A
história que passamos a contar e que desentranhamos de uma velha
crônica, já rendada pela traça, remonta ao primeiro período da
colonização do Brasil. Teve por teatro a velha capitania de Pernambuco, e
começa em tempos da governação-geral de Manuel Teles Barreto.
* * *
Lopo de Vila-Flor era o que, com toda a franqueza e sem cerimônia, se pode chamar um refinadíssimo patife.
Bêbado, jogador, devasso,
desordeiro e mesmo ladrão, quando se lhe oferecia ocasião de defraudar
o alheio, o governo de Portugal viu-se obrigado a deportá-lo para o
Brasil, não obstante ser ele filho espúrio de um dos condes de
Vila-Flor, gente que surgia na primeira linha da nobreza lusitana.
Não eram raros os indivíduos
desse quilate, entre os fidalgos do século XVI. Os extensos privilégios
de que gozava a nobreza, a noção errônea e perniciosa do demérito
trazido pelo trabalho, a divisão social em classes, a frouxidão da
justiça, embaraçada e desvirtuada pela incompreensão do princípio de
eqüidade, uma pesada ignorância, fanatismo e preconceitos de toda a
casta, influíam tão diretamente na depreciação do caráter, que até
príncipes herdeiros presuntivos da Coroa, como esse filho de Henrique IV
de Inglaterra, e outros, figuram às vezes na tradição como heróis de
orgias, onde da bebedeira se passava ao roubo e ao homicídio, sendo em
seguida tudo isso lavado da consciência por uma rica dotação a um
convento ou uma peregrinação aos grandes centros de devoção cristã –
Jerusalém, Roma, Santiago, etc.
Ora, nestes casos estava o herói
da presente história. Filho do conde de Vila-Flor com a viúva de um
fidalgo que morrera na Índia, pelejando pelo lustre das quinas
portuguesas, Lopo fora criado com todo o carinho e mais que exagerada
solicitude no faustoso solar do conde. Crescera, sendo-lhe permitidas
pelo pai todas as extravagâncias, e cedo os fâmulos e servos começaram a
suportar o gênio caprichoso e brutal do fidalguinho, sempre desculpado
pelo velho conde que por ele tinha um afeto vivíssimo.
Chegando à idade viril, Lopo
começou, dilatado, assim, o campo das suas aventuras, a exercer a sua
índole, mas nos simples campônios, que o tinham por verdadeiro demônio:
quotidianamente chegavam ao pai notícias de espancamentos, desrespeitos
a donzelas, e perversidades de toda a espécie praticadas pelo seu
Benjamim, e tanto este cresceu em audácia e cinismo que um dia levantou
mão criminosa contra o pai, quando o repreendia por certo delito.
Indignou-se por tal forma o
velho e honrado conde, com esse iníquo procedimento do infame, que,
fazendo calar o grande amor que lhe consagrava, o expulsou da casa
paterna, cobrindo-o de maldições.
Então Lopo de Vila-Flor
passou-se para Lisboa, onde, em conseqüência do alto conceito que gozava
sua família, recebeu logo ao chegar favorável acolhimento na Corte.
Cedo, porém, revelando o degradante fundo do seu caráter,
incompatibilizou-se com a sociedade lisbonense, e a Polícia do rei
viu-se obrigada a deportá-lo para o Brasil, onde não seria tão
prejudicial "por ser este país uma terra larga", dizia o alvará que o
remeteu.
Eis o personagem que vai figurar como protagonista da presente história.
* * *
Com a mudança de ares não
modificou Lopo o seu comportamento, e a população de Olinda contou desde
o dia da sua chegada com mais um flagelo em seu seio. A sua vida
decorria entre o bordel, a taverna e a espelunca, atribuindo-se-lhe
grande número de desacatos às pessoas e lesões às propriedades. As
coisas chegaram a tal ponto que o ouvidor lhe moveu séria perseguição, e
o nosso valdevinos, para furtar-se às garras da Justiça, evadiu-se de
Olinda, por uma madrugada, buscando a vila do Cabo. Com isto
contentaram-se os moradores da velha capital pernambucana e o ouvidor
deu por finda a sua missão.
