domingo, 9 de outubro de 2011

A divertida Lucille Ball

Lucille Ball (Lucille Désirée Ball), primeira mulher comediante da TV e figura fundamental no desenvolvimento dessa mídia, nasceu em 6 de agosto de 1911 em Jamestown, Nova York. Começou a estudar teatro aos 15 anos. Adolescente, trabalhou como modelo enquanto tentava conseguir uma vaga na Broadway.

Em 1930, participou do filme "Roman Scandals" e sua popularidade como comediante começou quando atuou com os Irmãos Marx em "Room service", em 1938 e em "The marines fly high" com Fred Astaire em 1940. Conheceu Desi Arnaz, em um set de filmagem, neste mesmo ano.

Luci e o marido Desi Arnaz
Em 1951, Lucille e seu marido cubano, Desi Arnaz (02/03/1917 - 02/12/1986), financiaram um programa-piloto para uma série cômica na televisão. A CBS gostou da idéia e concedeu à Desilu, a produtora do casal, os eventuais lucros de repetição do seriado.

Assim nas décadas seguintes o "I love Lucy" rendeu uma fortuna a seus criadores. Exportado para cerca de 80 países, até hoje esses episódios divertidíssimos são apresentados na TV.

Sempre pioneira, foi a primeira atriz a continuar a filmar os episódios de uma série de TV mesmo estando grávida. Ela convenceu os produtores a fazer com que sua personagem também engravidasse, e em 19 de janeiro de 1953 cerca de 44 milhões de espectadores acompanharam o parto de sua personagem, algumas horas depois que a atriz deu à luz ao seu filho, Desi Arnaz Junior.

Ela e Desi Arnaz se divorciaram em 1960, mas a atriz se casou dois anos depois com o também ator Gary Morton que se tornou produtor da série.

De 1962 até 1974 ela trabalhou na TV em duas séries: The Lucy Show e Here´s Lucy, ambas exibidas na CBS às segundas-feiras por 23 anos consecutivos.

Em 1985 chegou a trabalhar em séries de drama, mas no ano seguinte estava de volta à comédia na série Life with Lucy. Sua última aparição na TV foi com Bob Hope, sua contraparte masculina no show business. Juntos, eles apresentaram o Academy Awards de 1989 para jovens talentos. Ball morreu semanas depois, em 26 de abril de 1989.


Fontes: tvsinopse; Wikipedia;
Leia mais...

Festa das cabeças cortadas

Graças ao Dumas pai, eu e o José Lino Grünewald somos íntimos da Revolução Francesa. Falo da primeira, da autêntica e não da atual.

A atual tem um defeito indesculpável: — falta-lhe sangue e, repito, o sangue não jorra como a água dos tritões de chafariz. E, como não há marias antonietas, nem cabeças cortadas, o mundo já boceja. Sim, é o tédio antes do Terror (e talvez não haja nem o Terror).

Eu e o José Lino Grünewald, com base em nossa experiência de Dumas pai, diríamos que a atual revolução francesa não tem nada de Revolução Francesa. Ainda ontem, Raul Brandão, o pintor, bateu o telefone para mim: — "Como a greve é chata!". Dava uma opinião pictórica. E, realmente, só tem valor plástico a greve metralhada, com operários emborcados na sarjeta.

Mas nada mais insípido do que a greve consentida, abençoada, unânime. Imaginem, imaginem: — a própria polícia é grevista também.

Eu e o José Lino poderíamos sugerir ao público: — "Não leiam os jornais. Leiam o velho Dumas". Falta ao noticiário atual o frêmito, a tensão, a crueldade das Memórias de um médico. Portanto, entendo o comentário restritivo do Raul Brandão: — "Como é chata a greve!".

Todavia, alguma coisa salva a "revolução cultural" da monotonia irremediável. É um certo suspense, é um certo mistério. A França parou. Primeiro, os estudantes e, depois, o resto. Nunca houve tamanha greve. Até os papa-defuntos, até os coveiros, cruzaram os braços. Ninguém morre, por falta de quem o enterre.

Mas eis a pergunta que o mundo faz, sem lhe achar a resposta: — "Por quê?".

Os artigos sobre as greves não explicam nada e por uma razão óbvia: — o inexplicável é inexplicável. A princípio, imaginei que os grevistas quisessem o poder. São milhões e milhões. Portanto, os grevistas têm o que eu chamaria de onipotência numérica. Não há o que objetar, o que discutir, o que resistir. São milhões e eu imaginei que a história lhes daria o poder imediato.

Engano. Os dez ou 12 milhões de franceses não querem o poder. Vocês entendem? O poder está, diante deles, como um fruto próximo, fácil, indefeso; basta o gesto de colhê-lo. Mas ninguém se dispõe a tal gesto. E nem há, ao menos, o vago, surdo, informulado desejo do poder. A presente "revolução cultural" corre o risco de ser um movimento idiota.

Dirá alguém que as greves assumem uma dimensão de catástrofe. Mas insisto: — pode haver a catástrofe idiota.

