segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A vaca e o câmbio

Um começo de tumulto na Praça Mauá. Veio de lá um camarada correndo, a gritar: "Tem uma vaca na Praça Mauá, tem uma vaca na Praça Mauá".

Primo Altamirando, que trafegava nas proximidades, olhou espantado para o cara e comentou: "Mas isto não é novidade. Lá sempre tem". Mas o cara explicou que não era isso não. Era vaca mesmo, de verdade.

Aí correu todo mundo, é lógico: uma vaca assim solta, qualquer um quer, ainda mais agora, que o preço do leite subiu tanto que uma vaca, praticamente, não é mais um bicho... é um cofre.

Corre daqui, corre dali, cercaram a vaca. Ela parada no meio do asfalto e a turma cercando, mas ninguém com peito bastante para agarrar a bicha. A expectativa era grande. A vaca pulara de um vagão, no cais do porto. Ia ser embarcada num navio da Costeira, para um Estado do Nordeste. Devem ter avisado à vaca que navio da Costeira é aquela miséria, joga mais que o time do Santos. Devem ter avisado porque a vaca se mandou. Na hora de embarcar, pulou do vagão e saiu correndo em direção à Praça Mauá.

Agora estava ali, calma, olhando em volta, procurando um jeito de continuar seu passeio. O povo em volta, cercando. Apareceu um voluntário de vaca. Foi se aproximando devagarinho. A vaca olhando. O voluntário de vaca foi se chegando, foi se chegando e... pimba... pulou pra abraçar a vaca.

Vaca, porém honesta. Não é qualquer um que me abraça — deve ter pensado a bichinha, pois desviou legal e saiu correndo de novo. Já aí, havia mulheres nervosas, dando gritinhos, homens menos afeitos à intimidade com o gado vacum, a se esconderem atrás dos postes, apavorados. A vaca veio vindo, deu a volta na Praça Mauá e entrou na Avenida Rio Branco, que nem o lotação "Mauá-Abolição".

Foi quando se deu o imprevisto. Ao invés de continuar pela Avenida abaixo, como faz o referido lotação, a vaca parou em frente ao número 25, onde funciona uma casa de câmbio. Parou, olhou a vitrina e entrou na casa de câmbio. Todos correram para ver o que ela ia fazer.

Foi chato. Ela fez exatamente aquilo que vaca faz no pasto, pois vaca nunca foi ao "toilette".

Risada geral. A vaca saiu lá de dentro da casa de câmbio mais furiosa ainda. Foi um custo para apanharem a coitada.

Veio gente com cordas, veio um especialista em vacas, um cavalheiro que se agarrou com ela e só soltou quando ela já estava mais amarrada que homem solteiro depois que diz sim, ao pé do altar.

Os grupos foram se desfazendo. Todos comentando a fúria da vaca. Por que teria saído da casa de câmbio tão enfezada?

Vai ver, foi o preço do dólar.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.

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