terça-feira, 29 de novembro de 2011

O paulista

Certa vez, estou em casa, quando bate o telefone. Atendo: — era o paulista. Fiz-lhe uma festa imensa: — "Como vai? Há quanto tempo!". E, de fato, não nos víamos há uns três anos. Ou mais. Quatro ou cinco anos. Sou um desses brasileiros que vão pouco a São Paulo. Em 55 anos de vida passei por lá três ou quatro vezes. Só. E não sei se por culpa minha ou de São Paulo ou de ambos. Creio que de ambos.

Um dia, fui a São Paulo, de automóvel, ver um jogo. Se não me engano, Brasil x Tchecoslováquia. Exatamente, Brasil x Tchecoslováquia. E ele foi comigo ao Pacaembu. Torcíamos juntos, ou por outra: — só me lembro da minha torcida. A dele apagou-se completamente na minha memória.

Do Pacaembu saímos para jantar. Jantamos. E já me pergunto: — será que jantamos mesmo? Sei lá. Passamos a noite juntos. Ele não arredava o pé de mim. Fazia um frio tão feroz — era junho — que, em dado momento, tive vontade de chorar, sentado no meio-fio.

O homem foi para mim uma espécie, digamos, de irmão súbito. Não consegui pagar uma caixa de fósforo. Ele subvencionou tudo. E fez questão de me levar no trem.

Desembarquei no Rio e me saturei, até os sapatos, de vida carioca. Passa-se o tempo e, de vez em quando, me lembrava do paulista. Via com a maior nitidez a sua cara, o terno, a camisa, e nada mais. Lembrava-me, sim, do seu pigarro. Mas não me ficara de nossa convivência uma palavra, uma frase, um "boa-noite", um "adeus". Cheguei a pensar que, em minha passagem por São Paulo, ou eu era surdo ou ele mudo.

Mas claro que se tratava de uma ilusão auditiva: — até uma múmia acompanhada há de falar coisas, dizer frases, soltar palavrões etc. etc. E eu só me lembrava de um único e escasso pigarro.

Mas, enfim, estava ele no Rio. Ótimo, ótimo. Eu ia vê-lo e, mais do que isso, ia ouvi-lo. No telefone, combinamos um jantar. Exagerei, patético: — "Você não imagina a minha alegria". Quis saber: — "Quanto tempo vai passar aqui?". Resposta: — "Dois dias". Ao sair do telefone, juntei ao pigarro mais umas quinze palavras. Vejam bem: — quinze palavras e um pigarro tinham, para mim, quase que a abundância de uma ópera.

Vou encurtar, porque não quero tomar o tempo do leitor.

Jantamos, nesse dia, almoçamos e jantamos no dia seguinte, fomos ao teatro e ainda ceamos na sua última madrugada de Rio. De manhã, compareci ao aeroporto. Perguntei-lhe: — "Até quando?". Teve um sorriso inescrutável e não disse uma palavra. Por fim, tomou o avião e partiu. Vim embora e aqui começa a minha trágica perplexidade: — eu voltava à mesma situação. O outro era um paulista fino, inteligente, um homem de sensibilidade, de imaginação. Há momentos em que o mais incomunicável dos homens tem que fazer uma confidencia. Ou faz uma confidência ou morre. E ele, nos seus dois dias de Rio, não fizera nenhuma confidência.

A princípio, ainda tentei forçar aquela barreira de silêncio. Mas senti que era inútil e calei-me também. E, então, aconteceu esta coisa vagamente alucinatória: — éramos dois silêncios que andavam um atrás do outro; dois silêncios que comiam, bebiam, fumavam e se entreolhavam.

Deu-me, por vezes, a vontade de ouvir-lhe o som do pigarro. Se não tinha o que dizer, podia dar-me a esmola auditiva de um pigarro. Por imitação inconsciente, eu ia-me tornando paulista também.