Sem querer, deixei escapar a palavra exata: — idiota.

Há quinze ou vinte dias atrás, escrevi sobre o grande tema de nossa época. Não sei se vocês se lembram. Falei da ascensão
do idiota. No passado, eram os "melhores" que faziam os usos, os costumes, os valores, as idéias, os sentimentos etc. etc. Perguntará alguém: — "E que fazia o idiota?". Resposta: — fazia filhos.

Mas vejam: — o idiota como tal se comportava. Na rua, passava rente às paredes, gaguejante de humildade. Sabia-se idiota e estava ciente da própria inépcia. Só os "melhores" sentiam, pensavam, e só eles tinham as grandes esposas, as grandes amantes, as grandes residências. E, quando um deles morria, logo os idiotas tratavam de erguer um monumento ao gênio.

E, de repente, tudo mudou.

Após milênios de passividade abjeta, o idiota descobriu a própria superioridade numérica. Começaram a aparecer as multidões jamais concebidas. Eram eles, os idiotas. Os "melhores" se juntavam em pequenas minorias acuadas, batidas, apavoradas. O imbecil, que falava baixinho, ergueu a voz; ele, que apenas fazia filhos, começou a pensar. Pela primeira vez, o idiota é artista plástico, é sociólogo, é cientista, é romancista, é prêmio Nobel, é dramaturgo, é professor, é sacerdote. Aprende, sabe, ensina.

No presente mundo ninguém faz nada, ninguém é nada, sem o apoio dos cretinos de ambos os sexos. Sem esse apoio, o sujeito não existe, simplesmente não existe. E, para sobreviver, o intelectual, o santo ou herói precisa imitar o idiota. O próprio líder deixou de ser uma seleção. Hoje, os cretinos preferem a liderança de outro cretino.

Escrevi tudo isso há uns quinze dias. Ou por outra: — há um mês, mês e meio. E, súbito, as greves da França parecem dar razão aos meus escritos. Eu queria, aqui, insinuar a hipótese de que a "revolução cultural" seja obra de idiotas. São milhões de sujeitos implicados no movimento.

Mas não há um único e escasso líder; não se ouve um nome.

Aí está um dado patético. Não há nada mais impessoal do que o idiota e nada mais idiota do que a unanimidade. E os milhões exprimem a "onipotência numérica" de que falei mais acima.

De Gaulle tem, nisso tudo, a solidão do herói. Sua liderança foi um equívoco que teria de ser desfeito. É o herói puro e, ainda mais, com esporas e penacho. Diria também que não há francês mais radical. Foi francês no momento em que ninguém era francês. Mas tem o defeito realmente indesculpável de não ser idiota. Terá que cair, mais cedo ou mais tarde.

Mas devo fazer uma ressalva. E, de fato, o idiota francês não será nunca trivial. Tem, a seu favor, a língua.

A lavadeira parisiense é uma estilista; fala como uma heroína de Racine. E o chofer de táxi descompõe os turistas com o rigor, a melodia, a plasticidade da prosa francesa. Em tal idioma, a pior vulgaridade está a um milímetro do sublime.

Nos telegramas, não se cita um grande nome da França. Minto. Vi uma fotografia de Sartre ao lado de grevistas.

Estava, ali, fingindo-se de idiota para sobreviver.

[24/5/1968] 
_____________________________________________________________________
A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Leia mais...

A bofetada

O defeito do jovem é o velho. Não sei se me entendem.

É o velho, ou pluralizando: — são os velhos que, no momento, em toda parte e em qualquer idioma, corrompem os jovens.

Antigamente, a velhice era de uma cerimônia, de um pudor, de uma correção admiráveis. Há todo um folclore sobre os nostálgicos, espectrais velhinhos da porta da Colombo. Mas não fazem mal a ninguém. Apenas olham as meninas, e com que ternura infeliz e antiga.

Repito: — não falo dos velhinhos da porta da Colombo. Acho até que o departamento de turismo devia preservá-los.

Falo dos que erguem a cínica bandeira da imaturidade. Nem se pense que a idealização da imaturidade começa nos jornais, nas universidades, nas rádios, nas TVs, nos sermões.

Não. Começa em casa. O moço começa a ter razão na altura da primeira chupeta e quase no berçário. Eu gostaria de saber qual teria sido o primeiro pai, ou mãe, ou tia, ou avó, ou cunhada, que inaugurou o Poder Jovem. O Poder Jovem é, portanto, anterior a si mesmo. Começa a exercitar a sua ferocidade muito antes, ainda na infância profunda.

Há por aí toda uma geração de pequeninos possessos. São garotinhos de quatro, cinco anos, de uma intensa malignidade. Um dia, a família achou que a criança está certa quando mete a mão na cara da mãe, do pai, tia ou avó.

Outro dia, eu próprio vi uma cena admirável. Uma garotinha de cinco anos foi impedida de fazer não sei o quê. Como uma pequenina fera, investiu contra o pai, às caneladas. Desatinada, a mãe vai apanhar a menina e a carrega no colo. E, então, acontece isto: — a filha mete-lhe a mão na cara.