A nossa, porém, irá mais longe, e nessa batida não abandonaremos mais o tresloucado fidalgote.
* * *
Havia duas horas que Lopo de
Vila-Flor cavalgava em direção ao Cabo, e o sol já vinha rompendo,
quando percebeu na sua frente um outro cavaleiro que seguia a mesma
direção que ele. Lopo, interessando-se em saber quem era o cavaleiro,
deu de esporas à égua que montava, e em breves minutos emparelhava com o
matutino viandante.
Era dom Sancho,
jovem fidalgo seu conhecido, bom rapaz, porém um tanto amigo do jogo,
fato que permitiu a Vila-Flor travar com ele relações em uma espelunca.
Cumprimentaram-se alegremente e
logo entabularam conversação. Dom Sancho ia à vila da Escada visitar um
tio, rico proprietário de engenhos dessa localidade; Lopo Vila-Flor,
ocultando o verdadeiro motivo da sua retirada de Olinda, disse ao
companheiro que se dirigia à vila do Cabo por motivo de negócio.
Não falaram mais sobre os
motivos da jornada, e começaram os dois, ao trote largo de suas
cavalgaduras, a discretear sobre a vida em Olinda, e principalmente
sobre aventuras de jogo.
Assim chegaram a um ponto em que
o caminho era atravessado por um límpido regato. Aí, virando-se dom
Sancho para Vila-Flor, disse-lhe:
– Amigo, já que o acaso
nos reuniu para companheiros de jornada, permita que o convide a
participar de um magro almoço que aqui trago, o qual, embora pouco
sólido e variado, servirá para restabelecer em nossos estômagos um
certo equilíbrio.
– De bom grado, – respondeu
Vila-Flor,– mesmo porque o ar fresco da manhã e o trote deste cavalo
abriram-me danadamente o apetite.
– Nesse caso façamos alto aqui, a fim de aproveitarmos esta belíssima água.
– Como queira.
Apearam-se, amarraram os cavalos
no tronco de um espinheiro, e sentaram-se comodamente na barranca a
fim de apreciarem o almoço, que constava de uma boa lasca de presunto,
um requeijão, farinha de mandioca e um botijão de excelente vinho
português. Comeram e beberam melhor, tudo na mais satisfatória harmonia,
e, terminada a refeição, Lopo disse para o companheiro:
– Para que a nossa pequena festa seja completa devemos agora jogar alguns cruzados numa pequena parada.
– Mas onde estão os dados?
– Tenho-os aqui.
– Todavia não jogo, pois não venho suficientemente abastecido de dinheiro.
– Nem eu também me acho folgado.
No entanto, vinte ou trinta cruzados que se percam não aleijam a
ninguém, nem pelo temor de perdê-los deve-se deixar escapar tão boa
ocasião.
– Vá lá, porém com uma condição.
– Aceito-a desde já.
– É que, quando qualquer de nós tenha perdido quarenta cruzados, não se jogará mais.
– Às mil maravilhas; todo o meu dinheiro é apenas cinqüenta cruzados e assim me ficarão ainda dez para os gastos.
Convém observar ao leitor que
cinqüenta cruzados, ou por outra vinte mil réis, eram naquele tempo uma
quantia assaz importante, a regular-se pelos ordenados dos
governadores-gerais, os quais, embora representassem a pessoa real e
tivessem um mando que ia até o direito de morte em peões e gentios,
apenas percebiam 400$000 anuais.
Estabelecida a preliminar da
suspensão do jogo, logo que um dos parceiros perdesse quarenta cruzados,
Lopo de Vila-Flor, tirou do bolso do gibão uns dados de osso, e
começou a partida. tendo cada um parado dez cruzados de mão.
Lopo perdeu, e dom Sancho embolsou o dinheiro.
Seguiu-se uma outra partida,
também de dez, e Lopo tornou a perder. Já um tanto impaciente, Lopo
jogou numa terceira partida o resto dos quarenta cruzados da convenção,
isto é, vinte.
Tornou a perder, e dom Sancho,
embolsando as moedas, levantou-se disposto a prosseguir em sua viagem.
