir buscá-los ao final do curso.

Aos 20 anos Rosamundo teve o seu primeiro emprego no Ministério do Trabalho: oficial-de-gabinete do Ministro, emprego que durou apenas alguns meses, justamente o tempo em que o Ministro levou para aparecer pela primeira vez no gabinete. O Rosa, que nunca tinha visto S. Exa. ali, perguntou: — O senhor quer falar com o Ministro? — o Ministro, para gozá-lo, respondeu que sim e o Rosa estrepou-se, ao fazer esta justa, mas distraída observação:

— Então o senhor trate de procurá-lo em casa, pois o Ministro é um vagabundo e nunca aparece aqui.

Sua segunda arremetida no setor profissional foi mais desastro¬sa ainda. Por ser baixinho e leve, foi ser jóquei e, na corrida de estréia, mal foi dada a saída, saiu com o cavalo para o lado contrário, vítima de mais uma crise de distração. Creio que não é preciso acres¬centar que antes mesmo de desmontar do cavalo já estava despedido.

Daí para a frente fez de tudo: foi garçom e serviu goiabada com molho ao vinagrete para um freguês; foi investigador de Polícia e um dia encanou o delegado e soltou um facínora; foi até aeromoço e neste emprego quase que morre. Um dos passageiros pediu cigarros e, como não havia a bordo, Rosamundo abriu a porta para ir comprar lá fora. O avião estava a 4 mil metros de altura e — felizmente — ele foi agarrado a tempo.

Tá na cara que um camarada distraído assim não dava certo em emprego nenhum e, de decadência em decadência, ele acabou arrumando um reles empreguinho de vendedor de bilhetes de loteria. Foi a sua salvação: no primeiro dia logo esqueceu de vender os bilhetes e quatro deles saíram premiados, sendo que um com o primeiro prêmio e outro com o segundo. Ficou rico, entregou o dinheiro para Tia Zulmira usar como bem entendesse e hoje ambos vivem de rendas.

Claro que Rosamundo não mora na Boca do Mato, caso contrário Zulmira não seria ermitã. Reside num hotel da Zona Sul e não melhorou nada. Ainda recentemente levou o maior baile, pois convidado por uns amigos para ir pescar na Barra da Tijuca, aceitou o convite e apareceu lá de espingarda. Mas é um esplêndido rapaz: amável e muito atencioso, quando não baixa o santo da distração sobre ele.

Tem seu fraco por mulheres, já foi casado duas vezes e em ambas deu-se mal, pois esqueceu o endereço do lar e foi dormir com outra; tem mania de comprar discos, embora não tenha vitrola. Como todo cara meio abilolado, gosta de adquirir novidades farmacêuticas: entra nas farmácias, compra quilos de remédio mas nunca toma nenhum. Escreveu um livro excelente, chamado O Crime Foi Suicídio (literatura policial), que não foi publicado porque Rosamundo deixou os originais num lotação.

Enfim, as distrações de Rosamundo distraem a gente.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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