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O
recurso do bico na bola caracteriza o jogador grosso e limitado.
Verdade do futebol que só não se aplica quando o jogador em questão é
Luís Matoso, o Feitiço. Artilheiro nato, dono de um futebol valente, com
dribles curtos e arrancadas irresistíveis, Feitiço aplicava com muita
arte seus sem-pulos de bico. Além disso, desferia cabeçadas fulminantes."
Luís Macedo Matoso, mais conhecido como Feitiço, nasceu em São Paulo em
29/12/1901, e faleceu na mesma cidade em 23/8/1985, jogava como
centroavante no Santos entre os anos 1920 e 1930.
Foi definido pela revista Placar como um "centraovante raçudo, corajoso,
de cabeçadas fulminantes e indefensáveis chutes de sem-pulo desferidos
com o bico da chuteira". "Comecei a usar o bico da chuteira para me
antecipar nas jogadas, dar mais velocidade e evitar o choque com o
adversário", explicava. "Depois me acostumei, que até de bate-pronto eu
dava de bico sem perder a direção que pretendia dar à bola."
Sendo as cabeçadas sua especialidade, tinha táticas como cabecear de
cima para baixo, para o goleiro ter mais dificuldade, e pular depois do
zagueiro que o marcava. O epíteto "artilheiro", usado até hoje, foi
importado do Uruguai e usado pela primeira vez para laurear Feitiço.
Luís nasceu no Bixiga, no final do primeiro ano do século, e teve sua
infância e juventude no bairro, onde começou a jogar futebol, aos
dezesseis anos. Até então, seu esporte preferido era a bocha. Sem nada
para fazer num domingo em que o dono das quadras manteve-as fechadas por
luto, foi ver uma partida do Jaceguai, clube do Bixiga, e acabou
convidado para defender o terceiro time.
Uma semana depois, de volta à bocha, só foi lembrar-se do futebol no
final da partida do segundo time, mas, como o primeiro quadro estava sem
ponta-esquerda, teve uma chance ali. "Parece que sei", foi sua resposta
à pergunta do técnico se sabia jogar. Marcou três gols naquela partida.
O apelido "Feitiço" deve-se a uma menina que assistia aos jogos do
centroavante e dizia que "o Luizinho parece um feitiço quando joga".
Anos mais tarde, Feitiço contaria: "Sem saber, Nenela me deu um apelido
que pegou e que me deu sorte para o resto da minha carreira."
Com sua fama crescendo, foi chamado para jogar no Ítalo-Lusitano, de Pinheiros, e lá também marcou três gols em sua estréia.
Com suas atuações na segunda divisão, ganhou o apelido de "El Tigre da
Segunda Divisão", alusão ao apelido que Friendenreich tinha. Defendeu o
Corinthians em um amistoso em 1921, marcando um gol.
Em 1922 foi para o São Bento, da capital paulista, atualmente extinto.
Pouco depois quis voltar atrás para jogar no Palestra Itália, mas,
segundo uma lenda popular, um dos diretores do São Bento, que era
delegado, chamou-a à delegacia e ameaçou prendê-lo caso não honrasse o
que tinha acertado.
Lá mais uma vez marcou três gols em seu primeiro jogo, contra o Minas
Gerais, embora em sua estréia pelo Campeonato Paulista, contra o
Palestra Itália em 4 de junho, tenha passado em branco. Seu primeiro gol
oficial foi contra o Internacional, em 15 de junho, quando marcou três
vezes no segundo tempo da goleada por 5 a 0.
Foi artilheiro do Campeonato Paulista em três temporadas (1923, 1924 e
1925). Em março de 1925 foi emprestado ao Palestra Itália para a
primeira excursão internacional da história do clube, à Argentina e ao
Uruguai. Foram quatro jogos e três gols marcados.
De volta ao São Bento para o Campeonato Paulista, ajudou o clube a
sagrar-se campeão, o segundo e último título do clube da Praça da
República — o primeiro tinha sido em 1914. Em 15 de maio, durante
partida contra o Internacional, o São Bento sofreu um gol de Caetano,
que marcou um gol "com bola e tudo". Feitiço parecia inconformado com o
gol e, na primeira oportunidade que teve, fintou vários adversários e
marcou o seu próprio "gol com bola e tudo", levando a torcida à loucura.
A partida terminaria com vitória do São Bento por 3 a 2.
Em 1927, já no Santos, entraria para o famoso ataque dos cem gols
formado por Osmar, Camarão, Feitiço, Araken e Evangelista, que marcou
cem gols em dezesseis partidas, obtendo assim uma média que até hoje é
recorde mundial de gols marcados em uma competição oficial (6,25 gols
por partida). Feitiço marcou gols nos onze primeiros jogos do time,
inclusive com quatro gols na mesma partida por duas vezes e três gols em
quatro oportunidades. Mas em seguida ele foi eliminado da APEA, por
causa de um incidente no Rio de Janeiro.
O Campeonato Paulista fora interrompido para a disputa do Campeonato
Brasileiro de Seleções estaduais. Na final, entre Rio de Janeiro e São
Paulo, disputada em 13 de novembro, no Estádio São Januário, o placar
estava empatado, com um tento pra cada lado. Aos 29 minutos do segundo
tempo, o árbitro Ari Amarante marcou pênalti de Bianco a favor dos
cariocas. Os jogadores da seleção paulista se revoltaram e paralisaram a
partida.