Deteve-o Vila-Flor com estas palavras:
– Amigo, joguemos mais uma partida.
– Por forma alguma; segundo
dissestes, o vosso dinheiro constava unicamente de 50 cruzados, e
perdestes 40. Com que dinheiro fareis o resto de vossa jornada, se a
sorte continuar a fugir de vós numa nova parada? Eu tenho por princípio
inabalável não restituir dinheiro ganho ao jogo, ainda que o perdesse o
meu próprio pai, e depois foi a condição que ditei antes de começarmos
o jogo...
– Com que, então dom Sancho, –
redarguiu colérico o filho do conde de Vila-Flor,– me arrancaste
quarenta cruzados e assim me deixais no meio da estrada, quase sem
dinheiro para pagar a hospedagem na primeira albergaria?!. .. Permiti
que vos diga, sr. dom Sancho, que o vosso procedimento se assemelha
muito ao de um bandido de estrada.
Ao ouvir essa inconcebível
insolência, dom Sancho corou até à raiz dos cabelos, e, colocando a mão
no copo da espada, respondeu com altivez:
– Sr. Lopo, se a nobre família
de Vila-Flor tem por hábito tragar sem protesto de ponta de espada
insultos como o que acabais de proferir, nunca a dê Sancho de Miranda,
em todos os seus descendentes; até o mais longínquo futuro, sofre-las-á
sem responder ao atrevido, enristando-lhe o ferro dos desagravos
honestos.
Eram de bom gosto nesse tempo
essas tiradas infladas de basófia e sensitivos pundonores, mas assim
como se dizia fazia-se, e, seguindo a regra dom Sancho procurou desnudar
a espada.
Embaraçou-se, porém, em tirá-la
da bainha, e o pérfido Vila-Flor aproveitando-se desse desarmamento
momentâneo, sacou da sua adaga, e enterrou-a até as guardas no peito do
inimigo.
Dom Sancho, sem soltar um gemido, tombou, golfando sangue pela boca.
Em três segundos era cadáver.
Lopo de Vila-Flor, saqueando-lhe
as algibeiras, arrastou o corpo para junto de um penhasco, que da
estrada não se percebia, e em seguida continuou a sua viagem, sem se
preocupar o mais levemente possível com o monstruoso crime que acabava
de perpetrar.
Ora... tinha na algibeira
dinheiro suficiente para a crápula... Que lhe importava o cadáver feito
por suas mãos, que ficava apodrecendo junto à estrada, sem ao menos uma
cruz presidindo à final consumação da carne?
* * *
Passaram os tempos. Insuficiente
como era a polícia no primeiro período da colonização do Brasil, tendo
de exercer-se com minguadas forças e em dilatadíssimas extensões,
apesar dos esforços empregados pela família de dom Sancho, a fim de
descobri-lo, o crime de Lopo de Vila-Flor não foi conhecido, e o
assassino continuou a desregrada vida de bebedeiras, jogatinas e
crápula.
Cinco anos já eram decorridos,
quando aconteceu um dia cursar Vila-Flor o caminho entre a Escada e
Olinda. Era a primeira vez que isso lhe acontecia, depois que ali
praticara o seu nefando homicídio, do qual bem pouco se lembrava já.
Cavalgando, chegou ao riacho,
onde cinco anos antes havia feito a merenda e jogado aquela partida de
dados que tão fatal fora a dom Sancho.
Então veio-lhe ao pensamento
todos os inciŽdentes daquela triste cena, e como por sugestão diabólica
teve uma viva curiosidade de examinar o lugar em que havia depositado o
cadáver do inditoso mancebo. Não pôde resistir à tentação, e,
apeando-se, dirigiu-se para o penhasco. Logo o encontrou.
O cadáver apodrecera ali mesmo, e
fora devorado pelos corvos. Os ossos achavam-se espalhados por um
circuito de quatro a cinco braças, no qual a relva havia fenecido.
Bem no centro da ossada dispersa achava-se a caveira.
Lopo de Vila-Flor teve um gesto
de horror, assim que avistou esses restos, porém domando tal movimento,
procurou encher-se de coragem, e apostrofou a caveira da seguinte
forma:
– Então, dom Sancho, queres agora jogar mais uma partida dos dados?