Saí do aeroporto numa melancolia hedionda. E a primeira buzina que ouvi deu-me uma desesperada euforia. Pensei: — "Ao menos as buzinas falam!".

Entrei na redação e fui adiantar serviço. Passei dez minutos diante da máquina. Mas não me ocorria absolutamente nada. O papel estava na máquina, branco, virginal.

Acabei decidindo: — "Vou escrever sobre o kaiser". Mas quando comecei a bater as teclas, saiu-me esta frase: — "A pior forma de solidão é a companhia de um paulista". Reli, honestamente espantado. A coisa nascera sem nenhuma elaboração prévia.

Continuei a escrever. Expliquei a verdade, isto é, que a frase me escapara sem querer. E fiz toda uma crônica sobre o kaiser.

Dias depois, encontrei-me, na casa do Pitanguy, com a sra. Clô Prado. Falou da minha frase com uma ternura agradecida: — "Como é verdadeiro o que você disse! Como é exato! Como é perfeito!". Nessa mesma noite, e ainda na casa do Pitanguy, um dos convidados achou que eu escrevera, numa simples frase, uma verdade estadual inapelável e eterna.

Já no fim da madrugada, uma terceira pessoa me levou para os fundos da casa. Pitanguy tem uma piscina. E foi, perto da piscina, que conversamos.

Era ainda a frase. O convidado começou por dizer que o paulista é a única solidão do Brasil. E aí está sua formidável superioridade sobre todos os outros brasileiros. E o que explica a epopéia industrial de São Paulo é a solidão.

Realmente, o paulista é capaz de viver, amar, envelhecer sem fazer jamais uma confidência, nem ao médium depois de morto. Os demais brasileiros são extrovertidos ululantes, está certo. Mas não fazem o Brasil. O único que faz o Brasil é o paulista. O autor do Brasil é São Paulo.

Fiz-lhe a pergunta: — "O senhor é paulista?". Era.

Todos os autores têm suas três ou quatro frases bem-sucedidas. Não sei se me entendem. São frases que adquirem vida própria e que duram mais do que o autor, mais do que o estilo do autor, mais do que as obras completas do autor.

Imaginem que a da solidão paulista ainda me rende bons dividendos. Ontem, por exemplo. O telefone me chama. Vou lá. Era uma voz fininha de criança que baixa em centro espírita. Veio a pergunta: "Seu Nelson?". E eu: — "Pois não". Começou dizendo que era paulista. Começo a ficar inquieto.

Continua: — "Vim-lhe falar sobre aquilo que o senhor escreveu". Eu não digo nada ou, melhor, digo: — "Ah, sim, sim". Evidentemente, era a frase. Pergunto: — "A senhora concorda ou não?". E a voz de anjo defunto: — "Foi a maior verdade que o senhor já disse na sua vida. O senhor é paulista?". Quase pedi desculpas de ser pernambucano.

Conversamos uma hora ou mais. Disse a idade: — oitenta.

Era paulista há oitenta anos. Casada desde os quinze, vivera com o marido, outro paulista, por 65 anos. Ele era fazendeiro, não sei onde. E passavam dias, semanas, meses de silêncio total. Muitas vezes, ela já não se lembrava de como era a voz do marido e chegava a esquecer a própria. E a velhinha me perguntou: — "O senhor acredita se eu lhe disser que enterrei meu marido na semana passada?". Acreditei. Em mais de meio século de coabitação, nem lhe conhecera o gemido, o simples gemido. Um ficava escutando o silêncio do outro. Ele agonizara sem gemer.

E, depois, lá foi ela para a capelinha. Floriu, velou e chorou um desconhecido.

