segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O cinzeiro azul

O homem, para justificar a si mesmo, ou para justificar a mulher, inventou a máxima: a mulher só engana o homem por causa dele.

Que seja ou que não seja. Não estamos aqui para desbaratinar os casos de amor dos outros.

O fato é que estes dois estavam brigados. Ela tinha enveredado aí pelo lado alegre da vida, enfiando o braço noutro braço, em passeios e namoros que um dia vieram a ser do conhecimento dele. Brigaram. Lágrimas de parte a parte: as dela de arrependimento, as dele de sentimento.

Mas não quis perdoar. Um recente samba de Jorge Veiga diz assim: "O que você fez está feito, não me sinto no direito de lhe conceder perdão". O samba é bom e não sabemos se ele o conhecia. Sabemos — isto sim — que agiu como está no samba. E cada um foi para seu lado, depois de alguns anos lado a lado nas coisas de amor.

Passou a primeira semana, e ele firme. Não telefonava, não passava nos lugares onde ela pudesse estar, evitava falar no assunto mesmo com os amigos mais íntimos. Passou um mês e ele legal. Fazia força para convencer a si mesmo que já estava passando a fase aguda da dor de cotovelo, cujo único remédio é o tempo... e o tempo, irmãos, é remédio de laboratório homeopático.

Uma tarde o telefone tocou. Era ela. Fingimento de parte a parte e vem a pergunta que ele não queria ouvir: "Você sente muito a minha falta?" Engoliu em seco e não mentiu:

— Vamos que eu tivesse ganho, quando tinha menos 10 anos, um cinzeirinho azul. Durante todo esse tempo, o cinzeirinho azul esteve na minha mesa de cabeceira. Agora o cinzeirinho azul quebrou. Eu vou sentir falta dele. Pois, se até com um objeto a gente se acostuma, como é que eu não vou sentir a falta de quem era o meu amor?

Ela gostou de ouvir aquilo e, timidamente, como as mulheres fazem sempre, propôs a reconciliação. Ele agüentou firme, explicando que, depois de partido, o cinzeirinho azul estava acabado. Não adiantava colar, porque já não seria a mesma coisa.

Foi então que ela disse: "Mas vamos que você sentisse falta do cinzeiro porque ele sumiu, alguém roubou, ou qualquer coisa assim. Agora por uma coincidência qualquer, você torna a encontrar o cinzeirinho azul".

...e o bestalhão voltou.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.
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A vaca e o câmbio

Um começo de tumulto na Praça Mauá. Veio de lá um camarada correndo, a gritar: "Tem uma vaca na Praça Mauá, tem uma vaca na Praça Mauá".

Primo Altamirando, que trafegava nas proximidades, olhou espantado para o cara e comentou: "Mas isto não é novidade. Lá sempre tem". Mas o cara explicou que não era isso não. Era vaca mesmo, de verdade.

Aí correu todo mundo, é lógico: uma vaca assim solta, qualquer um quer, ainda mais agora, que o preço do leite subiu tanto que uma vaca, praticamente, não é mais um bicho... é um cofre.

Corre daqui, corre dali, cercaram a vaca. Ela parada no meio do asfalto e a turma cercando, mas ninguém com peito bastante para agarrar a bicha. A expectativa era grande. A vaca pulara de um vagão, no cais do porto. Ia ser embarcada num navio da Costeira, para um Estado do Nordeste. Devem ter avisado à vaca que navio da Costeira é aquela miséria, joga mais que o time do Santos. Devem ter avisado porque a vaca se mandou. Na hora de embarcar, pulou do vagão e saiu correndo em direção à Praça Mauá.

Agora estava ali, calma, olhando em volta, procurando um jeito de continuar seu passeio. O povo em volta, cercando. Apareceu um voluntário de vaca. Foi se aproximando devagarinho. A vaca olhando. O voluntário de vaca foi se chegando, foi se chegando e... pimba... pulou pra abraçar a vaca.

Vaca, porém honesta. Não é qualquer um que me abraça — deve ter pensado a bichinha, pois desviou legal e saiu correndo de novo. Já aí, havia mulheres nervosas, dando gritinhos, homens menos afeitos à intimidade com o gado vacum, a se esconderem atrás dos postes, apavorados. A vaca veio vindo, deu a volta na Praça Mauá e entrou na Avenida Rio Branco, que nem o lotação "Mauá-Abolição".

Foi quando se deu o imprevisto. Ao invés de continuar pela Avenida abaixo, como faz o referido lotação, a vaca parou em frente ao número 25, onde funciona uma casa de câmbio. Parou, olhou a vitrina e entrou na casa de câmbio. Todos correram para ver o que ela ia fazer.

Foi chato. Ela fez exatamente aquilo que vaca faz no pasto, pois vaca nunca foi ao "toilette".

Risada geral. A vaca saiu lá de dentro da casa de câmbio mais furiosa ainda. Foi um custo para apanharem a coitada.

Veio gente com cordas, veio um especialista em vacas, um cavalheiro que se agarrou com ela e só soltou quando ela já estava mais amarrada que homem solteiro depois que diz sim, ao pé do altar.