Sempre digo que precisamos tirar o som da bofetada. Uma bofetada muda seria menos ultrajante. Mas a bofetada da garotinha estalou na cara materna. (Até hoje, não entendo como aquele pingo de gente foi capaz de bater com uma violência adulta).

Fiquei olhando. Mas o episódio familiar não parou aí. A mãe, agarrada à filhinha, soluçava: — "Coitadinha! Coitadinha!". Tias se arremessavam. A menina passou de colo em colo. Numa das vezes, chutou o seio de uma tia; e meteu a mão na cara da seguinte; e na imediata, cuspiu na boca.

Foi um horror.

Eis o que eu queria dizer: — a origem do Poder Jovem está numa bofetada consentida, de filha em mãe, ou de filho em pai.

Hoje, o adolescente leva uma sensação de onipotência. O homem maduro tem, por vezes, um olhar estrábico de pavor. Sim, o homem maduro traz o medo no coração. Se alguém gritar — "Olha o rapa!" — uma dona de casa ou pai de família sairá correndo e pulando os muros da covardia.

O jovem, não e nunca. Vejam um rapaz chegando a qualquer lugar. Entra e olha. Luminoso descaro. Cada gesto forte extroverte toda uma ilusão de onipotência. Sente-se nele uma coragem irresponsável e brutal. Nenhum medo, nenhuma dúvida, nenhuma interrogação. É um prodigioso ser, feito de certezas.

Mas eis o que importa repetir: — o jovem não tem culpa nenhuma. Vítima de um processo de desumanização, ele é vítima também dos velhos. Numa das minhas confissões, referi um episódio que considero magistral. A coisa se passou com o padre Ávila.

Certo rapaz, se não me engano aluno da PUC, cometeu uma vileza atroz com um amigo. O padre Ávila (espírito altamente compreensivo) foi interpelá-lo. Perguntou-lhe: — "Você não acha isso uma deslealdade?". O adolescente pergunta: — "É preciso ser leal?". O bom sacerdote perdeu noites sem saber direito o que aquilo significava. E nem lhe ocorreu que, por trás do moço, explicando essa e outras deslealdades, estava um velho conhecido nosso: — o pulha.

Ora, o ser humano não anda de quatro, nem está no bosque urrando à lua. E por quê? Resposta: — porque somos responsáveis. É a responsabilidade o nosso mistério e a nossa salvação. Os velhos começam por suprimir os limites morais da juventude. O nosso padre Ávila apreciou a canalhice do aluno ou conhecido, sei lá, com um espanto muito leve, quase imperceptível. Se fosse um quarentão, havia de se arremessar para a janela, aos berros de — "Aqui del-Rey! Aqui del-Rey!". E chamaria a radio-patrulha. Ou ele próprio, na base da velha moral, daria ao pulha umas bengaladas saudabilíssimas.

Portanto, são os velhos, sacerdotes, psicólogos, professores, artistas, sociólogos que dão total cobertura à imaturidade. Os jovens são o certo, o direito, o histórico, o infalível.

Um amigo meu, e velho como eu, dizia-me: — "A juventude sabe mais do que nós". Outro exemplo: — o dr. Alceu. É um sábio católico. Não há dúvida. Ninguém, de boa-fé, poderá negar-lhe a enorme autoridade moral. Quando o leio, fico imaginando: — "Se eu fosse jovem, depois de ler isso, sairia por aí decapitando velhinhas como um Raskolnikov".

Até hoje, não sei bem que idéia faz da juventude o nosso Tristão de Athayde. Ou está esquecido de que o jovem participa da nossa miserável, infeliz e, tantas vezes, abjeta condição humana? O jovem é, permita-me o mestre lembrar-lhe, o ser humano com suas fragilidades, os seus méritos, as suas tentações e com a inevitável, obrigatória dimensão do canalha. O moço tem os defeitos de qualquer um e mais este: — a imaturidade.

Eu sei que o dr. Alceu anda fazendo uma promoção da imaturidade como se esta fosse sabonete ou um refrigerante. E o nosso Tristão, como o Carlinhos de Oliveira, inverte os papéis: — a maturidade é que passa a ser uma deficiência humilhante.

Num dos últimos artigos, conta ele que esteve em Paris e foi testemunha auditiva e ocular da "popularidade mínima" de De Gaulle. Fala de "poucos aplausos" e "algumas vaias".

Eu não entendo e repito: — não entendo. Ah, o bom Alceu, o ótimo, o excelente Alceu. Não deve acreditar na vaia. Aqui, no nosso estádio, vaia-se até minuto de silêncio. Mas quererá ele insinuar que o povo francês tem ódio ao herói? Talvez.

Se fosse Laval, quem sabe se não seria carregado na bandeja, e de maçã na boca, como um leitão assado?

[3/6/1968]
______________________________________________________________________
A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Leia mais...