[7/8/1968]
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Toninho Guerreiro, o príncipe da grande área

Pelé vinha conquistando seguidamente a artilharia do campeonato paulista quando, em 1966, seu companheiro de time Antônio Ferreira, mais conhecido por Toninho Guerreiro, acabou com a hegemonia do Rei. Naquele ano, Toninho marcou 27 gols. Ele ainda se tornaria outras duas vezes artilheiro, em 1970 com treze gols e 1972 com quinze, ambas jogando pelo São Paulo. Jogador raçudo e com excelente visão de gol, Toninho conseguiu ainda outro feito inédito: o de ser o único jogador pentacampeão paulista (um tri pelo Santos de 1967 a 1969 e um bi pelo São Paulo de 1970 e 1971).

Antônio Ferreira nasceu em Bauru, SP, em 10 de agosto de 1942, e começou sua carreira no time de sua cidade natal, o Noroeste, equipe na qual jogou de 1960 a 1962. Em seguida, fez história no Santos e no São Paulo. Depois de Coutinho, foi o parceiro de Pelé que mais fez sucesso no Santos.

Foi definido pela revista Placar como "um centroavante que fica andando pelo campo e, de repente, com um chute maluco, mete um gol". Ficou conhecido como o único pentacampeão do campeonato paulista.

Segundo contava, deixou de ir à Copa do Mundo de 1970, no México, quando os médicos lhe diagnosticaram uma "sinusite". Isso teria sido, na verdade, um pretexto para a convocação em seu lugar do jogador Dario (ex-Atlético-MG), em atendimento a um "desejo" do então presidente da época, Emílio Garrastazu Médici.

Toninho faleceu em São Paulo, SP, em 26 de janeiro de 1990. O peso, a boemia e o cigarro foram minando o corpo de um dos mais competentes centroavantes que o Brasil teve em todos os tempos.

Clubes que atuou

Noroeste-SP: 1960 a 1962 e 1975; Santos: 1962 a 1969; São Paulo: 1969 a 1973; Flamengo: 1974.

Títulos

Santos: Copa Intercontinental - 1963; Recopa Intercontinental - 1968; Taça Libertadores da América - 1963; Recopa Sul-americana - 1968; Taça Brasil - 1964, 1965 e 1968; Torneio Rio-São Paulo - 1963, 1964 e 1966; Campeonato Paulista - 1967, 1968 e 1969.

São Paulo: Campeonato Paulista - 1970 e 1971.

Artilharia

Recopa dos Campeões Intercontinentais: 1968 (1 gol); Taça Libertadores da América: 1972 (06 gols); Campeonato Brasileiro de Futebol: 1968 (18 gols); Campeonato Paulista: 1966 (24 gols); Campeonato Paulista: 1970 (13 gols); Campeonato Paulista: 1972 (17 gols).

Recordes

Único pentacampeão paulista da história do futebol: 1967 a 1971. Quarto maior artilheiro da história do Santos Futebol Clube - 283 gols; Nono maior artilheiro do Santos no Torneio Rio-São Paulo - 10 gols.

Fontes: Revista Placar; Wikipédia; Que Fim Levou?.
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O costume de bater na madeira

Como surgiu o costume de bater na madeira para afugentar o azar? Isso é muito antigo, provavelmente um costume de origem celta: seus sacerdotes, os druidas, batiam na madeira para afugentar os maus espíritos, acreditando que as árvores consumiam os demônios e os mandavam de volta à terra.

Já na Roma Antiga, batia-se na madeira da mesa, peça de mobília também considerada sagrada, para invocar as divindades protetoras do lar e da família.

Outra versão diz sua origem no fato de os raios caírem freqüentemente sobre as árvores. Os povos antigos - desde os egípcios até os índios do continente americano - teriam interpretado esse fato como sinal de que tais plantas seriam as moradas terrestres dos deuses. Assim, toda vez que se sentiam culpados por alguma coisa, batiam no tronco com os nós dos dedos para chamar as divindades e pedir perdão.

Se antes se procurava um tronco para as tradicionais pancadinhas, no ambiente urbano as pessoas começaram a procurar mesas, portas, o que fosse feito de madeira para o mesmo ritual.

Fonte: Mundo Estranho; Boa Sorte.
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