Os grupos foram se desfazendo. Todos comentando a fúria da vaca. Por que teria saído da casa de câmbio tão enfezada?

Vai ver, foi o preço do dólar.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.
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domingo, 16 de outubro de 2011

O vascaíno Pelé

Pelé nunca escondeu sua simpatia pelo Vasco, tendo sido um torcedor vascaíno durante a sua infância em Bauru. Quis o destino que ele vestisse a camisa do Vasco no início da sua carreira, em junho de 1957, em três partidas no Maracanã, e melhor ainda, que ele marcasse um gol no Flamengo.

Naquela ocasião, a equipe principal do Vasco excursionava na Europa e Vasco e Santos formaram um combinado para participar da Taça Morumbi, um torneio amistoso internacional com partidas no Rio e em São Paulo. O Vasco cedeu ao combinado Paulinho e Bellini, convocados para a seleção brasileira para a disputa da Copa Roca contra a Argentina, e mais Wagner, Iedo, Artoff e Valdemar, reservas que não participavam da excursão.

Entre os jogadores cedidos pelo Santos, um adolescente de 16 anos, ainda reserva, despontando para o futebol, cujo nome ninguém sabia ao certo se era Pelê ou Pelé.

O torneio nunca chegou ao fim, pois não despertou muito interesse junto ao público e os seus organizadores resolveram suspendê-lo devido aos prejuízos financeiros. O Combinado Vasco-Santos atuou quatro vezes, as três primeiras no Rio com o uniforme do Vasco e a última em São Paulo com o uniforme do Santos. Pelé marcou gols em todas as partidas, inclusive um sobre o Flamengo. Estas são as súmulas das partidas:

Combinado Vasco-Santos 6 x 1 Belenenses (Portugal)
Data: 19/6/1957
Local: Maracanã
Juiz: Amílcar Ferreira
Gols: Pelé(3), Álvaro(2), Pepe (Vasco-Santos) e Matateu (Belenenses)
Vasco-Santos: Wagner, Paulinho, Bellini, Ivan; Urubatão, Brauner; Iedo (Artoff), Pelé, Álvaro, Jair (Valdemar), Pepe; Belenenses: Pereira, Polido (Moreira), Pires, Carlos Silva; Pires, Vicente (Pelefero); Dimas, Faia, Ricardo Peres, Matateu, Tito.

Combinado Vasco-Santos 1 x 1 Dínamo Zagreb (Iugoslávia)
Data: 22/6/1957
Local: Maracanã
Juiz: Frederico Lopes
Gols: Pelé (Vasco-Santos) e Panko (Dínamo Zagreb)
Vasco-Santos: Wagner, Paulinho, Bellini, Ivan; Urubatão, Brauner; Iedo (Artoff), Pelé, Álvaro, Jair (Valdemar), Pepe; Dínamo Zagreb: Irovic, Sikio, Crocovic, Croncovic; Koskat, Horvat; Panko(Gaspert), Cercovic, Kong, Angic, Lipozonovic.

Combinado Vasco-Santos 1 x 1 Flamengo
Data: 26/6/1957
Local: Maracanã
Juiz: Anver Bilate
Gols: Pelé (Vasco-Santos) e Dida (Flamengo)
Vasco-Santos: Manga, Paulinho, Bellini, Ivan; Urubatão, Brauner; Iedo (Pagão), Pelé, Del Vecchio (Pepe), Jair, Tite; Flamengo: Ari, Joubert, Pavão, Jordan; Jadir (Dequinha), Mílton Copolilo; Luiz Carlos, Moacir, Henrique (Duca), Dida, Zagallo (Babá).

Combinado Vasco-Santos 1 x 1 São Paulo
Data: 29/6/1957
Local: Morumbi
Juiz: Walter Galera
Gols: Pelé (Vasco-Santos) e Nei (São Paulo)
Vasco-Santos: Manga, Paulinho, Bellini, Ivan; Urubatão, Brauner; Iedo, Pelé, Del Vecchio, Valdemar (Darci), Pepe; São Paulo: Paulo, De Sordi (Clélio), Mauro, Riberto; Bauer, Vítor (Ademar); Maurinho, Nei, Gino (Baltazar), Maneca, Sílvio.

Deve ter sido tocante para a reduzida galera vascaína que compareceu às partidas rever um grande ex-ídolo, Jair Rosa Pinto, aos 36 anos, envergando o manto cruzmaltino depois de 11 anos longe de São Januário.

As atuações de Pelé pelo Combinado Vasco-Santos e os comentários nos jornais sobre o nascimento de um "futuro craque de seleção" foram fundamentais para que o então técnico da seleção brasileira, Sílvio Pirillo, decidisse convocá-lo para uma partida do Brasil contra a Argentina pela Copa Roca, no Maracanã, dia 7 de julho de 1957. Foi a estréia do futuro Rei na seleção, aos 16 anos de idade. Ele entrou no segundo tempo no lugar de Del Vecchio e marcou o seu primeiro tento com a camisa canarinho. Mesmo perdendo por 2x1, o time brasileiro foi elogiado e a presença de Pelé foi aclamada.

Fonte(s): http://www.netvasco.com.br
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