E sorriu-se, admirado do próprio cinismo.
Qual não foi, porém, o seu
assombro ao ver a caveira torcer-se no chão com estalidos secos, e
responder-lhe em voz de tão estranha modulação que lhe fez gelar o
sangue nas veias:
Vai seguindo teu caminho,
Não perturbes minha paz,
Joga, encharca-te de vinho,
Faze tudo o que te aprazo
Por ora nada te oprime,
E não te digo mais nada,
Mas tua conta de crime,
Será na Bahia ajustada.
Lopo de Vila-Flor, ao ouvir tão
estranhos versos, cujo sentido não compreendia, sentiu os cabelos
levantarem-selhe na cabeça, e o corpo entrou-lhe todo a tremer. Assim
permaneceu alguns segundos, porém, afinal, recobrando algum ânimo,
correu espavorido para a estrada, montou a cavalo, e a todo galope fugiu
daquele sítio assombrado.
* * *
As medonhas palavras que ouvira
não podiam, no entanto, sair-lhe da mente; e, assim, na primeira
povoação a que chegou, procurou um padre e pediu-lhe que o ouvisse de
confissão, comunicando ao sacerdote o seu crime e a terrível ameaça da
fantástica caveira.
O padre ficou assombrado com o
que ouvira, e, prescrevendo ao criminoso dura penitência, aconselhou-o
que nunca dirigisse os seus passos à Bahia pois as palavras da caveira
lhe anunciavam que nesse lugar encontraria ele castigo do seu delito.
Durante alguns meses Lopo de
Vila-Flor conservou-se apreensivo sobre o seu destino, mas afinal a vida
de dissipação que levava, e bem assim o firme propósito que havia
formado de nunca ir à Bahia, tranqüilizaram-no de todo, e pouco a pouco
foi perdendo a lembrança do sucedido.
Por esse tempo os holandeses
tinham invadido Pernambuco, e vencendo a tenaz resistência que lhes
havia oposto o esforçado Matias de Albuquerque, haviam conseguido
destruir o arraial do Bom-Jesus e expelir os portugueses de Pernambuco,
depois de derrotá-los em diversos pontos.
Lopo de Vila-Flor pelejava ao
lado dos portugueses, como comandante de uma companhia, e, assim, quando
o príncipe de Bagnuolo, após o insucesso de Porto-Calvo, retirara-se
para as Alagoas, Lopo de Vila-Flor, bem como todo o exército poŽtuguês
ora obrigado a acompanhá-lo.
Senhores de Pernambuco, os
batavos perseguiram os portugueses até as margens do São Francisco, e
estes, não podendo oferecer resistência eficaz ao inimigo, em Sergipe,
tiveram de se recolher à Bahia.
Achou-se, pois, Lopo de
Vila-Flor sem o querer, e sem mesmo nisto pensar, no lugar que tanto
temia, ali conduzido pelo acaso ou pelo desígnio da Providência.
* * *
No entanto o filho do conde
português não ligava mais a menor importância às suas antigas
apreensões. Os episódios da grande guerra em que se achava empenhado, o
espetáculo da morte que tantas vezes havia presenciado, tornaram-no
inacessível ao remorso, e, como outrora, a sua única preocupação era
jogar, beber e folgar.
Ora, de uma vez Lopo de
Vila-Flor convidara alguns camaradas de armas para almoçar com ele e
depois jogar algumas partidas. A reunião devia ter lugar numa
sexta-feira, e Vila-Flor na manhã desse dia dirigiu-se à Praça a fim de
comprar qualquer peça de carne com que regalasse os amigos.
Com a permanência das tropas
pernambucanas na Bahia, a vida nesta cidade tornara-se muito difícil,
sendo geral a escassez de víveres. Os que apaŽeciam nas feiras eram logo
arrematados por preços elevadíssimos e muitíssimas famílias começavam a
sofrer duras privações.