O presidente da república, Washington Luis, que assistia à partida das
tribunas, ordenou que a partida fosse reiniciada, mas Feitiço retrucou:
"Diga ao presidente que ele manda no país. Na seleção paulista mandamos
nós." O livro Todos os Jogos do Brasil atribui a frase ao atacante
Amílcar. A partida acabou ali mesmo.
Ainda no vestiário, o presidente do Santos Guilherme Gonçalves, que
também era presidente da APEA, anunciou à imprensa que Feitiço estava
eliminado da liga, assim como o goleiro Tuffy.
Como o clube santista era conhecido na época como "Campeão da Técnica e
da Disciplina", o presidente alegou a manutenção desse status, embora,
segundo o livro Caminhos da Bola, de Rubens Ribeiro, a decisão tenha
sido de cunho político, para a APEA compensar a decisão da CBD de
nomeá-la como a liga principal do futebol paulista em disputa com a LAF.
O Santos encerrou o primeiro turno com doze vitórias e apenas uma
derrota, para o Palestra Itália, na última das treze rodadas, já sem
Feitiço. No quadrangular final o Santos bateu Guarani e Corinthians, mas
perdeu para o Palestra e viu o título escapar, apesar dos exatos cem
gols marcados, onze a mais que os palestrinos. Araken terminou como
artilheiro da competição com 31 gols marcados, dois a mais que seu
companheiro de ataque Feitiço, embora marcados em quatro partidas a
mais.
A CBD só foi perdoá-lo em meados de 1928, mas o Santos não consentiu,
avisou que ainda achava que era cedo demais e tentou transformar a pena
de eliminação em suspensão por dois anos. A entidade nacional insistiu e
passou a pressionar a APEA pela anistia, o que acabou ocorrendo,
entretanto os jogadores puderam escolher o clube onde jogar. Tuffy foi
para o Corinthians, mas Feitiço decidiu ficar em Santos.
O interesse da CBD era poder contar com Feitiço no amistoso da seleção
brasileira contra o Motherwell, da Escócia, em junho. Nessa partida, a
única da Seleção em 1928, Feitiço marcaria quatro gols.
No Paulista de 1928 marcou dez gols e ficou a seis do artilheiro Heitor,
do Palestra Itália. Feitiço participou de dois dos três amistosos da
seleção brasileira em 1929, contra o Barracas, da Argentina, em 6 de
janeiro, e contra o Ferencváros, da Hungria, em 10 de julho, marcando um
gol em cada jogo.
Voltou a sagrar-se artilheiro do Campeonato Paulista em 1929, com doze
gols. Ele marcou mais um gol no segundo tempo da partida contra o
Palestra Itália em 22 de setembro, mas todo aquele tempo foi
desconsiderado pela APEA, pois o árbitro da partida passou mal no
intervalo, sendo a segunda etapa dirigida por Urbano Caldeira.
Embora fosse o artilheiro do campeonato de 1929 e, alguns meses depois,
também do de 1930 (com 37 gols em 26 jogos), Feitiço não esteve entre os
catorze jogadores paulistas convocados pela CBD para os preparativos
para a Copa do Mundo de 1930, no Uruguai. Provavelmente não teria feito
diferença se ele tivesse sido convocado, pois uma divergência entre
paulistas e cariocas fez com que o único paulista a representar a
seleção brasileira naquele torneio fosse Araken, então brigado com o
Santos.
Em 1931 seria artilheiro pela sexta vez, sendo a terceira consecutiva.
Suas seis artilharias deixam-no atrás apenas de Pelé, artilheiro do
Paulistão por onze vezes. Além disso, é hoje o quinto maior artilheiro
da história do Santos, com 216 gols, além de ser o com a melhor média,
1,43.
No meio do campeonato, foi convocado para a seleção brasileira que
disputaria a Copa Rio Branco contra o Uruguai. Entrou em campo com a
camisa então branca da Seleção pela única vez em uma partida oficial,
embora também a única de suas quatro atuações em que não marcou gol.
Foram seis gols em seus quatro jogos pela Seleção.
Chegou ao Corinthians no final de 1932, disputando dez amistosos e um
jogo oficial e mantendo uma média de um gol marcado por jogo. Em partida
contra o Uberaba cobrou um pênalti propositalmente para o lado quando o
placar já apontava 3 a 0.
Recebeu então uma proposta do Peñarol, do Uruguai, onde já havia futebol
profissional, uma oferta tentadora que também foi aceita por Leônidas
da Silva. Nesse período conquistou o Campeonato Uruguaio de 1935 e ainda
tornou-se o primeiro estrangeiro a defender a Celeste Olímpica.
No Vasco da Gama ganhou o título de campeão carioca de 1936, seu segundo
título estadual. Teve ainda uma passagem pelo Palestra Itália entre
1938 e 1940, encerrando a carreira no final desse ano, pelo São
Cristóvão, do Rio de Janeiro. Ao todo, marcou mais de quatrocentos gols
em sua carreira.
Mais tarde foi árbitro. Quando morreu era técnico de bocha do Clube Pinheiros.
Feitiço Atlético Clube
Na sua estada em Santos ele também ficou muito popular junto à torcida
da cidade vizinha, São Vicente, popularidade essa que influenciou a
criação de um dos clubes mais antigos do litoral paulista. Um grupo de
jovens que começava a acompanhar o futebol se tornou fã desse jogador e
fundou o Juvenil Feitiço, depois Feitiço Atlético Clube, em abril de
1928. Em 1950 esse clube passaria a ser chamado pelo nome da cidade.
Fontes: Wikipedia; Revista PLacar.