Assim, Lopo de Vila-Flor teve
enorme dificuldade em encontrar um bom guisado para oferecer aos seus
convidados. No mercado da cidade não havia mais nada de suculento para
comprar, tendo Lopo que se contentar com uma cabeça de carneiro, cujo
corpo já tinha sido arrematado por alguns oficiais que andaram mais
adiantados do que ele.
Embora mortificado por esse
contratempo, Lopo de Vila-Flor pagou bem caro a cabeça de carneiro,
metendo-a dentro de um saco de estopa, e levou-a para casa, confiado que
o seu cozinheiro, um crioulo baiano, saberia dar a essa peça inferior
um tempero digno do paladar dos seus amigos.
* * *
Quando chegou à sua habitação,
já lá se achavam os convidados: eram uns quatro ou cinco rapazes alegres
que o receberam com uma salva de palmas e exclamações jubilosas.
– Com que, então, – disse um deles, – temos hoje um almoço de arromba
– Qual o quê, – respondeu Lopo
contristado, – nada encontrei digno de vós, nos mercados; tudo já tinha
sido arrematado. Em caminho encontrei-me com um frade gordo de São
Francisco, que conduzia embrulhado no hábito seboso um excelente capão.
Tive ímpetos de assassinar aquele guloso servo de Deus, e roubar-lhe o
bicho, que daria uma magnífica cabidela, porém temi encontrar-me no
inferno com aquele patife, o qual, por seu compadresco com o diabo, me
obrigaria a restituir-lhe o frangão.
Uma gargalhada acolheu essa tirada.
– Mas, então, nada encontraste
– Isso não; aqui trago uma bela
cabeça de carneiro, que, sendo confiada à habilidade do nosso Lourenço,
que em matéria de cozinha é mais perito do que o seu primo Henriques
Dias, em questão de guerrilha, nos dará um almoço regular.
– Pois, então, viva a cabeça de carneiro, em falta de coisa melhor! – exclamaram os rapazes alegremente.
– O que lhes garanto é que é uma cabeça de carneiro do tamanho da de um novilho. Ei-la.
E, dizendo isso, Lopo desceu a boca do saco e fez rolar no soalho o conteúdo do mesmo.
Mas. .. oh! assombro!
Em lugar de uma cabeça de
carneiro, rolou na sala, a espadanar sangue, uma coisa monstruosa. O que
Lopo e seus convidados viram, no maior espanto, foi uma cabeça humana,
medonhamente lívida, de olhos vidrados, lábios espumantes e cabelos
empastados.
Um grito de pavor saiu de todos
os peitos, e Lopo de Vila-Flor, não podendo conter a extraordinária
emoção que dele se apoderou, exclamou trêmulo e de olhos esbugalhados:
– Dom Sancho de Miranda!
O assassino tinha reconhecido nos traços daquela espantosa cabeça as feições da sua vítima.
Nada mais pôde dizer: uma névoa
densa obscureceu-lhe a vista, ganhou-lhe o corpo todo um torpor
indizível, e rolou sem sentidos na sala.
* * *
Compreenderam logo os
companheiros que se tratava de um crime nefando, pois alguns
reconheceram igualmente aquela cabeça como a de dom Sancho que havia
muitos anos tinha desaparecido da capitania de Pernambuco.
Assim entregaram Lopo de
Vila-Flor à Justiça, e o indigno, sendo tomado de estranha confusão,
revelou imediatamente o crime que havia cometido, com todas as suas
minudências agravantes.
Foi-lhe instaurado processo; e,
comparecendo em julgamento, condenado à morte, sentença essa que a
Casa-da-Suplicação de Lisboa confirmou. Como era nobre, não subiu à
forca: cortaram-lhe simplesmente a cabeça em uma das praças da Bahia, e
assim se cumpriu a estranha ameaça proferida pela caveira de dom
Sancho... "E", termina a crônica de onde extraímos esta história, "tudo
assim aconteceu, para que não ficasse no mundo sem castigo um homem que
tantos agravos às pessoas e bens havia praticado – um endurecido
pecador que agora está purgando as suas grandes culpas nas profundezas
do inferno".
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Fonte: "Padilha, Viriato. O livro dos fantasmas. Rio de Janeiro, Spiker, 1956, p.83-95" in Jangada Brasil.